quinta-feira, 30 de abril de 2015

O acompanhamento (RJ)


Foto: divulgação 

Wilmar Amaral e Roberto Frota em cena


Elogiado texto da dramaturgia argentina ganha ótima montagem no Brasil

“O acompanhamento”, um dos textos mais famosos do teatro argentino contemporâneo, recebe montagem bem dirigida por Daniel Archangelo, com Wilmar Amaral e Roberto Frota em ótimos trabalhos no elenco. Na montagem original, o texto escrito em 1981 por Carlos Gorostiza representava a liberdade. A Argentina da ocasião estava sob o governo de Roberto Viola, o segundo presidente da sua ditadura militar, e essa dramaturgia dava conta de disfarçar, no ambiente familiar, o estímulo à reflexão crítica ao sistema de opressão. Mais de trinta anos depois, e no Brasil, a obra adquire significados diferentes, mas não menos modestos. Com muitos méritos, esse espetáculo tocante está em cartaz no Teatro Eva Herz, na Cinelândia, no Rio de Janeiro. Vale a pena ser visto!

Na história, o metalúrgico Tuco (Wilmar Amaral) abandona o emprego pouco antes de se aposentar para se dedicar à vida de sucesso que sonhou. No passado, o desejo de se tornar cantor foi enterrado depois de uma má apresentação no clube local. Na ocasião, Tuco havia tido, segundo ele, um acompanhamento aquém de suas necessidades, exigindo dele o alcance de notas que não lhe eram possíveis. O gesto de rebeldia de agora, na velhice, considerado loucura por seus familiares, foi motivado por Mingo, um amigo que lhe prometera auxílio nesse retorno. A peça começa com Tuco à espera de músicos que possam lhe oferecer um acompanhamento adequado às suas possibilidades, mas é Sebastian (Roberto Frota), um outro companheiro de juventude, quem aparece. Disposto a removê-lo de seus intentos e a fazê-lo voltar ao convívio familiar, Sebastian muda de opinião ao encontrar, em Tuco, a beleza de quem acredita que os sonhos são possíveis de se realizar. Nessa montagem de “O acompanhamento”, há a substituição das referências a Carlos Gardel (1890-1935) e ao tango argentino pela inclusão do repertório do cantor brasileiro Silvio Caldas (1908-1998), concentrando, nos movimentos da narrativa e nos diálogos, as responsabilidades pelo mérito da dramaturgia. Venceu plenamente todos os desafios. “O acompanhamento” é uma peça emocionante!

Wilmar Amaral (Tuco) e Roberto Frota (Sebastian) dão vida aos personagens com emoção. Ao interpretar o protagonista disposto a manter viva a dúvida sobre a sanidade de Tuco durante boa parte da encenação, Amaral possibilita ao público fazer a catarse, criticar-se, refletir sobre como reagiria diante daquela situação: se ao lado da família, se ao seu lado. Por outro turno, ao permitir à plateia identificar as dúvidas de consciência de seu Sebastian, Roberto Frota faz, das pausas, os convites para a reflexão sobre a humanidade. Em ambos os casos, o tom atinge a audiência dentro do melhor que esse gênero prevê, o que, além de um mérito dos trabalhos de interpretação, é, sem dúvida, um valor da direção de Daniel Archangelo. O ritmo se mantém firme, ascendente e direcionado para o ápice em uma encenação que apresenta bem as quebras e as ênfases em quadros bem articulados na narrativa em cena única.

Os bons trabalhos do elenco encontram eco na viabilização do cenário de Carlos Augusto Campos e no figurino de Ricardo Rocha. “O acompanhamento” é um drama estruturado em um visual coeso e coerente cujas marcas deixam o espectador seguro do que está vendo e assim mais aberto para a história e para se emocionar com ela.

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Ficha técnica:
Autor: Carlos Gorostiza
Tradução e Adaptação Daniel Archangelo e Wilmar Amaral.
Direção: Daniel Archangelo
Elenco: Wilmar Amaral e Roberto Frota
Cenografia: Carlos Augusto Campos
Figurino: Ricardo Rocha
Iluminação: Daniel Archangelo
Contrarregra: João Batista
Assistente de Direção: Marianna Mugnaini
Assistente de Cenografia: Yuri Azevedo
Cabine: Daniele de Deus e Gustavo Martins
Realização: Wilmar Amaral Produções Culturais Ltda
Assessoria de Imprensa: Waléria De Carvalho
Formação de Platéia: Aline Peres
Art Designer: André Lacaz Amaral
Fotos: Luiz Luz

Bom-Crioulo (RJ)


Foto: Renato Mangolin
Luis Salem

Uma visão romântica que empobrece a obra original

O maior problema do espetáculo “Bom-Crioulo” é a adaptação assinada por Luis Salem, também ator do monólogo dirigido por Gilberto Gawronski. Ao escolher o romantismo para recontar a história escrita por Adolfo Caminha, a produção tirou do original seus maiores méritos. Lançado em 1895, o romance realista naturalista narra o namoro vivido pelos marinheiros Amaro e Aleixo. O original, porém, não se posiciona por qualquer dos personagens, limitando-os a apresentá-los diferente do que faz essa montagem infelizmente. A peça está em cartaz na escuna R. F. Amaral nas noites de terças-feiras até o fim de maio, sendo encenada durante um passeio pelas águas da Baía de Guanabara da Marina da Glória até a Urca.

Depois de algum sucesso com “A normalista”, Adolfo Caminha (1867-1897) retornou a um tema polêmico em “Bom Crioulo”. Escrito sob forte influência do realismo naturalismo de Émile Zola, o livro narra o encontro vivido por Amaro, um negro alto e forte, com Aleixo, um alemão franzino e de olhos claros, em uma de suas viagens como oficiais da marinha brasileira na segunda metade do século XIX. Tendo iniciado um romance a bordo, o casal vive o ponto alto de sua relação em terra, quando os dois, em licença temporária, alugam um quarto no centro do Rio na pensão de Dona Carolina. A terceira parte da história compreende os desencontros entre eles quando Amaro volta ao trabalho. O desfecho é trágico para ambos. Ao escrever a história, Caminha conferiu a todos os personagens, e não apenas ao protagonista, um conjunto de características complexas. Sem passado conhecido, o negro forte e amável também será bêbado, instável emocionalmente e assassino. Descrito a partir de suas características femininas, Aleixo viverá um relacionamento heterossexual. Dona de uma “mente aberta” e disposta a abrigar carinhosamente o casal a princípio, Carolina contribuirá para o afastamento dos dois. Tal qual o cortiço de Aluísio Azevedo, o navio onde os protagonistas se conhecem, a pensão onde morarão e a própria cidade do Rio de Janeiro são lugares apresentados como organismos repletos de vida e desprovidos de moral. Tudo isso é muito diferente da história cheia de lágrimas narrada por Salem nessa dramaturgia infelizmente.

O pior momento da dramaturgia de “Bom-Crioulo” é uma cena em que a narrativa se interrompe e Luis Salem se propõe a discutir a obra. Nesse trecho, uma série de pontos são levantados, boa parte deles inúteis para o espetáculo e alguns inverídicos também. A publicação do romance “Bom-Crioulo” foi lucrativa para Adolfo Caminha, mas irrelevante para o mercado editorial brasileiro. A obra obteve apenas duas críticas literárias, tendo despertado alguma atenção principalmente porque, em 1895, ano de sua publicação, Oscar Wilde estava sendo julgado na Inglaterra por relações homoafetivas. O livro também não foi o primeiro a pautar a relação entre dois homens, tendo vindo depois de “Um homem gasto” (1885), do carioca Ferreira Leal, e de “O barão de Lavos” (1891), do português Abel Botelho, sendo que Raul Pompeia já tinha tratado do tema em “O Ateneu” (1888) e Azevedo em “O Cortiço” (1890). (No século XX, descobriu-se que o gaúcho Qorpo Santo foi quem primeiro tratou do assunto, em 1866, na peça “A separação de dois esposos”.) Adolfo Caminha, que fez parte da Marinha Brasileira até 1890, se baseou em dois fatos reais para escrever a história de Amaro e de Aleixo - o crime do Largo do Mitelo em abril de 1886 (Lisboa) e o caso do pseudo-assassinato do grumete André Nogueira em março de 1888 (Rio) -, mas jamais recebeu uma única reprimenda pela publicação da obra. Em 120 anos, o livro foi censurado uma única vez. No fim dos anos 30, por ocasião do lançamento da sua segunda edição (!), a publicação foi acusada de comunista, mas, depois de dois meses, o processo foi revogado tão logo o erro foi identificado. Ou seja, diferente do que é dito no espetáculo, a obra não foi proibida, mas apenas esquecida infelizmente.

Em se tratando da encenação, se dá com dificuldade a relação entre o ator e os personagens que ele interpreta. Luis Salem, que não se parece fisicamente nem com Amaro, nem com Aleixo, talvez tivesse melhor resultado se atualizasse para a cena a impessoalidade do narrador (onisciente e onipresente) da obra original. Ao contrário disso, posicionando-se em favor de Amaro, impõem a si desafios que não são vencidos, dificultando a fruição do monólogo que dura noventa minutos. A trilha sonora, com direção musical assinada por André Poyart, pontua essa concepção difícil para a narrativa.

Com o interessante uso de uma escuna como lugar de apresentação, o espetáculo “Bom-Crioulo” tem, como maior mérito, a possível relação entre o ambiente marítimo e a história. Adolfo Caminha não está bem representado aqui.

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Ficha Técnica: 
Adaptação: Luis Salem
Direção e Cenografia: Gilberto Gawronski
Elenco: Luiz Salém e André Poyart
Direção Musical: André Poyart
Figurino: Antonio Medeiros e Tatiana Rodriguez
Desenho de Luz: Maneco Quinderé
Fotos: Renato Mangolin
Assessoria de Comunicação: PAGU Comunicação – Carla de Gonzales
Diretor de Palco: Jota Bruno
Realização: Luis Salem e Oya Turismo

segunda-feira, 27 de abril de 2015

Madame Bovary (RJ)


Foto: divulgação
Vilma Melo, Alcemar Vieira, Raquel Iantas, Lourival Prudêncio e Joelson Medeiros

Ótimo espetáculo a partir de romance realista

Quanto mais a peça “Madame Bovary” aponta para o romance de Gustave Flauber (1821-1880), melhor ela é enquanto espetáculo teatral. Em cartaz na Sala Mezanino do Espaço Sesc Copacabana, a montagem tem ótimos trabalhos no elenco composto por Raquel Iantas, Joelson Medeiros, Alcemar Vieira, Lourival Prudêncio e por Vilma Melo. O maior mérito da produção, no entanto, está na adaptação de Bruno Lara Resende que dirige ao lado de Rafaela Amado. Eis aqui um espetáculo que teve justificado sucesso na temporada que infelizmente encerrou neste último domingo de abril. Que venham outras!

Lançado em 1857, o romance “Madame Bovary” marca o início do realismo na literatura francesa. Os protagonistas Charles e Emma Bovary são, em sua narrativa, devastados pelo leitor que perscruta os recônditos de suas almas. Esse universo subjetivo é o ponto de partida para a crítica social, para os valores, para os costumes, para uma sociedade burguesa que atravessava o século XIX enquanto se reinventava com o fim dos governos absolutistas do passado. A história começa com a infância do pobre Charles, preterido entre os seus colegas de escola. Depois, o primeiro casamento e sua viuvez, chegando ao momento em que conhece Emma, com quem virá a se casar. A partir daí, Charles funcionará como estrutura através da qual Madame Bovary será avaliada. O leitor conhecerá o tédio social da pequena localidade em que o casal mora e a permanência desse marasmo na mudança que vem em seguida. No romance, um dos pontos mais bonitos é contemplar como Flaubert narra a descoberta da vida, isto é, do amor por Emma Bovary e como isso a levará à morte. Sentenciada pelo trato com temas tidos como “imorais”, a obra levou seu autor a diversos processos jurídicos e a censura, mas também ao sucesso e à consagração. No último século, diversas foram as adaptações de “Madame Bovary” para o cinema, para a pintura, para música e para o teatro.

A adaptação de Bruno Lara Resende tem o valoroso mérito de não ousar aparecer mais que a obra original e justamente por isso é tão especial. Aqui o espectador se encontra com um espetáculo cujos cento e vinte minutos oferecem tempo suficiente para a audiência conviver com os personagens. O jogo do narrador rapsodo (aquele que descreve a ação) e do narrador-ator (aquele que age ou aquele através de quem a ação acontece) sugere a intimidade que o leitor tem com o livro. A encenação limpa, ágil e despojada promove a verticalização da história, essa tão cara principalmente ao realismo psicológico, estilo que melhor lê “Madame Bovary”. Ou seja, no caso desse espetáculo, os méritos da produção começam na adaptação e avançam pela direção garbosamente.

Lourival Prudêncio, Vilma Melo e Alcemar Vieira têm mais oportunidades que Raquel Iantas e Joelson Medeiros de mostrar bons trabalhos porque, durante toda a encenação, aqueles interpretam vários personagens enquanto esses dão a ver unicamente o casal Bovary. Dados os desafios de cada um, o mérito deve ser reconhecido na atuação de todos. De um lado, há quem movimente a narrativa pela viabilização de tipos e, de outro, quem lhe dê consistência pelo oferecimento de bases mais profundas. Na estrutura geral, positivamente sem destaques, o jogo cênico, em novos méritos à direção de Resende e de Amado, e à direção de movimento de Marcia Rubin, o espetáculo se apresenta coeso e coerente com ótimo resultado em termos de ritmo, de clareza e de beleza estética.

O figurino de Patrícia Lambert, o cenário de Marcelo Lipiani, a música de Antônio Saraiva e a iluminação de Renato Machado caminham bem articulados com a concepção no sentido de viabilizar uma estética econômica, mas não menos essencial. Cada aspecto do quadro visivelmente guarda em si potência suficiente para dar a ver o todo.

Dentre as várias contribuições do realismo para a arte, a sugestão do homem a partir de sua complexidade interior, de suas contradições, de suas aspirações, frustrações e delicadezas pontua o desacerto com o romantismo e uma nova atitude diante do mundo. Ao desarmar a cena, privilegiando o jogo com o que há de mais puro no fazer teatral, “Madame Bovary” coloca não apenas o homem diante do homem, mas dentro dele. Um espetáculo brilhante!

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Ficha técnica:
Do livro de Gustave Flaubert
Idealização, tradução e adaptação: Bruno Lara Resende
Direção: Bruno Lara Resende e Rafaela Amado
Colaboração artística: Marcio Abreu e André Lepecki
Elenco: Raquel Iantas, Joelson Medeiros, Alcemar Vieira, Lourival Prudêncio e Vilma Mello
Cenário: Marcelo Lipiani / Figurinos: Patricia Lambert
Iluminação: Renato Machado / Direção de movimentos: Marcia Rubin
Música: Antonio Saraiva
Direção de produção: Isabel Themudo e Cristiana Lara Resende
Produção executiva: Roberta Brisson

Dhrama (RJ)


Foto: divulgação
Luca Bianchi e Lívia de Bueno

O esforço de Lívia de Bueno e de Luca Bianchi

O ótimo uso da técnica não é o bastante no teatro e “Dhrama: o incrível diálogo entre Krishna e Arjuna” é um exemplo disso. Tem grandes méritos a dupla Lívia de Bueno e Luca Bianchi por dar cabo de um texto dificílimo como esse de João Falcão, mas o mais interessante nessa montagem é ainda pensar no que faltou para esse ser um grande espetáculo. Dirigida por Bianchi, a peça terminou, neste domingo, sua primeira temporada no Centro Cultural do Banco do Brasil, no centro do Rio de Janeiro, mas deve receber outras oportunidades de ser vista no futuro. Tomara!

Lançado em 2007, o texto é inspirado no clássico da filosofia hindu “Bhagavad Gita” (“Canção do Divino Mestre”), trecho mais famoso do épico “Mahabharata”, esse um dos textos sagrados mais importantes da Índia. A dramaturgia, assinada por João Falcão, se organiza por um jogo complexo de retórica em que Krishna tenta convencer seu discípulo Arjuna, o maior guerreiro de todos os tempos, a lutar contra seus mestres e amigos. A cena se dá em um intervalo indefinido de tempo e de espaço entre os exércitos amigo e inimigo e todo o diálogo consiste na habilidade de construir argumentos capazes de expressar pontos de vista contrários (Arjuna) e favoráveis (Krishna) à batalha. Uma vez que a cultura hindu não é popularmente conhecida do público, a proposta ainda enfrenta o desafio de apresentar bem o contexto dos valores em que a situação se dá. Na montagem dirigida por Luca Bianchi, tudo isso acontece muito bem ao longo de breves sessenta minutos. O problema é que a falta de carisma dos dois intérpretes e a ausência do tom mais cômico em ambas as construções são barreiras que a encenação vence, mas com dificuldades.

É visível o esforço que Lívia de Bueno e Luca Bianchi fazem em cena. A dicção dos dois é perfeita de modo que não há uma só sílaba que não seja bem compreendida. O ótimo trabalho de expressão corporal da dupla também apresenta bem os dois personagens (que não são humanos). O cenário de Miguel Pinto Guimarães e a iluminação de Renato Machado possibilitam a abertura de um espaço ao mesmo tempo infinito onde esses personagens se encontram e específico para que o público não se esqueça de que há uma guerra iminente. O figurino de Paula Raia atribui às duas figuras o aspecto sagrado do modo como elas são conhecidas, mas também o humano que faz com que a história pareça se desenvolver pela evolução de níveis narrativos. No entanto, faltam na encenação momentos de escape que possam oferecer à atenção mais força. O texto de João Falcão que é dito em cena possibilita algumas oportunidades nesse sentido, mas que infelizmente foram desprestigiadas pela concepção, que aparentemente privilegiou o tom mais filosófico (e monótono) da dramaturgia.

“Dhrama: o incrível diálogo entre Krishna e Arjuna” é um espetáculo difícil porque requer do público o esforço em acompanhar os movimentos argumentativos dos dois personagens do título e dos atores por exigir deles ou o completo distanciamento ou o carisma que promova a reflexão pelo riso. Essa montagem, que parece consciente desses desafios e disposta a enfrentá-los com coragem, deve ser vista.

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Ficha técnica:
Texto: João Falcão
Direção: Luca Bianchi
Elenco: Lívia de Bueno e Luca Bianchi / Cenografia: Miguel Pinto Guimarães
Figurino: Paula Raia
Música: Victoria Castelli e Max Peluffo aka Cassete
Desenho de Luz: Renato Machado
Direção de Movimento: Carlos Fittante e Marina Magalhães
Assistência de Direção: Felipe Cabral
Fotos: Vicente de Paulo
Programação Visual: Luisa Henke
Produção: Thiago Menezes
Direção Executiva: Rodrigo Porto
Assistente financeiro: Marcelo Bento
Direção de Produção: Miguel Colker
Assessoria de Imprensa: JSPontes Comunicação - João Pontes e Stella Stephany

Closer - Perto demais (RJ)

Foto: divulgaçã

Paula Moreno e Luciano Szafir em cena


Um “Closer” distante

É muito fria a versão de Andrea Avancini para “Closer – Perto demais”, clássico contemporâneo do inglês Patrick Marber. Lançado em 1997 e mundialmente famoso pela versão cinematográfica de 2003, o texto está repleto de calor sexual que infelizmente não chega a essa montagem. Luciano Szafir, Paula Moreno, Karen Mota e Rafael Sardão, com mais destaque para o último, interpretam os personagens em cuja trama o tema da intimidade abriga reflexões sobre fidelidade versus apetite sexual. O espetáculo cumpre primeira temporada na Sala Fernanda Montenegro do Teatro Leblon, na zona sul do Rio de Janeiro.

Na história, o jornalista Dan conhece a stripper Alice em um acidente de trânsito, iniciando aí um romance com ela. Meses depois, na ocasião do lançamento do seu livro, Dan conhece a fotógrafa Anna, por quem abandonará Alice. Enquanto isso, em uma sala de bate-papo virtual, fingindo ser Anna, Dan conhece o dermatologista Larry, promovendo o encontro entre os dois. Ao longo da narrativa, Larry e Anna se casarão, mas ainda se envolverão com Dan e com Alice em um jogo cada vez mais intrincado de relações. O mérito do texto, porém, não está apenas na trama, mas nos diálogos e principalmente no modo como a elegância das composições pode revelar o sabor animalesco dos personagens. Nos últimos quase vinte anos, através dessa peça, o premiadíssimo Marber tem sugerido a reflexão do jeito como os hábitos civis convivem com a selvageria do homem quando o assunto é sexo.

A direção de Andrea Avancini é comportada em relação ao texto, preservando positivamente seus méritos mais superficiais. No entanto, as interpretações televisivas, isto é, com expressões apenas da cintura pra cima e com leves modulações no tom da voz, não são suficientes para dar conta do “tesão” que um personagem sente pelo outro no texto original. Nessa encenação, os atores decoraram bem o texto, executam as marcas corretamente e deixam ver pouco das intenções de cada quadro, mas escondem o embate que há entre o animal que o homem guarda em si e as regras do comportamento social. O ritmo se alonga, a história se arrasta, o jogo fica negativamente óbvio.

Luciano Szafir (Larry), Paula Moreno (Anna), Karen Mota (Alice) e Rafael Sardão (Dan) deixam ver apenas o superficial de cada um de seus personagens. As falas surgem mais como ferramentas de diálogos do que como chances para revelar a complexa teia de sentidos que caracteriza a boa dramaturgia britânica. Os duplos sentidos não aparecem, as emoções surgem pouco disfarçadas, tudo é muito raso. Ainda que se possa identificar mais empenho no trabalho de Rafael Sardão, o conjunto tem o mérito de representar o jogo de Marber, mas nem de longe esse é o maior valor dessa dramaturgia, como já se disse.

É interessante o cenário de Jairo Sender porque ele oferece múltiplas possibilidades para a direção, atendendo ao tom minimalista pedido pelo autor no texto. A limpeza do quadro tem um objetivo claro: mostrar quão sujas (humanas, animais!) são as figuras que o povoam. Nesse sentido, há um bom casamento da direção de arte com a iluminação de Ricardo Fujii, que melhora o ritmo da encenação através da troca de cores ao longo da narrativa. O figurino de Jô Resende nem confere sensualidade aos personagens, nem lhes oferece visuais mais ricos, mais complexos, menos televisivos infelizmente. A trilha sonora original de Charles Kahn, interpretada por um piano eletrônico cujo som tem gosto duvidoso, ajuda a superficializar a obra como um todo.

Há um motivo para Marber ter escolhido um aquário como um dos lugares mais importantes da peça. Larry é um médico que cuida de peles (dermatologista) por uma razão específica também. A relação de intimidade que há entre um fotógrafo com o modelo fotografado não é muito diferente da do stripper com seu cliente. Para o autor, eufemismo é um tipo de ironia e não apenas uma marca de estilo. Se essas reflexões foram feitas na construção dessa montagem de “Closer”, elas ainda não estão visíveis no espetáculo analisado aqui. Quem sabe no fim da temporada?

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Ficha técnica:
Texto: Patrick Marber
Tradução: Rachel Ripani
Adaptação e Direção Geral: Andréa Avancini
Assistentes de Direção: Rafael Sardão e Karen Mota
Elenco: Luciano Szafir, Paula Moreno, Karen Mota, Rafael Sardão
Iluminação: Ricardo Fuji
Cenografia: Clívia Cohen
Direção de Arte: Jairo de Sender
Figurino: Jô Resende
Preparadora Vocal: Rose Gonçalves
Trilha Sonora: Charles Kahn
Fotos de Estúdio: Marcelo Faustini
Design Gráfico: Carlínio França
Direção de Produção: Celso Lemos
Produção Executiva Rio: Bárbara Montes Claros
Produção Executiva São Paulo: Augusto Vieira
Realização: Luciano Szafir, Paula Moreno e Celso Lemos.
Assessoria de Imprensa: JSPontes Comunicação – João Pontes e Stella Stephany

domingo, 19 de abril de 2015

Autobiografia Autorizada (RJ)

Paulo Betti
Foto: Mauro Kury


Monólogo que merece efusivos aplausos


O altíssimo êxito de “Autobiografia Autorizada” pode ser medido por sua duração. Um bom monólogo pode durar sessenta minutos e precisa ser ótimo para se apresentar ao longo de uma hora e meia. Esse monólogo de Paulo Betti dura duas horas e deixa “gostinho de quero mais”. Além de extremo bom gosto na articulação dos vários elementos, o espetáculo dirigido Rafael Ponzi e pelo próprio Betti tem ainda muitos méritos no desenvolvimento da dramaturgia e principalmente no modo como a encenação se dá. É bonito ver como o ator consegue levar o público aos momentos mais dramáticos e também aos mais cômicos da história que ele narra enquanto embala a atenção da plateia por suas próprias histórias individuais. Eis aqui uma pérola na programação do teatro carioca!

Memórias de sua própria infância foram inspiração para o texto de “Autobiografia Autorizada”, mas a essa análise interessa principalmente o modo como essas imagens resultaram em tão boa dramaturgia. No palco, a exposição dos fatos não acontece de forma linear. Em cada trecho, o início às vezes é o fim, a opinião presente molda a narrativa do passado, os assuntos evoluem em vários momentos de forma surpreendente. O resultado é que, em cena, o tom do texto permanece muito próximo de uma conversa real, desprovida de poética, enquanto o espetáculo, do qual esse mesmo texto faz parte, é repleto de lirismo em todos os cantos. Assim, o público permanece de coração aberto para ouvir a história que lhe é narrada, mas também plenamente suscetível para a toda a carga de poesia que a peça oferece. Sem dúvida, construir esse tipo de ambiente para a fruição é mérito pelo qual Paulo Betti merece os aplausos iniciais.

A história percorre as lembranças de Betti antes dele se dedicar ao teatro e obter fama nacional por isso. O personagem de “Autobiografia Autorizada”, nesse sentido, pode ter o mesmo nome do grande ator conhecido Brasil a fora, mas é, naquela ficção, muito próximo de vários nós. A infância pobre, os primeiros contatos com o rádio, com o cinema e com a televisão, as aventuras na escola, no ambiente religioso, na vida urbana, o passado da família e com os amigos são relatos que aproximam palco e plateia apesar das diferenças de época e de cultura que possam haver entre um e outro. No seio da relação, está o homem, altar diante do qual a boa dramaturgia se curvou dos gregos até aqui. Ainda no que diz respeito ao texto, o valor desse espetáculo está também na importância à situação de homem contando para outros homens sobre a sua existência.

Sobre a interpretação, Paulo Betti exibe diferentes níveis dos usos de sua potência vocal, movimentando-se pelo palco e pela narrativa com riqueza de cores, de tons e de tempos. “Autobiografia Autorizada” diverte e emociona pelo modo como o ator dá vida aos vários personagens que juntos dão a ver uma parcela de sua trajetória, mas tem ainda maior mérito pelo modo como essas figuras se mostram como base para um todo bem estruturado, em que o conjunto se apoia em cada parte e cada um se expressa a partir de sua relação com o todo. Quanto à direção de Ponzi e de Betti, o ritmo diminui em alguns trechos, mas recupera-se surpreendentemente também com o auxílio da trilha sonora Pedro Bernardes. Excelente!

O cenário de Mana Bernardes empacota o palco com papel branco amassado, sendo metáfora para as anotações acumuladas pelo autor ao longo da vida. Espalhados pelo espaço cênico, alguns objetos são utilizados com vistas à viabilização de uma simbologia que tem tudo a ver com a narrativa. O ponto alto é a casa feita por folhas de papel justapostas, criando profundidade, mas também corroborando com a construção do sentido mais poético. Há ainda grandes contribuições dos figurinos de Letícia Ponzi e do desenho de iluminação de Dani Sanchez e de Luiz Paulo Neném, que confirmam a concepção do cenário e o apresentam em ótimo contexto.

Ao valorizar a própria vida a ponto de se utilizar do teatro para apresentá-la em tamanha potência artística, Paulo Betti faz claro convite a cada um de olhar para si e para outro sob um ponto de vista mais profundo, mais delicado e complexo, mais humano. Pelas nobres intenções, mas também pela alta qualidade do resultado, “Autobiografia Autorizada” merece efusivos aplausos.

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Ficha técnica:
Texto e Interpretação: Paulo Betti
Direção: Paulo Betti e Rafael Ponzi
Cenário: Mana Bernardes e Marlus Araujo
Figurino: Letícia Ponzi
Iluminação: Dani Sanchez e Luiz Paulo Neném
Direção de Movimento: Miriam Weitzman
Programação Visual: Mana Bernardes
Trilha Sonora: Pedro Bernardes
Assistente de Direção: Juliana Betti
Assessoria de Imprensa: Daniela Cavalcanti
Direção de Produção: José Luiz Coutinho e Wagner Pacheco

Hamlet ou morte! (RJ)

Mathias Wunder (no alto) e Yuri Ribeiro



Foto: divulgação

Divertida comédia do grupo Os Trágicos

“Hamlet ou morte!” é um espetáculo divertido produzido pelo grupo Os Trágicos em cartaz na Sede das Companhias, na Lapa, no Rio de Janeiro. Dirigida por Adriana Maia, que também assina a adaptação, a peça surge a partir de uma esquete para rádio de 1976 chamada “Hamlet em 15 minutos”, do dramaturgo inglês Tom Stoppard, mesmo autor de “Rosencrantz e Guildenstern estão mortos” (1967). Ao redor do texto de Stoppard, a narrativa original cria o contexto para o resumo da tragédia shakespereana com o mérito de conferir ao todo coerência e coesão. O elenco é composto por Diogo Fujimora, Gabriel Canella, Pedro Sarmento, Mathias Wunder e Yuri Ribeiro, esses últimos em ótimos trabalhos. Vale a pena assistir!

Na história, quatro homens estão encarcerados na prisão de Clink, em Londres, na época elizabetana, esperando pela morte sentenciada pela rainha. A chegada de um padre confessor traz a eles a oportunidade de esclarecer os fatos reais dos crimes pelos quais eles foram condenados. É então que a dramaturgia de “Hamlet ou morte!” viabiliza trechos de “Sonho de uma noite de verão”, “Medida por medida”, “Noite de reis”, “Como gostares”, “Os dois cavalheiros de Verona” e de “As alegres mulheres de Windsor”. As histórias narradas (e encenadas) pelos larápios envolvem o roubo de um texto escrito por “um tal William Shakespeare”. Eis que o padre sugere a eles encenar a tal peça para a Rainha Elizabeth a fim de convencê-la em perdoar-lhes. Se ela gostar da encenação, eles sobreviverão. Se ela desaprová-la, a sentença será realizada. “Hamlet” é a peça que eles apresentam nos momentos finais. Entre os vários méritos dessa montagem, está o modo como a construção da primeira parte do texto se articula com a segunda, essa escrita por Stoppard. A habilidade do premiado dramaturgo inglês contemporâneo encontra feliz eco no trabalho original do grupo Os Trágicos na medida em que o espetáculo não expõe marcas de sua construção. Em segundo lugar, é bonito ver como o grupo de jovens atores agrada o público que acaba torcendo pelo seu salvamento enquanto se diverte na plateia de ótimo espetáculo teatral.

A direção de Adriana Maia dá a ver quadros ágeis, interpretações carismáticas e excelentes jogos cênicos entre os atores em fácil identificação com a plateia. A curva é ascendente, a sucessão de histórias vence do desafio da manutenção de ritmo e o interesse pelo desenrolar dos fatos se mantém a contento. Um dos pontos mais relevantes do conjunto de interpretações está o fato dos tipos nunca esconderem o personagem que os interpreta. Em outras palavras, as duas camadas – o personagem condenado e os tipos que ele dá a ver para convencer o outro de sua inocência – convivem bem, ambas cheias de graça.

Todo o elenco apresenta trabalhos responsáveis pelos méritos da produção como um todo, mas Yuri Ribeiro e Mathias Wunder se destacam positivamente pelo ótimo jogo que estabelecem entre si e com o público na narrativa e pela vibrante performance vocal, gestual e proxêmica. “Hamlet ou morte!” tem ainda ótimas contribuições do figurino de Adriano Ferreira que confirma o princípio popular das peças shakespereanas infelizmente às vezes tão pomposamente apresentadas, o que aqui não é o caso.

Em cartaz durante todo o mês de abril, eis aqui uma boa sugestão: o primeiro trabalho de um grupo que já de início começa bastante bem.

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Ficha técnica:
Elenco: Diogo Fujimura, Gabriel Canella, Mathias Wunder, Pedro Sarmento e Yuri Ribeiro
Direção e Adaptação: Adriana Maia
Cenário e Figurino:Adriano Ferreira
Programação Visual: Rodrigo Drade
Direção de Produção: Mathias Wunder
Realização: Lotus Produções Artísticas

Através do espelho (SP)

Foto: divulgação

Gabriela Duarte e Lucas Lentini


Versão simplificada do filme de Bergman


            Há méritos em “Através do Espelho”, mas essa versão para teatro dirigida por Ulysses Cruz simplifica o filme homônimo do sueco Ingmar Bergman (1918-2007). Tida como primeira parte da trilogia “O silêncio de Deus”, a obra, lançada em 1961, vencedora do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro naquele ano, completa o grupo com “Luz de Inverno” (1961) e “O silêncio” (1962), todas elas tratando, de um lado, da incomunicabilidade entre Deus e os homens, e de outro, questionando a responsabilidade desses na criação de Deus. Protagonizada por Gabriela Duarte, com Marcos Suchara e Lucas Lentini, os três em melhores trabalhos que Joca Andreazza, a peça reduz a história a um drama familiar sobre a esquizofrenia infelizmente. Em cartaz no Teatro Poeira, em Botafogo, vale a pena a ver a peça para essa discussão continuar.
            A história se passa em um dia logo após a saída de Karin de um período de internação em uma clínica psiquiátrica. Ela, o marido Martin, o irmão Max e o pai David vieram passar uma temporada na casa litorânea da família, mas novos contornos dessa relação aparecem. Karin e Max estão felizes por desfrutar alguns momentos com o pai, esse sempre ausente em função do seu trabalho como escritor, que lhe deu fama internacional e quase nenhum tempo para os filhos. Max, um adolescente em plena fase de descobertas sexuais e artísticas, se sente frustrado pela pouca atenção recebida de David. Karin lê no diário do pai que ele observa a doença da filha como inspiração para seus romances, o que dá a ele uma face cruel. O amor, bastante próximo do que chamamos de caridade, pontua a relação de Martin, que é médico, com sua esposa. No entanto, em qualquer dos filmes de Bergman, os personagens atendem menos a uma história dramática clássica e mais à viabilização de uma tese artística, um conceito estético. “Através do Espelho” parte de um versículo da primeira carta de Paulo aos Coríntios: “Agora vemos através de um espelho, de maneira confusa, mas então veremos face a face. Agora conheço de modo imperfeito, mas então conhecerei como sou conhecido.” (1Cor 13, 12.) No filme, Karin acredita ouvir Deus. “Mas o deus que veio era uma aranha!”, diz. Nas cenas finais, a filha e o pai conversam sobre a existência de dois mundos, quando ela chora, dizendo não conseguir viver entre esses dois. Diferente dela, o pai e o irmão expurgam através da arte seu universo interior, mas resta à Karin ser a própria arte talvez. Para Bergman, deus é uma criação humana e a ausência de comunicação entre esses dois mundos condena um à destruição do outro. Nesse sentido, levar à cena “Através de um espelho” apenas a partir do ponto de vista da esquizofrenia de Karin e da desestrutura familiar é valorizar a parte menos relevante dessa grande obra original.
            Não há jeito certo ou errado de atualizar uma obra de arte para outra linguagem, mas a concepção do diretor Ulysses Cruz, assistido por Leonardo Bertholini, oferece pouco a Bergman e consequentemente aos atores, comportados dentro do espetáculo a que se propuseram. Gabriela Duarte, o melhor trabalho do elenco, dá vida a uma Karin sensível, com alguns níveis interpretativos expressos modestamente. É interessante ver o modo como sua protagonista vive em um mundo à parte, esse talvez um dos pontos que sobreviveram à visão do diretor sobre o filme. Marcos Suchara (Martin) e Lucas Lentini (Max) também apresentam boas construções dentro do proposto, com relativa potência no que cada personagem possibilita. Joca Andreazza, fleumático, sem conseguir pronunciar uma só frase sem se movimentar, reduz o pai a uma versão nervosa e afetada da figura complexa que tinha em mãos.
            No contexto dos anos 60, o cenário realista atendia ao propósito surrealista do filme, que precisava partir de um lugar seguro (sem dúvidas ao espectador) para depois levá-lo para zonas mais densas. Aqui, noutra linguagem e 50 anos depois, a bela cenografia de Lu Bueno corrobora corretamente com a visão do diretor, ajudando a superficializar os personagens. Os figurinos de Cássio Brasil e a luz de Domingos Quintiliano, ambos também só bonitos, agem no mesmo sentido. A trilha sonora original de Daniel Maia, uma sequência de músicas em piano eletrônico, aproxima negativamente a peça do melodrama, adocicando ainda mais as desventuras de Karin, aqui uma heroína.
            Embora Karin seja a personagem mais vista no filme e na peça, é David a chave para “Através do espelho”. Tendo comido a maçã, isto é, de posse dos segredos da vida e da morte, ele é a metáfora para entender essa obra de Bergman em sua essência, essa cuja forma está citada nessa versão de Ulysses Cruz.


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Ficha técnica:
Texto: Ingmar Bergman
Versão teatral:Jenny Worton
Tradução: Yara Nagel
Adaptação: Marcos Daud
Dramaturgia: Valderez Cardoso Gomes
Direção: Ulysses Cruz
Diretor Assistente e Diretor de Movimento: Leonardo Bertholini
Elenco: Gabriela Duarte, Joca Andreazza, Marcos Suchara e Lucas Lentini
Preparação vocal: Renata Ferrari Rezende
Cenografia: Lu Bueno
Assistente de Cenografia: Danny Cattan
Designer de Luz: Domingo Quintiliano
Figurinos: Cassio Brasil
Trilha Original: Daniel Maia
Diretor de Palco: Angelo Máximo
Contrarregra: Alessandro Dourado
Operador de som: Fernando Castro
Operador de luz Walace Furtado
Direção de Produção: Giuliano Ricca
Produtores Associados: Gabriela Duarte e Giuliano Ricca
Realização: Ricca e Plateia Produções

quarta-feira, 15 de abril de 2015

Eugênia (RJ)


Foto: divulgação

Gisele Castro em cena


Monólogo delicioso!

“Eugênia”, o primeiro monólogo de Gisela de Castro, é uma gratíssima surpresa na programação de teatro carioca. A divertida comédia, dirigida por Sidnei Cruz a partir de texto original de Miriam Halfim, conta a história de Eugênia José de Menezes (1774-1818), amante brasileira de Dom João VI, com quem esse teve uma filha bastarda. Com méritos em todos os seus aspectos, o espetáculo se destaca ainda a partir da contribuição de Samuel Abrantes nos figurinos e nos adereços. Em cartaz no Teatro Maria Clara Machado, na Gávea, a peça oferece uma versão divertida e pouco conhecida da vida de uma das figuras mais controvertidas da história ocidental: o imperador português que engambelou Napoleão Bonaparte.

Na peça, a personagem Eugênia vem do mundo dos mortos para voltar a existir na cabeça daqueles que ainda estão vivos. A dramaturgia de Miriam Halfim encanta enquanto vence corajosamente o desafio inicial de oferecer as referências históricas básicas para o público entender a peça. Começando e terminando em um sopetão, a comédia de cinquenta e cinco minutos tem o mérito de avançar no sentido da complexidade sem perder o humor. Nesse espetáculo, Dom João VI, geralmente visto a partir de sua barriga roliça e de seu apego por carne de frango, surge como homem capaz de encantar uma bela jovem e também fazer-lhe muito mal. Sem ir tanto ao mar, nem tanto a terra, o texto se desenvolve levemente, mas com ironia suficiente para alcançar prestígio. Parabéns.

O jogo entre o cenário de José Dias, o figurino de Samuel Abrantes e a interpretação de Gisela de Castro está intimamente relacionado, o que é excelente mérito da direção de Sidnei Cruz, assistido por Viviane da Soledade. Sobretudo no início do espetáculo, quando as informações acerca das datas e dos locais onde a ação acontece parecem mais duras, as trocas de cenário e de figurinos realizadas pela atriz parecem ser fundamentais. Com habilidade, o diretor dribla a aridez do texto com um ritmo de encenação ágil que se mostra eficaz. O tempo passa em um salto bastante positivo.

Gisela de Castro foge felizmente dos tipos, que seriam lugares bastante confortáveis a um espetáculo como esse. A intenção de expressar níveis diferentes para a mesma personagem, narradora dos eventos dos quais participou, há que ser valorizada em especial pela forma meritosa com que chega ao público no final de semana de estreia. Boa voz, ótima dicção, movimentos ágeis e excelente uso do tempo prende a atenção e encanta. Sem dúvida, é o melhor trabalho de sua carreira.

Uma grande e pesada caixa de madeira branca é o cenário de José Dias de onde saem várias outras caixinhas similares que são espalhadas pelo palco até então vazio. Dessas, saem peças do figurino de Samuel Abrantes. Nesse contexto, é possível identificar o jogo como uma metáfora por onde se reconhece que uma história vai gerando outras em uma sucessão natural. A efusiva explosão de cores e de estampas em todas as peças do vestuário se equilibra com a brancura do cenário, sem que esse esteja desprovido de textura positivamente. Com a ajuda da forma de alguns adereços, o texto dá conta da localização espaço-temporal da narrativa, mas o colorido auxilia a diretor na construção de um clima leve, despojado e ainda irônico para a narrativa. O desenho de luz de Aurélio de Simone faz boa contribuição.

O divertido “Eugênia” disfarça bem a dificuldade de sua construção e chega ao público como um espetáculo simples. Essa ótima surpresa na programação de teatro carioca, merece ser vista.

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FICHA TÉCNICA
Texto - Miriam Halfim
Direção - Sidnei Cruz
Interpretação - Gisela de Castro
Direção musical, composição e execução - Beto Lemos
Cenário - José Dias
Figurino, adereços e design de aparência - Samuel Abrantes
Iluminação - Aurélio de Simoni
Direção de Produção - Maria Alice Silvério
Assistente de Direção - Viviane Soledade
Assistentes de Produção - George Luis Prata, Anderson Kiroviski e Carolina Godinho
Assistente de Figurino - Rosa Ebee
Preparação Corporal - Morena Cattoni
Preparação Vocal - Verônica Machado
Fotos e Programação Visual - Thiago Sacramento
Assessoria de Imprensa - Armazém Comunicaçã

Consertam-se imóveis (RJ)

Alonso Zerbinato, Raquel Alvarenga, Jarbas Albuquerque e Susana Nascimento

Foto: Guga Millet

Bonito espetáculo a partir de conto de Julio Cortázar 
O espetáculo “Consertam-se imóveis” é a versão de Keli Freitas para o conto “A saúde dos doentes” do escritor argentino Julio Cortázar (1914-1984). Dirigida por Cynthia Reis, a peça conta mal uma história interessante. No enredo, a Tia (Raquel Alvarenga, com destaque), o Tio (Alonso Zerbinato), o Filho (Jarbas Albuquerque) e a Filha (Suzana Nascimento) não contam à Mãe que um de seus filhos recentemente faleceu. Por causa disso, envolvem-se dia após dia na manutenção das mentiras que visam proteger a personagem da dor enquanto eles mesmos adiam o próprio luto. Essa situação e o desenvolver dela, no entanto, demoram muito para serem de fato apresentadas e para se modificar. Contudo, em cartaz na Sala Multiuso do Espaço Sesc Copacabana, eis aqui um espetáculo bonito pelos altos investimentos estéticos principalmente na ordem do cenário de Lorena Lima.

“A saúde dos doentes” é um conto publicado na obra “Todos os fogos o fogo”, de Julio Cortázar, em 1966. A história começa com a trágica morte do jovem Alejandro em um acidente de carro. O fato resulta no início de uma farsa da família para disfarçar o acontecimento para a Mãe adoentada. Com a ajuda de uma Tia e do Médico, eles escrevem cartas como se fossem o falecido, devolvendo as respostas ditadas pela Mãe enganada. A narrativa evolui com mais duas mortes, o que implica no aumento do tamanho do “teatro” inventado pelos familiares em lugar de sua resolução. O ponto alto da história é quando a Filha se surpreende imaginando como avisar para o Filho morto que a Mãe de ambos morreu.

Infelizmente, não se vê, nessa versão assinada por Keli Freitas, a profundidade desse contexto que a literatura oferece. Mortos e vivos, no conto, os personagens são resultados de signos verbais nas páginas impressas. No teatro, a presença e a ausência de um ator que dê vida a um personagem têm outro resultado na construção do sentido da obra como um todo. Se lá, a situação inicial é rapidamente percebida e a ação (mesmo que introspectiva) imediatamente começa, aqui a dramaturgia infelizmente impõe mais desafios para o público alcançar as bases sólidas primeiro para só então ver a história se desenvolver. Além disso, a personagem da Tia (Raquel Oliveira) teve maior privilégio do texto quanto à construção dos excelentes diálogos de forma que o acesso da plateia aos demais personagens ficou desfavorecido. Protagonista no conto, a Filha (Suzana Nascimento) aqui recebeu menos importância.

O sotaque mineiro carregado na fala da Tia (Raquel Alvarenga) e o tom bucólico nas escolhas estéticas que se veem na direção de movimento e de arte aproximam positivamente “Consertam-se imóveis” do público. As andanças do cenário pelo palco, no entanto, não têm justificativas realmente claras, bem como o que se vê no figurino assinado por Bruno Perlatto ou na presença de Federico Luppi, diretor musical que interpreta ao vivo as belas canções, em cena. A justaposição de objetos de matrizes, cores e de texturas bastante distintos no cenário de Lorena Lima tenta valorosamente produzir uma metáfora para essa casa. Nesse espaço, gerações diferentes de membros de uma mesma família convivem sem que tenham claros os limites individual e familiar de suas vidas. Bonito.

Raquel Alvarenga (Tia) tem destacável trabalho de interpretação, embora sejam notáveis as tentativas de Susana Ribeiro (Filha) em exibir maior profundidade na personagem da Filha. No entanto, de um modo geral, apesar dos personagens estarem durante quase toda a narrativa acompanhados, são raros os momentos em que a contracena parece ter tido algum peso relevante nas participações individuais.

O carisma da personagem da Tia e a beleza da direção de arte garantem ao público de “Consertam-se imóveis” um bom momento de fruição estética. Mas não muito além disso.

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FICHA TECNICA
Idealização e direção: Cynthia Reis
Texto: Keli Freitas
Elenco: Alonso Zerbinato, Jarbas Albuquerque, Raquel Alvarenga, Suzana Nascimento
Cenário e produção de arte: Lorena Lima
Figurino: Bruno Perlatto
Iluminação: Paulo Cesar Medeiros
Composição e direção musical: Federico Puppi
Orientação filosófica: Alexandre Mendonça
Fotografia: Guga Millet
Projeto gráfico: Raquel Alvarenga
Assessoria de imprensa: Minas de Ideias
Direção de produção: Aline Mohamad
Realização: Cynthia Reis e Tucana e Produções