sábado, 31 de março de 2012

O Casamento (RJ)

Foto: divulgação

Teatro bem feito 

Último romance de Nelson Rodrigues (1912-1980), “O Casamento” foi a primeira direção de João Fonseca e deu a ele o Prêmio Shell de 1997. Quinze anos depois, Fonseca e quase todo o elenco estão de volta ao Festival de Curitiba, lotando o Guairão e seus 2.167 lugares. Em dois atos, o espetáculo da Cia. Os Fodidos Privilegiados apresenta um Nelson Rodrigues da melhor qualidade e consequentemente teatro em alto nível.

A adaptação também assinada por Antônio Abujamra, que dirige a peça junto com João Fonseca, propõe um espetáculo dentro da encruzilhada rodrigueana mais confortável: personagens realistas-naturalistas em uma trama melodramática, meio caminho andado para o sucesso. Na véspera do dia do casamento da filha Glorinha, Sabino recebe a visita do amigo e médico ginecologista de sua filha, o doutor Camarinha. Ele conta que viu o seu assistente e Teófilo, futuro genro de Sabino, aos beijos no seu consultório. Sabino deixará sua filha predileta casar com um homossexual? “Um homem de bem sabe o que deve fazer.” Atordoado pelas três filhas mais velhas, invejosas da mais nova porque ela ganhará do pai um cheque de cinco milhões enquanto elas receberam cada uma bem menos que isso, Sabino sai do trabalho e vai visitar o Monsenhor Bernardo, seu confessor. Encontra-se também com Dona Noêmia e com a própria filha Glorinha. Em flashback, o público conhece as aventuras sexuais de Glorinha com Antônio Carlos, filho do Dr. Camarinha com sua namorada Marinês, pairando no ar a dúvida de que se Glorinha está ou não grávida de Antônio Carlos. O realismo-naturalismo é o melhor jeito de entender esses personagens, porque é o lente que dá conta de libertar moralmente os personagens de qualquer julgamento externo. São os próprios personagens que se afundam em suas culpas, perdidos pelo próprio destino que não deu a eles muitas alternativas. “Para um verdadeiro religioso, nada é pecado!” – diz Sabino. Assim, cheio de contradições, os personagens rodrigueanos vivem suas vidas como selvagens: presos ao instinto, desculpam-se de suas falhas e cometem novos atos de que irão se envergonhar e, assim, ciclicamente. Por estarem presos à própria natureza é que o tom trágico surge nas análises de suas obras: inevitavelmente todos irão ser punidos. No caso de “O Casamento”, Antônio Carlos morre, Sabino é preso, Noêmia é demitida, e por aí vai. Como se não bastasse tanto preciosismo, o maior dramaturgo da literatura brasileira avança, colocando todos esses personagens em um roteiro melodramático: quadros bem definidos, conflito aparente, desenvolvimento aparente, ápice aparente, desfecho apoteótico. Abujamra e Fonseca, não satisfeitos, vão além e, também, por isso receberam já e para adiante os merecidos elogios: dão ao todo uma pitada de ritmo de vaudeville – vertiginosamente rápido, há que se ter fôlego para acompanhar a trama, fruir o espetáculo que se divide em dois atos.

Com vinte e três pessoas em cena, não se encontram más atuações. Ao contrário, entre os ótimos trabalhos, há cinco excelentes destaques. Com forte inspiração na farsa, o melodrama é apresentado em ritmo rápido, de forma que os personagens se mostram através de partituras muito bem definidas. Corpo, expressão facial, discurso oral e movimentação: tudo é muito bem desenhado. Guta Stresser, que interpreta Glorinha, caminha esticando a ponta dos pés, apresenta uma voz sensualmente infantilizada e expressões faciais que lembram à Enamorada da Commedia Del’Arte. Com voz de barítono (como descrito por Nelson Rodrigues), o Monsenhor Bernardo, de Roberto Lobo, tem uma dicção perfeita, uma entonação pulsante e uma participação, apesar de pequena, bastante marcante. Thelmo Fernandes dá vida ao Dr. Caramarinha com bastante força, presença cênica e gestos muito pontuais. Dani Barros deixa ver uma Marinês cheia de diagonais, com movimentos precisos, voz chorosa e muita graça. João Fonseca, o protagonista Sabino, constrói uma figura dúbia, que traz surpresas ao longo da peça, apresentando-se aos poucos até o momento final. De um modo geral, o resultado assemelha-se ao de um baile, em que cada cena é uma música e, portanto, tem uma coreografia específica. Ainda na inspiração da farsa, em todas as cenas, além dos atores participantes, há as figuras ouvintes. No fundo do palco, sentados nas cadeiras com as palmas sobre os joelhos, quase sempre há atores que assistem ao espetáculo como se dessem o “acompanhamento” para os solos que acontecem sob a luz. Nada relaxadas, essas “figuras”, que esperam para entrar em cena, levantam-se quando entra o Monsenhor, al´m de produzir outros quadros que são vistos atrás do plano principal.

“O Casamento” é um espetáculo para ser fruído cuidadosamente, porque sua dramaturgia é cheia de detalhes. A trilha sonora de André Abujamra é, como todos os elementos em particular, um espetáculo a parte. Nela estão músicas conhecidas do grande público, mas alteradas, mexidas, dispostas a produzir reações próprias à direção para a qual todos os sentidos estão virados. Alguns inserts são positivamente protagonistas das gargalhadas que a plateia solta e a trilha do personagem Assistente/Coveiro/Policial é uma delas. No amplo cenário vermelho proposto por Nello Marrese, há a crítica social (o vermelho), a dúvida (a faca com bigode na rotunda) e a sugestão (o fundo recortado com barbantes, a imagem de cacos, de algo que se quebrou). A iluminação de Daniela Sanchez agrega valor ao trabalho de Marrese, construindo os planos, isolando os momentos, particularizando o universo sempre disposto aos olhos do espectador. Os figurinos de Filomena Mancuso não perdem tempo em construir o quadro semântico do espetáculo: fraques e vestidos de noiva são o vocabulário visual da peça e apresentam como um de seus melhores momentos os trajes das gêmeas xifópagas e de seus maridos também unidos.

Em cena, a movimentação é simétrica, mas não apolínea. Fonseca espalha, mas não desequilibra. A subversão se vê nos detalhes: no como as relações proxêmicas se estabelecem (a distância entre um ator e o outro) de forma significativamente enriquecedoras, no como as cadeiras do cenário aparecem, somem ou se modificam discreta e positivamente, no como a evolução das sequências parece natural, sendo planejada nos mínimos detalhes. Há que dizer, no entanto, que o ritmo cai um pouco no segundo ato, embora seja positivamente recuperado no final. O personagem Xavier (Claudio Tizo) ganha uma cena com Noêmia (Rose Abdallah), em que se finalizam as suas participações. Uma vez coadjuvantes, a impressão é de que eles ganham mais importância do que deveriam no plano de ascendência dramática, fazendo com que a parada pareça ter pouca utilidade na narrativa. Mas é, na sequência próxima, que o público entenderá o porquê desse intervalo. Surge, então, o desfecho que será como quem conhece e gosta de Nelson Rodrigues espera e agradará quem saiu de casa para ver um bom teatro.

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Ficha técnica:

Realização: Os Fodidos Privilegiados | Direção e Adaptação: Antonio Abujamra e João Fonseca | Direção de Produção: Renata Blasi e Ana Paula Abreu | Cenários e Figurinos Originais: Charles Möeller | Cenário Remontagem: Nello Marrese | Figurino Remontagem: Filomena Mancuzo | Iluminação Original: Rodrigo Ziokowsky | Iluminação Remontagem: Daniela Sanchez | Direção de Movimentos: Johayne Hildefonso| Caracterização: Áldice Lopes | Trilha Sonora: André Abujamra | Assistente de Direção: Paula Sandroni |Elenco: Alexandre Contini, Alexandre Pinheiro, Cláudio Tizo, Cristina Mayrink, Dani Barros, Daniela Olivert, Denise Sant'Anna, Filomena Mancuzo, Guta Stresser, Humberto Câmara Netto, Isabelle Cabral, Isley Clare, João Fonseca, Kátia Sassen, Lincoln Oliveira, Márcia Marques, Marta Guedes, Nello Marrese, Roberto Lobo, Rose Abdallah, Thelmo Fernandes | Classificação: 16 anos | Duração: 100 minutos

sexta-feira, 30 de março de 2012

Ninguém falou que seria fácil (RJ)

Foto: Renato Mangolin

Prêmios Merecidos

                Vencedor absoluto dos três maiores prêmios de teatro do Rio Janeiro, a saber, o Shell, o APTR e o novo (e bem-vindo) Questão de Crítica, “Ninguém falou que seria fácil” é o texto (encenado) do ano. Um dos motivos, talvez, o principal, seja o fato de, em 2011-2012, mostrar que o teatro do absurdo ainda dá conta de explicar o mundo, permite que nos identifiquemos com seus personagens e ainda apresenta situações que conhecemos bem. No ano em que se comemora os 100 anos de Nelson Rodrigues (1912-1980) e se atribui a Jô Bilac a responsabilidade de ser seu sucessor, no Galpão Gamboa nos encontramos com um novo Eugène Ionesco (1909-19994) ou, mais atual, um Jorge Diaz (1930-2007) brasileiro. Como nos célebres “A cantora careca” e “Desvario”, em “Ninguém falou que seria fácil”, o dramaturgo é um deus que olha o universo (dos seus personagens) de cima, jogando, brincando com eles como se fossem meros e tolos divertimentos, sem qualquer lógica ou responsabilidade. Daí sua metáfora para o mundo (real?) além da narrativa: por que uma história lógica com princípio, meio e fim numa vida com tantos acontecimentos absurdos? Não há liberdade, porque ela é o contrário de prisão. Não há início, porque ele antecede o fim. Não há certezas, porque elas são as respostas para as dúvidas. As coisas apenas há: personagens que entram sem ter saído, meios de histórias e figuras que pairam. Esse é o contexto do premiado texto e, também, da meritosa produção dirigida por Felipe Rocha e Alex Cassal.
                Personagem, tempo e espaço: cada elemento ocupa um canto de um triângulo equilátero. Felipe Rocha, Renato Linhares e Stella Rabelo, na interpretação de diversos personagens, estabelecem positivamente lugares múltiplos, tempos que não se conectam e apresentam características contraditórias. Em todos, está disponível um excelente trabalho corporal, uma profunda investigação sobre diferentes registros vocais, além de, em conjunto, estar expresso um vibrante desenho de movimentação no palco de forma a estabelecer, sempre e novamente, mais e mais relações. Completamente aberto, sem rotunda, pano de boca ou bambolinas, o espaço cênico foi organizado de forma a providenciar múltiplos lugares dramáticos. No entanto, além dos previstos, novos surgem, atualizando a obra ao longo de toda a encenação. A história evolui na medida em que se estrutura pelo modificar-se constante e progressivo. A dramaturgia faz rir, faz emocionar, mas, sobretudo, dá cara e voz para reflexões sérias do mundo que representa. De repente, Stella Rabelo entra em cena com o mesmo vestido Mondrian com que estava na abertura da peça. Talvez essa seja a marca de uma circularidade que definirá o fim da apresentação. Ledo engano: mais está por vir e o retorno do vestido pode ter sido apenas um déjà vu, como tantos.
                Os aspectos estéticos do espetáculo agem de forma bastante contribuitiva. São leves, interessantes, bonitos. Os figurinos de Antônio Medeiros permitem identificar auto-referências e o vestido Mondrian é só um exemplo. Roupas de baixo, mochilas e sapatos, em cada detalhe é possível estabelecer relações que se mostram internas ao espetáculo a que se assiste. A luz de Tomás Ribas age casada com o cenário de Aurora dos Campos: enquanto um oferece o espaço o outro constrói o lugar. Na trilha sonora, Rodrigo Marçal auxilia os personagens no desafio de não se apegar a nenhuma figura, mas avançar no constante encontro/abandono de opções em processo ascendente. Se o ritmo cai quando se está mais próximo do fim, é porque o público já sentiu a estranheza do início, já se acostumou com a vertiginosa loucura do enredo e da encenação e, então, precisa da catarse, que só terá espaço para acontecer após o fim da peça. Uma vez que “Ninguém falou que seria fácil” não é um espetáculo dramático, a manutenção do ritmo não é tarefa dos fatos, mas dos acontecimentos. O fim vem em boa hora, no limite talvez. Após ele, o aplauso e os prêmios merecidos.

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ficha técnica
texto e co-direção FELIPE ROCHA
direção ALEX CASSAL
elenco FELIPE ROCHA, RENATO LINHARES e STELLA RABELLO
assis. de direção IGNACIO ALDUNATE
direção de movimento ALICE RIPOLL
colaboração na criação MARINA PROVENZANO
iluminação TOMÁS RIBAS
assis. de iluminação ELISA TANDETA
cenário AURORA DOS CAMPOS
estagiária de cenografia CAMILA CRISTINA
trilha sonora RODRIGO MARÇAL
figurinos ANTÔNIO MEDEIROS
assis. de figurino ALICE SENTO SÉ
projeto gráfico CUBÍCULO | FÁBIO ARRUDA e RODRIGO BLEQUE
fotos DALTON VALÉRIO e RENATO MANGOLIN
direção de produção RJ TATIANA GARCIAS
assis. de produção RJ NÁSHARA SILVEIRA
direção de produção SP HENRIQUE MARIANO
realização FOGUETES MARAVILHA

Deus é um DJ (RJ)

Foto: Renato Mangolin

A perda de Richter

                Com toda a base pronta para ser uma comédia interessante, “Deus é um DJ” se torna uma comédia de costumes. Nada contra o gênero (não sejamos preconceituosos!), a proposta prometia mais. Também chamada de “comédia de boulevard” ou “comédia taça de champagne”, o gênero consiste em uma estrutura narrativa larga e rasa: muitos temas e pouca profundidade. Com uma numerosa plateia lotando o grande Teatro da Reitoria (Festival de Curitiba/PR), o casal de atores Marcos Damigo e Maria Ribeiro podem ter sido deixados levar pelo riso fácil da multidão: a encenação parece que saiu do foco original, entrando na batida discussão acerca do homem e da mulher, dos papéis no relacionamentos, da vida a dois nesse início de milênio, como bem faz qualquer adaptação teatral de livro de auto-ajuda a la Martha Medeiros e outros autores que escrevem sobre Marte e Vênus, etc. A peça mais famosa do dramaturgo alemão Falk Richter (1963), já traduzida para mais de trinta idiomas, foi escrita em 1998, um ano antes da primeira edição do BBB, quando o Brasil e o mundo engatinhavam na internet, seis anos antes do Orkut e do Facebook. E é a exploração do tema (ou dos temas) virtual versus atual ou possível versus real (ver Pierre Levy) que faz do texto ter a importância que ele tem por antecipar, nos anos noventa, a discussão tão própria dos dias de hoje.
                Um DJ e uma VJ vivem 24 horas por dia em um pequeno apartamento rodeado de câmeras. Em troca de dinheiro, eles vendem a própria imagem sob algumas condições e falar sempre a verdade está entre elas. Em volto às histórias nem sempre verdadeiras que eles criam para si próprios, há na proposta o conflito entre o DJ atual e o virtual, bem como a relação entre a VJ que existe e a que se mostra e, ainda, a convivência inevitável entre os dois. O palco está sendo organizado quando o público entra. Os atores interagem com a plateia como se fossem parte dela e a plateia, por sua vez, com os atores livremente. Em cena, Damigo e Ribeiro operam a luz e a trilha sonora eles mesmos e, quem já assistiu mais de uma vez, garante que o que é dito no palco é diferente do que foi dito em apresentações anteriores. O possível está potente, latente, almejando concretizar-se e, assim, ser real. O conteúdo de Richter ganha forma na concepção de Marcelo Rubens Paiva, diretor que aqui está em seu quarto trabalho. No entanto, o resultado carece de firmeza. Sendo talvez o excesso de interação com o público, que se sente confortável vendo os limites entre o palco e a plateia serem apagados quase que totalmente, ou a relação estabelecida da peça com o ideário teatro-não-teatro, o fato é que, desde a primeira vez que Ela menciona que o casal faz sexo apenas uma vez por mês, os temas corriqueiros da vida conjugal dominam o discurso até o final da peça muito valorizados. As câmeras, as luzes, o ciclorama, tudo passa a ser mera ilustração a partir desse ponto infelizmente.
                Marcos Damigo apresenta um trabalho bastante superior ao de Maria Ribeiro (o que não significa que ele seja melhor ator que ela). Ágil, voraz, intenso, o personagem do DJ é mostrado em diversos níveis corporais, com elasticidade e pontualidade, com profundidade e superficialidade, com ironia e com segurança. A dicção é perfeita, a relação do público é conquistada, o carisma é conseqüência. Maria Ribeiro não tem as mesmas oportunidades e, quando as têm, não expõe a mesma técnica nem corporal, nem vocal. Empostada, a sua voz oferece apenas dois tons ao público: o alto e o baixo, de forma que, ao longo da encenação, em vários momentos, seu discurso oral é monótono porque monotonal. Da mesma forma, falta à personagem, em relação ao seu antagonista, mais movimento, mais versatilidade, maior riqueza. Sem dúvida, o desequilíbrio nos trabalhos de interpretação também são amostras de uma direção menos firme do que deveria.
                A cenografia de Ana Kalil providencia riqueza pelo vasto universo de possibilidades que ela proporciona. Desde funcionais estantes cheias de aparelhos até blocos brancos cujos espaços nem sempre são vistos, passam por aí elementos apenas ilustrativos e outros bastante úteis em relação à construção do universo semântico do espetáculo (e o fogão com panelas é um ótimo exemplo do último). Nesse sentido, a análise observa que o não feito, aquilo que não aconteceu, as coisas dispostas mas não utilizadas são opões "a mais", isto é, são marcas de reflexão sobre o possível e o real, sobre o virtual e o atual, sobre o vir-a-ser. O mesmo vale para a iluminação de Tomás Ribas. Não havendo operador, é como se o iluminador disponibilizasse os equipamentos para os personagens e deixasse em suas mãos a opção de usar ou não usar a seu prazer. No “não usar”, está o possível, o que, talvez, foi visto em outras apresentações e/ou será nas próximas, o que deixa ver a originalidade e a unicidade dessa única apresentação (teatral). Tudo isso é prova de uma concepção estética bastante inteligente e, por isso, louvável.
                Com méritos, a apresentação para o grande público parece ter providenciado maiores desafios do que o esperado. Em uma produção em que os dois atores se expõem a níveis tão elevados, vale recordar da segurança para que não se perca o rumo. “Não há vento favorável a quem não sabe a quem porto se dirige” (ou parece não saber) ainda é uma máxima a ser cogitada. Valei-lhes, Richter!

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Ficha técnica:

Texto Falk Richter
Tradução Annette Ramershoven e Marcelo Rubens Paiva
Direção Marcelo Rubens Paiva
Elenco Marcos Damigo e Maria Ribeiro
Assistência de direção e stand-in Isabel Mello
Preparação vocal Maria Sílvia Siqueira Campos
Consultoria de arte e linguagem Alexandre Nino
Cenografia Ana Kalil
Cenotécnica André Salles
Criação das obras “Molas – Death Valley” e “Incorpóreos” Vicente de Mello
Criação da estação do DJ Bruno Jacomino
Direção musical e sonoplastia Nado Leal
Iluminação Tomás Ribas
Assistência de iluminação PC
Fotografia Vicente de Mello
Assistência de fotografia Rafael Adorján
Identidade visual e vídeos Breno Pineschi e Rafael Cazes – Hardcuore
Assistência de programação visual Robson Tomate
Assistência de webdesign Guilherme Maquieira
Assistência de fotografia e vídeos Ricardo Aleixo
Figurino OEstúdio
Visagismo Bruno Fattori
Direção de produção João Braune e Carla Mullulo – Fomenta
Produção executiva Arilson Lucas – Fomenta
Assistência de produção Fernanda Carvalho – Fomenta
Direção de palco Ney Silveira e Max Magalhães
Contrarregragem Léo Gama
Técnica de som e vídeo Maninho
Comunicação e marketing Renato Saraiva
Gestão de apoios culturais Gheu Tibério
Assistência de gestão de apoios culturais Adriana Albuquerque
Assessoria jurídica BACBB Advocacia
Consultoria de projeto Tatiana Richard – Rizoma
Assistência de consultoria de projeto Deborah Balthazar
Coordenação executiva Renato Saraiva
Assistência de coordenação executiva Pedro Paiva
Idealização e coordenação artística Marcos Damigo
Realização Marcos Damigo e Renato Saraiva

quinta-feira, 29 de março de 2012

O idiota - uma novela teatral (SP)

Foto: Renato Mangolin

Teatro para gente grande

              Um espetáculo que se estende por sete horas, ainda que tenha dois intervalos de trinta minutos cada um, e ainda que faça os espectadores passear por vários cenários, não é para qualquer um. Há que se ser adulto o suficiente para ler a obra de Fiódor Dostoiévski (1821-1881) e entender a importância vital das cenas longas, do período de aproximação com os personagens, da convivência com a história. “O idiota”, publicado em 1869, trata da história de um jovem, de nome Príncipe Michkin, que retorna a São Petesburgo, depois de um longo período de reclusão na Suíça, para onde ele foi a fim de curar-se de idiotia (o nome antigo de epilepsia). A situação proposta pelo autor russo, o maior expoente do gênero realismo psicológico, ao qual o nosso Machado de Assis deve muito, faz com que a extrema bondade e o caráter puro do protagonista sejam os males responsáveis por vários acontecimentos. “O idiota” não é uma novela em termos de seu conteúdo, porque não são nas ações que está o foco da linguagem, mas na reflexão, nas ponderações, na investigação do universo humano ao qual estão os leitores absortos. Próprio da literatura, esse exercício é perigoso e pode ser fatal a uma encenação irresponsável. Felizmente, esse não é o caso de “O idiota – uma novela teatral”, terceira produção da Mundana Companhia, a partir de projeto idealizado pelo ator Aury Porto. Aqui ações e reflexões dividem o mesmo lugar no tempo e no espaço e, embora fuja da medida em certo momento, produz, sem dúvida, um excelente espetáculo teatral.

Com roteiro de Porto, que interpreta Míchkin, a premiada diretora Cibele Forjaz muda o foco de Dostoiévski, colocando-se nem acima, nem abaixo dele, mas ao seu lado. A partir de uma galeria de cenas, a adaptação expõe os diferentes personagens de forma quase horizontal. Levado para dentro dos universos específicos, ao espectador é possível identificar com muita clareza os personagens protagonistas de cada sequência bem como os seus coadjuvantes. O resultado é que, mesmo cientes de que é a chegada de Míchkin que mobiliza tudo o que acontece desde a primeira até a última cena, estão bastante expostas o contexto psicológico de vários personagens e não de apenas um. Se em Dostoiévski (um romance é lido por um leitor de cada vez), tudo é visto a partir do olhar do Príncipe, em Porto/Forjaz (o convívio teatral propõe um grupo de várias pessoas fruindo a peça numa só apresentação), é possível pensar que o que vemos é o jeito particular de cada personagem ver a si próprio. A conseqüência é abertura do leque de possibilidades, o arrastamento do tempo, a democratização da figura do herói. Esse é o tom novelesco de que fala Forjaz no programa da peça: situar, na ultrapassagem das cenas, o movimento que não falta, mas é escasso no clássico literário. E ela faz isso bem no primeiro e no segundo ato. A questão negativa do terceiro ato não é estética, mas da ordem humana. Depois de cinco horas, o cansaço vem. Algumas cenas, como a do carnaval e a do brinquedo, por exemplo, estariam absolutamente perfeitas se estivessem na abertura da peça. Ao final, o espectador anseia por finalizações, ele quer saber como a história termina. A conseqüência negativa, mas não prejudicial (que fique bem claro), é que o belo discurso de Míchkin, que antecede a ação do vaso chinês não é fruído pela assistência com a mesma presteza com que ele é proferido pelo ator. A redução de uma hora e meia seria, afinal, um ganho para a proposta cheia de méritos.

Outra questão importante da atualização proposta por Porto/Forjaz ao romance é a visão mística dos personagens. Incensos, velas, imagens sacras, a encenação é recheada de ganchos que podem fazer relacionar a peça a esse universo simbólico. Míchkin, talvez, possa ser visto como um deus que, feito homem, veio a São Petersburgo purgar o mal, ser exemplo, cordeiro a ser imolado. Mas é também mitologia, entidade e fervor, pois aguça os sentidos, alimentando não só a mente e o espírito, mas também o corpo. Corpos nus, cenas de sexo, quarto de dormir: as sequências produzem olhares diversos sobre o resultado da investigação feita pelo grupo na construção do espetáculo. Palavras e frases são signos literários, mas o teatro não tem signos que sejam seus, pois é próprio da arte cênica teatralizar signos de outras origens. É inteligente todo o espetáculo que constrói sua profundidade a partir de diferentes dosagens na exposição de suas referências. O dinheiro que suja as mãos de Gánia e a dúvida sobre Ser ou Não Ser, iconoclastia, ritos religiosos e frases musicais, entre vários outros possíveis links, são pegadas que podem registrar os caminhos feitos na elaboração da peça e que agora estão disponíveis a quem acessá-la.

O elenco apresenta excelentes trabalhos de interpretação. Aury Porto traz uma exitosa interpretação do jovem Míchkin, parecendo até mais novo que o que rapaz de vinte e sete anos idealizado por Dostoiévski. Sua graça, no entanto, não está apenas nisso, mas principalmente na forma como ele conduz a voz: o Príncipe traz o mesmo tom de fala ao longo de todas as cenas, fazendo pensar que permanece ingênuo e puro mesmo após tantas tentações. Seu falar é suave, suas palavras são acolhedoras, em tudo estabelecendo coerência e coesão com o que o seu corpo manifesta: pés para dentro, mãos incertas, sorriso disponível e olhos cálidos. Sylvia Prado, que dá vida a Lisavieta, é responsável pelos grandes momentos da encenação em termos de interpretação, embora todos os seus colegas tenham igualmente os seus bons momentos. Bastante forte, sua presença cênica é absolutamente abrangente, de forma que o foco caia sobre ela quase que naturalmente. Seus braços conduzem o tempo e movimentam o olhar do espectador, seu discurso oral é bem dosado e se apresenta em diferentes níveis, sua tez é constante, segura, firme. Com ótimos momentos musicais, é nessa personagem que parece que se encontrar o pilar de sustentação de toda a história. Luah Guimarãez apresenta um discurso ingênuo e infantil com gestos bruscos e decisões livres na interpretação de Nastássia. Os resultados excelentes se assemelham positivamente ao seu oposto: o personagem Aglaia, interpretado por Beatriz Morelli. Vista a partir da mãe, a voz fina e as palavras cortantes parecem se sobrepor a perfeição dos gestos e a certeza de seus movimentos. Na cena do brinquedo, em que a relação proxêmica (um e outro ator a partir das proximidades e distâncias geográficas) é extremamente nítida, é quando vemos o auge de suas equiparidades. Similar, em qualidade e em força, à relação entre Nastássia e Aglaia, é possível ver os trabalhos de Sergio Siviero e de Silvio Restiffe, Ragôjan e Gánia. Enquanto um é extremamente forte o outro é extremamente fraco, o que é o amor para um é o dinheiro para o outro, um mata o outro quer matar-se, um amedronta e o outro teme, um manda e o outro obedece. Nos dois é comum apenas o excelente resultado estético: Siviero caminha pesado e gesticula pouco, Restiffe fala com todas as sílabas e olha sempre em diagonal. Luís Mármora e Freddy Allan são os responsáveis pelas situações cômicas da peça, embora tenham os seus momentos mais dramáticos. Com participações ágeis e de grande carisma, ao público estão disponívelis ótimos trabalhos de interpretação em vários detalhes: a afetuosidade quase sensual de Kólia, o caráter farsesco do General e a afetação de Tótski.

Cenários (Laura Vinci), figurinos (Joana Porto), trilhas musicais (Otávio Ortega) e desenhos de iluminação (Alessandra Domingues) são potentes no sentido de fazer com que pouco pareça muito, são inteligentes no sentido de fazer pensar ao mesmo tempo que sentir e são belos no sentido de, enquanto harmônicos, estabelecerem e providenciarem a coesão que se espera de um trabalho que tenha início, meio e fim. Com tantos personagens e um enredo cheio de voltas, está na manutenção conceptiva dos detalhes técnicos a responsabilidade de manter o espectador preso a uma linha una. Em tudo, o mérito é visível.

Prêmio especial da APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte), indicações e troféus Bravo,Cooperativa Paulista de Teatro, Shell e Questão de Crítica, “O idiota- uma novela teatral” é uma resposta soberba ao lituano “O idiota”, de Eimuntas Nekrósius. Vale esperar para ver deles uma adaptação de Jorge Amado.

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Ficha técnica:

Realização e produção: mundana companhia | Direção: Cibele Forjaz | Autor: Fiódor Dostoievski | Tradução: Paulo Bezerra | Roteiro Adaptado: Aury Porto | Colaboração Dramatúrgica: Vadim Nikitin, Luah Guimarãez e Cibele Forjaz | Consultoria teórica: Elena Vássina | Assistência de Direção: Ivan Andrade | Elenco: Aury Porto, Beatriz Morelli, Fredy Allan, Luah Guimarãez, Luís Mármora, Otávio Ortega, Sergio Siviero, Silvio Restiffe, Sylvia Prado e Vanderlei Bernardino | Direção musical, trilha sonora e música ao vivo: Otávio Ortega | Operação de som e música ao vivo: Ivan Garro | Cenografia: Laura Vinci | Assistência de cenografia e objetos: Tatiana Tatit, Marília Teixeira e Julia Moraes | Contra-regragem: Dani Colazante e Jamile Valente | Figurinos: Joana Porto | Assistência de figurino: Bia Rivato | Camareira: Chris Basílio | Luz: Alessandra Domingues | Assistência e operação de luz e projeção: Luana Gouveia | Direção de movimento: Lu Favoreto | Direção vocal e interpretativa: Lucia Gayotto | Direção de produção: Marlene Salgado | Assistência de produção: Iza Marie Miceli | Classificação: 14 anos | Duração: 360 minutos c/2 intervalos.

quinta-feira, 22 de março de 2012

O menino que vendia palavras (RJ)

foto: divulgação

 Emociona, faz pensar e aplaudir

                “O menino que vendia palavras” é um daqueles espetáculos que ficam no coração e na mente por muitos dias, porque consegue fazer com que, por algum momento, sinta-se vontade de ser criança outra vez (ou, pelo menos, criança pela primeira vez). Belamente construído por e construtor de um universo idealizado, com crianças em roupas coloridas e com muito tempo para brincar com os amigos, a obra fisga o público infantil pelos recursos sensoriais que mobiliza e é capaz de prender a atenção dos adultos pela sua coerência interna que evolui desde cenas inteligentes à sequências divertidas, cheias de conteúdo, mas com muita ação. Faz pensar e emociona: do texto à encenação, dos recursos visuais e sonoros às interpretações. Se o significado de parietal, tetragonóptero, catáfora, epísio, nacele, gorgolão, hoste, matroca e de alforje não ficam, sem dúvida, fica o sabor dessas e de outras palavras.
                Baseado na obra homônima (Prêmio Jabuti de 2008 como melhor livro de ficção) de Ignácio de Loyola Brandão, é possível,também, fazer pontes entre esse texto de Pedro Brício com a crônica de Fábio Reynol, “O vendedor de palavras”, de setembro de 2006 (cujo mote, também serviu para um espetáculo que eu escrevi, hoje apresentado pelo Grupo Mototóti em várias cidades do país.). Em comum, está a banca de vendas de palavras e o conceito de que cada palavra vale um pensamento, ou seja, quanto mais palavras se souber, mais pensamentos se terá. O protagonista, interpretado por Paulo Verlings, discute com os amigos para ver quem tem o melhor pai. Eduardo Moscovis intepreta, além de outro personagem, esse pai, um homem jovial, que gosta muito de ler e, por isso, é muito inteligente. Nasce no grupo de crianças, uma espécie de clube - os amigos se reúnem para perguntar/descobrir porquês e o quês dos mais óbvios aos mais cabeludos. Ambicioso, o Menino almeja um lugar de destaque entre os amigos. Além de ter um pai “famoso”, ele quer conquistar uma menina e, por fim, ser conhecido por aquele “que tem todas as respostas”, abrindo, inclusive, uma banca de venda de palavras, em que troca o significado delas por objetos de coleção (bolas de gude, por exemplo). Reconhecidamente bom dramaturgo, Pedro Brício não deixa as coisas fáceis para o seu herói e é, no traçar de suas metas e nas tentativas de alcance de seus objetivos, que o espectador vai se identificando, lembrando de seu próprio passado e assistindo ao espetáculo que acontece na plateia: crianças interagindo com as cenas, animadas, mas não menos atentas.
                O cenário de Vera Hamburguer e Flávio Graff (com projeções em vídeo de Paola Barreto) se compõe basicamente por grandes pilhas de livros (três mil!) pesam o palco para o lado esquerdo pela sua força estética, pelos nichos interessantes que ele propõe, pela redução do espaço livre que ele impera. A decisão constitui um desafio para a direção: há que se fazer muito do lado direito para não perder o equilíbrio. Felizmente, o muito é feito. Cenas com retroprojetor, projeções, skate, jogos de mímica e de estátua, sorteio, bicicleta, coreografias, bola, programas de auditório, além de uma bolha de ar de Franklin Cassaro, representando o universo criativo da mente do Pai do Menino. O figurino de Thanara Schonardie é extremamente rico e impõe à encenação a mesma dificuldade. O resultado final é que cenário, figurino, além da riquíssima escolha da trilha sonora e direção musical (Domenico Lancelotti e Pedro Sá), e de um ótimo uso da iluminação (Tomás Ribas), impregnam a produção de valores estéticos extremamente benéficos, porque, antes de tudo, muito corajosos. Impresso pela firme direção de Cristina Moura, o ritmo vertiginosamente rápido não desfavorece as cenas em que é preciso atenção do público. A dosagem dos momentos - hora de prestar a atenção, hora de se emocionar, hora de torcer, hora de descobrir e de conhecer, hora de gargalhar – é efetuada com maestria. Sem exceção, todas as participações do elenco são positivamente contribuitivas dos protagonistas (Paulo Verlings e Eduardo Moscovis) aos coadjuvantes (Letícia Colin, Renato Linhares, Luciana Froés e Raquel Rocha), de forma que os mesmos aspectos positivos cujas responsabilidades são das questões técnicas são também mérito do conjunto de atores. A sensibilidade (Linhares), a ternura (Moscovis), a competividade (Verlings), a alegria (Colin), a comicidade (Rocha) e a obstinação (Fróes) são expressas pelos personagens que, em conjunto, criam ambiente para uma reflexão sobre a importância dos laços na família e entre amigos, o gosto pelo estudo e pela descoberta das palavras e, principalmente, a difícil tarefa de conhecer-se e aceitar-se em suas sublimes limitações. Muita agilidade, perfeita dicção (sobretudo em Verlings) e uma contagiante alegria são o que se vê no palco.
                O único problema de “O menino que vendia palavras” é da ordem da produção (a primeira para o público infantil da Turbilhão de Ideias). Além do horário da tarde, deveria haver também uma sessão à noite, em que as crianças seriam proibidas e os adultos pudessem ocupar os seus lugares, voltando-se sem vergonha para dentro de si mesmas, bem vindas as suas catarses.

*
FICHA TÉCNICA
Classificação etária: livre
Baseado na obra de Ignácio de Loyola Brandão
Direção: Cristina Moura
Colaboração: Mariana Lima
Assistente de direção: Fernanda Félix
Dramaturgia: Pedro Brício
Elenco:
Eduardo Moscovis
Paulo Verlings
Leticia Colin
Renato Linhares
Luciana Froés
Raquel Rocha
Cenário: Vera Hamburger
Direção Musical / Trilha Sonora Original: Domenico Lancelotti e Pedro Sá
Figurino: Thanara Schonardie
Iluminação: Tomás Ribas
Vídeos: Paola Barreto
Direção de produção: Gustavo Nunes

terça-feira, 20 de março de 2012

Judy Garland - O fim do arco-íris (RJ)

Foto: divulgação

Homenagem à Judy, ao gênero, ao teatro e ao público de teatro brasileiro

                Charles Moeller e Claudio Botelho sabem fazer musical. E musical aqui quer dizer comédia musical americana, um gênero teatral específico, com pais e avós conhecidos e filhos vivos. “Judy Garland – O fim do arco-íris” encerra a temporada no Rio de Janeiro cheia de vitórias: indicações para prêmios importantes por parte da crítica especializada, análises, como essa, bastante positivas e um público pagante que só não é maior porque um espetáculo como esse é caro demais para ser mantido pela realidade brasileira por temporadas anuais como acontece no primeiro mundo. Com alguns senões, a produção é um orgulho para o país ou, pelo menos, para dois estados: Rio de Janeiro e São Paulo (já que os musicais raramente viajam pelos outras vinte e cinco partes da nação, e é uma pena que não haja patrocínio suficiente para isso).
                Cláudia Netto é uma estrela. Excelente atriz e também excelente cantora, ela dá vida à personagem Judy Garland (1922-1969) nos seus últimos seis meses de vida. Na visão de Peter Quilter, autor do texto, a atriz e cantora Judy está prestes a se casar com seu quinto marido e apresenta em Londres o seu último show: “The talk of the town”. Mickey Deans e Anthony, respectivamente, o noivo e o pianista, vivem as crises causadas pela abstinência e uso das drogas que, ora prejudicam, ora impulsionam a vida da mãe da Dorothy de “O mágico de Oz”. Alguns fatos existem além da narrativa (deve-se evitar sempre dizer a confusa palavra “realidade”.): Morto, o corpo de Judy Garland foi encontrado num hotel em Londres em 1969. Deans foi seu último marido e, também, seu último empresário. E ele era mesmo anos mais jovem do que a atriz. Por fim, é de notório conhecimento, a incapacidade de mãe de Liza Minelli de se afastar das drogas, vício a que foi submetida desde a infância quando ainda uma garotinha dos estúdios da Metro. “Judy Garland – O fim do arco-íris” não é um mero (e excelente) documentário pela existência de Anthony, personagem fictício, mas não é só nele que estão os méritos de Quilter. A dramaturgia a que se assiste em cena é uma resposta raivosa aqueles que dizem impunemente que, em musicais, importam apenas boas canções. Ao público, está oferecido três personagens em seus conflitos internos, suas contradições, suas verdades e mentiras, suas profundidades e seus brilhos. O uso das drogas pode ser bom e pode ser ruim. Um homossexual pode ser apaixonar por homens e por mulheres. Um homem aparentemente interesseiro pode estar apaixonado. Não há como se desvencilhar do amor e o sentimento permanece quando o assunto é contrato de trabalho, saúde e planos para o futuro. Quilter arquiteta cada cena de forma a apresentar uma surpresa. Informa, mas não leciona. Emociona, mas não sensacionaliza. Diverte, mas não superficializa. Os diálogos são orgânicos, a evolução é inaparente, o desfecho é previsível, como em qualquer musical é, mas é tão belo, tão generoso, tão inteligente que sai-se do teatro com a sincera certeza de que, antes de um grande musical, é esse uma grande peça de teatro.
                Quando acima se disse que Cláudia Netto dá vida à Judy Garland, chama-se atenção para o fato de que é a vida um todo em suas partes. Sua interpretação permite ver a sua personagem em seus altos e baixos, a sua “descida ao inferno”, mas, também, a sua recordação do “céu”. Há estudo visível nos mínimos detalhes, conseqüências estéticas de uma formação que vem de longe. Há ritmo, há presença cênica, há talento aliado à técnica. Em alguns momentos, é-se capaz de jurar que se ouve a um playback, tamanha a semelhança da voz de Netto em relação à de Garland, sinal de que há trabalho interpretativo até mesmo no signo musical. O resultado é que o público é presenteado com a sensação inigualável de estar diante da verdadeira Judy Garland. Eis o mais sublime do teatro: Claudia Netto é Judy Garland.
                Francisco Cuoco interpreta Anthony e antes de sobre seu trabalho de interpretação, há que se falar de uma questão a respeito da produção: o fato de Cuoco estar envolvido nesse projeto. Anthony é um personagem secundário e, a princípio, sem brilho. Por outro lado, Francisco Cuoco é um ator reconhecido nos muitos cantos desse país nas muitas décadas de televisão nacional. E bem reconhecido. Um artista e um profissional de sua estirpe num personagem como esse, aliás, substituindo outro ator, já é sinal de sua generosidade, de sua jovialidade, de sua qualidade aplausível. O resultado é uma coadjuvância absolutamente perfeita: com personalidade, executando suas funções narrativas, conferindo níveis mais profundos, propondo novos caminhos para a história, possibilitando novos sentidos e sempre com muito carisma.
                Igor Rickli, que interpreta Mickey Deans, é um ator alto, bonito, forte e másculo. O problema de sua interpretação é justamente o visível esforço que ele parece fazer em parecer alto, bonito, forte e másculo. As participações de Rickli pesam pelo excesso de marcas e pela falta de verossimilhança. Em vários momentos, é nítido que Rickli está querendo parecer bonito e, como ele é, gaps negativos surgem, a verdade, assim, se compromete. Felizmente, a direção de Moeller dá ritmo suficiente para que as falhas sejam mais difíceis de se ver. Hábil, o diretor desenha seu espetáculo em forma crescente, o que é ótimo para quem assiste.
                Com cenário, figurino, maquiagem e direção musical sem falhas, “Judy Garland – O fim do arco-íris” cumpre positivamente todos os requisitos para uma boa comédia musical americana (esse é o nome do gênero, não importa se é feita no Brasil, no Japão ou na Europa): riqueza em detalhes, entradas e saídas sem falhas, condução ao ápice, forte apelo à identificação e clímax bem definido. Assim, os figurinos de Judy são cada vez mais bonitos e a trilha sonora se volta para os clássicos. De “How insensitive”, versão de “Insensatez”, de Tom e Vinicius, a “The man that got away”, “The trolley song” e “Just in time”, chegando a “Over the rainbow”, a escolha musical é acertadamente ascendente. As falhas estéticas na produção, nesse fim de temporada, são detalhes: papéis prateados que caem do urdimento durante toda a encenação, um fio de energia elétrica visível vindo da coxia até a mala de roupas de Judy e um contrarregra em cena esperando a sequência terminar para tirar o cenário são pontos negativos que entristecem a análise. Nenhum deles consegue felizmente tirar o brilho do resultado final.
                Lembrada por sua gargalhada pela própria filha, Judy Garland paira no imaginário coletivo de muitas gerações independente de nacionalidade, gosto estético, orientação sexual e classe social. O musical que a homenageia, pela forma séria e talentosa com quem é viabilizado, também homenageia o gênero e o teatro brasileiro com tão valorosas interpretações e trabalhos de ordem técnica.

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Ficha técnica:

(O programa do espetáculo é vendido ao público, em um mal exemplo trazido do exterior. A divulgação dos nomes dos técnicos responsáveis pelo espetáculo deveria estar incluída no preço que se cobra ou no gentil convite para ver os seus trabalhos expostos em cena.)  

domingo, 18 de março de 2012

A primeira vista (RJ)

Foto: divulgação

Uma linda visão                 
                     A inteligência de um encenador está quando o que é dito e a forma como o que é dito é dito se casam. “A primeira vista” (A Beautiful View”), escrito em 2006 pelo canadense Daniel MacIvor, ganha a direção de Enrique Diaz num belíssimo exemplo dessa inteligência. Os personagens de MacIvor são fluídos, são livres, habitam um mundo onde as barreiras são inconvenientes, estranhas, deslocadas. Sendo algo, esse é o conteúdo. E a forma? MacIvor não começa, nem termina as cenas de um jeito claro. As palavras se perdem no meio das frases, os encontros e os desencontros se misturam, os assuntos nascem e morrem sem que o leitor (estamos falando do texto) perceba, as emoções se confundem. Por sua vez, Diaz opta por manter o palco limpo (estamos falando da peça) com poucos recursos em cena e dirige as interpretações das atrizes no sentido de estarem tão próximas do real além da narrativa que o limite entre teatro e não-teatro parece não existir. O resultado é a construção de uma dramaturgia cênica intimista, acolhedora, humana. Estar na plateia de “A primeira vista” é como simplesmente ouvir duas amigas contarem a sua história. Você as conhece, logo não precisa ouvir seus nomes. Elas conhecem você, logo não precisam trocar de roupas para te receber. Estamos todos em um local amigável, logo sentir-se à vontade é conseqüência.
                Duas mulheres, delicadamente interpretadas por Drica Moraes e Mariana Lima, se conhecem em uma loja de artigos para camping. Reencontram-se casualmente depois em um show. Um dia, uma noite, elas ficam juntas. Uma pensa que a outra é lésbica, sem que nenhuma das duas saiba que, para outra assim como para si, aquela foi a única experiência sexual com uma pessoa do mesmo sexo que teve. A vida segue e novos encontros entre as duas acontecem. O ponto de partida de MacIvor é um lugar no futuro em que ambas lembram o passado, tentando unir as peças, buscando, talvez, algum sentido para a vida que, de alguma forma, compartilharam. O ponto de partida de Diaz é apagar qualquer obstáculo que impeça que elas se encontrem e, sobretudo, que o público as encontrem.
                Metateatro, ator rapsodo, stand-up comedy com história, indietheater… Teoricamente, há vários conceitos confortáveis a partir dos quais é possível analisar “A primeira vista”. De uma forma geral, a consciência de que estamos num teatro em que duas atrizes interpretam duas personagens é mantida pelo visível esforço no apagamento das marcas que redundem essas noções. Enrique Diaz que, nos mesmos moldes, dirigiu o sucesso “In On It” (do mesmo Daniel MacIvor), mantém o que é imprescindível para o efeito de espetacularidade acontecer: um perfeito desenho de luz, esse assinado não menos por alguém como Maneco Quinderé, cujo ponto alto é o black-out reflexivo no meio da peça, e uma sonoplastia/trilha sonora criada, escolhida (Fabiano Krieger e Lucas Marcier), operada (Lucas Marcier) e interpretada (Moraes e Lima) de forma excelente nos mínimos detalhes. Pontuais, seguros, ricos: os usos da iluminação e da trilha sonora não são ilustrativos, mas informacionais. As escolhas, assim como a opção por figurinos simples (Antônio Medeiros), mas não menos interessantes, expressam a concepção como um todo, definem o espetáculo como uma estrutura circular e, talvez, por isso, confortável, palatável, agradabilíssima.
                Ainda que os focos caiam sobre Drica Moares que, com a saúde recuperada, volta aos palcos, não é possível dizer que ela apresenta um trabalho melhor que Mariana Lima. Ambas estão igualmente ótimas em cenas: exibem um discurso dito aos solavancos, com movimentos dispersos e palavras cortadas pela metade. Tudo que o que poderia parecer ruim, aqui é excelente porque perfeitamente coerente com o texto e com a concepção. Em momentos determinados, gestos disciplinados em giros certeiros, pausas bem marcadas, entonações bem dirigidas. A personagem citada Sasha, o camping, o medo do urso, a visão da cachoeira ganham importância, fazem sentido, são marcas de coesão. E só são porque o devido valor lhes foram dados.
                “A primeira vista” corta de uma forma muito sutil, enquanto nos oferece “uma bonita visão”. O passado, no seu lugar idealizado, é humanamente mais bonito. Quanto à tona, ele nos pergunta: “Por que estou aqui? O que farão comigo agora vocês que me despertaram?” Então, vem a catarse, o choro, a reflexão e o aplauso. Aquele do tipo grato, sincero, orgulhoso, honrado de compartilhar com elas (?) as suas histórias recém contadas.

*

Ficha técnica:


Texto: Daniel MacIvor
Direção: Enrique Diaz
Elenco: Drica Moraes e Mariana Lima
Cenografia: Marcos Chaves
Figurinos: Antônio Medeiros
Iluminação: Maneco Quinderé
Música: Fabiano Krieger e Lucas Marcier
Tradução: Daniele Ávila
Assistência de direção: Keli Freitas
Preparação corporal: Cristina Moura
Técnica Alexander: Valéria Campos
Visagismo: Ricardo Moreno
Assessoria de Imprensa: Factoria Comunicação
Projeto gráfico e ilustrações: Olivia Ferreira e Pedro Garavaglia / Radiográfico
Conteúdo Web: Janeiro Conteúdo
Fotografia: Leonardo Aversa, Enrique Diaz e Nil Caniné
Diretor de cena: Márcia Machado
Assistente de figurino: Victor Saraiva
Cenotécnico: Luís Antônio Camarão
Produção de cenário: Sérgio Martins
Assistente de produção: Ailime Cortat
Operação de luz: Ana Luiza de Simoni
Operação de som: Lucas Marcier
Produção Executiva: Nil Caniné
Direção de Produção: Sérgio Martins
Realização: Machenka Produções Artísticas

sábado, 17 de março de 2012

Dorian (RJ)

Foto: divulgação
Uma versão pós-dramática para uma história dramática


                Publicado do jeito que conhecemos em 1891, o romance realista “O Retrato de Dorian Gray”, escrito por Oscar Wilde (1856-1900), causou polêmica na sociedade da época. Hoje, considerado uns dos livros mais importantes da história da literatura, a obra é referencial quando o assunto é relacionamento homoafetivo e hedonismo. Basil Hallward é um pintor medíocre, talvez porque moralista, que, quando a história começa, está pintando o retrato de um jovem amigo seu chamado Dorian Gray, esse de extraordinária beleza. Lord Henry Wotton é amigo do pintor, um dandy aristocrático, que acompanha a evolução do quadro e, aos poucos, acaba exercendo cada vez mais forte influência sobre Gray. A importância da beleza, a durabilidade da juventude, o poder que estética exerce nas relações sociais são os temas das conversas entre três jovens ricos no início da narrativa. Finalizado o quadro, o mais belo trabalho de Hallward, o pintor se nega a expô-lo, dando-o de presente para seu modelo inspirador. Gray, por sua vez, fica terrificado com o que vê. Tão logo recebe a obra, trata de escondê-la porque está certo de que jamais será tão jovem e tão belo como o está retratado na tela. Em resumo, a corrupção moral de Gray, agora apaixonado por si mesmo, não permite que a velhice afete o homem, permanecendo ele jovem ao longo dos anos. É a figura pintada no quadro escondido que envelhece. O desenrolar surpreendente e o desfecho aterrador foram assuntos de diversas atualizações ao longo dos cento e vinte anos que seguiram à publicação do livro: quadros, poemas, outros romances, filmes, músicas e, em especial, peças de teatro recriaram o universo (ou parte dele) primeiramente criado por Wilde. A valorosa montagem de “Dorian”, dirigida por Renato Farias e produzida pela Companhia de Teatro Íntimo, é mais uma delas, daí sua responsabilidade, seus méritos e seu valor.
                Renato Farias organiza o palco em forma de mercado. Em formato de semi-arena (público nos três lados do palco), o espaço cênico é delimitado por gôndolas cenográficas, pequenos balcões, bancas, enfim, espaços onde os personagens se ancoram e podem, assim, assistir ao espetáculo mesmo quando não estão em cena, uma referência, (felizmente) apenas formal, ao teatro farsesco. Lord Henry (Rafel Sieg) e Lady Victoria Wotton (Fernanda Boechat), Dorian Gray (Caetano O’Maihlan, substituindo Augusto Garcia), Sibyl Vane (Letícia Cannavale), Alan Campbell (Hugo Resende), Basílio Hallward (Thiago Mendonça) e James Vane (Márcio Mariante), cada um, tem o seu próprio ambiente fixo no espaço cênico, do qual recebe o público, interage com ele e com a cena a que todos assistem. O cenário de Melissa Paro, então, consiste basicamente na composição desses ambientes e, nos pequenos detalhes, o resultado é bastante positivo. É possível identificar o universo de cada figura ao longo da apresentação, reconhecendo os objetos como reais e não apenas diegéticos, o que auxilia fundamentalmente na atualização de um romance realista. E, sobre essa definição da análise da obra literária, é preciso fazer algumas considerações.
                Mesmo com um elemento fantástico (o fato da figura pintada envelhecer), “O Retrato de Dorian Gray” é um romance realista psicológico, ou seja, o leitor conhece as diferentes esferas da mente do protagonista, a quem acompanha em terceira pessoa, e dos adjuvantes, tendo, a seu dispor, meios de criticá-los todos. Numa análise actancial (Greimas), temos o protagonista Dorian (sujeito) lutando contra o envelhecimento (a juventude = objeto), tendo Lord Henry como quem o ajuda (adjuvante) e o seu retrato como quem o atrapalha (opositor), Narciso como quem o estimula (destinador) e o próprio Gray como quem recebe os favores de sua empreitada (destinatário). Ou seja, Dorian e o seu retrato são o centro da narrativa, o vetor da história, o elemento em torno do qual tudo gira. No espetáculo teatral, no entanto, não é isso que acontece. A concepção de Renato Farias parece ter tirado o foco sobre Dorian Gray ao contar a história de Wilde usando a linguagem teatral, abrindo a discussão para todos os personagens e contextos. Em seu espetáculo, desde a entrada do público, o tema é a beleza, esse expresso pela interação entre os atores e o público na recepção. E, ao longo da peça, uma vez que todas as “bancas” estão iluminadas praticamente o tempo inteiro, está claro o convite para o espectador prestar a atenção em outros detalhes além do que é contado no centro da arena. Lord Henry e Basílio, muito importantes no romance, permanecem fundamentais na peça, mas aqui dividem as atenções com a atriz Sibyl e seu irmão James, Lady Victoria e o químico Alan. E todos, em conjunto, por serem vistos pelo público durante todo o tempo da apresentação, têm tantas oportunidades de ganhar a atenção do público quanto o protagonista, o que definitivamente não acontece no livro. Em termos estéticos, o resultado não é nem negativo, nem positivo, mas outro, afinal, muito mais relações estão expostas durante mais tempo. A conseqüência negativa é que o trabalho de interpretação, nessa concepção, tem muito mais desafios a serem vencidos. Em outras palavras, é difícil estar bem em “Dorian”. O lado positivo é que o público pode escolher onde quer centrar a sua atenção, a partir de quem (de qual personagem) fruir a história.
                O diretor Renato Farias têm duas excelentes atrizes no elenco, que recebem essa avaliação pela forma como ambas conseguem positivamente driblar as dificuldades da encenação. Letícia Cannavale é quem oferece o melhor resultado de todo o grupo, favorecida pelo seu desaparecimento após a morte da sua personagem e pelo fato de suas cenas no teatro acontecerem quando todas as luzes estão (raramente) apagadas. A atriz tem boa dicção, é carismática e permite identificar um trabalho de interpretação com vários níveis,em termos dos usos do corpo, dos movimentos e da voz. Fernanda Boechat, em vários momentos, exibe os mesmos bons resultados de Cannavale, o que é ótimo. A cena entre Dorian e Alan é seu momento negativo, pois nela a atriz “puxa o foco”, fazendo dividir as atenções do público. O elenco masculino, cujos personagens são os mais importantes na história de Wilde, tem mais trabalho e, consequentemente, os bons resultados são conseguidos com mais esforço. Thiago Mendonça oferece uma frágil participação, prejudicado pelo empobrecimento do seu personagem na versão teatral em relação à riqueza dele (Basil) na obra literária. Em direção oposta, Hugo Resende teve seu personagem (Alan) supervalorizado, apesar de não haver aqui bases suficientemente seguras para isso. Rafael Sieg (Lord Henry) e Márcio Mariante (James Vane) oferecem bons trabalhos à assistência, apesar de não haver na encenação foco que os valorize a ponto de serem considerados excelentes. Caetano O’Maihlan, ao interpretar Dorian, é frágil e superficial, o que é positivo uma vez que os esforços do ator nesse sentido auxiliam o público a perceber a leviandade do personagem protagonista frente a sociedade em que vive e a si próprio.
                “Dorian” é um espetáculo bastante cuidadoso, apresentado, ao mesmo tempo, em vários detalhes. O fato de, ao espectador, estar possível fruir os diversos (e ricos) elementos conforme queira, é prejudicial, porque se trata de uma história tradicional, isto é, com início, conflito, ápice e fim bem definidos. Farias oferece uma versão pós-dramática a uma história contada dramaticamente nos mais importantes elementos de que ela dispõe. Apesar disso, diante da plateia, está visível um trabalho digno de aplausos e casas cheias.

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Ficha técnica:

Da obra de Oscar Wilde
Direção: Renato Farias
Elenco:
Caetano O’Maihlan
Fernanda Boechat
Hugo Resende
Letícia Cannavale
Rafael Sieg
Thiago Mendonça
Márcio Mariante
Música: Damu Shiva
Direção de movimento: Gabriela Haviaras
Preparação Vocal: Jorge Luis Cardoso
Cenografia: Melissa Paro
Iluminação: Rafael Sieg
Supervisão de iluminação: Paulo Cesar Medeiros e Tábata Martins
Direção de arte, figurino e desenhos: Thiado Mendonça
Visagismo: Bruno Fattore
Orientação emocional: Sérgio Meyer
Fotografia: Carol Beirez
Programação Visual: Tarcísio Lara Puiati
Assessoria de imprensa: Roberta Rangel
Produção: Gabriela Haviaras e Clara Soria
Direção de Produção: Augusto Garcia
Realização: Companhia de Teatro Íntimo, Pela Noite Produção Artísticas e Canampo Produções Artísticas

quarta-feira, 14 de março de 2012

Adeus à Carne ou Go To Brazil (RJ)

Foto: André Mantelli

Horizontalidade: o que eu penso não tem mais valor do que você pensa

Entre tantas possíveis, uma útil divisão da narrativa cênica mundial é aquela que estabelece três grandes categorias: espetáculos adramáticos, dramáticos e pós-dramáticos. Samuel Beckett seria um expoente exemplar para o primeiro grupo, ele que cujas peças demonstravam grande esforço no apagamento do tempo, na definição de um lugar e na interrelação entre os personagens. O grande mainstream do teatro mundial poderia ser facilmente lido no segundo grupo, cujas grandes características seriam a coerência, a coesão e a auto-referenciação. “Adeus à Carne ou Go To Brazil” receberá avaliações bastante positivas somente se for lido a partir do pós-dramático, termo cunhado pelo teórico alemão Hans Thies Lehmann. Nesse tipo de produção, o espectador se encontra com elementos que garantam possíveis relações internas, sinais sutis de coesão, mas estará impossibilitado de fazer qualquer afirmação absoluta sobre o que vê, podendo unicamente entender as próprias conclusões como conseqüências particulares de sua subjetividade diante da obra. Trocando em miúdos, Michel Melamed usa da evolução narrativa de um desfile de carnaval (comissão de frente, carro abre-alas, passistas, ala das baianas, bateria, etc) para pincelar uma possível organização estrutural com início e fim, mas dispõe aleatoriamente dos signos, jogando para a plateia a responsabilidade de dar sentido para o que vê. O resultado é desconfortante para quem está acostumado a fruir historias tradicionais cujos mocinhos e bandidos, mote, ápice e tema são facilmente encontrados, porém, no momento em que se aceita o convite do encenador de dividir com ele a autoria do trabalho, tem-se aí um belo trabalho cênico capaz de orgulhar o teatro carioca.
                Apresentar uma dramaturgia tão fluída é um desafio para qualquer encenador. Enquanto o teatro dramático converge (as flechas do sentido vão em direção a um ponto central, vetor de toda a narrativa), o teatro pós-dramático diverge (as flechas do sentido partem do ponto central, mote estrutural para os signos presentes), havendo nos dois uma história (no primeiro, a história está na peça; no segundo, a história está em quem frui a peça.). Analisar, por isso, um espetáculo como “Adeus à carne” é mais difícil: como identificar o limite entre o que eu entendi/não entendi e o que o encenador me contou/não me contou? A saída é abdicar advertidamente dessa encruzilhada e partir para 1) qual é o mote estrutural do espetáculo? 2) como os signos foram dispostos? Definido o ponto de partida, podemos partir para a crítica.
                Três elementos são fundamentais para identificar o mote estrutural nesse caso: a) o título - “Adeus à Carne ou Go To Brazil”; 2) a cena inicial – um ciclorama vermelho, um homem e uma maca e um grande ostensório; 3) as interscenas - a descrição das alas de um desfile de escolas de samba. Começando pelo último, o carnaval (festa da carne) acontece nos quatro dias que antecedem o início da quaresma, quarenta dias antes da páscoa. É uma festa que nasce na Idade Média, como um momento de folga antes das semanas de penitência que virão em preparação para a celebração da morte e da ressurreição de Cristo. Festeja-se a carne, porque, depois, festejar-se-á o espírito. Despede-se da carne, para encontrar-se com o espírito. Na Quinta-feira Santa, final da quaresma, celebram-se três momentos da Santa Ceia: 1) o Lava-pés; 2) a instituição do Sacerdócio; e 3) a instituição da Eucaristia. Sobre esse último, segundo o Evangelho, o corpo (carne) de Jesus tornar-se-á pão e o sangue vinho. Na madrugada seguinte, Jesus dirá adeus à forma humana e será apenas espírito. O ostensório é um objeto da liturgia cristã em que se coloca uma grande (porque para ser olhada) hóstia consagrada (hóstia que passou por uma missa e foi, assim, transformada em Corpo de Cristo, segundo a crença cristã) para que Jesus Vivo seja venerado pelos crentes. Ela é sinal de que o Senhor não é mais Homem, mas de novo apenas Deus. O vermelho usado na cena inicial é a cor do Espírito Santo, de forma que, observando esses elementos iniciais dispostos na dramaturgia de Melamed já é possível prever que o espetáculo tratará sobre o homem em tudo aquilo que não é ainda divino. O que o encenador anuncia é uma despedida, uma festa em que se celebra a carne antes dela deixar de ser. Caixões que se encontram com carrinhos de bebês, sexo, drogas, alienação cultural (televisão, musicais da Broadway,...), tristeza, frieza, ostentação, hipocrisia, medo, paixão e uma série de outros pontos de vista, muitos deles associados às questões nacionais, ganham formas nas sequência de cenas interpretadas por Bruna Linzmeyer, Michel Melamed, Pedro Henrique Monteiro, Rodolfo Vaz, Thalma de Freitas e Thiare Maia, todos eles, em momentos mais ou menos, com ótimas performances. Em cada cena, há passagem de tempo (drama), lugares (drama) e personagens (drama), embora nem sempre seja possível identificá-los com exatidão. No todo, prevalece a fluidez, cabendo ao espectador dar unidade para as figuras que lhe foram apresentadas.
                O excesso do uso de contrastes (luz e sombra) e o uso marcante de cores sobre o ciclorama aproximam o espetáculo dos trabalhos de Bob Wilson, encenador americano expoente do teatro pós-dramático (Recentemente, no Brasil, apresentou Quartett, Happy Days e Krapp’s last tape), embora a luz de Adriana Ortiz careça de maior precisão em alguns momentos (focos com limites mais aparentes e aberturas e fechamentos menos relutantes, por exemplo). No mesmo sentido, a importância visual de “Adeus à carne” poderia ser mais elevada houvesse maior relação entre os tecidos dos figurinos de Luiza Marcier e a iluminação, de forma que os efeitos resultantes fossem tão impactantes quanto as dramaturgias de cada cena. No todo, a escolha da trilha sonora, bem como a estética disposta no cenário, apesar de deixar ver algumas falhas, expõem a obra positivamente.
             Sobre o ritmo, construir uma dramaturgia baseada nas seções de uma escola de samba em desfile é gesto que muito dificilmente não traria problemas. Na cabeça do espectador, paira a pergunta fatal: “Quantas partes faltam?”. Além disso, a dosagem das cenas não foi posta de forma contribuitiva: a cena das emissoras de TV como alunas de uma aula é impactante pelo alto grau de identificação com o público. Depois dela, outro momento com igual força é raro, o que dá a sensação de descendência. Felizmente, a cena final é um acerto: acostumados aos ápices dramáticos, todos gostam de um musical. Inteligente, o efeito consiste em um grande acerto do dramaturgo.
                No programa entregue ao público, consta na parte superior da página inicial o seguinte: “Sobre ADEUSÀCARNE ou Go To Brazil:”. Segue um longo espaço em branco e, bem embaixo, a assinatura “por Michel Melamed”. Não há dúvidas: para o encenador, vale o que o público entendeu (mesmo que cada um tenha entendido algo totalmente diferente do outro). Viva a horizontalidade!

*

ficha técnica:

atuação: bruna linzmeyer, michel melamed, pedro henrique monteiro, rodolfo vaz, thalma de freitas, thiare maia

criação e direção: michel melamed
assistente de direção: gabriel bortolini
estagiária de direção: barbara montes claros
direção musical: lucas marcier e fabiano krieger
assistente de direção musical: antonio de padua
percussão “comissão de frente”: fabiano salek
composição “ala dos pontas”: fabiano krieger e michel melamed
mashup “sambicídio”: fabiano krieger, lucas marcier e michel melamed
“hino do pec (partido da educação e cultura)”: edu krieger e michel melamed
offs: michel melamed
off “ala do amor”: clarice falcão e gregorio duvivier
gravações e mixagens no estúdio arpx: lucas marcier e antonio de padua
cenografia e objetos: bia junqueira
assistentes de cenografia: gika vereza e marcele vieira
adereços: dodô giovanetti e eduardo andrade
cenotécnico: moisés cupertino
coordenção de efeitos especiais: daniel araujo
montagem e maquinaria: beto de almeida
iluminação: adriana ortiz
assistente de iluminação e programação de moving lights: felicio mafra
montagem luz: juca baracho
figurino: luiza marcier
assistente de figurino: eliza lima
equipe costura: sônia regina martins, angelina joão amâncio, antônio foicinh, maria teixeira de oliveira, vandete silva.
alfaiate: macedo leal
acrílico: artes e ofícios
acessórios: rodrigo hull
colaboração: luiza calmon, marcela petrus e rodrigo barja
estagiária de figurino: luma cabral
caracterização: rubens liborio
assistente de caracterização: josé luis gonçalves
hair dressing: neandro ferreira
cores: felipe freitas
preparação samba e tango: rachel mesquita e gabriel silva
projeto gráfico: olivia ferreira e pedro garavaglia/ radiográfico
assistente projeto gráfico: monica puga/ radiográfico
ilustrações: mathias cremadez
fotos programa e divulgação: andre mantelli
still: gui maia
assessoria de imprensa: vanessa cardoso/ factoria comunicação
assessoria jurídica: andrea francez e wanda alonso
operadores de som: joão gabriel da costa e joão bandeira
operadores de luz: rita fernandes e adeilson mendes moreira
maquinistas: jaime vieira e reinaldo duarte
brigada de incêndio: atac fire
camareiras: lucia e rita martinusso
contrarregra: rafael monteiro
administração: rafael mose
direção de produção: bianca de felippes
produção executiva: gabriel bortolini
estagiárias de produção: juliane westin e natasha guimarães
realização: chien o criativo, bianca de felippes e michel melamed
patrocínio: fate/ secretaria municipal de cultura/ secretaria estadual de cultura

segunda-feira, 12 de março de 2012

Julia (RJ)

Foto: Gui Maia

No virtual e no real, um excelente espetáculo

                    Christiane Jatahy e Cia Vértice afirmam de forma definitiva que não há jeito certo e jeito errado de atualizar uma obra. O espetáculo “Julia”, em cartaz no Teatro Sérgio Porto, parte de uma dramaturgia cênica paralela ao texto original “Senhorita Júlia”, escrito em 1888 por August Strindberg (1849-1912). Sem medo do perigo, Jatahy subverte um dos aspectos essenciais do realismo naturalismo e apresenta um dos melhores espetáculos da temporada carioca. Uma vez que é essencial para o leitor de um texto realista naturalista a percepção de que os personagens são parte de um ecossistema, agindo de forma selvagem porque por instintos nem sempre racionais, mas inevitavelmente além de qualquer regra moral, o sufocamento é lugar comum pela confortabilidade. Ao investir numa atmosfera que aproxime o realismo da peça da realidade além da narrativa, de forma que  as marcas de verossimilhanças sejam tantas a ponto da catarse ser mera conseqüência, qualquer encenador tem grandes chances de oferecer um excelente trabalho. Jatahy foge desse lugar confortável, abre a cena, experimenta o sabor com outras linguagens, desafia o perigo. E vence. Nisso está o seu maior mérito e o nosso maior ganho.
                Em “A linguagem cinematográfica”, o semioticista Christian Metz discute a questão da realidade no teatro e no cinema. Segundo o autor, é porque o teatro é excessivamente real que o público investe no que vê menos esforço em entendê-lo como real. No cinema, uma vez de que o que se assiste são fantasmas, cabe ao público maior empenho e, por isso, é que a experiência espectorial fílmica produz com mais facilidade a sensação do real do que no teatro. A semioticista Anne Übersfeld, em “Para ler o teatro”, traz a questão do signo teatral e afirma não haver signos teatrais, mas signos tornados teatrais. Diferente do cinema, que usa ontologicamente o signo da fotografia, o teatro parte de uma estrutura que marca o seu acontecimento: A interpreta B diante de C. A imagem cinematográfica de uma mesa só funciona enquanto signo de mesa. Uma mesa cenográfica, além de funcionar como signo (teatral) de mesa pode, de fato, ser uma mesa. Nesse contexto de linguagens parecidas, mas bastante diferentes pela sua essência, o público de “Julia” sofre a dispersão de ora ver teatro, ora ver cinema e, nos dois, fruir a mesma história de Júlia, uma menina rica de 17 anos que, numa madrugada de festa em sua mansão, flerta com o motorista de seu pai, criado como ela na mesma casa, mas em setores sociais bastante diferentes. Com soberba maestria, Jatahy pinça o teatro e o cinema conforme convém para apresentar a sua versão da história: usa o cinema quando é preciso sufocar o espectador de marcas de realidade e o usa o teatro quando é preciso incluir o público (humano) diante de personagens (também) humanos.
                Quando se fala em cinema, naturalismo significa algo bastante próximo do real além da narrativa. Quando o assunto é teatro (ou literatura), está se chamando a atenção para o fato de que os personagens e suas índoles estão além de qualquer julgamento moral. A menina Júlia e o empregado Joelson não podem ser considerados nem bons, nem maus. Na madrugada em que a história se dá, eles são apenas dois bichos irracionais jogando com o perigo sem reconhecer o perigoso como algo ruim. Júlia é a criança que brinca de ser adulto. Ela seduz os convidados da festa, seduz o motorista de seu pai, vai para a cama com ele, pede para ouvir “Eu te amo” e sonha em viajar, em morrer, em usar sapato de salto bem alto e vestido curto. Longe de qualquer noção de responsabilidade, ela se diverte, ela sofre, ela age e reage sempre com a mesma intensidade, afinal, a brincadeira termina só quando termina. Por sua vez, Joelson é o adulto que brinca de ser criança. Quando a garota rica lhe chama para brincar, ela constrói castelos no ar, estabelece personagens e funções, enreda toda uma narrativa, vivendo os sonhos que está construindo. É apenas quando a manhã chega e a onda destrói o castelo que, com tanto esmero ele construiu, que ele sente que o dia no mar acabou e é hora de voltar para o subúrbio. No jogo de Strindberg e de Jatahy, o poder passa de mão em mão como uma bola que vai sendo jogada até que queime a palma de um jogador, ou de todos.
                Julia Bernat apresenta um resultado absolutamente excelente na interpretação de Júlia. A jovialidade, a beleza e a sensualidade natural da jovem atriz emprestam à personagem tudo o que ela precisa para ser. A graça nos movimentos, a disciplina dos gestos bem postos e o carisma na relação com o público emprestam, por sua vez, à personagem tudo o que ela precisa para estar. Gritos, sorrisos, choro e deboche, em tudo Bernat deixa ver a Júlia intensa prevista por Strindberg e atualizada por Jatahy. Os gestos mínimos, melhores ao cinema, estão em igual posição com os gestos mais expressivos no teatro, elevando os valores da concepção estética da obra. O mesmo se deve dizer de Rodrigo dos Santos que interpreta Joelson. Embora haja uma falsa percepção de apagamento do seu personagem diante da força de Júlia/Julia, que ocorre pelas marcas de ingenuidade, não é possível deixar de enaltecer a força do ator que emprega ao personagem a mágoa, o sofrimento acumulado, a revolta há muito tempo presa. Como Bernat, Santos usa de vários níveis, ritmos e potencialidades em seu discurso, fornecendo à audiência os instrumentos necessários para o fruir o texto e a interpretação a contento. Há ainda o pequeno, mas também elogiável trabalho de Tatiana Tiburcio, que intepreta Cristiane, a cozinheira da casa. Com uma frase, ela representa a forma humana da faca, objeto presente numa das cenas finais, o que só se dá pela positiva porque bem posta força que atriz emprega ao dizer o texto e contracenar com Rodrigo dos Santos.
                Apenas elogios podem ser destinados ao cenário de Marcelo Lipiani que se apresenta afirmativamente como cenário, embora não deixe de fincar definitivamente as bases de realidade necessárias, agindo, dessa forma, em completa coerência com a concepção de Jatahy. Deve-se dizer o mesmo da iluminação de Renato Machado, iluminando os espaços, os atores e os momentos sem que nada saia do ritmo, sem que nada se perca e que nenhuma oportunidade seja desperdiçada. Na direção musical, Rodrigo Marçal conduz, participando principalmente dos momentos em que cabe ao público pensar no que está vendo, engolir a situação, fruir. O figurino de Angele Fróes age positivamente contando a história, trazendo informações essenciais a respeito dos personagens e do enredo sem ser nem redundante, nem meramente ilustrativo.
                Diferente do que se pode pensar, atualizar uma obra não é pegar um texto de 1888 e trazer para 2012. Assim como não se consegue entrar duas vezes no mesmo rio porque a) as águas do rio já não serão as mesmas; e b) porque quem entra já terá vivido outras experiências; tornar cênico um texto literário (ainda que dramático) significa partir de signos, de pessoas, de percepções. “Julia” usa a câmera, a participação de um cinegrafista em cena, cenários próprios para o cinema e mantém uma mesa de produção com a diretora, assistentes e um monitor ligado em lugar visível para ao público. A audiência de agora está acostumada com reality shows, com câmeras em toda a parte e com vídeos na internet abrindo a intimidade humana para o universo banda larga. Se o atual é só o contrário de virtual, Jatahy, inteligente e belamente, apresenta os dois.

*
Ficha técnica:

Direção: Christiane Jatahy

Adaptação do texto “Senhorita Julia” de August Strindberg
Elenco: Julia Bernat e Rodrigo dos Santos
Direção de arte e cenário: Marcelo Lipiani
Concepção de cenário: Marcelo Lipiani e Christiane Jatahy
Direção de fografia: David Pacheco
Iluminação: Renato Machado
Direção musical: Rodrigo Marçal
Figurino: Angele Fróes
Orientação corporal: Dani Lima
Programação visual: Radiográficos
Assessoria de imprensa : Palavra
Conteúdo e webmarketing : Janeiro
Projeto de som: Paulo Ricardo Nunes
Mixagem de som: Denílson Campos
Projeto de projeção : Alexandre Bastos – Nova Mídia
Fotos: Gui Maia
Câmera ao vivo : David Pacheco – Paulo Camacho (stand in)
Assistente de direção: Fernanda Bond
Assistente de Figurino: Fernanda Theóphilo
Arranjos e instrumentos : Luciano Correa
Participação especial “ funk da piscina”: Felipe Abib e Cintia Reis
Aderecistas: Luiz e Massaira
Marceneiro: Lucio da Palma
Equipe de cenotécnicos:S.F Serpa Fernandes
Participação especial : Gilda (a nossa amada canarinha)
Operador de vídeo: Léo França
Operador de som: Ribamar Mathias de Oliveira
Operadora de Luz: Elisa Tandeta
Diretor de Palco: Marcelo Gomes
Diretor Técnico: Branco Katona
Produção executiva: Lara Schueler e Cristiano Gonçalves
Estagiária de produção: Jéssica Santiago
Apoio de Produção: Marcio Gomes
Direção de Produção Filme/Peça – Cláudia Marques
Um projeto da Cia. Vértice

Ficha técnica Filme
Direção de fotografia: David Pacheco
Atriz: Tatiana Tiburcio
Atriz mirim: Alice Gastal
Ator mirim: Lucas Banhos
Pai do ator mirim: Gerson de Sousa
Produção: Manuela Duque
Edição: Sergio Mekler e Christiane Jatahy
Assistente de Direção: Lara Carmo
Assistente de Câmera: Bacco Andrade
Assistente de Edição : Mari Becker
Logger: Érica Rocha
Fotógrafo Still: Gui Maia
Assistente de produção: Miriam Balen
Produtor de Locação: Rodrigo Magalhães
Produção de Arte : Marina Lage
Técnico Som Direto : Paulo Ricardo Nunes
Técnico Som Direto: Vanilton Vampiro
Mixagem: Denílson Campos
Microfonista: Fabio
Eletricista: Marcelinho Pecis
Maquinista: Edison Mugica
Assistente de Maquinária: Rodrigo Tavares
Assistente de Elétrica: Cesinha
Assistente de Maquinária: Beto
Assistente de Maquinária: Rodrigo
Geradorista: Walk
Assistente de Figurino: Fernanda
Storyboard: Raphael Jesus
Locação: Anna Santos e João Santos
Equipamento de Elétrica e Maquinária: Maico Luz e Quanta
Equipamento de Elétrica: Air Star
Caixa Estanque: Fernando Young
Monitores: Breno Cunha
Dolly: Edison Mugica
Equipamento de Mergulho: X Divers – Rodrigo Figueiredo
Efeito de sangue: Maurício Bevilacqua
Gerador: Rondinelli Pinto
Rádios: Kleber Souza
Seguranças: Body Guard – Anderson
Catering: Set food – Nicolau Barbosa
Caminhão de Eletrica e Maquinária: Finizola – Claudia
Van de Camera e Som: Duda Lima
Van de Equipe: Jair Junior
Colorista: Fabrício Batista
Advogados: Renato Guimarães
Elenco de Apoio: Gerônimo de Sousa, Davi Santos, Jupiara Gomes, Sidnei de Oliveira, Talisson Anacleto, Michele Anacleto, Diego da Silva, Lucio Lopes, Nilda Anacleto, Lenilson de Sousa, Margarida Marques, Jucelina Gonçalves, Jairo Fernandes, Edilson Martins e Geraldo do Nascimento
Realização: Sesc
Co-Produção: Fábrica de Eventos e AXIS Produções

quinta-feira, 8 de março de 2012

Modéstia (RJ)

Foto: Ana Alexandrino


Bel Garcia e Gilberto Gawronski


Quando a moldura é mais importante que o quadro 

“Modéstia” é o espetáculo dirigido por Pedro Brício a partir do experimento dramatúrgico “La modestia”, escrito em 1998, pelo argentino Rafael Spregelburd (1970). O sucesso em várias capitais do mundo pode se justificar pelas propostas que motivaram a escrita da trama: a) atualizar para o teatro um dos sete pecados capitais contemporâneos (“La modestia” faz parte de uma heptologia inspirada pela pintura “A roda dos pecados capitais”, de Hieronymus Bosch, precedido por “La inapetencia” e “La extravagancia”, e seguido por “La frivolidad”, “La crueldad”, “La exageración” e “La estupidez”.); e b) através da linguagem cênica, discutir a questão da construção do sentido pela justaposição de objetos diferentes.

“Modéstia” apresenta duas histórias em 18 cenas, 9 para cada uma: na primeira, em Trieste, no início do século XX, um escritor sofre de tuberculose e é convencido pela esposa a trocar os direitos autorais de uma novela escrita por seu falecido sogro por tratamento médico. Um médico, que odeia a profissão, é quem propõe o acordo sem saber que, na verdade, o verdadeiro autor morreu sem deixar o texto finalizado. Doente, o escritor sofre ainda mais por não se sentir tão talentoso quanto gostariam que ele fosse. 

Na segunda história, em Buenos Aires, na época contemporânea, um advogado casado com uma mulher fascinada por seus vizinhos coreanos, se vê às voltas com sua vizinha e cliente, que quer se divorciar do marido, também amigo do advogado. Um jovem rapaz, amigo do advogado, aparece, e, de forma bem pouco clara, se envolve com a trama.

Nas palavras de Pedro Brício: “Montar esse quebra-cabeça é a aventura e o desafio para o espectador, mas um aviso: talvez, faltem algumas peças, e, talvez, as peças sejam de quebra-cabeças diferentes... [...] É uma peça sobre fronteiras: geográficas, de línguas, de raças, de blocos de apartamento, de linguagens, de gêneros teatrais. Uma peça sobre imigração, sobre estrangeiros, e de como podemos nos sentir estrangeiros dentro de nossa própria cidade – ou de nossa própria casa.”

Enfim, sendo sobre tantas coisas, “Modéstia” não passa ilesa ao perigo de ser sobre nada, a não ser um exercício experimental de linguagem: colagem de cenas desconexas, construção de cenas internamente também desconexas, justaposição de personagens sem clareza e muita confusão com ares de falsa contemporaneidade. 

Isabel Cavalcanti e Bel Garcia são as responsáveis pelos melhores momentos da peça
Boa parte dos méritos da produção são de Pedro Brício: o bom trabalho do elenco, a interessante trilha sonora e o afinado trabalho de iluminação. É visível, em Fernando Alves Pinto, a troca de personagens: numa história, ele é o doente escritor; noutra, ele é o jovem perdido (?). Uma vez que é cerne para a montagem a brusca modificação, reproduzindo o efeito do zapping, a mudança de tonos é fundamental. Por isso, seu trabalho em cena pode e deve ser elogiado.

Em Gilberto Gawronski, a identificação das mudanças não é tão fácil e é possível pensar que isso se dá em função dos personagens que lhe foram indicados: o médico na primeira história, o advogado na segunda. Mesmo assim, mudanças sutis de voz, um preciosismo do trabalho de interpretação, não deixam o público se perder.

Isabel Cavalcanti (mulher do escritor/mulher do advogado) e Bel Garcia (mulher do médico/cliente) são as responsáveis pelos melhores momentos de “Modéstia”. O peso do drama realista a la Tchekhov em paralelo ao vaudeville francês deixa ver nelas grandes trabalhos de interpretação: os diálogos têm força quando precisam ter e são leves quando precisam ser. Lentidão versus agilidade, introspecção versus comicidade, em todos esses elementos, o trabalho de ambas é admirável. 

Valorosas contribuições da iluminação de Tomás Ribas e da trilha sonora original de Domenico Lancellotti
Com dois ambientes, o cenário de Bia Junqueira não vence o desafio de ser “comum de dois”. Todo em madeira, incluindo as mesas e cadeiras, o sofá bege, as janelas sem cortina e as prateleiras, em nada ele lembra um frio cenário europeu do início século passado, embora seja adequado às cenas da história contemporânea. Os tons escolhidos, além disso, se perdem em meio aos escolhidos por Antônio Guedes ao definir a palheta de cores dos figurinos. De amarelo a verde, passando pelo bege, tudo se mistura prejudicialmente. Assim, toda a responsabilidade visual das mudanças essenciais à dramaturgia cênica pairam sobre as valorosas contribuições da iluminação de Tomás Ribas e da trilha sonora original de Domenico Lancellotti. Com esforço, as mudanças de luz e os movimentos musicais diversos garantem o apoio que o elenco e a direção necessitam para viabializar as histórias e, principalmente, a mudança delas. 

Mais importante do que as histórias, a alternância entre elas é o que deve observar o espectador de “Modéstia”. Embora a análise reconheça os méritos do quadro é impossível não dizer que, nesse caso, valorizar a moldura é fundamental. Infelizmente. 

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Ficha Técnica
Texto: Rafael Spregelburd
Tradução: Pedro Brício, Isabel Cavalcanti e Letícia Isnard
Direção: Pedro Brício
Elenco: Bel Garcia, Fernando Alves Pinto, Gilberto Gawronski e Isabel Cavalcanti
Iluminação: Tomás Ribas
Cenário: Bia Junqueira
Figurino: Antonio Guedes
Direção de movimento: Cristina Moura
Trilha Sonora Original: Domenico Lancellotti
Fotos: Ana Alexandrino
Produção executiva: Arilson Lucas e Lia Sarno
Direção de produção: Carla Mullulo
Administração: Carla Mullulo
Apoio: Centro Cultural dos Correios
Patrocínio: Ministério da Cultura, Correios, Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro e Secretaria Municipal de Cultura (FATE)