segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Constellation (RJ)

Foto: César França

Marcio Louzada e Jullie em cena

Para quem viveu os anos dourados


“Constellation – Uma viagem musical pelos anos 50” estreou em nova montagem nesse final de 2014. Com direção de Jarbas Homem de Mello, direção musical de Beatriz De Luca e com coreografias de Vanessa Guillen, a peça apresenta 16 canções clássicas americanas da década de 50, como “Only You”, “Blue Moon” e “Stand by Me”. No elenco, estão Andréa Veiga, Jullie, Lovie Elizabeth, Cleiton Morais, Daniel Cabral, Drayson Menezzes, Franco Kuster, Marcio Louzada e Ugo Capelli. Em cartaz no Teatro Vanucci, no Shopping da Gávea, na zona sul do Rio de Janeiro, essa produção está preparada para agradar aqueles que viveram os anos dourados. E pouco além deles.

Em 1953, a VARIG conseguiu a primeira concessão federal para o estabelecimento da rota aérea Rio de Janeiro – Nova Iorque. Para tanto, três aeronaves Lockheed Super Constellation G foram adquiridas. Muito luxuoso, esse avião quadrimotor havia reduzido a duração das viagens aéreas pelo mundo, dando mais confortabilidade para os passageiros. O primeiro voo oficial do Constellation para os Estados Unidos aconteceu no dia 28 de julho de 1955, com um tempo de viagem de 20h, com parada em Belém do Pará, Trindade e Tobago e na República Dominicana. Havia 54 assentos, 15 para a classe turística e todos os demais para a primeira classe. A bordo, um cozinheiro da família real russa assinava o cardápio que, pela primeira vez no Brasil, era servido por mulheres como comissárias de bordo. A passagem custava o que hoje seriam nove mil reais. Já totalmente substituídas em 1962, as aeronaves “Constellation” foram símbolo dos anos dourados no Brasil.

A primeira montagem de “Constellation – nas asas do glamour” estreou em 2002, dirigida por Eduardo Loyolla e com Patrícia Levy (Regina Lúcia), Adriana Quadros (Mãe) e Sabrina Korgut (Tia) no elenco com supervisão musical de Luiz Carlos Miéle. O sucesso foi enorme, levando o espetáculo a cumprir temporada em várias capitais do Brasil, apesar do texto de Claudio Magnavita, que serve apenas de escada para a entrada das canções. O formato de jukebox, em que uma coleção de músicas existentes antes da dramaturgia entram como parte mais importante do programa, tem seus méritos ainda que não sejam muitos.

A história se passa na casa de Regina Lúcia (Jullie), em um apartamento na Rua Barata Ribeiro em Copacabana, onde ouve-se sobre um concurso promovido pelos sabonetes Palmolive na Rádio Nacional. O prêmio é uma passagem para Nova Iorque na viagem inaugural do Super Constellation G, o luxuoso avião da Varig. A Mãe Gilda Maria (Lovie Elizabeth), uma funcionária do Ministério da Educação desquitada, e a Tia Maria da Penha (Andrea Veiga), uma vedete do Cabaré Casablanca, começam uma campanha familiar de arrecadação de rótulos do sabonete de forma que Regina Lúcia possa ter mais chances de ser premiada. Sem dificuldades, ela vence e participa da etapa final da seleção, quando deverá acertar o título de três canções interpretadas pela orquestra no Golden Room do Copacabana Palace, esse o melhor momento do espetáculo. Já anunciado pela cena de abertura, Regina Lúcia vence o concurso. O único elemento surpresa da peça surge nos momentos finais. No aeroporto, para se despedir, surge o Noivo (Marcio Louzada) que, embora fique com ciúmes da noiva estar viajando ao lado de Jorginho Guinle (Franco Kuster), consente que ela vá. Uma surpresa, porém, aguarda por ele. Essa está longe de ser uma grande curva na narrativa, mas é ver a peça para saber como ela termina.

Não há destaque nos trabalhos de interpretação, embora se reconheça o esforço positivo de Andrea Veiga (Tia) em dar mais agilidade para a trama. Lovie Elizabeth e Jullie interpretam não mais que os diálogos e que as situações dramáticas exigem, nem menos. Marcio Louzada apresenta o personagem do Noivo de forma muito apagada, valorizando o trabalho de Franco Kuster em positivo desempenho como Jorginho Guinle. Falta virilidade no elenco masculino, cujos movimentos delicados e pernas depiladas não convencem. Sem exceções, o elenco canta bem, com elogios para Drayzon Menezzes, além de Veiga e de Jullie. As coreografias de Vanessa Guillen são tão bonitas quanto as canções, contribuindo vibrantemente para o espetáculo.

A direção de arte se esforça em produzir um contexto brilhante para os anos 50, enchendo o palco de cor e afastando qualquer realismo. No visagismo de Dicko Lorenzo, todos os personagens usam perucas ou apliques no cabelo e muita maquiagem, expressando um conceito bem articulado, mas que nem sempre se sai bem. O cansativo figurino de Patrícia Muniz peca pelo excesso, tentando dar vida para uma história que não tem tanta. O excelente cenário de Natália Lana é o elemento mais bem usado na viabilização de “Constellation”, contando ainda com o ótimo desenho de iluminação de Paulo César de Medeiros e com as meritosas projeções de Thiago Stauffer, Felipe Menezes e de Aldo Haroldo.

“Constellation” é o primeiro trabalho de direção de Jarbas Homem de Mello no Rio de Janeiro e tem méritos por agradar uma fatia específica do público carioca, mas pouco além dela. O retumbante sucesso de 2002 não se repetiu.

Repertório:
Heaven on Earth (Buck Ram)
He’s Mine (Buck Ram)
My Prayer (G. Boulanger)
Blueberry Hill (Lewis / Stock / Rose)
Blue Moon (Richard Rodgers / Lorenz Hart)
When I Fall In Love (V. Young / E. Heyman)
Jambalaya (On The Bayou)
The Great Pretender (Buck Ram)
Donna (Ritchie Vallens)
Surfin’ USA (Chuck Berry / Brian Wilson)
Only You (A. Rand / Buck Ram)
Unchained Melody (A. North / H. Zareth)
Stand By Me (B. King / J. Leiber / M. Stoller)
Smoke Gets In Your Eyes ( J. Kern / O. Harbach)
Unforgettable (I. Gordon)
Happy Day

*

FICHA TÉCNICA
Texto e Idelização: Cláudio Magnavita
Direção: Jarbas Homem de Mello
Direção Musical e Arranjos: Beatriz De Luca
Produção Geral: Frederico Reder
Coreógrafa e Diretora Assistente: Vanessa Guillen

Elenco: Andrea Veiga, Jullie, Lovie Elizabeth, Cleiton Morais, Daniel Cabral, Drayson Menezzes, Franco Kuster, Marcio Louzada, Ugo Capelli

Banda Constellation: Eduardo Henrique (Band Leader e Piano), André Barros (Guitarras, Violão e Banjo), Wagner Bispo (Contrabaixos Acústico e Elétrico), Edmar Germano (Bateria), Eduardo Henrique e Thalyson Rodrigues (Pianistas ensaiadores)

Comissários de Bordo/Elenco de apoio: Agatha Maria Kreisler, Douglas Teixeira, Luã Bregeron e Mariana Floriani
Cenógrafa: Natalia Lana
Figurino: Patrícia Muniz
Visagismo: Dicko Lorenzo
Desenho de Luz : Paulo César Medeiros
Desenho de Som: Fernando Fortes
Texto Off: Claudio Torres Gonzaga
Assistente de Cenografia: Marieta Spada
Assistente de Figurino: Patricia Delvaux
Assistente de Iluminação: Julio Medeiros
Assistente de Desenho de som: Leandro Lobo
Cenotecnico: Andre Salles
Criação de projeção: Thiago Stauffer | Studio Prime
Equipe Cenotécnica: Gilvan Silva, André Cruz, Walmir Júnior, Paulo Sá, Gilberto Kalkmann, Alberto Serralheiro
Direção de palco: Pedro Guedelha
Contrarregra: Fernando Queyroz
Costureira de cenário: Rosangela Lapas
Pintora de Arte: Naira Santana
Diretor de arte projeções: Felipe Menezes
Arte gráfica objetos de cena: Bárbara Lana
Agradecimentos de Cenografia: André Mizarela, Lucas Mansor, Juliana Reder
Montagem de Luz: Boy Jorge, Vilmar Olos, Leandro Meirelles, Lúcio Bragança |Art Light
Operador de Som: Andre Breda
Microfonista: Jorge Batista
Operação de Projeção: Flavia Belchior
Camareiros: Valter Rocha e Eliana Ruth

Equipe de Comunicação
Gestão de Comunicação: Mariana Reder
Comunicação e Marketing: Rodrigo Medeiros e Luana Ribeiro
Fotos e Projeto Gráfico: Milton Menezes | Lightfarm Brasil
Arte Finalista: Ana Maria Suzart
Assessoria de Imprensa: Fábio Amaral | Minas de Ideias
Assistente de Fotografia: Gabriel Stefanini
Projeto 3D: Raphael Coppola

Equipe Brainstorming
BRAINS RJ: Alessandra Reis, Bianca Silva, Beth Chagas, Fernanda Goulart, Francis Rodrigues, Gabrielle Fontes, Natalino Werneck, Inez Pimenta, Jean Frazão , Lucas Mansor, Luiza Castro, Rita Reder.

BRAINS SP: Andrea Prado, Anna Soares, Beto Marden, Daiane Carvalho, Felipe De Lima,Gherardo Franco, Ilana Pedreira, Maíra Freitas , Marcelo Dabanian , Marcos Paulo De Andrade , Pedro Caramori, Rodrigo Trabblod, Rosangela Capelari, Stephanie Baccain, Wellington Oliveira

Equipe de Produção
Direção de Produção Executiva: Alina Lyra
Produtora Assistente: Marcelle Nery
Produção de Cia: Luana Simões
Assistente de Produção: Izadora Schetter
Elaboração de Projeto: Elisa d'Abreu e Natália Simonete
Administração Financeira: Juliana Reder
Produção Executiva: Alkaparra Produções
Realização: Brainstorming Entretenimento

terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Couve-flor (RJ)

Foto: divulgação

Da esquerda pra direita, Clarisse Zarvos, Nathália Lima Verde (de costas),
 Marília Nunes, Bel Flaksman (de costas), Sarah Lessa e Patrick Sampaio

Espetáculo promove reflexão sobre o conceito de família nos dias de hoje



“Couve-flor” tem o mérito de propor uma reflexão valiosa sobre o conceito de família nos dias de hoje. Com texto escrito em parceria entre Rosyane Trotta e os coletivos Miúda e Brecha, a peça tem Bel Flaksman, Clarisse Zarvos, Marília Nunes, Nathália Lima Verde, Sarah Lessa e Patrick Sampaio no elenco em meritosa encenação dirigida por Caio Riscado. Depois de ter cumprido uma bela temporada no Teatro Sérgio Porto, o espetáculo segue para outra na Sede das Companhias, na Lapa, zona central do Rio de Janeiro.

A história de “Couve-flor” começa quando Tobias (Patrick Sampaio) encontra Nina, uma antiga conhecida, que lhe convida para ficar em sua casa por uns tempos. Nina (Marília Nunes) divide a moradia com mais quatro mulheres – Luciana (Bel Flaksman), Malu (Clarisse Zarvos), Dora (Nathália Lima Verde) e Gab (Sarah Lessa) – e o grupo reage de diferentes formas ao novo morador. Tendo já iniciado uma pesquisa teórica sobre a definição de família na contemporaneidade, esse mergulho de Tobias na casa de Nina e de suas amigas poderá dar novos contornos ao seu trabalho acadêmico. Assim, ao longo da história, o pesquisador há de se interrogar sobre qual poderia ser o elemento catalisador dessa estrutura familiar que ele observa: Luciana, que é a dona da casa? Gab, que, sendo transexual, pode ser a figura masculina? Ou Malu e Dora, que são um casal? O problema da dramaturgia de “Couve-flor” é que a pergunta sobre o que faz dessa família ser família é unicamente uma questão intelectual do trabalho de Tobias cuja resposta não modifica nem sua vida, tampouco as das demais personagens. Negativamente, o grande conflito é apenas uma pergunta de pesquisa mal feita. 

Por outro lado, a família criada entre as cinco mulheres é, por si só, um objeto interessante para o desenvolvimento da narrativa. A liberdade até então cultivada pelas moradoras sofre abalos com a necessidade sentida por uma delas de um pouco mais de regras na casa, mas é relevantemente alterada pela chegada do sexto personagem. Há ainda a relação delas com os pais de Luciana e com os vizinhos que observam criticamente suas festas íntimas. Por ser uma transexual que mora com outras quatro mulheres, Gab/Gabriel é universo dramático a parte ao lado do processo de formação de um casal entre o grupo e as novas relações de convivência. Nesse sentido, o laço de amizade cujos diferentes níveis unem essas pessoas se apresenta como uma força muito mais atraente do que as monótonas reflexões teóricas que o personagem Tobias protagoniza. Nesses trechos, ao invés de investir na discussão do tema, a peça infelizmente parece querer discuti-lo sozinha.

A direção de Caio Riscado, assistido por Mayara Yamada e por Gunnar Borges, faz os intérpretes, os objetos cenográficos e os demais elementos cênico-narrativos preencherem o palco em igual medida, representando bem a atmosfera de ecossistema. A cena de abertura, em que há um giro de 360 graus no quadro de observação, é um exemplo do conceito que pode estar por trás da obra “Couve-flor”: uma questão tem sempre muitos lados e, na contemporaneidade, já não há mais espaço para um ponto de vista unilateral. No encadeamento das cenas, essa noção se aprofunda brilhantemente. Estendem-se aqui os elogios à direção de movimento de Luar Maria.

Livros, plantas, objetos de design, na elogiosa direção de arte de Natália Araujo, fazem referência à complexidade do ser humano que não se encaixa em padrões ainda que possa reproduzir modelos, mas esses não integralmente. A peça tem ainda participação marcante do desenho de iluminação de Marcela Andrade e de Pedro Struchiner além da direção musical de Rafael Lorga.

Quanto às interpretações, não há um grande trabalho individual, mas deve-se destacar positivamente a unidade do grupo. O elenco, cujas interpretações fogem do teatral e se aproximam de um real além da narrativa, tem seus melhores momentos na cena em que discutem o futuro do coletivo após a formação do casal Malu e Dora.

Entre todos os méritos de “Couve-flor”, certamente está o esforço em lembrar que família, principalmente no mundo de hoje, é uma questão de afeto. Vale a pena ser visto!


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FICHA TÉCNICA
Texto: Rosyane Trotta e coletivos Miúda e Brecha
Elenco: Bel Flaksman, Clarisse Zarvos, Marília Nunes, Nathália LimaVerde, Patrick Sampaio e Sarah Lessa
Direção geral e idealização de projeto: Caio Riscado
Direção de movimento e preparação corporal: Luar Maria
Direção de vídeo: Lucas Canavarro
Direção, produção musical e trilha sonora original: Rafael Lorga
Direção de arte, cenário e figurino: Nathália Araújo
Iluminação: Marcela Andrade e Pedro Struchiner
Design gráfico: Raul Taborda
Produção: Lia Sarno
Assistência de produção: Bel Flaksman
Assistência de direção, pesquisa e projeto: Mayara Yamada
Assistência de direção: Gunnar Borges
Stand-in: Mayara Yamada e Natália Araújo
Operador de luz: Marcela Andrade / Luar Maria / Gunnar Borges
Operador de som: Rafael Lorga / Caio Riscado / Mayara Yamada
Canção original: Pra fazer amor (Rafael Lorga e Clarice Lissovsky)
Referências textuais - citação: Ana Martins Marques ("Falésias") / paráfrases: Leonarda Gluck, Philippe Baptiste, Ivana Bentes e Lucas Lolli Savi.
Gravação e Mixagem: Estúdio DoisporDois
Realização: Miúda, Brecha e Rosyane Trotta

sábado, 20 de dezembro de 2014

Gertrude Stein, Alice Toklas e Pablo Picasso (RJ)

Foto: divulgação
Bárbara Bruno em cena


Sobre a "Geração Perdida"

Em cartaz no Teatro do Leblon, a peça “Gertrude Stein, Alice Toklas e Pablo Picasso” tem o mérito de oferecer, nos dias de hoje, um espaço riquíssimo para a reflexão sobre o papel da vanguarda na construção do pensamento modernista. Escrita por Alcides Nogueira, a peça se passa na primeira metade do século XX quando vários artistas se encontravam na casa da escritora americana Gertrude Stein (1874-1946) em Paris. Ernest Hemingway, Henri Matisse, Thornton Wilder, Jean Cocteau, F. Scott Fitzgerald e Pablo Picasso, entre outros, formavam a chamada Geração Perdida. O texto, no entanto, sugere uma aproximação entre a contemporaneidade e aquele período, exibindo a vitalidade daqueles encontros cheios de liberdade. Interpretado por Giuseppe Oristânio, por Sabrina Faerstein e por Bárbara Bruno, essa última dividindo a direção com Paulo Goulart Filho, o espetáculo merece ainda mais atenção pelo modo como se apresenta. Sem os tradicionais pontos de mudança, clímax e sem conflito narrativo em sua dramaturgia, a peça é ainda sim cheia de força estética.

Em 1996, Alcides Nogueira deu novas cores ao texto “Retrato de Gertrude Stein quando homem”, que havia sido escrito quatro anos antes e encenado pelo Grupo Fodidos Privilegiados, com direção e atuação de Antônio Abujamra, e com Vera Holtz e Suzana Faini no elenco, oferecendo à atriz Nicette Bruno, que então completava 50 anos de carreira dividindo o palco com Clarisse Abujamra e com Francarlo Reis. Dezoito anos depois, a nova montagem com direção de Paulo Goulart Filho e de Bárbara Bruno chega ao Rio de Janeiro em que se apresenta pela primeira vez. Coberto de quebras de referências, definindo o código como a sua recorrente negação, o  espetáculo se estrutura, por exemplo, justapondo figurinos que remetem aos anos 20 com um notebook, ou citações ao contexto histórico europeu do início do século XX com imagens da atualidade da política brasileira. A liberdade aparece em todos os cantos através de frases longas, digressões de pensamento e de retomadas de repertório da cultura ocidental. O resultado é a atenção constante do espectador que se mantém cativo, não apenas acompanhando os últimos anos da vida de Gertrude Stein, de sua esposa Alice B. Toklas e do amigo do casal Pablo Picasso, mas experimentando um certo tipo de festa com muita filosofia e excepcional criatividade. O melhor do texto de Nogueira é a inteligência dos diálogos nos quais a fluência ultrapassa a complexidade brilhantemente.

Bárbara Bruno (Gertrude), Sabrina Faerstein (Alice) e Giuseppe Oristânio (Picasso) apresentam um qualificado trabalho de interpretação que dribla bem a ausência de ação do texto. Os poucos movimentos pelo palco assumem a proposta de muito mais sugerir uma reflexão e bem menos de contar uma história. Os personagens são apresentados, assim, pela força da relação que estabelecem uns com os outros e não tanto por suas características próprias. Nesse sentido, a direção dos irmãos Bárbara Bruno e Paulo Goulart Filho se afasta positivamente de qualquer caricatura que pudesse superficializar Gertrude, Alice e Picasso, avançando por aspectos mais sutis de seus contornos. Estão lá o amor incondicional de Gertrude por Alice, mas também a autocrítica da primeira sobre seu próprio trabalho, as limitações culturais da segunda que não a impediam de contribuir para a obra da outra e a determinação de ambas em permanecer juntas por quase quarenta anos. Em contraponto, Picasso tem seu lado humano valorizado no âmbito de suas frustrações pessoais em relação à sua Espanha idealizada. Deste modo, a sensibilidade dos intérpretes na viabilização de suas figuras merece ser valorizada nessa produção, como também os delicados cenário e figurino de Maria Bonomi. No mesmo sentido, o desenho de luz de Daniela Sanchez e a trilha sonora original de André Abujamra.

“Gertrude Stein, Alice Toklas e Pablo Picasso” explora a não linearidade, a esparsa cronologia e o amplo uso de figuras de linguagem para dar a ver um mundo em que as regras eram quebradas pela necessidade de valorizar mais as perguntas do que as repostas. Os questionamentos ainda são essenciais. Viva a liberdade!


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Ficha técnica:
Autor: Alcides Nogueira
Direção: Bárbara Bruno e Paulo Goulart Filho
Cenário e Figurino: Maria Bonomi
Trilha Originalmente Composta: André Abujamra
Luz: Daniela Sanchez
Elenco: Bárbara Bruno, Sabrina Faerstein e Giuseppe Oristânio

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Festa de Família e O Funeral (RJ)

Foto: divulgação

Thiago Guerrante, Jaime Leibovitch e Xuxa Lopes em cena
em "Festa de Família"



Bravíssimo!!


            O teatro nunca vai morrer, mas é por espetáculos como “Festa de Família” e como “O Funeral” que ele vai continuar existindo. Dirigidas por Bruce Gomlevsky, essas peças em cartaz no Teatro Poeirinha, em Botafogo, podem ser compreendidas como uma só, embora possam ser assistidas também em separado. A primeira é uma adaptação de David Eldridge do filme homônimo do dinamarquês Thomas Vinterberg, cujo roteiro também é assinado por Mogens Rukov e por Bo Hr. Hansen. Lançado em 1998, “Festa de Família” (“Festen”) foi o primeiro filme resultante do movimento Dogma95, esse aberto por Vinterberg, por Lars von Trier e por outros diretores com o intuito de manter a sétima arte o mais longe possível das consequências do mercado e do avanço tecnológico que pudessem corrompe-la. Escrito em 2011, o roteiro de “O Funeral”, também assinado por Mogens Ruko, é inédito no país inclusive no teatro. As duas montagens compõem, juntamente com “A Volta ao Lar”, de Harold Pinter, e com “O Homem Travesseiro”, de Martin McDonagh, o que a Companhia Teatro Esplendor chamou de Tetralogia do Abuso. As análises desses outros espetáculos também se encontram nesse blog.

            “Festa de Família” começa com a chegada dos convidados à festa de aniversário dos 60 anos de Helge (Jaime Leibovitch), o patriarca da família que é dona do antigo hotel onde a celebração acontece. Na cena inicial, Michael (Gustavo Damasceno), o filho mais novo, chega com a esposa (Glauce Guima) e com uma filha (Sofia Viamonte), mas é barrado pelo funcionário Lars (Felipe Cabral). Michael não foi convidado, porque, no ano anterior, ele faltara ao velório de Linda, sua irmã, que cometera suicídio. É Christian (Bruce Gomlevsky), irmão gêmeo de Linda, quem garante a entrada de Michael, cujo modo de falar deixa claro o quanto o preconceito de classe (depois, racial) protege sua identidade. Uma coleção de músicas folclóricas une o homenageado e seu pai já senil (Silvio Matos), sua esposa (Xuxa Lopes), seus filhos, sua neta e os funcionários em uma cerimônia repleta de formalidades que vão dos trajes aos usos do aparelho de jantar. Por outro lado, as vidas particulares dos indivíduos são igualmente expostas em uma teia de relações em que todos sabem de todos os segredos menos um. Esse, no entanto, será revelado por Christian, em cujo discurso poderá ficar claro o motivo que provavelmente levou Linda à morte no ano anterior. Um dos aspectos mais vibrantes da dramaturgia de Vinterberg é o fato de que, apesar de terrível, a revelação de Christian não consegue derrubar o laço forte que estrutura essa família tradicional em seu encontro festivo. Será preciso que a voz de Linda saia do túmulo para mudar o contorno da situação, pois só uma pessoa morta pode afetar um repertório de comportamentos tão sem vida.

            Em “O Funeral”, os irmãos Christian (Gomlevsky), Michael (Damasceno) e Helene (Luiza Maldonado) estão de volta ao hotel da família dez anos depois do último encontro para enterrar o pai, morto no dia anterior. Helge (Leibovitch) morrera de causas naturais, falecendo vítima de um ataque cardíaco seguido de queda na escada segundo consta. A cerimônia, bem mais privada do que a anterior, é novamente lugar para discursos aterradores. Dessa vez, de um lado, as figuras de acusador e de acusado se fundem. De outro, o enterro do velho patriarca é a confirmação de sua vida enquanto o sono do neto Henning (Raul Guaraná) é o velório de sua infância. Em Michael, o pior de todos os seres humanos, recai a possibilidade de redenção da humanidade, essa que ainda guarda em si a semente da corrupção que a vida adulta poderá fazer aflorar. O melhor na dramaturgia de Vinterberg aqui é como a história parte de um ponto reacionário, moralista e romântico, passando por um lugar trágico para chegar a uma explosão de símbolos que reflete a complexidade de nosso tempo.

            Não há uma só gota de sangue latino tanto em “Festa de Família” como em “O Funeral”, porém a direção de Bruce Gomlevsky, assistida por Elisa Tandeta, não fez disso uma barreira, mas um desafio que é plenamente vencido. Eis aqui, por isso, um trabalho primoroso cuja marca mais sensível talvez seja o modo inteligente como essa história e esses personagens chegam a nós. Em um dos espetáculos, o público toma parte da mesa. Em outro, o palco ora circunda a audiência, ora está no meio dela. Com isso, a podridão que emana dessas figuras infesta a plateia de modo que quem assiste assiste e não apenas vê, o que é também mérito do cenário de Bel Lobo. Além disso, visivelmente, nada do que é dito ou feito em cena é desamparado por uma concepção firme: gritos e sussurros se equiparam como também a luta, o choro, a masturbação, a festa e a conversa. Dentre todos, os melhores momentos das duas produções, no entanto, são os silêncios, esses cheios de uma vitalidade pulsante que valoriza a palavra que os sucede.

            Da virilidade da performance de Damasceno (Michael) à ardilosidade de Gomlevsky (Christian) e de Leibovitch (Helge), todos os dois espetáculos são compostos por excelentes interpretações, elogiando ainda a força agressiva nas participações de Glauce Guima (Mette) e de Luiza Maldonado (Helene) e na doce ingenuidade de Carolina Chalita (Pia), de João Lucas Romero (Kim) e de Silvio Matos (Avô). Contudo, merece destaque a excelente atuação de Xuxa Lopes (Else) pela responsabilidade do seu personagem na defesa da história. De forma muito delicada, a atriz apresenta a exuberância da mãe que é filtro de todas as emoções e a base mais duradoura de todas ações com as quais a história se narra. Brava!

            “Festa de Família” e “Funeral” têm ainda desenhos de luz respectivamente bem criados por Maneco Quinderé e por Elisa Tandeta e direção musical de Marcelo Alonso Neves, sendo que a trilha sonora original da segunda é do polonês Zgbibiew Preisner, famoso pelas composições musicais dos filmes do mestre Krzysztof Kieślowski. Quanto aos figurinos de Ticiana Passos, há positivo destaque para a forma como os mesmos personagens aparecem nas duas produções, considerando os anos narrativos que passam entre os dois momentos da história.

            À mesa, na hora de falar, Christian pede ao pai que escolha um entre os dois discursos que ele planejou. Helge escolhe o verde, aquele que Christian chama de “O discurso da verdade” ou de “Os banhos do meu pai”. Helge não escolhe o amarelo que permanece, por isso, em silêncio. O muito que se diga haverá sempre muito que não será dito. O silêncio permanece um grito ensurdecedor. Bravíssimo!

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FICHA TÉCNICA

 Festa de Família
Texto: Thomas Vinterberg, Mogens Rukov e Bo Hr. Hansen
Adaptação teatral: David Eldridge
Direção: Bruce Gomlevsky
Tradução: José Almino

 Elenco:
Bruce Gomlevsky/ Christian
Carolina Chalita/ Pia
Felipe Cabral / Lars
Glauce Guima / Mette
Gustavo Damasceno/ Michel
Jaime Leibovitch / Helge
João Lucas Romero / Kim
Luiza Maldonado / Helene
Luiz Felipe Lucas / Gbatokai
Ricardo Ventura / Poul
Silvio Matos / avô
Sofia Viamonte / Sofie (a menina)
Thiago Guerrante / Helmut
Participação especial de Xuxa Lopes como Else

Cenografia: Bel Lobo
Iluminação: Maneco Quinderé
Figurino: Ticiana Passos
Direção musical: Marcelo Alonso Neves
Fotos: Tatiana Farache
Design gráfico: Mauricio Grecco
Assistente de direção: Elisa Tandeta
Direção de produção e coordenação de projeto: Rafael Fleury
Produção: BG artEntretenimento Ltda
Realização: Cia Teatro Esplendor
Assessoria de Imprensa: JSPontes Comunicação - João Pontes e Stella Stephany

 O Funeral
Texto: Thomas Vinterberg e Mogens Rukov
Direção: Bruce Gomlevsky
Tradução: Ricardo Ventura

 Elenco:
Bruce Gomlevsky / Christian
Carolina Chalita / Pia
Gustavo Damasceno / Michael
Jaime Leibovitch / Helge
João Lucas Romero / Kim
Luiza Maldonado / Helene
Raul Guaraná / Henning (o menino)
Thalita Godoi / Sofie
Participação especial de Xuxa Lopes como Else

 Cenografia: Bel Lobo e Bruce Gomlevsky
Trilha sonora original: Zgbibiew Preisner
Iluminação: Elisa Tandeta
Figurino: Ticiana Passos
Fotos: Tatiana Farache
Design Gráfico: Mauricio Grecco
Assistente de direção: Elisa Tandeta
Direção de produção e coordenação de projeto: Rafael Fleury
Produção: BG artEntretenimento Ltda
Realização: Cia Teatro Esplendor
Assessoria de Imprensa: JSPontes Comunicação - João Pontes e Stella Stephany

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Lapinha (RJ)

Ivan Vellame, Isabel Fillardis, Helga Nemeczyk e Ruben Gabira
em cena
Foto: divulgação


Um pouco da história do teatro colonial brasileiro


O musical “Lapinha” conta uma bonita história que vale a pena ser conhecida. Através de belíssimas composições de Wladimir Pinheiro, Isabel Fillardis dá vida à cantora Joaquina Maria Conceição da Lapa, a primeira cantora lírica brasileira a ganhar destaque internacional, feito esse que fica ainda maior por ela ter sido uma mulher negra que viveu no fim do século XVIII e início do XIX. Com direção de Edio Nunes e de Vilma Melo, seu trabalho de interpretação é bastante bom, como também o de Helga Nemeczyk. Com uma dramaturgia superficial e figurinos bastante ruins, o espetáculo está em cartaz no Teatro Clara Nunes, no shopping da Gávea, na zona sul do Rio de Janeiro.



Sabe-se que Joaquina Maria Conceição da Lapa, a Lapinha, nascida em Minas Gerais, viveu no Brasil na segunda metade do século XVIII e início do século XIX, tendo morado em Lisboa mais ou menos entre 1791 e 1805. Sua fama foi grandiosa por vários motivos. Em primeiro lugar, Lapinha era mulher quando as mulheres recém ganhavam o espaço antes ocupado por homens castrados. Era americana, isto é, era nascida no Novo Mundo e, por isso, exótica o bastante para despertar curiosidade do público. Além disso, era negra em uma época em que havia dúvidas se os negros e os brancos eram iguais apesar da diferença no tom da pele. Por fim, era uma soprano colatura (isto é capaz de produzir várias notas agudas em uma mesma sílaba) e, por isso, arrebatava as audiências para as quais se apresentava. Não se sabe ao certo quando ela exatamente retornou ao Brasil, mas registros apontam que foi antes da vinda da Família Real, em 1808. Seu último vestígio data de 1814 quando consta como herdeira do poeta Manuel Inácio da Silva Alvarenga (1749-1814). No Brasil, foi destaque da companhia de Antônio Nascentes Pinto (Teatro dos Amadores na Cinelândia), na Ópera Velha, também chamado de Teatro Régio Manuel Luiz (onde hoje se encontra o Palácio Tiradentes) e no Teatro São João (Teatro João Caetano). É conhecido também que Lapinha foi diva de vários artistas importantes da época, entre eles Nunes Garcia (1767-1830) e Marcos Portugal (1762-1830), tendo interpretado papéis protagonistas em óperas como “O Barbeiro de Sevilha”, de Giovanni Paisiello. Sem dúvidas, a iniciativa de apresentar essa personagem célebre da história do teatro brasileiro é um feito bastante elogiável dessa montagem.

A dramaturgia de João Batista é fraca, porque superficial além de excessivamente linear. O texto de “Lapinha” se justifica em cena, situando um grupo de quatro personagens sem nome e sem importância em um museu contemporâneo observando um quadro de Lapinha. Nessa tela fictícia (uma sutil referência à imagem de Lapinha pintada por Mello Menezes), a cantora lírica aparece retratada como se fosse branca, sendo negra. Ou seja, desde o início, a peça é menos sobre a vida da cantora lírica e mais sobre o preconceito racial. O diálogo entre os visitantes do museu (Zezeh Barbosa, Helga Nemeczyk, Ivan Vellame e Ruben Gabira) e o faxineiro (Naná Nascimento) é intercalado com as cenas em que aparece Joaquina Lapinha (Fillardis) ainda adolescente e depois adulta na narrativa superficial sobre supostos fatos de sua vida. O primeiro amor, a chegada ao Rio de Janeiro, a ida à Corte, o relacionamento com o poeta portuense João Evangelista de Morais Sarmento (1773-1826) e a volta ao Brasil são fatos que aparecem dispostos ao longo do tempo comportadamente. Em toda a peça, o ponto de vista sobre a personagem é o de uma heroína romântica em cuja vida só houve sofrimento. É pouco.

O contexto insólito da dramaturgia ofereceu pouco à direção de Edio Nunes e de Vilma Melo, cujo trabalho também não apresentou melhor resultado. Os atores, quase sempre virados para o público, demoram para entrar em cena. As marcações são duras e ficam piores quando querem fazer graça, como na cena dos binóculos, por exemplo. Não houve a tentativa de criar o efeito de profundidade, nem equilibrado uso do espaço cênico. Quanto às interpretações, merecem positivos destaques Helga Nemeczyk, cuja personagem é a da cantora lírica que se sente ameaçada pelo sucesso de Lapinha, e Isabel Fillardis. Ambas têm os melhores momentos nos quadros em que elas duelam através do canto lírico. É delicioso ver o embate! O grande carisma de Zezeh Barbosa marca bem a sua participação.

O melhor de “Lapinha” são as composições originais assinadas por Wladimir Pinheiro. Embora oscile entre o estilo lírico e o popular, a beleza das melodias e de suas interpretações ao vivo pelo elenco e pelo conjunto de músicos garantem entretenimento de qualidade, evidenciando Pinheiro como um compositor e um diretor musical que merece mais destaque na cena brasileira. O pior da montagem são o cenário e os figurinos da Espetacular! Produções e Artes (Ney Madeira, Dani Vidal e Pati Faedo). A articulação entre o conceito que norteou a criação do vestuário e o espetáculo a que ele se destina não é visível, o que é problema também do visagismo de Mona Magalhães. A transformação de peças de roupas jeans em casacas, o uso exaustivo de estampas diferentes todas em azul, a armação exposta do vestido de Nemeczyk versus o vestido branco de Fillardis não se justificam, enfeando o espetáculo decorado pobremente por cortinas em estilo francês. De forma isolada, podem até esses elementos terem suas belezas asseguradas, mas, como parte do espetáculo, eles não contribuem.

“Lapinha” pauta a relevância da história do teatro colonial brasileiro e dos personagens que protagonizaram esse período pouco lembrado. Tem ainda o mérito de destacar o preconceito que, desde sempre, marcou negativamente o desenvolvimento de nossa civilização. Deve ser visto ainda porque apresenta qualificado trabalho de Wladimir Pinheiro, de Helga Nemeczyk e de Isabel Fillardis.

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Ficha Técnica
Texto: João Batista
Direção: Edio Nunes e Vilma Melo
Letras, músicas, arranjos e direção musical: Wladimir Pinheiro

Elenco: Isabel Fillardis, Zezeh Barbosa, Helga Nemeczyk, Ivan Vellame, Naná Nascimento e Ruben Gabira

Orquestra: Felipe Tauil, Gabriel Gravina, Isabelle Albuquerque, Luiz Felipe Ferreira e Whatson Cardozo

Iluminação: Aurelio De Simoni
Sonorização: Andrea Zeni
Cenografia e Figurino: Espetacular! Produções e Artes (Ney Madeira, Dani Vidal e Pati Faedo)
Visagismo: Mona Magalhães
Preparação vocal: Ester Elias e Marcelo Sader
Programação visual e fotografia: Leo Viana
Direção de palco e assistete de produção: Ailime Cortat
Operador de luz: Anderson Schineider
Operador de som: Arthur Ferreira
Microfonista: Victor Licazali
Contrarregra: Marcus Callegario
Assistentes de Fotografia: Heloah Bacellar e Leonardo Alves
Assistente de sonorização: Joyce Santiago
Equipe de montagem de som: Arthur Ferreira, Victor Licazali e Uberlan
Assistente de Cenário e Adereços de Cena: Vinícius Lugon
Assistente de Figurino: Bruma Nattrodt
Perucas: Divina Lujan
Confecção de panier: Claudia Taylor
Costura: Atelier Três Meninas
Cenotécnica: André Salles e Equipe
Costura de Cenário: Rosângela Lapas
Assessoria de imprensa: Will Comunicação e Luiz Menna Barreto
Produção Executiva: Deborah Aguiar e Alessa Fernandes
Direção de produção: Isabel Fillardis e Leticia Napole

sábado, 6 de dezembro de 2014

Chorinho (RJ)

Foto: divulgação

Claudia Mello e Denise Fraga em cena


Espetáculo cheio de méritos


Última peça que teve texto e direção de Fauzi Arap, “Chorinho” é o espetáculo cuja produção celebra os 50 anos de Denise Fraga. A peça, que está em cartaz no Teatro dos Quatro, no Shopping da Gávea, zona sul do Rio de Janeiro, narra o encontro que se dá e uma praça pública entre uma moradora de rua e uma senhora solitária de classe média. Em cena, o choque entre valores, entre visões de mundo e entre possibilidades na vida, e a graça do inusitado que uma boa história pode revelar. Ao lado de Denise Fraga, Claudia Mello também apresenta ótimo trabalho de interpretação.

Escrito em 2007, quando essa dramaturgia ganhou o prêmio APCA de Melhor Texto, essa montagem de “Chorinho” foi produzida em 2012 sob a direção de Fauzi Arap (1938-2013) e de Marcos Loureiro. A peça conta a história de uma mulher (Claudia Mello) que, como de costume, vai a uma praça pública conversar com as flores, mas, um dia, é abordada por uma moradora de rua (Denise Fraga) que sempre a vê passar sem nunca receber um cumprimento cordial. Logo na abertura, está em pauta a existência dos “fantasmas sociais”, aquelas pessoas que transitam pelo caminho, mas cujas faces não são reconhecidas. A situação reflete a desumanidade das relações sociais, essas cada vez mais pragmáticas. O diálogo inicial evolui na medida em que avança pelo tempo. O encontro se repete e a motivação deixa de ser casual como foi o primeiro. Entre as duas, uma relação começa a nascer. Para longe de um clichê melancólico e cafona, o desenvolvimento e o final enternecem o espectador que sai do teatro refletindo sobre o que viu. Excelente.

Denise Fraga tem o mérito de não investir no bufão, talvez, consciente de que esse registro levaria o espetáculo para outros caminhos que não o para qual ele nasceu. Essa “mendiga” fala bem, se movimenta com relativa leveza, sustenta uma figura não tão desagradável. Nesse sentido, a concepção consegue fazer bem a mínima e necessária referência ao morador de rua, mas ainda mantendo o público próximo o suficiente para fruir o mais importante: a relação entre as duas personagens. Claudia Mello é digna dos elogios que recebe desde 2007, apresentando, no mesmo sentido que Fraga, a mulher de classe média que sabe ser discreta, mas por vezes antipática e intolerável. Nesse meio de caminho entre as referências e o que importa para o sucesso da narrativa, os dois trabalhos de interpretação se encontram bem e garantem uma história contada com elogiável fluidez.

Mal utilizada muitas vezes, a palavra “despojada” quase sempre quer dizer “simplório e sem a presença de um conceito”. “Chorinho”, cujo cenário não tem assinatura, é composto apenas por um banco de praça. A ausência de todo o resto é uma informação: de um lado, essa praça pode ser qualquer lugar. De outro, o encontro entre essas duas personagens é o que preenche o vazio de ambas existências. O figurino de Cássio Brasil, em que se incluem os objetos usados pela personagem de Denise, marca a passagem do tempo além de bem apresentar os personagens. O espetáculo tem ainda bom desenho de luz de Marcos Loureiro e Nadja Naira e boa trilha sonora de Aline Meyer, ambos em adequada articulação com o desenrolar das cenas.

Celebrando também os trinta anos de trajetória artística da atriz Denise Fraga, “Chorinho” é cheia de méritos.

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FICHA TÉCNICA
Texto: Fauzi Arap
Elenco: Denise Fraga e Cláudia Mello
Direção: Marcos Loureiro e Fauzi Arap
Iluminação: Marcos Loureiro e Nadja Naira
Trilha Sonora: Aline Meyer
Figurinos: Cássio Brasil
Visagismo: Simone Batata
Fotos: João Caldas
Direção de Produção: José Maria
Realização: NIA Teatro
Assessoria de imprensa: Barata Comunicação

Acabou o pó (RJ)

Foto: Janderson Pires



Divertido


A comédia “Acabou o pó”, em cartaz no Teatro Cândido Mendes, em Ipanema, na zona sul do Rio de Janeiro, tem texto de Daniel Porto, mesmo autor de “O pastor”. Na história dirigida por Vilma Melo, Nena (Leo Campos) recebe a visita inesperada de Kelly (Alexandre Lino) em cuja casa acabou o pó de café. Narrada em tempo real, a peça é a conversa entre as duas: seus problemas amorosos, suas relações com os filhos e parentes, seus valores e seus sonhos. Uma boa comédia.

O espectador assiste ao espetáculo como um voyeur, observando, julgando e se divertindo com o posicionamento de Nena e de Kelly frente aos desafios de suas realidades. Considerando os valores compartilhados pela televisão e espalhados por diversas mídias, a cena reproduz uma estrutura que, imagina-se, deve refletir o subúrbio carioca. Nesse lugar idealizado, há o atravessamento de regras advindas de outros contextos e de posicionamentos diversos que surgem a partir de outras situações. O estranhamento é imediato e esse só acontece pelo acúmulo de vários preconceitos. O resultado é que “Acabou o pó”, como aconteceu em “O pastor”, pauta uma determinada realidade, deixando para o público a responsabilidade de decidir o que fará com isso. O maior mérito, aqui como lá, é que não há o alargamento da realidade em questão, nem a transformação em estereótipo, nem a estilização. Há pura e simplesmente a representação, o que aumenta a importância do público em participar através do posicionamento crítico e, principalmente aqui, cômico.

Leo Campos e Alexandre Lino interpretam os personagens femininos flertando com a afetação, mas sem cair na figura gay felizmente. O tom de voz agudo e em volume alto, a voz cortante e a repleta utilização de ironia constroem uma visão de mundo que encanta porque faz o que é ingênuo e aproveitador conviverem bem. Nena (Campos) se exibe para a amiga com móveis e eletrodomésticos adquiridos por vias escusas enquanto Kelly lamenta o relacionamento com um homem casado. Nesse sentido, os dois trabalhos de interpretação são positivos porque dão a ver a impressão de simplicidade que esconde, na verdade, construções bem complexas, o que é valoroso. Há aqui visível mérito da direção de Vilma Melo também, claro.

“Acabou o pó” diverte, mas acrescenta mais pela possibilidade de fazer refletir.


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Ficha técnica:

Texto: Daniel Porto
Direção: Vilma Melo
Elenco: Alexandre Lino (Kelly) e Leo Campos (Nena)

Hamlet - Shakespeare’s Globe Theatre (Inglaterra)

Foto: divulgação

Ladi Emeruwa interpreta Hamlet

O “Hamlet” do Shakespeare’s Globe Theatre


A montagem de “Hamlet”, produzida pelo Shakespeare’s Globe Theatre, de Londres, veio para coroar o ano de celebração de 450 anos de William Shakespeare (1654-1616), um dos maiores dramaturgos da história do teatro universal. As duas apresentações no Teatro de Câmara da Cidade das Artes deram continuidade à turnê internacional da peça iniciada no dia 23 de abril, aniversário do escritor, com o objetivo de levar a montagem para 205 países. O Brasil foi o 56º. Escrita entre 1599 e 1601, “Hamlet” é a tragédia mais conhecida do bardo e, para nós, a oportunidade é um momento raro em que se pode ouvir o texto original encenado no idioma em que foi escrito. Quanto à montagem, o trabalho de interpretação do nigeriano Ladi Emeruwa é outro real grande destaque.


Quando a peça começa, o fantasma do Rei Hamlet da Dinamarca, falecido há um mês, aparece ao filho, explicando a ele as circunstâncias até então obscuras de sua morte. Segundo a aparição, com a ajuda da Rainha Gertrudes, o atual Rei Claudio planejou a morte do irmão, fazendo derramar em seus ouvidos um veneno mortal. A partir daí, começa o movimento do jovem príncipe em confirmar o que lhe disse o espírito do pai. Finda a inocência, o olhar por sobre o mundo de Hamlet identificará a malícia, a ambição desmedida, a falsidade em toda a parte e em toda a gente. O público, leitor e espectador, não saberá se, de fato, houve o regicídio, mas verá o quanto as palavras e as situações podem receber diferentes leituras, algumas delas bem desfavoráveis. No texto, a corrupção com fins criminosos poderá ficar clara somente nas cenas finais, mas aí já será tarde para identificar como tudo começou, se causada pela “loucura” de Hamlet ou se sua consequência.

Dirigida em conjunto por Dominic Dromgoole e por Bill Buckhurst (ambos já haviam dirigido a peça em separado em outros momentos), essa montagem se apresenta desprovida de suntuosidade. Três “paredes” de lona fazem as vezes de coxias e de rotunda enquanto caixas de transporte e algumas tábuas completam o cenário. O elenco reduzido em oito atores dá conta dos mais de vinte personagens. Segundo a tradição, era assim que as primeiras peças de Shakespeare foram inicialmente produzidas: prontas para serem apresentadas em qualquer lugar, para viajar longas distâncias e em circunstâncias difíceis e sem depender de muito dinheiro. A encenação estabelece bem o jogo entre os personagens, valorizando o texto, as pausas e as entonações.

Quanto ao elenco, a produção propôs uma divisão interessante: atores com traços caucasianos de um lado e outras raças de outro. O nigeriano negro Ladi Emeruva divide Hamlet com o descendente de paquistaneses Naeem Hayat enquanto a chinesa Jennifer Leong divide Ophelia com a negra descendente de latinos Amanda Wilkin. O personagem do fantasma do Rei Hamlet é interpretado por Rawiri Paratene, ator oriundo da tribo Maori da Nova Zelândia. Relacionando as feições dos intérpretes com os personagens interpretados, essa oposição do casting talvez sinalize que, assim como o espírito do monarca falecido, os jovens personagens Hamlet e Ophelia não pertencem ao mesmo mundo dos demais. O príncipe está certo de que sua própria mãe matou seu pai. Ophelia teve seu pai assassinado pelo seu futuro noivo. A consciência desses crimes os envolve em um regime alternativo de percepção da realidade.

São boas as interpretações de Keith Barlett (Polonius), de Tom Lawrence (Rosencrantz) e de Phoebe Fildes (Horatio), mas é de Ladi Emeruwa (Hamlet) o melhor trabalho em “Hamlet”. Para o espectador, está nítida a verdade impressa no seu olhar, na viabilização das intenções em cada fala, e em cada movimento, em cada ação e reação. Tantas vezes apresentado como um louco ou como um ingênuo, ou mesmo como vítima, esse Príncipe Hamlet é um homem que tragicamente cumpre apenas o destino que lhe foi imposto pelo espírito do falecido pai: vingar sua morte. É excelente! Tão bom resultado se encontra menos em Rawiri Paratene (Fantasma) e menos ainda em Miranda Foster (Gertrude), em John Dougall (Claudius) e em Jennifer Leong (Ophelia) pelo alto grau de inexpressão de seus trabalhos.

Os figurinos fazem estranha felizmente isolada referencia aos anos de 1940 sem qualquer motivo aparente nem articulação com outro elemento. Já descrita, a cenografia de Jonathan Fenson propõe um interessante vínculo dessa montagem com a tradicionalmente original, partindo de poucos elementos e centrando a narrativa no jogo entre os atores. Tem bom destaque a direção musical de Bill Barclay.

Funcionando com doações, sem dispor de fundos governamentais, a companhia do Shakespeare’s Globe, que honrou a cidade com sua visita, faz os interessados em teatro refletirem sobre a beleza das produções mais simples em termos visuais em oposição a bons trabalhos de encenação e um texto dramático de grandeza inigualável como “Hamlet”. Aplausos.

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FICHA TÉCNICA:
Shakespeare’s Globe apresenta Hamlet, de William Shakespeare

Equipe de criação:
Direção: Dominic Dromgoole e Bill Buckhurst
Cenografia: Jonathan Fensom
Direção musical: Bill Barclay
Música original adicional: Laura Forrest-hay

Elenco:
John Dougall: Cláudio / Polônio
Ladi Emeruwa: Hamlet
Phoebe Fildes: Ofélia / Gertrudes / Horácio / Rosencrantz
Miranda Foster: Gertrudes
Naeem Hayat: Hamlet
Beruce Khan: Horacio / Rosencrantz / Laertes / Guildenstern
Tom Lawrence: Horacio/ Rosencrantz/ Laertes/ Guildenstern
Jenniffer Leong: Ofélia/ Horacio / Rosencrantz
Rawiri Paratene: Cláudio / Polônio
Matthew Romain: Horácio/ Rosencrantz/ Laertes/ Guildenstern
Amanda Wilkin: Ofélia/ Gertrudes / Horácio / Rosencratz
Keith Bartlett: Cláudio/ Polônio

Diretores de palco: Rebecca Austen, Carrie Burnham, Dave McAvoy e Adam Moor

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

As Bodas de Fígaro (RJ)


 Foto: divulgação
Ernani Moraes, Leandro Castilho, Carol Garcia e Solange Badim
em cena

O melhor musical de 2014

            “As Bodas de Fígaro” é o melhor musical de 2014 e um dos melhores e mais engraçados espetáculos produzidos no ano. Com direção de Daniel Herz e com direção musical Leandro Castilho, a peça é uma adaptação excelente da ópera de Mozart escrita a partir do original de Beaumarchais. Além de Castilho no papel principal, o elenco conta ainda com Claudia Ventura, Solange Badim, Ernani Moraes, Carol Garcia entre outros, interpretando os personagens, além de tocar e cantar ao vivo em um todo que é excelente. A peça está em cartaz no teatro da Casa de Cultura Laura Alvim.
            Escrita pelo dramaturgo francês Pierre-Augustin Caron de Beaumarchais (1732-1799) em 1778, a comédia “As Bodas de Fígaro” só conseguiu ser apresentada seis anos depois por causa da censura que barrou sua crítica mordaz à aristocracia.  Seu sucesso, no entanto, foi estrondoso quando finalmente liberada inclusive com a ajuda da imperatriz Maria Antonieta. É a segunda de uma trilogia também composta por “O Barbeiro de Sevilha” (1773) e por “A Mãe Culpada” (1791). A ópera “Le nozzi di Figaro”, que a montagem atual atualiza, foi composta pelo compositor austríaco Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791) em 1786, sendo seguida por “Don Giovanni” (1787) e por “Così fan tutte” (1790).
            Trata-se de uma farsa e, como tal, é cheia de tramoias, envolvendo os personagens em reviravoltas cada vez mais inusitadas. O servo Fígaro (Leandro Castilho) está prestes a se casar com a criada Suzana (Carol Garcia) e, para a surpresa de ambos, o patrão, o Conde de Almaviva (Ernani Moraes), resolve cobrar a prática até então abandonada do “Direito da Pernada”. Segundo esse costume, é o Senhor do Castelo quem desvirgina a noiva na noite de núpcias (e não o noivo). Contra esse intento, está também a Condessa de Almaviva (Solange Badim) que, de um lado, reclama das ausências amorosas do marido, e, de outro, dá margem para as investidas do pajem Cherubino (Tiago Herz). Para impedir também o casamento de Fígaro e de Suzana, há a governanta Marcelina (Claudia Ventura) que é apaixonada por Fígaro e cobra-lhe o direito de se casar com ele tendo em vista o não pagamento de uma dívida antiga. Em seu auxílio, Dr. Bartholo (Ricardo Souzedo) quer vingar-se de Fígaro porque esse ajudou no casamento de sua pupila, a atual Condessa, com o Conde. Envolvidos nas tramas, estão ainda o professor Basílio (Alexandre Dantas), o jardineiro Antônio (Adriano Saboya) e sua filha Fanchette (Carolina Villar).
             A encenação de Daniel Herz, com assistência de Clarissa Kahane e com direção de movimento de Marcia Rubin, evidencia a ótima articulação entre a tradução de Bárbara Heliodora e a direção musical de Leandro Castilho. No espetáculo “As Bodas de Fígaro”, estão preservados os maiores valores da ópera oitocentista, mas também da comédia original e sobretudo da relação dessas com o público. O ritmo sofre um pouco na segunda metade da narrativa por conta da localização de uma cena muito importante um tanto distante do final, o que alarga o encerramento. Isso porém é apenas resultado do quanto o público se diverte com a produção. Cheios de méritos são ainda os figurinos de Antonio Guedes, que estabelecem com galhardia a difícil união de elementos que fazem referência a épocas, texturas e origens tão distintas em um todo que bem corrobora com os ideais estéticos que a produção parece ter idealizado.
            Ernani Moraes não é um exímio cantor, mas o que lhe falta na voz sobra-lhe em carisma. Sua composição como Conde de Almaviva é nada menos que deliciosa. Solange Badim (Condessa), Claudia Ventura (Marcelina), Alexandre Dantas (Basílio) e principalmente Leandro Castilho cantam excelentemente e apresentam trabalhos de interpretação melhores ainda: todos estão leves nas cenas de ação, reforçam a certa complexidade que os personagens no texto dispõem e não perdem um só momento de plena conexão com o público, viabilizando um trabalho que, desde o conjunto, é magnífico. No entanto, é preciso destacar a atuação de Carol Garcia que, ao mesmo tempo, faz a referência ao canto lírico da ópera de Mozart e conserva o clima de pastelão que a direção de Daniel Herz parece ter bem concebido para a sua versão.
            Unindo dois nomes expoentes dos anos finais do século XVIII na Europa, “As Bodas de Fígaro” tem, além de todos, o mérito de criticar a sanha pelos interesses, a realização de conchavos e a concessão de privilégios na convivência entre pessoas de toda a classe, origem ou situação. Ambientalizada originalmente na França, a história foi transposta para a Espanha, mas pode ser potentemente lida como um retrato do Brasil e de nós brasileiros. Um espetáculo excelente!

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FICHA TÉCNICA:
Texto: Pierre-Augustin Caron de Beaumarchais
Tradução: Bárbara Heliodora
Direção: Daniel Herz
Direção musical e adaptação: Leandro Castilho
Elenco: Adriano Saboia, Alexandre Dantas, Carolina Vilar, Carol Garcia, Claudia Ventura, Ernani Moraes, Leandro Castilho, Ricardo Souzedo, Solange Badim e Tiago Herz
Diretora Assistente: Clarissa Kahane
Iluminação: Aurélio de Simoni
Cenografia: Nello Marrese
Assistente de Cenografia: Lorena Lima
Figurino: Antonio Guedes
Assistente de Figurino: Luz de Lucena
Visagismo: Antonio Guedes e Junior Leal
Cabelo e maquiagem: Junior Leal
Direção de movimento: Márcia Rubin
Fotografia de Divulgação e de Cena: Paula Kossatz
Consultoria Contábil: Contsist Contabilidade e Sistemas
Realização: IDARTE PRODUÇÕES



terça-feira, 2 de dezembro de 2014

O Pequeno Zacarias (RJ)

Foto: divulgação




Tim Rescala e José Mauro Brant juntos em uma mais uma belíssima produção


                “O Pequeno Zacarias – uma ópera irresponsável” é resultado da união de excelentes vozes com belíssimas composições. O espetáculo, em cartaz no Teatro SESC Ginástico, no centro do Rio de Janeiro, é mais uma parceria entre José Mauro Brant e Tim Rescala, que estiveram juntos no excelente “Era uma vez... Grimm”. Com Soraya Ravenle, Sandro Christopher, Chiara Santoro, Wladimir Pinheiro, Marcello Sader, Janaina Azevedo, Rodrigo Cirne e com o próprio Brant no elenco, a peça é a adaptação do conto fantástico “O pequeno Zacarias chamado Cinábrio” do alemão E. T. A. Hoffmann (1776-1822) escrito em 1819. Os valores dessa ópera cômica, no entanto, dividem espaço com os problemas de sua dramaturgia. O texto não se posiciona, mudando de opinião em cada nova cena, de forma que o ritmo fica prejudicado pela forma como a narrativa se estabelece. A impressão de que, a qualquer momento, a peça pode terminar ou poderia ter começado alonga o tempo e faz a narrativa parecer mais longa do que realmente é. Em se tratando de suas belíssimas composições musicais e suas interpretações, não há problema em o tempo se alongar.

                Na cena inicial, nasce Zacarias, um bebê feio, deformado e rabugento que recebe, sem que sua mãe Liese saiba, a benção de uma fada, a senhorita Von Rosenschön. Os efeitos são imediatos: de agora em diante, todos verão o pequeno com bons olhos, não importa o que ele faça. Assim, Zacarias é pedido em adoção pelo Pároco, que o educa como filho. Sem que fique realmente claro para o espectador da peça, a narrativa, nesse momento, sai de Zacarias e vai Rosenschön. Incontáveis anos antes, naquele principado entre as montanhas, moravam muitas fadas vindas do atrasado Djinistão. O príncipe Demetrius era conivente com a presença delas, mas ele morreu e foi sucedido por Paphnutius que as expulsou para implantar o Iluminismo na cultura local. Porém, na noite antes da expulsão, a fada Rosabelverde tomou conhecimento do plano e tratou de se desfazer de todas as pistas que a incriminassem. Acabou reclusa, chegando até a época do Barão Prätextatus von Mondschein em que se dá a história do pequeno Zacarias, sob o novo nome de senhorita Rosenschön. A história então volta ao personagem título no momento em que ele aparece como aluno preferido do Professor Mosch Terpin, catedrático da Universidade de Kerepes. Na parte mais importante da narrativa, há o encontro entre o estudante Zacarias, chamado de Cinábrio (sangue perdido de dragão), e os jovens Balthasar, Fabian e a bela Cândida. É quando se revela, com a ajuda do Dr. Alpanus, que os méritos do protagonista são, na verdade, frutos de feitiçaria. Em resumo, a peça é uma crítica social àqueles que ascendem não por valores próprios, mas por ajuda de terceiros.

                A relação entre o leitor e o conto de Hoffmann é diferente da entre o espectador e a peça adaptada por José Mauro Brant. O narrador onisciente e onipresente do primeiro caso conversa com o leitor através de vocativos como “meu caro leitor”, utilizando a primeira pessoa para contar a história em trechos bem recorrentes. No palco, porém, o personagem narrador aparece na cena de abertura e desaparece, só voltando a aparecer no fim do espetáculo. Se lá as marcas deixam claro a partir de quem a história é narrada, aqui o ponto de vista não é reconhecível. Zacarias é vítima da mãe que dele tem repulsa na abertura e por seu ouro reclama no fim. Desaparece na narrativa quando o Barão aparece na história. E é vilão quando trata mal o estudante Balthasar e se casa com Cândida, a filha do Professor Terpin. Na belíssima trilha sonora composta por Tim Rescala, a ausência de um leitmotiv, que poderia dar unidade para o todo da peça, auxilia na impressão de que são várias histórias em uma só e não vários quadros de uma mesma narrativa.

                Por outro lado, em “O Pequeno Zacarias – uma ópera irresponsável”, a beleza das músicas e de suas interpretações supera qualquer elemento narrativo de menor mérito. Os arranjos complicados reforçam o investimento da produção no romantismo de que a arte de Hoffmann se despedia naquele início de século XIX. Para outro alemão, Hegel, contemporâneo de Hoffmann, o romantismo superava a arte simbólica e a clássica porque expressava as debilidades do homem, mas apontava para o ideal de sociedade que o racionalismo poderia oferecer. Nessa montagem, o preciosismo das composições musicais de Tim Rescala, mas também dos figurinos de Carol Lobato e das projeções de Ricardo e de Renato Villarouca dão a ver a complexidade do homem romântico que vivia em um mundo tão conturbado pelas muitas transformações. Em destaque, se for possível fazer um, a ironia presente nas letras de José Mauro Brant aproxima a crítica feita duzentos anos atrás da sociedade contemporânea, essa ainda repleta de pessoas célebres sem que se saiba exatamente o porquê.

                “O Pequeno Zacarias – uma ópera irresponsável” é um espetáculo que elogia a programação de teatro carioca pela alta qualidade de seus investimentos estéticos. A produção apresenta belíssimos conjuntos de vozes, de músicos e de artistas visuais, além de atores, havendo de fazer se orgulhar as plateias lotadas que há de receber merecidamente.

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FICHA TÉCNICA
 
Texto e Letras: José Mauro Brant
Música Original e Direção Musical: Tim Rescala
Direção: José Mauro Brant e Sueli Guerra

Elenco - Personagens:
José Mauro Brant - Hoffmann, Leonel (o Bacharel), Valete
Soraya Ravenle - Srta. Rosalva Rosaverde / Fada Rosabela
Janaína Azevedo - Lisie (mãe de Zacarias), Espírito da Floresta
Chiara Santoro - Cândida, Espírito da Floresta
Sandro Christopher - Pastor, Professor Moncho, Dr. Próspero Alfanus, Barão Pretextatus do Luar
Wladimir Pinheiro - André (o Primeiro Ministro), Fabiano, Lobato (o costureiro do Teatro
Rodrigo Cirne - Primo, Baltasar
Marcello Sader - Príncipe Pafúncio
Músicos:
Marcelo Jardim (regente)
Ana de Oliveira (1º violino)
Nichola Viggiano (2º violino)
Dhyan Toffolo (viola)
Marcus Ribeiro (violoncelo)
Batista Jr. (clarinete)
Alessandro Jeremias (trompa)
Cosme Silveira (fagote)

Cenário: Miguel Pinto Guimarães
Figurinos: Carol Lobato
Preparação vocal: Agnes Moço e Janaina Azevedo
Vídeo animação: Ricardo e Renato Villarouca
Ilustrações: Rui de Oliveira
Iluminação: Paulo César Medeiros
Coreografia: Sueli Guerra
Visagismo: Mona Magalhães
Projeto Gráfico: Marcos Corrêa
Idealização: Belazarte Realizações Artísticas
Patrocínio: Fomento/Prefeitura do Rio, com apoio do SESC Rio
Realização: Belazarte Realizações Artísticas e SESC
Produção Executiva: Lúdico Produções
Assessoria de Imprensa: JSPontes Comunicação – João Pontes e Stella Stephany