segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Atreva-se (SP)

Jô Soares tira o melhor do difícil texto
de Maurício Guilherme
Foto: divulgação

A importância da segurança na comédia

“Atreva-se”, de Maurício Guilherme e com direção de Jô Soares, é uma produção que se mostra indecisa no início, mas que, aos poucos, conquista o público, vencendo seus próprios desafios. Em alguns momentos, quando as cortinas estão fechadas, apela-se para o humor fácil. Em outros, quando o cenário se dá a ver, a comédia é extremamente carregada de referenciais e, por isso, bastante refinada. Ao mesmo tempo, enquanto a encenação se baseia no clima do cinema noir, os diálogos e as tramas parecem se aproximar dos melodramas de Douglas Sirk. A análise a seguir, embora sem repostas prontas, cogita esses dois motivos como uma explicação para o fato do público não se envolver, não entregar facilmente ao espetáculo paulista, demorando um certo tempo para se situar no contexto e, então, se divertir. Produzido por Rodrigo Velloni, a peça está em cartaz no Teatro Leblon – Sala Tônia Carrero. 

A protagonista de “Atreva-se” é uma mansão construída no fim do século XIX ou início do século XX em algum lugar dos Estados Unidos. Os acontecimentos que a narrativa expõe se passam em três momentos diferentes: em 1929, em 1942 e em 1963. Em cada um deles, os personagens têm seus objetivos distintos e a tarefa do espectador é justamente unir as peças, tudo isso estimulado por uma “Lanterninha”, isto é, uma personagem que é funcionária de um cinema e que aparece no início e nos entre-cenas, conversando com o público enquanto as cortinas estão fechadas. Ela tem uma claquete nas mãos e anuncia o nome dos quadros antes deles começarem. No palco, tudo é preto, branco ou cinza, permitindo pensar que a intensão é fazer parecer que estamos assistindo a um filme em preto em branco.

Eis os problemas: para a comédia fluir a contento, o realismo estético é básico. Enquanto a audiência não testar e comprovar que todos os elementos estão em seus devidos lugares, não irá se sentir segura o suficiente para sorrir ou gargalhar. Quando a primeira cena aparece deixando várias dúvidas, o espectador sabe qual é o seu desafio e, com os olhos postos no palco, põe-se a investigar. O problema é que, na segunda cena, as perguntas da primeira não são de todo respondidas e nem o terceiro quadro age assim em relação aos dois anteriores, deixando várias questões da ordem do roteiro insatisfeitas. Fica, assim, a certeza de que apenas os signos icônicos (as caras e bocas, os olhares, as pausas, as movimentações) e as reviravoltas (sobretudo na cena de 1942) são as chaves para a comicidade e não a articulação da narrativa em uma história coesa e coerente ou mesmo a estrutura dramática interna de cada cena. Perceber isso demora um certo tempo.

Apresentada por um elenco de quatro renomados comediantes (Marcos Veras, Júlia Rabello, Carol Martin e Mariana Santos), os resultados são positivos, apesar dos desafios. Cada um dos atores conhece bem o ritmo da comédia e joga com os diálogos e com a movimentação com habilidade, conseguindo tirar do texto difícil boas passagens. Jô Soares, profundo conhecedor do cinema, parece também ter sido fundamental na construção desse espetáculo, tornando as referencias mais acessíveis e o ritmo da encenação mais palatável. 

Em termos visuais, a produção é impecável. O cenário de Chris Aizner e o figurino de Fábio Namatame não apenas são bonitos e construídos com afinco nos mínimos detalhes, mas são inteligentes na medida em que interagem com o texto e com as interpretações, articulando-se à concepção com quase naturalidade. O grau de força com que cada elemento, incluindo a iluminação e a trilha sonora, está unido a outro na construção sólida do espetáculo é o primeiro ponto, antecedendo o talento (e a técnica) dos atores em suas interpretações, que faz da fruição um lugar seguro para se entreter. 

Apesar das barreiras, “Atreva-se” é uma ótima produção e um bom espetáculo. O todo cênico exibe o valor de cada nome incluído, mas sobretudo a coragem de cada um de enfrentar o desafio e vencê-lo. Parabéns. 

*

Ficha Técnica

Texto: Mauricio Guilherme
Direção: Jô Soares
Elenco: Marcos Veras, Júlia Rabello, Mariana Santos e Carol Martin
Iluminação: Maneco Quinderé
Cenografia: Chris Aizner
Figurinos: Fábio Namatame
Direção Musical: Eduardo Queiroz
Colaboração de texto: Luciana Sendyk
Produção: Rodrigo Velloni
Produção Executiva: Giovani Tozi e Keila Mégda Blascke
Realização: Velloni Produções Artísticas

Hamlet (SP)

Thiago Lacerda protagoniza espetáculo
dirigido por Ron Daniels
Foto: divulgação

Péssimo

            A velha cantilena sempre é necessária: “Não existe jeito certo ou jeito errado de fazer teatro, mas existem, SIM, lugares confortáveis e desconfortáveis de produzir uma narrativa.” “Hamlet”, um clássico entre os mais clássicos e que, por isso, dispensa maiores apresentações, trata, antes de tudo, da loucura e, por isso, adaptá-lo para o Expressionismo ou para o Surrealismo seriam excelentes e bem-vindas investigações. Mas qualquer um que vai mexer nesse texto deve saber que ele é uma tragédia clássica e que, por vários motivos além desse, tem grande valor porque antecipou, na Inglaterra elisabetana e na história da arte, o classicismo que só viria a entrar em voga quase um século depois com Raccine, na França. Dessa forma, transformar “Hamlet” em uma comédia de costumes, com todo o respeito às comédias de costume, pode até não ser heresia, mas é, sim, um desperdício de tempo, de dinheiro, de talento, de técnica e, sobretudo, de paciência, já que são quase três horas de narrativa na produção paulista concebida e dirigida por Ron Daniels de que se fala aqui. O resultado é péssimo. 

Ron Daniels, diretor brasileiro radicado nos Estados Unidos, desconsidera o que há de mais importante na dramaturgia trágica de Shakespeare e escreve cenicamente uma peça rasa, sem conflitos internos e externos, sustentada apenas pelo drama/trama shakespereano e apresentada com imensa superficialidade. Longe de puritanismos, até porque já foram citados o Surrealismo e o Expressionismo como possibilidades, a impressão é de que o diretor não entendeu o texto. Como na tragédia grega, os personagens de “Hamlet” têm um destino ao qual não podem fugir. O príncipe foi incubido pelo fantasma de seu pai a vingar-lhe. A rainha Gertrudes e o rei Cláudio sabiam que, traindo o próprio marido e irmão, estavam fadados à punição. Polônio dá conselhos ao seu filho Laertes porque sabe que não o verá novamente. Ofélia sabe que, se entregar seu amor a Hamlet, sofrerá grande dor. E assim por diante. Os coveiros, que o são há muitos anos, são mais habilidosos que os carpinteiros porque constroem casas que duram para sempre. Guildenstern e Rosencrantz, que representam a fidelidade e as tradições, “estão mortos” porque o tempo das grandes revoltas está para começar, pondo fim definitivo à Idade Média. Esses encadeamentos, que Shakespeare fez com extrema habilidade, são conceitos básicos no texto e que, para vir à cena confortavelmente (e o Surrealismo e o Expressionismo ofereceriam outras opções de confortabilidade), precisam das marcas da tragédia. Algumas delas são: texto bem dito, com dicção perfeita, oratória sóbria, retórica bem articulada, desvio das emoções, pouca movimentação, ritmo bem marcado e constante com leve ascendência no final, correndo para o fim. Quando Édipo (Sófocles) grita “Ai!”, não é de seu coração plebeu que vem a dor, mas de sua mente aristocrática (filho de um rei!) que sofre o peso da culpa. Quando Nagg (Beckett) grita “Minha papa!” não é de fome humana que ele está falando, mas de existência objetiva. Assim, conceito e concretude, forma e conteúdo podem ser articulados, dando a ver a plenitude de uma encenação moderna para o um texto secular. Nada disso se vê em Ron Daniels, que não se serve nem da tragédia grega (Sófocles), nem da tragédia contemporânea (Beckett) e tampouco da clássica.

A tradução de Marcos Daud e de Daniels e os figurinos de Cássio Brasil mostram uma contemporaneidade que é incoerente em sua própria estrutura. A fala coloquial se contradiz nas frases longas e cheias de orações subordinadas e ênclises. Os ternos, as roupas militares e os vestidos se contradizem com os figurinos medievais da peça teatral que acontece no palácio do Rei Cláudio à pedido do príncipe Hamlet. A transformação da cena dos coveiros em um quadro cômico em que dois mineiros estereotipados contam piadas é de um mal gosto insolente. A quebra constante da quarta parede exibe uma confusão entre monólogo e solilóquio na peça como um todo. Com exceção do excelente desenho de som de Aline Meyer e de André Luis Omote e da positiva iluminação de Domingos Quintiliano, quase nada se “salva” nessa produção coberta de equívocos. 

Quanto às interpretações, é realmente difícil acreditar que atores renomados tenham apresentado trabalhos tão pífios por ausência de talento e de técnica. Fica-se claro, assim, que o elenco foi mal dirigido, amparado por uma concepção problemática desde o seu cerne. As vozes são empostadas como se os atores estivessem dublando a si próprios. Thiago Lacerda (Hamlet), Antônio Petrin (Ator) e Rafael Losso (Horácio) são os únicos que conseguem, em momentos esparsos, dar o peso e a consistência que o texto merece e pede, fugindo das indicações da direção. Selma Egrei (Gertrudes) e Eduardo Semerjian (Cláudio), nos momentos pós retirada da peruca e antes da oração, também deixam vislumbrar certa profundidade bem vinda nesse mar sem ondas. Roney Facchini (Polônio) e Anna Guilhermina (Ofélia) são quem oferecem os piores resultados. 

Pouco conhecido no Brasil, Ron Daniels lega a Shakespeare a má fama de ser chato, cansativo, verborrágico e antiquado. Pobre bardo! 

*

Ficha técnica:

Texto: William Shakespeare
Tradução: Marcos Daud e Ron Daniels
Concepção e Direção: Ron Daniels

Elenco (por ordem de entrada):
André Hendges
Marcelo Lapuente
Rafael Losso
Rogério Romera
Antônio Petrin
Thiago Lacerda
Anna Guilhermina
Marcos Suchara
Eduardo Semerjian
Selma Egrei
Roney Facchini
Fernando Azambuja
Chico Carvalho
Ricardo Nash
Everson Romito

Idealização e Curadoria Artística: Ruy Cortez
Cenografia: André Cortez
Figurinos: Cássio Brasil
Desenho de Luz: Domingos Quintiliano
Trilha Sonora: Aline Meyer
Coreografia de Lutas: Ricardo Rizzo
Assistência de Direção: Leonardo Bertholini
Preparação vocal: Babaya
Projeto de Sonorização: André Luiz Omote
Operador de Luz: Felipe Lourenço
Operador de Som: Tiago da Silveira
Contrarregra: Alexandre Fumaça
Produção RJ: Cláudio Rangel
Produção Executiva e Administração: Francisco Marques
Direção de Produção: Claudio Fontana

Oscar e a Senhora Rosa (RJ)

Tadeu Aguiar dirige a primeira montagem
do texto no Brasil
Foto: divulgação

Valorosa produção marca dos 55 anos de carreira de Miriam Mehler

“Oscar e a Senhora Rosa” é para gente forte. O espetáculo, cuja produção comemora os 55 anos de carreira da atriz Miriam Mehler, tem como protagonista um menino, paciente terminal de câncer, que mora em um hospital. Ao contrário do peso que possa parecer, mas sem negá-lo, a peça trata do que há de melhor no ser humano, independente da idade, do sexo, da região onde mora ou nasceu, da época em que vive ou viveu: a sua vontade de deixar uma marca e, através dela, permanecer nesse mundo maravilhoso além de sua morte. Com esse olhar, descobre-se que “Oscar e a Senhora Rosa” não fala nem de câncer, nem de morte, nem de hospital, nem de enfermeiras, tampouco de Deus. O assunto, na forma de pergunta, é como cada um de nós está vivendo o seu dia? Como apenas um dia ou como dez anos em vinte e quatro horas? 

Escrito pelo dramaturgo francês Eric-Emmanuel Schmitt no início dos anos 2000, o texto de “Oscar e a Senhora Rosa” já recebeu montagens pelo mundo inteiro, situando-se próximo dos sucessos “O visitante”, “Variações Enigmáticas” e “Parceiros no crime”, outros grandes trabalhos do mesmo autor. Aos dez anos, Oscar está internado em um hospital e, como outros pacientes, recebe a visita de voluntários que vêm trazer mais cor para a vida de quem pode estar no limiar da morte. Por estar vestida de rosa, Oscar passa a chamar uma das voluntárias, uma velha senhora, de Vovó Rosa. Um dia ela sugere ao garoto que passe a escrever cartas a Deus para não se sentir sozinho. Schmitt aí corajosamente enfrenta o desafio de colocar a sua peça num lugar que já é comum. “O diário de Anne Frank”, “A cor púrpura”, “Às terças com Morrie”, para citar apenas três, são todos livros em que os personagens se comunicam com o desconhecido sobre a sua vida e o seu destino. Aparece aí o único problema da dramaturgia: sabe-se, logo de início, que serão dez dias, dez cartas. Quando estamos, assim, no terceiro, sabemos que faltam sete. E essa contagem prejudica a fruição, porque, além de fazer prever como a peça vai terminar, promove uma curva descendente até o fim. Schmitt, felizmente, é um renomado bom narrador e recheia o texto de pérolas que promovem a reflexão, a catarse e, envolto à emoção, o bom entretenimento. 

Miriam Mehler interpreta os dois personagens: o garoto Oscar e a Vovó Rosa. Como se não bastasse, faz ver também outras tantas pessoas que povoam esse universo: o médico, os enfermeiros, outros pacientes, os pais de Oscar. A atriz apresenta construções de forma bastante ágil, o texto é dito claramente e bem posto. O desenho de marcação, que evidencia uma direção bastante firme de Tadeu Aguiar, surge, marcando o ritmo e erigindo a narração solidamente no cenário extremamente valoroso de Edward Monteiro. Ao mesmo tempo em que é quarto, o espaço é a casa da Senhora Rosa, ou a casa de Deus que, quem sabe, lê as cartas de Oscar. Cheio de detalhes bem articulados, a iluminação de Rogério Wiltgen, a trilha sonora original de Liliane Secco, o figurino da Espetacular!, ao lado de Monteiro e da interpretação de Mehler, dosam equilibradamente o realismo necessário para a cartarse e a poesia essencial para a emoção. 

O ser humano é um intervalo entre um antes e um depois. Se o pouco antes é fácil de descobrir o muito, assim com o depois, permanecem desconhecidos. O avanço da ciência e a exploração do uso dos meios de comunicação tornam esse não-sabido diferente ou, quem sabe, um pouco menor. No entanto, aquilo que o homem não sabe sobre si próprio ainda está lá e, desde sempre, recebe o nome de Deus. Dar sentido para a própria existência é uma forma, entre tantas, de se falar com esse Deus. “Oscar e a Senhora Rosa”, por tratar desse contexto tão humano e de forma tão cheia de bons valores, merece positivos aplausos e vida longa. Evoé! 

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Ficha técnica:
Texto: Eric-Emmanuel Schimitt
Elenco: Miriam Mehler
Direção, tradução e adaptação: Tadeu Aguiar
Diretora Assistente: Flávia Rinaldi
Trilha Sonora Original: Liliane Secco
Cenário: Edward Monteiro
Figurino: Ney Madeira, Dani Vidal e Pati Faedo – Espetacular! Produções & Artes
Iluminação: Rogério Witgen
Projeto Gráfico: Cláudia Xavier
Diretor de Cena: Marcelo Valentim
Operador de Luz: Ricardo Alexandria
Operador de Som: Raphael Allonso
Produção Executiva: Roberta Abreu
Coordenação de Produção: Norma Thiré
Idealização e Produção Geral: Eduardo Bakr e Tadeu Aguiar

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Ary Barroso (RJ)

Diogo Vilela, Tânia Alves, Ana Baird e Reynaldo Machado
brilham em produção boa, mas sem gradiosidade
Foto: divulgação

Morno

            “Ary Barroso – Do Princípio ao Fim” é um bom espetáculo, mas é morno. Nele falta a pitada de stravaganza, um dos cinco gêneros que geraram a comédia musical americana, como desde 1927 se conhece, que daria ao todo uma razão para o aplauso em pé. Por stravaganza, chamam-se aquelas produções grandiosas, sem história nem, às vezes, um tema, mas com cenários grandes e figurinos majestosos que enchiam o olhar do público, sobretudo quando dirigidas por Florence Ziegfield. Com direção de Diogo Vilela, que interpreta o protagonista, e supervisão artística de Amir Haddad, o espetáculo é muito pequeno para o palco grandioso do Teatro Carlos Gomes e o texto, também de Vilela, um tanto quanto fraco para o compositor brasileiro do hino “Aquarela do Brasil”. Não há dúvidas de que o espectador irá assistir a belas interpretações, tanto teatrais como musicais, e ouvir um repertório escolhido de forma positivamente especial, mas é bem provável que não sairá do teatro com aquele “gostinho de quero mais” tão bom de se sentir quando grandes espetáculos terminam. 

No último dia de sua vida, Ary Barroso (1903-1964) recebe a visita de membros da Escola de Samba Império Serrano que, naquele ano, estava homenageando o compositor mineiro. É quando os sambistas pedem a ele, que está em uma cama no hospital, que conte alguns trechos de sua vida, satisfaçam dúvidas acerca da relação entre ele e Carmen Miranda, sobre como foi composta a canção “Aquarela do Brasil” e outros segredos. O roteiro se organiza, então, assim, nessa simplicidade rasa, em que as lembranças de Ary Barroso ganham vida e se apresentam no palco diante do público sem grandes novidades. A ordem dos acontecimentos, positivamente, é não linear, de forma que o segundo ato oferece um pouco mais para ver do que o primeiro. Habilmente, as cenas são rápidas e a história, dentro do proposto, é bem contada de forma que o ritmo flui a contento. 

Diogo Vilela apresenta um excelente trabalho de interpretação. Figura conhecida do teatro e da televisão, com larga e profícua experiência, o ator faz o público se esquecer de que está em um teatro pela forma coesa e coerente com que articula a voz, os movimentos, as entonações, os direcionamentos, as intenções. É sempre o sexagenário Ary quem revive trechos de sua vida, o que, embora possa oferecer poucos desafios ao ator, traz mais dificuldades em manter a construção. Vilela o faz com emoção, carisma e, sem dúvida, talento e técnica. Brilham no elenco ainda Ana Baird (Linda Batista) e Reynaldo Machado (Boneca de Pixe), ambos com excelentes vozes e trabalhos de interpretação, dando vivacidade e força com presenças cênicas sólidas e bem medidas. Mariana Baltar apresenta uma fraca Carmen Miranda em um número musical cujo coro chama mais a atenção do que os balangandans. Marcos Sacramento protagoniza cenas de forma igualmente apagada. Tânia Alves, com excelente participação, não tem o espaço merecido, mas marca a sua presença de forma definitiva e exuberante. 

O figurino de Pedro Sayad é simplório porque meramente ilustra os personagens, sem oferecer ao espetáculo a grandiosidade de que ele precisa. O cenário de Beli Araújo se apresenta esteticamente pobre, porque perde oportunidades de ser criativo, apesar dos poucos recursos. Os painéis são gastos e mal postos, aproximando a produção de outras menos profissionais. O desenho de luz de Jorginho de Carvalho é bastante óbvio e a coreografia de Carlos Leça é sem destaque. Apesar de tudo isso, e incluindo as boas interpretações de que já se tratou, a peça, com direção musical de Josimar Carneiro, apresenta um belo desenho de som (Andréa Zeni), com repertório louvável e bem interpretado que exalta a música brasileira e, apenas por isso, merece já os mais calorosos aplausos. "Ary Barroso – Do Princípio ao Fim” não deixa de ser um bom programa para quem gosta de conhecer a história da música brasileira.

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Ficha Técnica:
Texto e Direção: Diogo Vilela
Supervisão Artística: Amir Haddad
Direção Musical e Arranjos: Josimar Carneiro

Elenco:
Diogo Vilela
e
Ana Baird, Alan Rocha, Esdras De Lucia, Mariana Baltar, Reynaldo Machado e Marcos Sacramento
Participação Especial: Tânia Alves

Músicos:
Saxofones / Flauta Henrique Band, Violão / Guitarra Josimar Carneiro,
Piano / Acordeon Antônio Guerra, Contrabaixo Marcelo Müller
Bateria / Percussão André Boxexa

Iluminação: Jorginho de Carvalho
Cenário: Beli Araújo,
Figurinos: Pedro Sayad
Preparação vocal: Janaína Azevedo,
Preparação Corporal: Carlos Leça
Direção de Produção: Marília Milanez
Realização Ministério da Cultura, Nitiren Produções Artísticas e Bardo Produções Artísticas Ltda.

Fora do Normal (RJ)

Apesar do preconceito, o stand up comedy é
um tipo de humor tão válido quanto os outros
Foto: divulgação

O humor rápido para o público online

Humor. Fábio Porchat é um ator comediante. Um humorista. Como tal, representa a classe dos artistas (cênicos) que ficou mais empobrecida com a morte do grande Chico Anysio, mas não menos viva. “Fora do Normal” é um stand up comedy, um gênero quase tão antigo como o teatro e, desde sempre, desvalorizado (infelizmente) pelos “preconceituosos de plantão”. Não há cenários, não há trilha sonora e nem desenho de iluminação. O figurino é simples, porque atende à indefinição do personagem. Na verdade, nesse tipo de stand up comedy, não há personagem, mas uma figura que circula pelas histórias que o ator conta, de forma que seja impossível saber exatamente onde termina o ator e onde começa a ficção. Como em toda comédia, o ritmo é um dos elementos mais importantes e não existe ritmo certo ou ritmo errado para a comédia sem pensarmos sobre qual tipo de comédia estamos falando. E é essa a questão mais interessante de “Fora do Normal”. Como espetáculo, o espetáculo agrada quem está acostumado com o ritmo veloz da internet, com o tipo de ironia que não está apenas no texto, mas no contexto, e com forte ligação às piadas que circulam nas redes sociais. Marcadamente, o espetáculo é para esse público “online” e isso não é um desvalor. 

Fábio Porchat tem um ritmo muito rápido ao unir as histórias, ao articular as palavras e ao dar coesão para os outros signos corporais. Quem é mais lento perde o tom, perde-se na narrativa e ouve os outros rirem sem saber do que estão se divertindo. Quem é rápido e acompanha ri até mesmo do jeito rápido das piadas serem contadas. Com visões extremamente atuais de temas já gastos, o texto brinca com o tamanho do Brasil, com as diferenças culturais entre os países e os diferentes povos dentro do nosso mesmo país, com as relações entre homens e mulheres, jovens e velhos, gordos e magros, esportistas e sedentários. O preconceito e o apelo rasteiro aos palavrões, que normalmente fazem parte desse tipo de humor, aparecem abrandados, talvez, enobrecidos ou, quem sabe, disfarçados pela expressão de “bom moço” que Porchat, usando aliança na mão esquerda, positivamente sustenta. 

Como todo e qualquer espetáculo, o stand up comedy é feito da união entre talento e técnico. Sendo o teatro, aquele encontro em que A interpreta B diante de C, pode-se dizer que “Fora do Normal” atinge plenamente o objetivo que traçou para si e, por isso, é uma ótima opção para quem sabe ao que vai assistir. Aplausos. 

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Texto, direção e interpretação: Fábio Porchat

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

O médico e o monstro (RJ)

O Teatro do Ridículo volta à programação
teatral do Rio de Janeiro
Foto: divulgação

Um bom espetáculo

            Dirigido por César Augusto, “O médico e o monstro” tem como maior mérito o de ser uma produção que atualiza o gênero Teatro do Ridículo, hoje em dia, poucas vezes visto. Além disso, tem boas interpretações, cenários e figurinos bastante interessantes ao lado de ótima iluminação e maquiagem. O ritmo é lento, mas com uma condução positiva que se estabelece pela boa narrativa. A peça, escrita no final dos anos 80, é uma versão de Georg Osterman do clássico de Robert Stevenson, publicado em 1885. Osterman teve uma breve passagem pela Companhia O Teatro Ridículo, fundada nos Estados Unidos, por Charles Ludlam, em 1965, esse último autor de “Irma Vap”, sucesso de Marco Nanini e de Ney Latorra que, há sete anos, também produziram “O médico e o monstro” pela primeira vez no Brasil, em São Paulo. 

O gênero é consequência de dois anteriores: o Teatro Surrealista de Artaud e o Teatro do Absurdo de Ionesco. Enquanto no primeiro, o sonho toma o lugar da realidade e estabelece uma nova lógica, o segundo retira a lógica da realidade e constrói uma versão paralela. Com menos emoção e menos política, o Teatro do Ridículo deu sua contribuição à liberação sexual (O musical Hair foi produzido na Off-Broadway em 1967.) aproveitando-se das cores surrealistas e da comicidade absurda. O resultado é, nada menos, que uma “avacalhação” levada a sério, com antecedentes no teatro burlesco americano que satirizava óperas clássicas, produzindo comédias pastelão. Nesse contexto, “O médico e o monstro”, de Osterman, avacalha claramente Stevenson. O que falta na montagem de César Augusto é a sua avacalhação da obra de Osterman. Em outras palavras, na produção atual, o exagero do conteúdo (os diálogos e seus significados) não retumba na forma (como se dá a encenação e seus significados). Comportada, a versão carioca é um tanto quanto hermética demais, podendo melhorar na medida em que os atores, nas sucessivas temporadas, forem se sentindo mais à vontade com o texto e as marcações. 

A história é conhecida. Um médico famoso (Dr. Jekyll) descobre uma poção que o faz tornar-se uma outra pessoa (Sr. Hyde), mais perigosa, mais terrível, imoral. Na cidade, crimes acontecem e, embora tudo leve a crer que seja Jekyll o culpado, todos descartam essa opção tendo em vista a confiabilidade que o doutor construiu profissionalmente ao longo dos anos. O tema, assim como em “Pterodáctilos”, de Nick Silver, espetáculo também produzido por Fernando Libonati, é a superficialização do pior do homem já existente em suas profundezas. Todo homem guarda dentro de si um vilão que, vez por outra, consegue sair. 

No elenco, Michel Blois e Marcelo Olinto se destacam nos papeis da show woman Lily Gay (papel interpretado por Osterman na versão de estreia) e da empregada Minerva respectivamente. À dupla, acrescenta-se Débora Lamm, que dá vida à Aculine, dona da boate onde Sr. Hyde conhece Gay, fazendo dela sua vítima. Blois, Olinto e Lamm, com papéis coadjuvantes, brilham positivamente na hierarquia cênica, sem desperdiçar momentos. Os tempos de comédia são bem aproveitados  pelo trio e as suas construções exibem dentro do possível certa profundidade. Bruce Gomlevsky está bem como Sr. Hyde, embora muito apagado enquanto Dr. Jekyll, bem como os demais atores (apesar do visível esforço de Isabel Cavalcanti ao interpretar a Sra. Jekyll). Em todos os casos, sem exceção, falta ou liberdade ou técnica (seu oposto), mas, em ambas opções, jogo. 

César Augusto conta a história de forma devagar, cuidadosa ao extremo, mas positiva. Além das interpretações já destacadas, o espetáculo oferece excelente resultado estético. Figurino (Antônio Guedes), cenário (Bia Junqueira) e maquiagem (Márcio Mello) exibem um tratamento de altíssima qualidade, resgatando do texto dos anos 80 o interesse que ele ainda pode despertar vinte e poucos anos depois. Guedes, Junqueira e Mello são criativos, detalhistas e inteligentes e, por isso, merecem suas fatias de aplauso. Apesar das vivas e debochadas coreografias de Raquel Karro e do marcado desenho de luz de Luiz Paulo Nenen, a trilha sonora original de Marcelo Alonso Neves e de César Augusto ajuda o ritmo da narrativa a ficar ainda mais lento. A corrida para o final, passando pelo ápice, é quase que totalmente mérito apenas de Osterman infelizmente. 

Enfim, tem-se um bom espetáculo em cartaz no Teatro Municipal Café Pequeno, no Leblon, se os bombeiros do Rio de Janeiro permitirem, após fazerem o seu trabalho na pressa e com alarde, uma vez que não o fizeram quando tinham que fazer. Como uma amarga poção mágica, a tragédia de Santa Maria fez surgir aos olhos de todos o descaso da governança e sua monstruosa tendência ao crime. 

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Ficha Técnica

Texto: George Osterman
Tradução: Erica Migon e Úrsula Migon
Adaptação: Cesar Augusto e Fabiano de Freitas
Direção: Cesar Augusto
Diretor Assistente: Fabiano de Freitas

Elenco: Bruce Gomlevsky, Débora Lamm, Erica Migon, Hugo Resende, Isabel Cavalcanti, Marcelo Olinto e Michel Blois

Direção de Arte e Cenografia: Bia Junqueira
Iluminação: Luiz Paulo Nenen
Figurino: Antonio Guedes
Direção Musical: Marcelo Alonso Neves
Diretor Assistente: Fabiano de Freitas
Assistente de direção: Priscila Vidca
Direção de Movimento: Raquel Karro
Visagismo: Márcio Mello
Assessoria de Imprensa: Daniella Cavalcanti
Direção de Produção: Leila Maria Moreno
Produção Executiva: Isabel Sangirardi
Produzido por: Fernando Libonati e Marco Nanini
Realização: Trupe Produções Teatrais e Artísticas
Apoiadores: Kalli Cabelos e Mega Hair, Werner Tecidos, Galpão Gamboa, Câmbio, Kryolan Professional Make up, Éclat, Secretaria Municipal de Cultura – Teatro Municipal Café Pequeno



História de Nós 2 (RJ)

Alexandra Richter e Ernesto Piccolo
brilham em comédia escrita por Lícia Manzo
Foto: divulgação

Cheia de Méritos


            “História de Nós 2” surpreende positivamente. Quem vai assistir a uma peça com esse título já deve ter percebido que vai ver uma comédia romântica, com tons de autoajuda e cenas intermináveis de discussões de relacionamento. A surpresa de Lícia Manzo, autora do texto, está em sugerir de forma inteligente e profunda (dentro das possibilidades do gênero) que um dos motivos para a crise é o difícil equilíbrio entre as múltiplas personalidades que cada um assume nos diversos discursos em que nos encontramos ao longo do dia a dia. Em cena, Alexandra Richter e Ernesto Piccolo apresentam excelentes trabalhos de interpretação no espetáculo bastante bem dirigido pelo segundo. Em cartaz há quatro anos, em diversos teatros pela cidade, e antes de seguir viagem pelo país, o espetáculo se apresentou na Mostra de Teatro Panorama Petrobrás Distribuidora de Cultura, que, até 29 de maio, apresentará 17 espetáculos a preços populares no Teatro Sesc Ginástico, às quartas-feiras, às 19h. 

Edu e Lena estão se separando. Enquanto reorganizam o próprio dia (que parece ficar bem maior logo após a separação), refletem com o público sobre os anos divididos em casal. O início, o fim do início, o início do meio, o fim do meio e o começo do fim são os atos dessa comédia engraçada com a qual o público rapidamente se identifica não importando a orientação sexual. Qualquer um que foi casado (na igreja ou não, com contrato ou não) sabe do que está se falando. Piccolo “fala” de forma muito inteligente através da movimentação dos atores do palco, que, por sua vez, se utilizam do espaço cênico com segurança, desenvoltura, excelente ritmo e principalmente grande carisma. É difícil tomar partido por um dos personagens, mesmo que, em determinados momentos, torça-se mais por um do que por outro. Richter e Piccolo estão em total sintonia, acessíveis, vivos na história que se revela facilmente aos olhos da plateia. 

A racionalidade de um versus a emotividade do outro ora equilibra a convivência, ora prenuncia a separação. A mulher vira dona de casa, vira mãe, vira trabalhadora. O homem vira um jovem senhor casado, sente saudades de ser jovem, vira pai, vira um profissional comprometido. Múltiplos personagens em um só, o jogo de “História de Nós 2” explora as marcas contextuais que exigem do homem e da mulher a mudança da própria identidade para atender às condições do momento e é aí que que o caos dá lugar profícuo para uma das perguntas mais interessantes à humanidade: “quem sou eu?”. 

Tempos de comédia bem usados, emoções dosadas, gags testadas, movimento cênico ágil e narrativa positivamente crescente, mas, esforçando-se, para fugir do óbvio, a produção tem bom cenário (Clívia Cohen), bom figurino (Cao Albuquerque) e boa iluminação (Maneco Quinderé), que, discretos, são também elementos responsáveis pelo excelente ritmo. Há também bom uso da trilha sonora (Rodrigo Penna) e de projeções em vídeo. 

Dentro ainda da programação da Mostra Panorama, duas peças infantis serão apresentadas (gratuitamente) no Sesc Tijuca. Todos os espetáculos contarão com a tradução para a linguagem de sinais - LIBRAS. O desejo é de que os demais espetáculos participantes sejam, dentro de suas propostas, tão cheios de mérito quanto é “História de Nós 2”. 

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FICHA TÉCNICA

Autor: Licia Manzo
Direção: Ernesto Piccolo

Elenco: Alexandra Richter e Ernesto Piccolo

Assistente de direção: Neuza Caribe
Cenografia: Clívia Cohen
Figurino: Cao Albuquerque
Direção de movimento: Márcia Rubin
Trilha sonora: Rodrigo Penna
Iluminação: Maneco Quinderé
Fotografia: Dalton Valério
Programador visual: Zé Luiz Fonseca e Luciano Costa
Produção executiva: Helber Santa Rita
Coordenação de produção: Elisa Padilha
Diretor de produção: Gustavo Nunes
Produção: Turbilhão de Idéias