A vida como ela é
Luis Artur Nunes (coautor e o primeiro diretor de A maldição do Vale Negro) é um dos maiores especialistas em Nelson Rodrigues no país não só pela sua preciosa contribuição teórica, mas, sobretudo, pela participação em importantes produções de um dos maiores escritores brasileiros. No espetáculo A vida como ela é, sua experiência com o universo rodrigueano se mostra na habilidade em trabalhar cenicamente com o escritor, sem descaracterizar com o teatro o que é próprio da literatura. As crônicas publicadas no jornal A Última Hora, durante os anos 50, tantas vezes adaptadas tanto para os palcos como para as telas, ganham mais uma vez o teatro na montagem do grupo catarinense Teatro Sim...Por Que Não?!!! Luis Artur Nunes, ou Luisar, como lhe chamava Caio Fernando Abreu, mantém a narrativa melodramática de Nelson Rodrigues, retira o contexto realista-naturalista dos personagens e investe em vários recursos cênicos que, além de explorar o potencial dos atores, oferece à obra (ou às obras) novas possibilidades de fruição.
Cinco crônicas foram utilizadas: Uma senhora honesta, Noiva para sempre, Noiva da morte, Doente e O grande dia de Otacílio e Odete. O espetáculo utiliza, para cada texto, uma forma diferente de contar, mantendo como unidade o clima de “teatro contado”, o ator como um contador de histórias, esse tema de uma de suas pesquisas acadêmicas mais respeitadas no campo dos estudos em artes cênicas. Assim, a fotonovela, o teatro de fantoches, a dublagem e o jogral são alguns dos recursos cênicos explorados pelo diretor e sua equipe na viabilização teatral das histórias escolhidas. O resultado é rico porque explora os sentidos através de formas marginalizadas e não menos interessantes.
Ana Paula Possapp é quem apresenta o melhor resultado em cena. Sendo A vida como ela é um espetáculo mais do diretor que dos atores, ou seja, um tipo de produção em que as escolhas estéticas dizem mais respeito à estrutura narrativa do que ao apagamento da história em si, identificar trabalhos que se destacam só é possível quando o destaque é realmente visível. É simplesmente excelente a forma como Possapp manifesta várias intenções via tonalidades diferentes da voz em paralelo a uma expressão facial duramente neutra na primeira cena, para citar apenas, talvez, o seu melhor momento. Não é possível dizer, importante frisar, que há construções negativas na produção, o que torna o trabalho de direção ainda mais valoroso.
No que se refere aos outros elementos do espetáculo, o cenário é limpo e potente, fornecendo meios para a exploração do teatro de sombras, outro recurso interessante e bem utilizado sobretudo nos intervalos entre cenas, que, em alguns momentos, poderiam ser menores. A escolha da trilha sonora, com forte apelo popular, marcando o tempo época da narrativa como em décadas da metade do século XX e o espaço como o Brasil, garante a intenção estética de estabelecer a crônica jornalística como referência não só textual, mas também contextual. As histórias lidas nos tabloides passavam de boca em boca, embaladas por várias canções conhecidas, na periferia e nas zonas nobres, de ouvido em ouvido, de família em família, sentidos esses que, assim, tem seu lugar garantido na produção de que se trata aqui. O figurino ratifica os demais signos e torna a encenação coerente e coesa. O tom pujante da última cena, cujo contexto é a copa do mundo de 58, deixa pensar que há um ápice dramático e, assim, permite identificar uma unidade nas cinco histórias que, unidas, chegam ao fim. A vida como ela é deixa a sua marca no 18º Porto Alegre em Cena por trazer o diretor gaúcho Luis Artur Nunes em um de seus melhores trabalhos.
* Texto escrito em setembro de 2011 por ocasião do 18º Porto Alegre em Cena.
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