quinta-feira, 27 de outubro de 2011
Breve Encontro (RJ)
Foto: divulgação
Insosso
Ao contrário do que o programa diz, “Breve Encontro”, espetáculo dirigido por Eduardo Wotzik, é uma vaga lembrança tanto do filme “Desencanto” (Brief Encounter, dirigido por David Lean, 1945), quando da peça “Still Life”, do briânico Noël Coward (1889-1973), pela primeira vez encenada em 1936. A versão brasileira, protagonizada por Carla Ribas consiste, como a análise pretende mostrar, em um empobrecimento da obra primeira pelo mal uso da linguagem teatral que a produção demonstra.
“Still Life” é um drama realista psicológico: A personagem de Laura não é apenas uma figura a contracenar com outras, mas o lugar onde está o espectador. É partir dela, e de sua complexidade psicológica, que vemos os outros personagens, as situações e a si próprios. Coward constrói relações que ilustram o mundo de Laura, o horizonte que, nesse nosso olhar através dela, passa a ser o nosso: a tranqüilidade do seu casamento, a segurança de sua rotina, a alegria dos casais que ela encontra na estação. Então, um dia, Laura conhece Alec e ele tira dela um cisco no olho: gesto que não é corriqueiro, mas de grande importância na peça inglesa. Alec, um médico casado, desconhecido até então, retira do olhar de Laura, uma respeitada e discreta dama da sociedade, o que lhe impedia de enxergar bem. Para Laura, o conforto de sua casa passa a não ser bom, a felicidade dos casais que ela encontra começa a parecer falsa, a tranqüilidade se torna enervante. Em relação direta com o romance “A trégua”, de Mário Benedetti, publicado décadas depois, o aventura amorosa de Laura com Alec se torna, semana após semana, ou mês após mês, um oásis na mesmice insossa a que ela estava acostumada. David Lean, que, anos depois, se tornou conhecido pelos excelentes “A Ponte do Rio Kwai”, Laurence na Arábia” e “Doutor Jivago”, utilizou todo o contexto acima descrito como conceito para a sua definição da linguagem cinematográfica em “Desencanto”. A personagem de Laura (Celia Johnson) é o lugar de onde partem os enquadramentos ou onde eles terminam. Closes e mais closes na personagem, sua voz over the scene e o excelente trabalho de som que torna os risos, a música de Rachmaninoff, os pássaros e, assim, todos os sinais de vida em verdadeiros tormentos para a protagonista que se sente culpada deram ao diretor a merecida indicação ao Oscar. É justamente porque há dois mundos ou duas visões de mundo em conflito que a decisão de Laura e sua responsabilidade é tão importante. Por causa disso, a peça e o filme foram censurados por anos em vários países do mundo.
Eduardo Wotzik, na sua versão teatral de “Still Life” (livre e inadvertidamente), tornou o realismo psicológico em melodrama. O espectador de uma peça do primeiro gênero julga como se estando dentro da situação. O do segundo faz julgamentos como estando moralmente de fora. As investidas da direção em tornar importantes os pensamentos de Laura resultam em um esteticamente empobrecido exercício de psicologização: um tom meloso na retórica do texto, ambientes escuros (o clima noir dos anos 40 ajuda nos dramas policiais, o que não eram tema de Lean e, menos ainda, de Coward.) e muitos solilóquios. O entre e sai de cenários lembra “Les Éphémères”, que Ariane Mnouchkine trouxe ao Brasil, embora lá haja o conceito do efêmero e da brevidade no tema central da encenação, enquanto aqui é a opção é meramente ilustrativa. Não é o fato dos encontros entre Laura e Alec serem curtos e ocasionais que é importante, mas, sim, a força destes encontros em representar, para Laura, uma sensação oposta àquela que a protagonista está habituada. Alec representa para Laura a vida que ela pensava ter pedido: still life (vida ainda). Daí que as histriônicas trocas de cenário da produção de Wotzik desfocam a atenção do espectador e emperram uma qualificada fruição.
Fernando Arze deixa ver uma vitimizada construção. O ritmo da respiração é irregular, o personagem se torna ofegante, infantil e, por isso, superficial. O tom é monocorde e, assim, monótono, de forma que a figura, nem de longe, é forte o bastante para representar a oposição necessária ao desenvolvimento da personagem Laura. Carla Ribas defende elogiosamente sua personagem protagonista diante da difícil, porque equivocada, concepção da direção. Sua dicção é clara, seus gestos são suaves e suas intenções são, dentro do possível, coerentes.
A direção de arte de José Dias (iluminação de Fernanda Mantovani, os figurinos de Anna Cecília Cabral e a trilha sonora de Bernardo Gebara) atende ao conceito com valorosa obediência. Em termos estéticos, os signos estão dispostos como pretendiam estar e, por isso, devem receber uma avaliação positiva.
De forma geral, a linguagem teatral está posta a desserviço de “Still Life”, ainda que, em locais isolados, possam ser observados resultados positivos nesse esquecível “Breve Encontro”.
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Ficha técnica:
Adaptação e Direção Geral: Eduardo Wotzik
Direção de Arte: José Dias
Figurinos: Anna Cecília Cabral
Iluminação: Fernanda Montovani
Trilha Sonora: Bernardo Gebara
Assistente de Direção: Dani Barbosa
Assessoria de Imprensa: Gabriela Mota
Visagista: Dani Carneiro
Cenotécnico: Paulo Fernandes
Contra-regras: Gleice Caxias e Marcelo Mattos
Operador de Som: Pedro Quintaes
Operador de Luz: Mario Junior
Assistente e Montagem de Luz: Alexandre Souza e Tiago Mantovani
Produção Executiva: Márcia Sarquis
Diretor de Produção: Luiz Prado
Realização: República Universal das Artesm Dannemann Entretenimento e Centro de Investigação Teatral.
Elenco:
Carla Ribas
Fernando Arze
Paulo Giardini
Cristina Rudolph
Rubens de Araújo
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