Foto: divulgação
There is no place like home
Acho que foi num desenho do Bob Esponja que eu ouvi a seguinte frase: “a casa da gente é onde nós nos sentimos confortáveis, queridos, parte.” Algo assim... Estou há um ano como aluno da Ufrgs e há quase isso sem andar pelo campus da Unisinos depois de dez anos lá. Ainda não me sinto em casa. Não sei os nomes dos setores, demoro para me movimentar no site, não reconheço as siglas. Me sinto perdido, lento, um corpo estranho. E culpado por não saber coisas óbvias, dependente por sempre precisar de novas informações, improdutivo por não ser como I used to be.
Sempre que eu vou ao teatro no Rio de Janeiro, noto como não é estar em casa. O teatro carioca tem outro cheiro. Não estou falando das peças, mas do “ir ao teatro”, que é o que eu faço: sair de casa, entrar na sala, ver a peça, sair do teatro e voltar pra casa. Aqui quase sempre vou e volto a pé ao teatro e, na maioria das vezes, vou sozinho. Lá não lembro de ter ido a pé e sozinho foram pouquíssimas vezes. Depois da peça, casa. Ou, no máximo, uma bebidinha na Rua da República. Lá, sempre tem uma janta depois com todas as formalidades de um programa cultural chegando ao seu fim. Simplesmente não lembro de ter ido num espetáculo com meia casa: as plateias sempre são cheias. Quando começa a beirar os 60% de lotação, tenho a impressão de que a peça sai de cartaz. Em Porto Alegre, não se vê mais cancelarem espetáculos por falta de público, mas lotação máxima ainda é raro. A programação do Rio é essencialmente composta por stand up comedies e monólogos. Há uma pequena parcela de comédias e uma quase inexistente participação de peças clássicas ou com conteúdo mais denso. Teatro pós-dramático nem pensar. Espetáculo de dança contemporânea acho que nunca nem ouvi falar lá. Em Porto Alegre, uma diretora me comentou que um dos seus atores de um espetáculo bem famoso e lucrativo da capital pediu para seu nome ser excluído da divulgação porque isso estava “queimando seu filme” no outro grupo que “faz teatro de verdade”, seja lá o que for isso. Aqui há uma maravilhosa safra de espetáculos de dança, os grupos mais jovens fazem pesquisa teatral de um jeito inteligentíssimo, os clássicos dominam a cena e, em 2009, houve duas estreias de monólogos, nenhum dos dois com uma procura de público avassaladora. O Teatro de Rua aqui é fortíssimo, os musicais são menos grandiosos, e o Teatro Infantil tem o mesmo valor no currículo da classe que as peças adultas. Então, estando cada um no seu quadrado, os dois lugares de produção teatral têm o seu valor, mas são valores diferentes. Odores culturais diferentes. Cada casa com o seu morador.
Eis que, no Rio, me vejo assistindo a uma peça carioca que cheira Porto Alegre.
“Agreste Malvarosa”, cujo sotaque é nordestino, ou seja, nem carioca, nem gaúcho, me deixou com os olhos marejados do início do fim. As cadeiras não eram confortáveis, o público era composto por, no máximo, cinqüenta pessoas, a trilha era executada ao vivo e o músico, figurinado, estava no palco junto com as duas únicas atrizes. O trabalho corporal de Millene Ramalho e Rita Elmôr deixa ver a técnica sem que isso atrapalhe na contagem da história, realçando a força do texto, a profundidade da situação. Ana Teixeira e Stephane Brodt, do Amok Teatro, grupo paulista já conhecido em Porto Alegre, assinam a direção desse texto de Newton Moreno e musicado por Beto Lemos, apenas alguns nomes de uma ficha técnica que dá vontade de elogiar inteiramente. E faço: fazer chorar no teatro é muito mais difícil do que no cinema. O ator de prata não ouve a gente soluçar e a sala é muito mais escura e impessoal. O ator de carne e energia presente vive com a gente no mesmo espaço e o lugar, como é bem típico, não tem nada de impessoal. As cadeiras onde nos sentamos concordam com a dureza da história. As paredes do cenário avançam sobre a platéia. O público não assiste. O público presencia, participa, testemunha.
Uma mulher foge pela cerca para casar com seu namorado. Passam-se 22 anos e nenhum filho apareceu, mas nem ela, nem ele sentiram falta disso. Ele morre e ela não consegue vesti-lo porque nunca viu o marido nu e não quer a primeira vez. Então, as vestideiras descobrem o que a viúva não sabia: seu marido era uma mulher.
A dureza da simplicidade, do nada a não ser o abençoado dia seguinte da existência. A relação que nos segura na cadeira como a caatinga no sertão: sem folhas, sem vento, sem água, mas com vida.
Teatro do Jockey Club do Rio. Sem escada rolante, sem cafeteria, sem ar condicionado na sala de espera, começando atrasado, sem atores globais nem no palco nem no programa, sem lugares marcados, sem pano de boca, sem risadas. Me vi em Porto Alegre, me vi no Porto Alegre em Cena, me vi vendo uma peça do Roberto Oliveira. E me deu saudades de casa, dos amigos, das poltronas do Teatro de Câmara, da Carlos Carvalho sempre diferente, dos nomes já conhecidos e admirados, da biblioteca e do gramado florido do campus de São Leopoldo, do Uncle Henry e Aunt Em.
Então, era só bater os sapatinhos vermelhos e fazer o check-in. As férias tinham terminado. E era por aqui que eu chegava lá.
*
There is no place like home
Acho que foi num desenho do Bob Esponja que eu ouvi a seguinte frase: “a casa da gente é onde nós nos sentimos confortáveis, queridos, parte.” Algo assim... Estou há um ano como aluno da Ufrgs e há quase isso sem andar pelo campus da Unisinos depois de dez anos lá. Ainda não me sinto em casa. Não sei os nomes dos setores, demoro para me movimentar no site, não reconheço as siglas. Me sinto perdido, lento, um corpo estranho. E culpado por não saber coisas óbvias, dependente por sempre precisar de novas informações, improdutivo por não ser como I used to be.
Sempre que eu vou ao teatro no Rio de Janeiro, noto como não é estar em casa. O teatro carioca tem outro cheiro. Não estou falando das peças, mas do “ir ao teatro”, que é o que eu faço: sair de casa, entrar na sala, ver a peça, sair do teatro e voltar pra casa. Aqui quase sempre vou e volto a pé ao teatro e, na maioria das vezes, vou sozinho. Lá não lembro de ter ido a pé e sozinho foram pouquíssimas vezes. Depois da peça, casa. Ou, no máximo, uma bebidinha na Rua da República. Lá, sempre tem uma janta depois com todas as formalidades de um programa cultural chegando ao seu fim. Simplesmente não lembro de ter ido num espetáculo com meia casa: as plateias sempre são cheias. Quando começa a beirar os 60% de lotação, tenho a impressão de que a peça sai de cartaz. Em Porto Alegre, não se vê mais cancelarem espetáculos por falta de público, mas lotação máxima ainda é raro. A programação do Rio é essencialmente composta por stand up comedies e monólogos. Há uma pequena parcela de comédias e uma quase inexistente participação de peças clássicas ou com conteúdo mais denso. Teatro pós-dramático nem pensar. Espetáculo de dança contemporânea acho que nunca nem ouvi falar lá. Em Porto Alegre, uma diretora me comentou que um dos seus atores de um espetáculo bem famoso e lucrativo da capital pediu para seu nome ser excluído da divulgação porque isso estava “queimando seu filme” no outro grupo que “faz teatro de verdade”, seja lá o que for isso. Aqui há uma maravilhosa safra de espetáculos de dança, os grupos mais jovens fazem pesquisa teatral de um jeito inteligentíssimo, os clássicos dominam a cena e, em 2009, houve duas estreias de monólogos, nenhum dos dois com uma procura de público avassaladora. O Teatro de Rua aqui é fortíssimo, os musicais são menos grandiosos, e o Teatro Infantil tem o mesmo valor no currículo da classe que as peças adultas. Então, estando cada um no seu quadrado, os dois lugares de produção teatral têm o seu valor, mas são valores diferentes. Odores culturais diferentes. Cada casa com o seu morador.
Eis que, no Rio, me vejo assistindo a uma peça carioca que cheira Porto Alegre.
“Agreste Malvarosa”, cujo sotaque é nordestino, ou seja, nem carioca, nem gaúcho, me deixou com os olhos marejados do início do fim. As cadeiras não eram confortáveis, o público era composto por, no máximo, cinqüenta pessoas, a trilha era executada ao vivo e o músico, figurinado, estava no palco junto com as duas únicas atrizes. O trabalho corporal de Millene Ramalho e Rita Elmôr deixa ver a técnica sem que isso atrapalhe na contagem da história, realçando a força do texto, a profundidade da situação. Ana Teixeira e Stephane Brodt, do Amok Teatro, grupo paulista já conhecido em Porto Alegre, assinam a direção desse texto de Newton Moreno e musicado por Beto Lemos, apenas alguns nomes de uma ficha técnica que dá vontade de elogiar inteiramente. E faço: fazer chorar no teatro é muito mais difícil do que no cinema. O ator de prata não ouve a gente soluçar e a sala é muito mais escura e impessoal. O ator de carne e energia presente vive com a gente no mesmo espaço e o lugar, como é bem típico, não tem nada de impessoal. As cadeiras onde nos sentamos concordam com a dureza da história. As paredes do cenário avançam sobre a platéia. O público não assiste. O público presencia, participa, testemunha.
Uma mulher foge pela cerca para casar com seu namorado. Passam-se 22 anos e nenhum filho apareceu, mas nem ela, nem ele sentiram falta disso. Ele morre e ela não consegue vesti-lo porque nunca viu o marido nu e não quer a primeira vez. Então, as vestideiras descobrem o que a viúva não sabia: seu marido era uma mulher.
A dureza da simplicidade, do nada a não ser o abençoado dia seguinte da existência. A relação que nos segura na cadeira como a caatinga no sertão: sem folhas, sem vento, sem água, mas com vida.
Teatro do Jockey Club do Rio. Sem escada rolante, sem cafeteria, sem ar condicionado na sala de espera, começando atrasado, sem atores globais nem no palco nem no programa, sem lugares marcados, sem pano de boca, sem risadas. Me vi em Porto Alegre, me vi no Porto Alegre em Cena, me vi vendo uma peça do Roberto Oliveira. E me deu saudades de casa, dos amigos, das poltronas do Teatro de Câmara, da Carlos Carvalho sempre diferente, dos nomes já conhecidos e admirados, da biblioteca e do gramado florido do campus de São Leopoldo, do Uncle Henry e Aunt Em.
Então, era só bater os sapatinhos vermelhos e fazer o check-in. As férias tinham terminado. E era por aqui que eu chegava lá.
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FICHA TÉCNICA
Autor: Newton Moreno
Direção: Ana Teixeira e Stephane Brodt
Elenco: Millene Ramalho e Rita Elmôr
Música (criação e interpretação): Beto Lemos
Cenografia e Figurinos: Stephane Brodt
Iluminação: Renato Machado
Realização: Millene Ramalho e Galharufa Produções
Idealização do projeto: Millene Ramalho
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