segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Labirinto (RJ)

Foto: Guga Melgar

Labirinto

Labirinto é um espetáculo que reúne três textos de José Joaquim de Campos Leão, mais conhecido como Qorpo Santo (Triunfo, 1829 – Porto Alegre, 1883): As relações naturais, A separação de dois esposos eHoje sou um, amanhã outro, todos escritos no ano de 1866. Nos anos 60 do século XX, a obra desse obscuro dramaturgo gaúcho, que até então havia sido esquecida, foi redescoberta e republicada. Desde esse período, teóricos respeitados da crítica literária e artística lêem os textos teatrais de Qorpo Santo a partir da ótica do “Teatro do Absurdo”, gênero que começou a ser organizado enquanto categoria consequente de características comuns aparecidas nas obras de Ionesco e alguns outros autores europeus a partir dos anos 50. O vértice está em um ponto de observação do mundo como se quem o olhasse não estivesse nele. Nesse sentido, os acontecimentos fogem do sistema causa-consequência, não possuem uma lógica aparente e parecem, por tudo isso, absurdos. Qorpo Santo, porque viveu no Rio Grande do Sul na metade do século XIX, é tido como um precursor dessas ideias, um visionário. Labirinto só poderia ganhar uma avaliação bastante positiva quando analisado a partir dessas fontes.

Moacir Chaves, que já dirigiu, entre várias outras peças, Esperando Godot, de Samuel Beckett, outro autor considerado representante do mesmo gênero de Ionesco, não se privou de produzir um espetáculo que manifestasse concretamente essas características em outras obras encontradas. O resultado é uma comédia brilhante na mesma medida que simples e despretensiosa: quando uma obra se atualiza ao natural, a fruição é, antes de tudo, bastante proveitosa.

No palco, cadeiras e mesas dispostas sem oferecer ao público chance de identificar uma possível lógica. Na mesma direção, os atores entram trajando figurinos e penteados marcadamente dos anos 60 do século XX. Nos primeiros momentos de cada uma das três peças, a apresentação dos personagens se dá acompanhada do título do texto em questão e os atores que interpretam os personagens levantam o braço quando suas figuras são chamadas. Ao espectador, fica claro que vários atores interpretarão, ao mesmo tempo, os vários personagens. De início, assim como no cenário e no figurino, a encenação não terá uma lógica narrativa tradicional. O “Teatro do Absurdo” começa a ganhar mais uma atualização desde os primeiros minutos de Labirinto. Chaves mantém valorosamente a intenção apresentada durante todo o percurso da representação, o que é excelente, concluindo cada ato com o nome do autor e a data da escritura.

Rubricas e diálogos são ditos como se fossem lidos, como se fossem gritados, como se fossem monocordes, como se fossem outra coisa que não rubricas e diálogos. Assim, os signos paralinguísticos não concordam com os verbais, ou seja, a coerência manifestada na manutenção da incoerência é característica de Labirinto, esse apenas um exemplo de como se organiza a sua convergência. Em raros momentos, os personagens se consolidam, as figuras se estruturam e nos deixam pensar nas influências que Qorpo Santo “sofria” em um período literariamente romântico e teatralmente operístico. (O Theatro São Pedro foi fundado em julho de 1858, 8 anos antes da escritura das três referidas peças). Mas a encenação de Chaves “resolve” essa questão na medida em que divide os personagens entre diversos atores, múltiplas intenções, funções actanciais diferentes.

No elenco, destacam-se Danielle Martins de Farias e Andy Gercker pela forte presença cênica: olhares precisos, tonalidade explorada expressa, movimentos bem marcados. Também, a beleza sutil da voz de Adriana Seiffert que, talvez irônica, enriquece a encenação no seu discreto número musical. Não há, é preciso que se chame a atenção para esse aspecto, momentos ruins no trabalho de interpretação dos atores, o que, além deles, garante mérito ao diretor e à produção como um todo.

Antes de concluir a análise, convido os leitores para dois passeios. 1) Fotos de Gladis Maia do estado de abandono da Casa de Qorpo Santo, em Taquari-RS, exata oposição à homenagem prestada pelo grupo carioca dirigido por Chaves a um dos maiores dramaturgos brasileiros; 2) As loucuras de Qorpo Santo, vídeo produzido em 2003, documentário parte da série Histórias Extraordinárias, da RBS TV, com roteiro e direção de Hique Montanari.

* Texto escrito em setembro de 2011 por ocasião do 18º Porto Alegre em Cena.

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