Foto: divulgação
O final
Reflejos tem apenas um defeito grave: demora pra terminar. Entre o ápice e o fim, há tempo demais. E, como sabemos que nada novo vai acontecer, quinze minutos parecem uma hora. Em tempos nekrosianos, em que uma peça tem quase seis horas, uma reflexão sobre a sensação do tempo se faz necessária. Por que, em algumas peças, o tempo não passa e, em outras, passa lento demais? Aqui não farei comparações entre diferentes obras, mas buscarei um olhar para o espetáculo Reflejos, texto e direção de Matías Feldman, e interpretado por um grupo de atores que, se não são, poderiam ser a primeira linha da capital portenha.
A sinopse é clara: um homem, Francisco Gámez, precisa decidir quem será o novo sub-gerente de vendas, o cargo mais importante da empresa. Há duas opções: o atual marido (Federico Guzmán) de sua ex-esposa (Florencia Pelaia) e uma outra funcionária (Lucrecia Morgan) que, embora seja muito competente, não se dá bem com ninguém. Assim, os personagens se apresentam: o protagonista (Gámez), que só o é porque é nele em que se encontra o eixo dramatúrgico; o casal (Federico e Florencia), a funcionária (Morgan) e a mãe do protagonista (Alícia de Gamez), sobre quem falarei por fim. À tona, surgem os conflitos menores que, como tal, servem para engrossar a trama: o ex-marido não convive tranquilamente com a ex-esposa; Federico está apaixonado pela esposa, mas algo inexplicável não deixa a relação evoluir e uma família nascer, Morgan perdeu seu diário que é lido pelos demais personagens, alguns documentos importantes sobre uma venda sumiram sob a responsabilidade de Florencia. Então, surge a resolução: Francisco dá o cargo para Federico, mas pede que ele ponha Morgan em seu lugar e não Florencia. Federico anuncia que não fará isso e diz que já havia prometido à esposa que, se escolhido, ela ficaria com seu posto. Ao saber disso, Francisco diz que sua escolha será repensada uma vez que as questões pessoais não podem intervir na empresa e a indicação de Federico para o novo cargo seria um exemplo disso. E não cabe a mim dizer quem foi, afinal, o escolhido.
O fato da resolução do conflito acontecer tão no início informa o leitor acerca de uma questão fundamental: não era, como se pensava, a escolha do novo sub-gerente o cerne de Reflejos, mas as conseqüências desse ato. E eis que o ápice, um acontecimento irrevogável, acontece. Mas a peça não termina... Um diálogo interminável comentando o que ocorreu se sucede, além de novas cenas menores, mas que parecem longas, um monólogo e, finalmente, o fim. Os últimos trinta minutos parecem ser bem maiores do que os primeiros nessa produção de uma hora e meia. Ninguém obriga ninguém a fazer uma peça cuja história é tão aristotélica. Mas o drama não é algo que se subverte na casca e, sim, na base. E a base do drama é o conflito: sua apresentação, sua resolução, seu final.
O melhor jeito de tratar da mãe de Francisco é colocá-la em frente a sua construção oposta: Lucrecia Morgan. Alicia se relaciona com Francisco, com Florencia e, de certa maneira, com o atual marido de sua ex-nora. Morgan não tem nenhuma ligação, a não ser profissional, com ninguém. Em alguns momentos, Morgan está sozinha em cena falando como que a um psicólogo. Seu universo é em separado. Alicia não tem esse privilégio: só existe como ilustração da vida pessoal de Francisco, uma vez que Federico tem a Florencia e ele não teria ninguém. Morgan é sarcástica, crítica, dura. Alicia, com seu figurino raro, é responsável pelos momentos cômicos de Reflejos. Daí que, no extenso final, as aparições lentas e cansativas de Alicia só atrasam ainda mais a história, longe de fazer o público rir em tempos narrativos de definições. Depois dos setenta minutos, tudo já se resolveu. Para quê mais cenas? O retorno de Morgan ao palco, nesse momento de despedida, se explica: ela abriu a peça e irá fechá-la. O de Alicia é capricho do diretor que não soube cortar o dramaturgo.
São excelentes as interpretações e é estimulante ver um espetáculo teatral de qualidade sem nada além de pequenos adereços. A dramaturgia constrói um misto sutil de melodrama latino bem aos moldes das novelas mexicanas, mas, ao mesmo tempo, com o afiado diálogo do teatro contemporâneo. É inteligente, bem dirigido e bem produzido e só teria a crescer com o uso de uma boa e velha tesoura. Por que não?
* Texto escrito em setembro de 2010 por ocasião do 17º Porto Alegre em Cena.
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