quarta-feira, 27 de abril de 2016

Mulheres à beira de um ataque de nervos (SP)

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Foto: divulgação 

Helga Nemeczyk e Marisa Orth

Morno

O musical “Mulheres à beira de um ataque de nervos” é a versão para teatro do filme homônimo de Pedro Almodóvar. Com texto de Jeffrey Lane e músicas de David Yazbek, a montagem brasileira é assinada por Miguel Falabella, que também dirige a produção. Há poucas alterações da tela para o palco e das produções originais da Broadway e de Londres para o Brasil, mas a narrativa continua sendo sobre como as mulheres podem ser enlouquecidas pelos homens. O texto é interessante, o cenário de J. C. Serroni e o videografismo de Rico e de Renato Vilarouca são ótimos, o figurino de Fábio Namatame é excelente. Mas a direção imprime às interpretações um tom morno que fica aquém das potencialidades da dramaturgia, dos personagens e da estética do cineasta espanhol. Helga Nemeczyk e Ivan Parente se destacam no elenco que tem também Marisa Orth, Erika Riba e grande elenco. A temporada carioca vai até 8 de maio no Teatro Oi Casa Grande no Leblon. 

Para Almodóvar, é bom amar e viver em Madrid 
Madrid, 1987. Para vencer a insônia após ser abandonada pelo namorado e colega de trabalho Ivan (Juan Alba), a atriz Pepa (Marisa Orth) toma uma dose considerável de Valium. Seu dia seguinte começa mal: ela chega atrasada ao trabalho, onde não consegue falar com o ex, e de lá parte para o consultório de um médico que informa sobre sua gravidez. Em outra região da cidade, Lúcia (Erika Riba), a ex-mulher de Ivan, se prepara para uma audiência contra o seu ex-marido. Ela o está processando por ter gasto dezenove anos de sua juventude em uma clínica a fim de esquecê-lo (sem sucesso). Enquanto isso, a modelo Candela (Helga Nemeczyk), a melhor amiga de Pepa, descobre que dormiu com um terrorista perigoso e por isso pode ser procurada pela polícia. Há ainda a equilibrada Marisa (Carla Vazquez) que, decidida a manter firme as rédeas dos seus sentimentos, procura um apartamento para morar com seu futuro marido, que talvez não lhe faça tão feliz (nem triste). 

Com cores berrantes, emoções à flor da pele, calmantes e tentativas de suicídio, Pedro Almodóvar pauta o poder do amor como vilão no processo de manutenção da sanidade das mulheres. E, ao mesmo tempo, como a marca mais potente de sua feminilidade. No roteiro de “Mujeres al borde de un ataque de nervios”, que foi indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, aparecem de modo relevante três homens: Ivan, seu filho Carlos (Daniel Torres) e um taxista (Ivan Parente). Para os três, as relações afetivas não lhe envolvem totalmente. São românticos, delicados até, mas seus sentimentos não têm o poder de lhes fazer perder a cabeça. O cineasta não os critica, nem defende tampouco as mulheres, mas o filme faz um retrato engraçado das vidas em ebulição. Melhor do que isso, a cena final faz um convite ao amor apesar de toda a bagunça que ele provoca. Para Almodóvar, amar, assim como viver em Madrid, por pior que seja, é sempre bom! 

A versão musical de “Mulheres à beira de um ataque de nervos” não foi bem recebida pelo público nem em Nova Iorque, nem em Londres, embora tenha despertado a atenção da crítica e dos jurados dos prêmios. Nos Estados Unidos, ela recebeu três indicações (Melhor Música e Melhor Atriz Coadjuvante para Patti LuPone e para Laura Benanti) ao Tony Award em 2011, ano em que “The book of Mormon” ganhou quatorze indicações e nove troféus. Tendo estreado no fim de 2010, fez menos de setenta apresentações e saiu de cartaz: um fracasso retumbante. Na Inglaterra, a montagem recebeu duas indicações ao Oliver pela temporada de janeiro a maio de 2015. David Yazbek, autor das músicas e das letras originais, é o mesmo autor do ótimo “Ou tudo ou nada – O musical”, cuja versão brasileira está em cartaz em São Paulo. 

Em entrevistas, Miguel Falabella justifica a produção nacional de espetáculo mal avaliado no exterior, apostando nos modos de acesso da cultura brasileira à estética de Pedro Almodóvar. O que ele diz faz sentido, mas estranhamente não é o que se vê no palco. Sua direção não revela mulheres à beira de um ataque de nervos, mas ligeiramente nervosas em alguns momentos com uma única exceção positiva: Helga Nemeczyk. A opção reduz as potencialidades de toda a excelência que a versão brasileira tinha pra ser. É uma pena! 

Encenação morna 
Não há grandes canções, mas, no primeiro ato, “Madrid” e “Model Behavior” se destacam enquanto, “Yesterday, Tomorrow and Today” na segunda parte no âmbito da direção musical de André Cortada. São ótimos o cenário de J. C. Serroni, e sua articulação nas trocas de cenas, assim como a iluminação de Drika Matheus e a colaboração vibrante do videografismo e projeções de Rico e de Renato Vilarouca. Os figurinos de Fábio Namatame com visagismo de Dicko Lorenzo trazem pujança ao todo. Esses elementos estéticos e o modo como são usados sugerem a vida que as interpretações deixam de ter no quadro geral. Em outras palavras, a encenação morna não acompanha o visual quente da montagem. 

Erika Riba (substituindo Stella Miranda como Lucia), Bruna Pazinato (substituindo Erika Riba como a personagem Paulina), Carla Vazquez (Marisa) e Daniel Torres (Carlos) têm performances comportadas, sem desméritos nem brilhos. Juan Alba (Ivan) é favorecido pelo ótimo personagem em atuação sem desafio aparente. Marisa Orth (Pepa) apresenta a protagonista como um mero produto da dramaturgia, sem nenhuma opinião que lhe destaque para além do que lhe oferece o figurino e a trilha sonora. Helga Nemeczyk (Candela) parece que agarra as boas oportunidades e as transforma em melhores, fazendo das cenas menores relevante participação. No elenco ainda, Clara Verdier, Giovana Zotti, Nay Fernandes Tassia Cabanas, Arízio Magalhães, Betto Marque, Carlos Leça, Frank Tavantti, Kiko do Valle e Oscar Fabião colaboram positivamente no âmbito da defesa das canções e da discreta coreografia de Fernanda Chamma. 

Esperava-se mais de “Mulheres à beira de um ataque de nervos” que não chega a ser frustrante, mas está longe de ser um ponto alto desse outono carioca. 

*

Ficha Técnica:
Texto original: Jeffrey Lane
Música e letras originais: David Yazbek
Versão Brasileira e Direção: Miguel Falabella
Direção Musical: André Cortada
Direção de Movimento: Fernanda Chamma
Produção Geral: Sandro Chaim
Cenografia: J.C. Serroni
Figurino: Fábio Namatame
Visagismo: Dicko Lorenzo
Designer de Luz: Drika Matheus
Designer de Som: Gabriel D´Angelo
Videografismo e Projeções: Rico Vilarouca e Renato Vilarouca
Vídeos de Cena: Luciana Ferraz e Otavio Juliano

Elenco: Marisa Orth, Stella Miranda, Juan Alba, Helga Nemeczyk, Daniel Torres, Ivan Parente, Erika Riba, Carla Vazquez, Bruna Pazinato, Clara Verdier, Giovana Zotti, Nay Fernandes Tassia Cabanas, Arízio Magalhães, Betto Marque, Carlos Leça, Frank Tavantti, Kiko do Valle, Oscar Fabião.

Apresentador por: Ministério da Cultura, Governo do Estado de São Paulo e Banco Santander
Patrocínio: Lei de Incentivo à Cultura, Proac SP e Sulamérica
Transportadora Oficial: Avianca
Realização: Quote Produções, Chaim Produções Espaço Bela Vista, Governo do Estado de São Paulo, Ministério da Cultura e Governo Federal do Brasil - Pátria Educadora.

Atendimento à Imprensa: Ju Mattoni Comunicação

segunda-feira, 25 de abril de 2016

Roleta-russa (SP)

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Foto: divulgação

Elenco em cena
Ótima versão para teatro do romance de Raphael Montes

Considerado uma das maiores surpresas no teatro paulista no fim de 2015, a peça "Roleta-russa" faz sua última apresentação no Rio de Janeiro na próxima quinta-feira, dia 28 de abril. Trata-se da adaptação para teatro do celebrado romance policial "Suicidas", escrito por Raphael Montes, em cartaz no Theatro Net Rio, em Copacabana. A obra, já traduzida para mais de dez idiomas, foi publicada pela Editora Saraiva/Benvirá e ganhou, entre outros prêmios, o Machado de Assis de 2012. Na história, nove jovens se reúnem no porão de casa de um deles para um suicídio coletivo por meio do jogo roleta-russa. Adaptado e dirigido por César Baptista, o espetáculo tem vários méritos, com destaque para um positivo conjunto de atuações e um excelente desenho de luz de Luiz Antônio Farina.

Sucesso editorial de Raphael Montes
Pouco se sabe sobre a origem do jogo mortal roleta russa, mas é muito provável que sua popularização atribuída aos russos tenha sido sobremaneira um reflexo da Guerra Fria. Uma bala é colocada no tambor de um revolver e os jogadores apontam a arma para a própria cabeça, disparando o gatilho e colocando a sobrevivência nas mãos da sorte. A prática é muito mais um reflexo de uma visão pessimista de futuro, em contexto no qual a vida não tem valor algum, do que uma tola demonstração de coragem e uma sádica experiência sadomasoquista. O romance de Raphael Montes, cuja história se passa no Brasil contemporâneo, denuncia essa terrível realidade.

É uma obra de ficção, mas coberta de fatos verossímeis cujas relações com a realidade são constantemente recuperadas. Na narrativa da versão teatral assinada por César Baptista, de um lado, temos o encontro de cinco mães com a delegada que investiga o caso um ano depois dele ter acontecido. De outro, o relato do personagem Ale (Dan Rosseto), que supostamente foi escrito ao longo da noite em que ele e mais oito jovens morreram. Faltam informações precisas acerca do que de fato ocorreu, mas parte-se do princípio de que havia um contexto mais complexo do que inicialmente se imagina para a participação dos envolvidos. Assim como os leitores do livro, a plateia do espetáculo atende ao convite de voltar no tempo e tentar descobrir alguns dos segredos daquela noite.

Todos os personagens têm em torno de vinte anos. Ale é um jovem escritor que tenta publicar seu primeiro romance. Ele aceita participar da roleta russa porque acredita que seu suicídio lhe conferirá na morte o reconhecimento que não teve em vida. Zak (Helio Souto) é quem propõe o jogo aos amigos. Seus pais supostamente acabaram de morrer em um acidente e talvez o tédio seja o que o levou até sua última noite. Otto (Diogo Pasquim) e Waléria (Virgínia Castellões) estão presos a Zak por segredos que serão revelados. Dan (Emerson Grotti), admirador incondicional de Zak, é mental e fisicamente limitado. Os irmãos Maria João (Lorrana Mousinho) e Lucas (Gabriel Chadan) tocam na banda que Zak lidera. Ritinha (Maria Dornelas) e Noel (Felipe Palhares) são amigos do grupo. O jogo acontece no porão da casa de Zak em uma noite regada à bebida, a drogas e às balas de uma Magnum 608. A porta foi fechada e a chave desapareceu.

O livro de Raphael Montes é um sucesso editorial e a versão teatral tem recebido elogios. A adaptação parece ter conservado o clima do romance: sangue, álcool, sexo, dinheiro e pólvora. A transformação de quase quinhentas páginas para cem minutos de encenação obviamente modifica algumas questões. O leitor convive com os personagens por tempo mais elástico para fruir suas vozes. O espectador da peça, menos envolvido pela imaginação e muito mais pela sensorialidade tem outros desafios. Por vezes, a verborragia constante de Ale, interpretado monotonamente por Dan Rosseto, fica cansativa. O jogo de viabilização das cenas em que os tiros sairão da arma fica, em alguns momentos, previsível. Essas duas questões, ainda que tirem "Roleta-russa" do lugar de excelência, não tiram seus méritos mais importantes que saúdam a produção bem vinda à capital carioca.

Ótima direção de César Baptista
A direção de César Baptista é ótima. Os atores, de um modo geral, apresentam trabalhos regularmente comprometidos com a encenação, em atuações fortes e seguras. Os gestos são limpos, os quadros bem marcados e cheios de potência, a movimentação envolvente. O figurino de Rodrigo Reinoso qualifica o trabalho, dando a ver os personagens e os seus universos particulares de modo eficiente. O cenário de J. Newton Nori participa dos quadros de modo equilibrado dentro da proposta. A trilha sonora do diretor marca o momento atual e colabora na situação da narrativa. A iluminação de Luiz Antônio Faria encontra lugar para alguma poética possível dentro do roteiro policial sobre o qual Montes tem seu sucesso aplaudido.

Quanto às interpretações, a participação das vozes de Adriana Alencar, Amazyles de Almeida, Magali Haddad, Nara Chaib, Paula Lopez e Vera Monteiro, como a delegada e as mães, é o ponto mais sensível da montagem. Limpos e frios demais, esses momentos apenas ouvidos distanciam "Roleta-russa" de sua verossimilhança, trazendo enormes desafios à fruição da peça. Sendo mais claro, mães cujos filhos morreram em uma situação como a inicialmente narrada jamais se comportariam diante do único registro de seus últimos momentos de maneira tão banal como o exposto.

Linear demais, Dan Rosseto (Ale) poucas vezes vence o imenso desafio de seu verborrágico personagem-narrador. As expressões faciais de Helio Souto (Zak) são raramente tão intensas como positivamente são seus gestos, movimentos e nível da voz. Felipe Palhares (Noel), Lorrana Mousinho (Maria João) e Maria Dornelas (Ritinha) sustentam regular tom interpretativo alto, o que é confortável e pouco desafiador. Virgínia Castellões (Waléria), Diogo Pasquim (Otto) e principalmente Emerson Grotti (Dan) aproveitam bastante bem as oportunidades, garantindo boas doses de ironia, balanço rítmico e de profundidade poética às figuras que interpretam.

Aplausos!
O consumo vazio de reviravoltas narrativas de uma história policial merece poucos aplausos quando sua forma serve apenas ao tolo entretenimento. Esse parece não ser o caso de "Suicidas", e certamente não é o de "Roleta-russa". Há nesse segundo pontual reflexão sobre para aonde está indo nossa sociedade, essa cujos valores tem sua avaliação sugerida em sua narrativa. A iniciativa merece ser valorizada! Que venham outras temporadas!

*

FICHA TÉCNICA:
Texto: Raphael Montes
Adaptação e direção: César Baptista
Elenco: Dan Rosseto, (ALE) Diogo Pasquim (OTTO), Emerson Grotti (DAN) Felipe Palhares (NOEL), Gabriel Chadan (LUCAS), Helio Souto (ZAK), Lorrana Mousinho (Maria João), Maria Dornelas (RITINHA) e Virgínia Castellões (WALÉRIA).
Figurinos: Rodrigo Reinoso
Trilha sonora: César Baptista
Iluminador: Luiz Antônio Faria
Cenotécnico: J. Newton Nori
Operador de Som: Arno Afonso Friederich Sausen
Operador de Luz: Jorge Leal
Direção de produção: Helio Souto e Virgínia Castellões
Produção Executiva: Maria Dornelas e Felipe Palhares
Fotos: José Luiz da França Neto
Assessoria de Imprensa: Fabio Camara e Minas de Ideias

sexta-feira, 22 de abril de 2016

Camarão azul (RJ)

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Foto: divulgação

Nelson Yabeta e Zeca Richa

Boas intenções desarticuladas

“Camarão azul” termina sua segunda temporada no próximo domingo, dia 24 de abril. Com vários problemas, a peça tem texto, direção e trilha sonora de Rogério Blat em que tentam se salvar as boas interpretações de Nelson Yabeta e de Zeca Richa. Com interesse em discutir uma série de questões filosóficas de física quântica à fenomenologia, passando pelas relações contemporâneas, o espetáculo tem concepção estética confusa e resultado bastante negativo. O pior é a iluminação de Tiago e de Fernanda Mantovani que agride os olhos do espectador principalmente na parte final da encenação. Depois da temporada no Sesc Tijuca, a peça está desde o início de março no Parque das Ruínas, em Santa Teresa, no Rio de Janeiro.

Nem teatro para crianças, nem ficção científica
Na primeira parte do texto de Rogério Blat, dois astronautas estão no espaço desempenhando uma missão em nome do governo. Um deles (Nelson Yabeta) é um oficial experiente que coloca o patriotismo acima de tudo apesar de revelar valores morais pouco nobres. O outro (Zeca Richa) é um físico que está em sua primeira viagem além da Terra. Sua tese está sendo analisada e ela pode auxiliar o governo em projeto de seu interesse. A história começa quando uma conversa despretensiosa entre os dois acaba por ressaltar suas diferenças. Uma briga inicia e as intervenções da base, que observa os dois viajantes, começam a ficar mais tensas.

Na segunda e terceira parte do espetáculo, a situação inicial é desmascarada. O espectador fica sabendo qual é o contexto real do encontro entre os dois personagens, ganha novas chances de reavaliá-los e conhece o desenlace da narrativa. A direção de Rogério Blat sobre seu próprio texto, porém, não percorreu os melhores caminhos de valorização da dramaturgia. A peça não revela reflexão suficiente sobre as bases estéticas que nortearam sua concepção.

Uma peça sobre uma viagem espacial ou é teatro para crianças ou é alguma narrativa relacionada à ficção científica. Os dois caminhos têm referências estéticas já bastante solidificadas no imaginário. No Brasil, todo o repertório cultural que trata do assunto “viagens espaciais” remete aos filmes de Hollywood e à NASA (Quase ninguém ouviu falar da AEB – Agência Espacial Brasileira). O primeiro é uma indústria de ficção dos Estados Unidos e o outro é um órgão do governo americano responsável pela administração de projetos de exploração espacial.

Um emaranhado de objetos de plástico de baixa qualidade e luzes de LED de lixo tecnológico (expressão utilizada na divulgação da peça) não tem poder suficiente para construir um realismo capaz de levar o espectador ao fantástico. Desde o início, os diálogos de “Camarão Azul” revelam que também não se trata de teatro para crianças. Ou seja, todas as marcas visuais (os signos estéticos: as cores, as formas, as texturas, a relação disso tudo com o além de peça, etc) do espetáculo entram em conflito negativamente com o texto. Do início ao fim, paira uma impressão negativa: a de que se está vendo um espetáculo enjambrado.

Boas atuações naufragam em contexto insólito
A luz de Tiago e de Fernanda Mantovani piora o resultado estético do espetáculo sobretudo porque suas reais intenções se mostram duvidosas. A divulgação da peça fala em minimalismo e em desconforto a fim de exibir um comportamento mais ativo do público durante a fruição. Mas, no palco, a escuridão mais parece um meio de esconder as deficiências do cenário. Tudo fica ainda mais difícil quando luzes potentes piscam completamente viradas para o público (e não para o palco), turvando seu olhar durante um longo tempo. Aí “Camarão Azul” parece buscar subterfúgios teóricos para justificar suas falhas, gesto pouco respeitoso porque descaracteriza a inteligência da audiência.

As interpretações de Nelson Yabeta e de Zeca Richa sofrem diante de contexto tão insólito. Os dois atores dizem bem o texto, buscam clarear as intenções de suas falas, defendem bem seus personagens em cada quadro da narrativa. O problema é que eles são vistos em meio a todo o resto e seus esforços não são o bastante para dar conta de tudo. É uma pena.

“Camarão Azul” pode ser um conjunto de boas intenções que não se articulam em um quadro que as valorize. Falta um olhar sobre o todo da obra que esteja sensível ao processo de construção do seu sentido. A refletir!

*

Ficha técnica:
Dramaturgia e Direção: Rogério Blat
Elenco: Zeca Richa e Nelson Yabeta
Preparação de atores: Ricardo Blat
Direção de Produção: Ronaldo Tasso
Fotos: Trívia Produções
Trilha sonora: Rogério Blat
Identidade Visual: ZR Mosaico
Operador de som e contrarregragem: José Milton Damasceno
Iluminação: Tiago Mantovani e Fernanda Mantovani.
Vozes: Ricardo Blat
Assistente de Produção: TJ Bastos
Produção: rtasso Ideias e Realizações
Assessoria de Imprensa: Minas de Ideias

quinta-feira, 21 de abril de 2016

Não vamos pagar (RJ)

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Foto: divulgação

Elisa Pinheiro e Virgínia Cavendish


Comédia imperdível!
“Não vamos pagar” é uma deliciosa comédia que está em cartaz no Teatro do Sesi, no centro do Rio, até 14 de maio. O texto foi escrito pelo casal italiano Dario Fo (Prêmio Nobel de Literatura em 1997) e sua esposa Franca Rame (1954-2013) em 1974. Na história, duas mulheres se envolvem em um protesto de donas de casa contra o aumento dos preços dos produtos dentro de um supermercado, levando para casa alguns produtos sem pagar. A crise na fábrica onde trabalham seus maridos e as buscas da polícia na vizinhança estruturam uma situação cheia de entradas e saídas, perseguições e segredos revelados em muita confusão. O público gargalha! Dirigida por Inez Viana, a comédia tem Guilherme Piva, Elisa Pinheiro, André Dale, Zéu Brito e Virgínia Cavendish no elenco, essa última a idealizadora do projeto. O período de discussão política que o Brasil vive nesse período é contexto ideal para assistir a esse excelente espetáculo. Nele, o riso não substitui a reflexão, mas talvez até a qualifique!

Texto delicioso de Dario Fo
“Non si paga! Non si paga!” foi levado à cena tão logo foi escrito por Fo e por Rame no grupo Colletivo Teatrale La Comune, fazendo muito sucesso na Itália e ganhando o mundo. No Brasil, sob o título de “Pegue e não pague”, foi dirigido e protagonizado por Gianfrancesco Guarnieri, em 1981, com Renato Borghi, Bete Mendes, Regina Viana e Herson Capri no elenco. Cinco anos depois, Dina Sfat (1938-1989) estava ensaiando “Ninguém paga, ninguém paga!” quando descobriu-se doente. A montagem, dirigida por Celso Nunes, foi a última produzida por ela, sem infelizmente a sua atuação.

A peça começa com Antônia (Virgínia Cavendish) contando para sua amiga Margarida (Elisa Pinheiro) o que aconteceu enquanto fazia compras no supermercado. O nova taxação de preços irritou as donas de casa presentes, um tumulto começou e o local foi saqueado. Antônia, assim, trouxe vários produtos roubados, alguns dois quais estranhos a sua rotina: como comida para cães e alpiste para canário. Agora, ela precisa esconder esses mantimentos, pois seu marido João (Guilherme Piva) é um homem de valores muito restritos e não gostará nem um pouco da história. Embora relutante, Margarida topa ajudá-la, mas a coisa se complica quando inesperadamente Luís (André Dale), seu marido, volta do trabalho mais cedo. Começa aí um corre-corre entre as esposas e o marido e de todos contra as investidas da polícia (Zéu Brito), em que sobra força, mas falta cérebro.

É em João que a maior transformação da história acontece. No original, seu personagem foi escrito como uma espécie de comunista conservador: determinado a lutar pelas causas sociais e definitivamente contrário ao consumismo capitalista e à desordem. Em questão, está, de um lado, o ideal filosófico de sociedade desapegado das realidades cotidianas representado por ele. De outro, as dificuldades do dia a dia - contas vencidas, dinheiro escasso, comportamentos em transformação – representadas por Antônia. Na tradução de José Almino, a referência à sociedade comunista (provavelmente clara aos espectadores italianos do meio dos anos 70) desapareceu. Em seu lugar, entrou uma concepção mais pantanosa do personagem que reflete a complexidade dos nossos dias e da nossa cultura. É quase impossível, afinal de contas, identificar um governo de esquerda ou de direita por aqui.

Assim, o texto de “Não vamos pagar” enfrenta hoje um dilema que talvez não tenha sido tão problemático há 40 anos: em que circunstância o roubo é permitido? É enorme o mérito dessa montagem em enfrentar essa difícil questão com tanto êxito. Ela substitui, através da comédia de vaudeville, a ação específica que deu origem à toda a narrativa pelo conjunto de valores que a circunda. Em cartaz desde outubro de 2014, quando ainda estavam quentes as reinvindicações sociais do inverno de 2013, eis aqui uma proposta divertida e inteligente que tem tudo a ver com o momento atual.

Comédia imperdível!
A direção de Inez Viana, assistida por Luis Antônio Fortes, tem resultado excelente sobretudo no ritmo ágil com que a narrativa se estabelece. As cenas são fluídas, as situações claras, os contextos sempre dispostos a surpreender e manter firme a atenção do público. O cenário de Omar Salomão, talvez atendendo à necessidade da peça em abandonar o realismo mais político e falar de realidade através do nonsense, abre campo para a teatralidade. A casa de João e de Antônia é representada por tapumes de madeira e módulos que, dentro do conceito, têm várias funcionalidades. O figurino de Juli Videla dá conta do realismo, a direção musical de Ricco Viana auxilia no ritmo e no estabelecimento da graça e a iluminação de Renato Machado enaltece os aspectos visuais, participando da narrativa de modo invisível nas cenas mais realistas e aparente quando o conceito estético da peça precisa ser ratificado.

Todos os trabalhos de interpretação são ótimos. Zéu Brito (sargento, capitão e pai de Antônia) investe mais na caricatura, Guilherme Piva (João) no naturalismo. Virgínia Cavendish (Antônia), André Dale (Luís) e Elisa Pinheiro (Margarida) equilibram a encenação ora mais para um lado, ora para outro. Em todos, vê-se claramente um jogo profícuo entre si e com o público que é vibrante. Ele é responsável juntamente com o todo pelos muitos méritos do espetáculo.

Muito raramente se encontra uma comédia tão boa quanto “Não vamos pagar” em cartaz no Rio de Janeiro apesar da programação teatral daqui ter outra fama. Essa peça é imperdível!

*

Ficha técnica:
TEXTO: Dario Fo e Franca Rame
TRADUÇÃO: José Almino
DIREÇÃO: Inez Viana
IDEALIZAÇÃO: Virginia Cavendish
ASSISTENTE DE DIREÇÃO: Luis Antonio Fortes
ELENCO DA TEMPORADA ATUAL: Virginia Cavendish (Antônia), Guilherme Piva (João), Elisa Pinheiro (Margarida), George Sauma | André Dale (Luís) e Zéu Britto (sargento, capitão e pai).
Stand in: Luisa Arraes (Margarida)
ILUMINAÇÃO: Renato Machado
CENÁRIO: Omar Salomão
FIGURINO: Juli Videla
DIREÇÃO MUSICAL: Ricco Viana
PRODUÇÃO TÉCNICA E OPERAÇÃO DE SOM E LUZ: Jorge Maciel Filho
CONTRARREGRA E CAMAREIRO: Marcelo Gomes e Cedelir Martinusso
DESIGN GRÁFICO, FOTOS, WEBSITE: Omar Salomão
CENOTÉCNICO: André Salles
ASSISTENTE DE CENOGRAFIA: Chica Caldas
ASSISTENTE DE FIGURINO: Alessandra Padilha
PRODUÇÃO EXECUTIVA e DIREÇÃO DE PRODUÇÃO: Virginia Cavendish
ASSISTENTE DE PRODUÇÃO: Bruno Fagotti
ESTAGIÁRIA: Barbara Bailan
ESTRUTURAÇÃO DE PROJETO: Cristiana Giustino
PRODUÇÃO: Casa Forte Produções

Fatal (RJ)


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Foto: divulgação



Debora Lamm e Paulo Verlings

Debora Lamm brilha em novo espetáculo de Guilherme Leme Garcia

“Fatal”, mais novo ótimo espetáculo concebido e dirigido por Guilherme Leme Garcia, terminou sua primeira temporada no domingo, dia 10 de abril, no Teatro Oi Futuro do Flamengo. A peça dá continuidade à proposta aberta com “RockAntígona”, de 2010, e com “Trágica.3”, de 2014. Como tem sido a produção desse encenador, trata-se de uma obra para “gente grande” não apenas no que diz respeito ao tema, mas sobretudo à viabilização estética. Garcia exige do público enorme envolvimento e grande capacidade de abstração, oferecendo um certo tipo de deleite elegante, sóbrio e maduro. Em bom trabalho, Paulo Verlings divide o palco com Débora Lamm, essa em uma interpretação diferente do seu habitual, mas como sempre excelente. Isso confirma o seu lugar de destaque entre as melhores intérpretes do teatro brasileiro contemporâneo. Para o prazer do teatro carioca, deseja-se nova temporada à produção!

Excelente dramaturgia de Kosovski, Zanelatto e de Bilac
A dramaturgia de “Fatal” está dividida em três quadros, cada um escrito por um autor diferente. Eles revelam uma (ou algumas) qualidade(s) da paixão, demonstrando o interesse do espetáculo em, através de lugares narrativos diversos, dissertar sobre o tema, sugerindo-o como pauta para reflexão. 

A primeira história, “Monstros: poema em drama para duas vozes e muitos corpos”, foi escrita por Pedro Kosovski a partir do mito de Eros e de Psiquê. Ele aparece em “O asno de ouro”, escrito pelo poeta romano Lucius Apuleio no século II, remetendo à vasta literatura sobre mitologia grega desde “Teogonia”, de Hesíodo, no séculos VII e VI a.C. O deus Eros (Cupido) se apaixona pela bela mortal Psiquê, livrando-a do ódio de Afrodite, que havia determinado que ela se casaria com um monstro.

Depois, vem “Tristão e Isolda Peep Show”, escrito por Marcia Zanelatto a partir da lenda celta. Ela chegou até nós pela conservação de um manuscrito do poeta francês Béroul, que viveu no século XII. O jovem inglês Tristão tragicamente se apaixona por Isolda quando vai buscá-la para que ela se case com seu tio Marcos. O sentimento proibido dos dois amantes permanece após o matrimônio dela até que, à beira da morte, Tristão pede que Isolda venha vê-lo, mas ela chega tarde demais.

A terceira história, escrita por Jô Bilac, é “Kama-Sutra Secreto”. Ela é baseada na mitologia hindu em que consta a narrativa do amor entre Kamadeva e Rati, o deus do amor e a deusa da paixão. Na arte, acumulada desde os tempos de Hesíodo, Kamadeva é representado com um arco e flecha tal qual Cupido. Esse detalhe celebra a abrangência dessa dramaturgia que, dividida em três partes, pode querer dar conta da paixão e de seu poder transformador.

Assim, de um texto em que a relação entre os apaixonados é mais sensível e delicada, “Fatal” avança para um sentimento mais aterrador até chegar a algo mais visceral. O trio Kosovski, Zanelatto e Bilac apresenta aqui excelente trabalho!

O brilho de Debora Lamm
A direção de Guilherme Leme Garcia, assistida por Charles Asevedo, valoriza as palavras ao máximo. As três cenas deixam claro que elas são aspectos essenciais dos contratos estabelecidos pelos personagens-amantes: meio pelo qual a sensualidade se aprofunda e ponto de contato das almas para além do contato corporal entre mortais e deuses. Nesse sentido, a hierarquização dos signos dispostos enfrenta o desafio de não permitir que avancem sobre o lugar da prosódia. O risco de desviar a atenção do público é grande e, por isso, cada outro signo – gestos, luzes, figurinos – atua parcimoniosamente com o todo.

Ao longo da encenação, pouco a pouco, o quadro vai se abrindo. Do sutil colorido das diferentes entonações vocais dos dois atores, passam-se a detalhes de luz que depois vão constituir a moldura do quadro. O cenário ambienta um lugar neutro que talvez seja um espaço etéreo de imaginação e de expectativa onde os amantes se encontram. O figurino também não invade a chance do público de imaginar como são esses personagens e a trilha sonora não se ocupa da responsabilidade do texto e da interpretação quando ao lirismo da dramaturgia. Tudo é muito positivo. A instalação cênica é assinada por Aurora dos Campos (Cenografia) e por Tomás Ribas (Iluminação). O figurino é de Marcelo Olinto e a trilha sonora de Marcello H.

Tudo que se disse sobre Dulcina de Moraes, Henriette Morineau e Marília Pêra, e se diz sobre Fernanda Montenegro e Nathália Timberg, pode ser dito sobre Debora Lamm sem exageros. Capaz de fazer gargalhar e emocionar, com ampla habilidade corporal e vocal em viabilizar todo tipo de quadro expressivo e enorme carisma, ela conduz sua jovem carreira para patamares cada vez mais desafiadores e, por isso, nobres. Em “Fatal”, Paulo Verlings apresenta trabalho mais uma vez bastante meritoso, mas Lamm faz das sílabas convites inegáveis ao interesse pela obra. Juntos, os dois transformam os desafios da obra em seus melhores aspectos.

“Fatal” ratifica o lugar de Guilherme Leme Garcia como um encenador de primeira grandeza no nosso cenário teatral. Aplausos!

*

Ficha técnica:
Dramaturgia: Jô Bilac, Marcia Zanelatto e Pedro Kosovski
Elenco: Debora Lamm e Paulo Verling
Concepção e Direção: Guilherme Leme Garcia
Instalação Cênica: Aurora dos Campos (Cenografia) e Tomás Ribas (Iluminação)
Figurino: Marcelo Olinto
Trilha Sonora: Marcello H.
Colaboração Artística Vera Holtz
Assistente de Direção: Charles Asevedo
Assistente de Trilha Sonora e Guitarrista: Braulio Giordano
Assistente de Cenografia: Paula Tibana
Projeto Gráfico: Alexandre de Castro
Visagista: Márcio Mello
Operador de Luz: Willi
Operador de Som: Gutto Dutra
Contrarregragem: Ivar Rocha e Thiago Hortala
Cenotécnico: André Salles
Estagiária de Cenografia: Alice Cruz
Assistente de Produção: Pyetro Ribeiro
Produção Executiva: Maria Albergaria
Direção de Produção: Sérgio Saboya
Assessoria de Imprensa: Bianca Senna e Paula Catunda

Cinderella (SP)

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Crítica publicada pela primeira vez em: http://teatroemcena.com.br/home/critica-cinderella-teatro-alfa-sp/?platform=hootsuite

Foto: divulgação

Bianca Tadini

Musical encantador!

"Cinderella" é a versão brasileira do musical da Broadway escrito por Douglas Carter Beane a partir do conto do francês Charles Perrault (1628-1703). Com músicas de Richard Rodgers e letras de Oscar Hammerstein II, a mesma dupla de autores de "A noviça rebelde", a narrativa dessa produção remete àquela produzida pela emissora americana CBS. Veiculado ao vivo na noite de 31 de março de 1957, o espetáculo protagonizado por Julie Andrews foi assistido por 107 milhões de pessoas ao mesmo tempo. Quase sessenta anos depois, esse recorde de audiência da televisão dos Estados Unidos foi poucas vezes batido. Assinado por Charles Möeller e por Claudio Botelho, a produção da Fabula Entretenimento é protagonizada pelos ótimos Bianca Tadini e por Bruno Narchi ao lado das excelentes Totia Meireles e Ivanna Domenyco e de grande elenco. Mais uma vez bastante elogiáveis, o visagista Beto Carramanhos, a figurinista Carol Lobato e o cenógrafo Rogério Falcão, que recentemente estiveram em "Kiss Me, Kate! – O beijo da megera", repetem a vibrante parceria agora ao lado de Maneco Quinderé, que assina o belíssimo desenho de luz; e da Mazefx, os magníficos efeitos visuais. A peça está em cartaz desde março no Teatro Alfa, em Santo Amaro, na zona sul de São Paulo.

Uma das maiores audiências da TV americana na história
Autor das versões para teatro musical dos filmes "Xanudu" e "Mudança de Hábito", Douglas Carter Beane fez modificações no roteiro de "Cinderella" de Richard Rodgers e de Oscar Hammerstein II. Suas alterações não foram unanimemente bem aceitas e talvez tenham sido uma das causas para a temporada da Broadway ter durado apenas um ano e oito meses em 770 apresentações. Lançada em março de 2013, a peça foi a primeira versão oficial do show para TV produzido em 1957. Ela recebeu nove indicações ao Tony Awards, mas ganhou apenas a de Melhor Figurino. Caso parecido já havia acontecido antes com outra produção.

No fim de 1955, Richard Rodgers e Oscar Hammerstein II, que já haviam assinado enormes sucessos como "Oklahoma!" (1943) e "The King and I" (1951), amargaram seu maior fracasso: o musical "Pipe Dream". Tratava-se de uma adaptação para palco de dois livros de John Steinbeck, "A rua das ilusões perdidas" e sua continuação "Doce Quinta-Feira". A jovem atriz inglesa Julie Andrews, que tinha chamado a atenção da Broadway na temporada americana de "The Boyfriend", havia sido cogitada para o papel da prostituta Suzi. Ela, no entanto, preferiu a personagem Eliza Doolitle, o papel título em "My fair lady", que estava sendo produzido. Com nove indicações ao Tony e somente a estatueta de Melhor Figurino – como "Cinderella" em 2013 – "Pipe Dream" não viu na premiação uma possibilidade de alavancar o público que não comparecia ao teatro. E saiu de cartaz deixando largas dívidas.

Por isso, em 1956, o convite da CBS para Rodgers e Hammerstein II de adaptarem para TV o conto de Charles Perrault veio financeiramente a calhar. Além disso, "Cinderella" foi a oportunidade para Julie Andrews de, no meio da temporada de "My fair lady", pela primeira vez, aparecer diante das câmeras. E também de trabalhar com aqueles que viriam a ser anos depois os autores de sua Maria von Trapp em "The Sound of Music", eternizada por ela no cinema em 1965.

Os ensaios para a versão original de "Cinderella" duraram seis semanas no fim do inverno de 1957. 56 atores aparecem em cena, 33 músicos participam da orquestra, 80 técnicos estavam envolvidos com a gravação, mais de cem figurinos foram usados. Enquanto as quatro enormes câmeras gravavam uma cena, em outra parte do estúdio, preparava-se a próxima. As roupas eram trocadas de um quadro a outro em um esforço imenso para esconder cabos, refletores, equipe. Ao vivo para todo os Estados Unidos, em emissões em preto e branco e a cores, o show foi visto, ao mesmo tempo, por sessenta por cento das televisões ligadas. Atualmente, essa é a quarta maior audiência da história da TV americana. A final do campeonato de futebol de 2015 (Super Bowl 50) foi vista por 114,4 milhões de pessoas e está em primeiro lugar. Apenas sete milhões a mais.

As boas colaborações ao roteiro de Douglas Carter Beane
Na adaptação de Beane, o aspecto político concorre com a história fantasiosa. Se, no original da CBS, a beleza de Cinderella dá novo sentido à vida do triste príncipe Christopher, na Broadway, é sua humanidade. Nessa versão, saíram da narrativa o Rei e a Rainha e entrou o Primeiro Ministro. Se lá, o casamento é um modo de espantar o tédio, aqui trata-se de um jogo político bem tramado. No texto de Beane, surge ainda Jean-Michel, um camponês disposto a lutar pelos menos favorecidos no reino e contra a monarquia.

As alterações no roteiro dividiram as opiniões da crítica americana, mas aqui no Brasil elas deverão ser valorizadas. A enorme beleza das canções de Richard Rodgers e de Oscar Hammerstein II talvez não seriam bastante para vencer o açucarado conto de fadas em suas mais de duas horas e meia de espetáculo. As contribuições desse novo texto dão melhor corpo para a história, articulação eficaz com o hoje, mais ritmo à narrativa sem tirar a graça, a beleza e o encantamento. Os méritos estão intactos mesmo que um pouco diferentes.

As versões de Claudio Botelho driblam as desafiadoras letras de Oscar Hammerstein II: imagéticas, metafóricas, metrificadas. "Em meu próprio cantinho" ("In my own little corner"), "Ridículo" ("Impossible"), "Lamento das irmãs" ("Stepsister's lament"), mas principalmente "O baile real" ("The Prince is giving a ball") têm excelentes resultados. Com os mesmos méritos, estão a direção musical e regência de Carlos Bauzys e o desenho de som de Gabriel d'Angelo, mantendo no Brasil a feliz inclusão das canções "Eu, quem sou eu?" (originalmente composta para o musical Me & Juliet"), "A solidão da noite" (para "South Pacific") e "A tua canção" (para "Main street to Broadway").

Efeitos visuais da Mazefx causam impacto excelente
A direção de Charles Möeller foi, sem dúvida, essencial para a qualidade do resultado final dessa produção. O espetáculo tem ritmo, as cenas estão bem articuladas, o aspecto cômico convive bem com o político e com o fantasioso. Além disso, em "Cinderella", o aspecto "enchanted" que o musical herdou da extravaganza está preservado de modo brilhante. Nos últimos anos, o reinado de Möeller ao lado de Botelho no mercado dos musicais tem se confirmado produção após produção a partir de méritos como os que facilmente se veem aqui. Eis um motivo para o Brasil (e eles próprios) de se orgulhar(em).

Nas interpretações, Tiago Barbosa (o arauto Lorde Pinkleton), Carlos Capeletti (o Ministro Sebastian) e Bruno Sigrist (o camponês Jean-Michel) aproveitam bastante bem as oportunidades e alçam seus personagens para lugares de célebre destaque positivamente. Ivanna Domenyco (Fada Madrinha) e Giulia Nadruz (Gabrielle), com mais possibilidades, apresentam construções de enorme valor, enchendo a assistência com seus carismas e ótimas atuações. Totia Meirelles (Madrasta) domina as cenas com sua força, motivando a história a andar para frente. Bruno Narchi e Bianca Tadini, o Príncipe Topher e a CinderElla, sustentam bem a história que gira em torno de seus personagens.

Com coreografias assinadas por Alonso Barros, visagismo por Beto Carramanhos, figurinos por Carol Lobato e cenário por Rogério Falcão, "Cinderella" brilha nos elementos estéticos: visuais, sonoros, cênicos. O conjunto de interpretações do elenco principal e daqueles que compõem o coro fazem ótima dupla com a evolução de cores, formas e de texturas e com as sonoridades que se contemplam através da dança e do canto. Porém, os efeitos visuais da Mazefx, ao lado da iluminação de Maneco Quinderé, alargando o palco e fazendo com que as cenas invadam a plateia, são o maior destaque do todo, causando sublime impressão. Aplausos!

O peso da responsabilidade
Richard Rodgers, Oscar Hammestein II, Julie Andrews no passado assim como hoje Totia Meirelles, Maneco Quinderé, Alonso Barros, Rogério Falcão, Beto Carranhos, Carol Lobato - além de Claudio Botelho e Charles Möeller - têm cada vez maior responsabilidade na medida em que suas produções vão colhendo sucesso merecido. Ainda bem que a força deles em sustentar tal pressão sobe também. Quem ganha com essa bela produção de Renata Borges e de Raphaela Carvalho, da Fabula Entretenimento, é o público brasileiro. Parabéns!

*

Ficha técnica:
Músicas de Richard Rodgers e Oscar Hammerstein II
Texto: Douglas Carter Beane
Versão brasileira: Claudio Botelho
Direção: Charles Möeller
Direção musical: Carlos Bauzys
Figurinos: Carol Lobato
Visagismo: Beto Carramanhos
Luz: Maneco Quinderé
Efeitos visuais: Mazefx
Desenho de som: Gabriel d'Angelo
Cenários: Rogério Falcão
Coreografia: Alonso Barros
Coordenação Artística: Tina Salles
Gerente de Produção: Rômulo Sales
Realização e Direção Executiva: Renata Borges
Produção Executiva: Raphaela Carvalho
Realização: Fabula Entretenimento

Elenco:
Bianca Tadini (Cinderella)
Bruno Narchi (príncipe)
Totia Meireles(Madame, a Madrasta)
Ivanna Domenyco (Marie, a fada madrinha)
Bruno Sigrist (Jean-Michel)
Raquel Antunes (Charlotte)
Giulia Nadruz (Gabrielle)
Tiago Barbosa (Lorde Pinkleton)
Carlos Capeletti (Sebastian)

Laura Visconti (aldeã, convidada do baile)
Letícia Mamede (aldeã, convidada do baile)
Lia Canineu (aldeã, convidada do baile)
Luana Bichiqui (aldeã, convidada do baile)
Naomy Schölling (aldeã, convidada do baile
Talitha Pereira (aldeã, convidada do baile)
Maria Netto (aldeã, convidada do baile)
Diego Luri (cavaleiro, aldeão, tabelião)
Fábio Saltini (cavaleiro, aldeão, convidado do baile)
Fernando Palazza (cavaleiro, aldeão, convidado do baile)
Marcelo Vasquez (cavaleiro, aldeão, convidado do baile)
Nick Vila Maior (cavaleiro, aldeão, convidado do baile)
Philipe Azevedo (cavaleiro, aldeão, convidado do baile)
Thati Abra (swing)
Willian Sancar (swing)

O musical conta ainda com os bailarinos Aline Campos, Luana Villaça, Mariana Amaral, Otávio Portela, Patrícia Castagna, Pedro Antunes, Ricardo Mesquita eThiago Garça.

quarta-feira, 20 de abril de 2016

Myrna sou eu (SP)

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Foto: João Caldas

Nilton Bicudo

Nilton Bicudo em ótimo trabalho de interpretação

"Myrna sou eu – Consultório sentimental de Nelson Rodrigues" é a mais nova incursão do diretor Elias Andreato no universo desse heterônimo rodriguiano. O personagem, que recentemente foi vivido por Luciana Borghi, agora chega ao Rio de Janeiro em espetáculo muito melhor. Com Nilton Bicudo em ótima atuação, o monólogo estreou em junho de 2013 em São Paulo e está aqui em cartaz, desde 6 de abril, no Teatro Poeira, em Botafogo. É a adaptação da coluna "Myrna Escreve" publicada no jornal carioca Diário da Noite entre março e outubro de 1949 reunida no livro "Não se pode amar e ser feliz ao mesmo tempo", da Companhia das Letras. Um ótimo momento da programação teatral carioca na temporada.

A dramaturgia e a direção de Elias Andreato
"Myrna sou eu" é baseado na coluna que anonimamente Nelson Rodrigues (1912-1980) manteve no jornal Diário da Noite. Nessa, o escritor, travestindo-se de uma consultora sentimental, respondia a cartas reais e ficcionais sobre problemas amorosos. Quase nada se sabia sobre quem era Myrna, identidade que se manteve misteriosa também como proposta de marketing. Em mais uma oportunidade dos leitores conferirem esse enorme talento para a escrita, os textos celebram o amor como marca indelével da natureza feminina. Além disso, revelam um conjunto de valores e de situações de toda a ordem que retratam parte do Brasil no fim dos anos de 1940.

Muito mais limpo e ágil que a abordagem anterior, essa nova adaptação de Elias Andreato para a coluna de Myrna agora está positivamente focada nas respostas que a personagem dá às cartas que recebe. Esse é um mérito da dramaturgia. No entanto, se esse espetáculo ainda demora um pouco a engrenar, é porque leva um certo tempo para a plateia entender seu lugar na conversa entre a peça e o público. Eis um desafio da direção que é vencido pelo ator Nilton Bicudo.

Em primeiro lugar, a Myrna da proposta original escreve a pessoas que não vê. Mas, em "Myrna sou eu", enquanto a personagem fala com ouvintes que não vê, também se dirige claramente ao público presente no teatro que vê. Percebe-se que o espetáculo assume esse duplo interlocutor da conversa na medida em que Myrna inclui os espectadores no movimento de olhares, na disposição das intenções das falas, nas reações fleumáticas e na postura sempre virada para a frente. A peça, nesse sentido, parte de um lugar indefinido: ela acontece no interior de um estúdio de rádio que hora se parece um programa de auditório, ora não. E essa indecisão causa um estranhamento que emperra a narrativa no início, resolvendo-se com o tempo.

Em segundo lugar, e aqui um aspecto positivo da direção de Andreato, diferente dos leitores do jornal Diário da Noite, o público da peça "Myrna sou eu" vê quem responde às cartas, vê Myrna. Essa alternativa dramatúrgica modifica radicalmente o contexto da conversação, mas é uma opção plenamente bem resolvida. Substitui-se o mistério do fato jornalístico, sem se excluir o enigma, mas ainda acrescentando-se a graça. O enorme mérito da interpretação de Nilton Bicudo, vencendo os desafios da primeira instância, oferece graça o suficiente para fruir-se "Myrna sou eu" com positiva fluência da metade da peça em diante.

Nilton Bicudo em ótima interpretação
Nilton Bicudo está em ótimo trabalho de interpretação. As palavras de Nelson Rodrigues parecem saborosas em sua boca, as imagens do texto são bem apresentadas, as narrativas têm movimentos no todo e em cada parte. Em todo o monólogo, vê-se o universo particular das cartas que a personagem Myrna comenta, mas mais do que isso suas respostas dão a ver uma parte de si própria. Esse jogo, bem construído pelo ator e pela direção de Andreato assistido por André Acioli, vai envolvendo a audiência pouco a pouco com méritos que dizem respeito ao ritmo e sobretudo à hierarquização dos sentidos.

O cenário do diretor e o figurino de Fabio Namatame, com visagismo de Allex Antonio e de Emi Sato, acrescentam positivamente valores ao quadro visual. De um lado, a época está em relativamente bem definida: a história se passa na primeira metade do século XX. De outro, o cenário, embora em conflito inicial com a encenação, conforme apontado anteriormente, dá a ver um lugar que é misto entre estúdio de uma rádio e escritório de trabalho. São boas as participações da iluminação assim como da trilha sonora, cuja parte original foi composta por Jonatan Harold.

Vale a pena!
Talvez os valores morais que contextualizavam a coluna de Myrna no jornal tenham mudado para a maioria do público. Nesse sentido, para essas pessoas, a contribuição de Nelson Rodrigues através dessa abordagem tão bem feita, vale como ponto de referência para a avaliação dos dias contemporâneos. De qualquer modo, trata-se de um dos pontos mais altos de nossa literatura e um ótimo momento no teatro carioca. Vale a pena ver "Myrna sou eu".

*

Ficha Técnica:
Texto: Nelson Rodrigues
Adaptação, Roteiro e Direção: Elias Andreato
Diretor Assistente: André Acioli
Interpretação: Nilton Bicudo
Trilha Sonora Composta: Jonatan Harold
Figurino: Fabio Namatame
Visagismo: Allex Antonio
Cenografia: Elias Andreato
Fotos: João Caldas
Projeto Gráfico: Vicka Suarez
Produção: Solo Entretenimento
Assessoria de Imprensa: Lu Nabuco Assessoria em Comunicação

quinta-feira, 14 de abril de 2016

33 Variações (RJ)

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Foto: Airton Silva


Nathalia Timberg e Tadeu Aguiar

Nathalia Timberg em excelente espetáculo
O excelente “33 Variações” está saindo de cartaz no próximo domingo, dia 17 de abril. A peça inaugurou o belo e confortável Teatro Nathalia Timberg, no Centro Comercial Freeway Center, na Barra da Tijuca, com ela própria no elenco como protagonista. Escrito em 2007 pelo venezuelano Moyses Kaufman, o texto fez muito sucesso na Broadway quando trouxe de volta aos palcos a atriz Jane Fonda, afastada deles por quase quarenta e cinco anos. Ele narra a história da musicóloga Katherine Brandt que, enfrentando uma doença terminal, parte corajosa para a Alemanha. Lá ela quer descobrir a origem do interesse de Ludwig van Beethoven (1770-1827) em uma composição de Anton Diabelli (1781-1858) que ela considera medíocre. Em cena, ao lado de Natalia Timberg, está o dono da casa e diretor do espetáculo Wolf Maya. E também Tadeu Aguiar, Lu Grimaldi, Flavia Pucci, Gil Coelho, Gustavo Engracia e mais quatorze atores. A participação do pianista Silas Barbosa é outro grande momento do trabalho, bem como o majestoso cenário de J.C. Serroni. Eis uma produção sensível, delicada e grandiosa que vale a pena ser vista!

Uma dramaturgia emocionante
O texto de Moyses Kaufman é brilhante. O empenho de Katherine Brandt (Nathalia Timberg) em descobrir o que levou Ludwig van Beethoven (Wolf Maya), entre 1819 e 1823, a paralisar a composição de sua Missa Solene para se dedicar às variações da valsa de Anton Diabelli (Tadeu Aguiar) é apenas uma parte da dramaturgia. Há ainda a relação da protagonista com sua filha Clara Brandt (Flavia Pucci) e dessa com o enfermeiro Mike Clark (Gil Coelho). E a de Beethoven com Diabelli mediada por Anton Schindler (1795-1864) (Gustavo Engracia), secretário do primeiro. No entanto, não é nelas que está a história principal de “33 Variações”.

A peça é sobre a importância de exercer um olhar sobre as coisas e sobre as pessoas que seja menos centrado em nós mesmos. Forçada física e intelectualmente a esse desafio, Katherine Brandt redescobre o mundo. E nos emociona! Personagens reais e fictícios em uma trama cuja pesquisa histórica e urdimento são pontualmente bem marcados são convite para o homem refletir sobre si próprio e seu entorno. Um trabalho emocionante!

Escrito em 2007, a montagem de 2009 da Broadway recebeu quatro indicações ao Tony Award e mais o troféu de Melhor Cenário. Jane Fonda interpretava a protagonista.

Um dos melhores trabalhos de direção de 2016
A direção de Wolf Maya é firme, madura, delicada, respeitosa e corajosa. “33 Variações” atravessa o tempo tão lenta quanto preocupada em construir beleza. São duas horas e quarenta minutos de espetáculo, uma trajetória longa e difícil a que raros diretores se aventuram e mais raros ainda são aqueles que conseguem ótimo resultado como aqui é o caso. O texto bem dito por todos os atores em excelente conjunto de atuações e os elementos estéticos bem articulados no panorama geral garantem a atenção cena após cena. Injustamente acusada de se aproveitar de Kaufman para exibir a potencialidade do seu teatro recém inaugurado, a direção, na verdade, parece ter percebido que, sem cadeiras que ascendem do porão, grandes cenários que entram e saem, e sem cenas que usam cada canto do espaço cênico, seria difícil alimentar bem o interesse contemporâneo por uma peça inteiramente ilustrada por composições eruditas para piano.
Wolf Maya

Renovando-se através de confortável aparato cênico, a montagem não se despreocupou do que é essencial. Os três núcleos dramáticos de “33 Variações” – Beethoven, Schindler e Diabelli; a responsável pelos diários do compositor, Dra. Gertrude Ladenburguer (Lu Grimaldi) e Katherine Brandt; Clara Brandt e Mike Clark – apresentam cenas cheias potência. Os quadros se dão a ver através de marcas claras, os diálogos têm intenções limpas e tempos bem equilibrados, as articulações são fluentes. O elenco de apoio composto por quatorze atores colabora com a profundidade dos momentos, reforçando com realismo o movimento da narrativa. Wolf Maya apresenta aqui um dos melhores trabalhos de direção de 2016, sem dúvida.

O brilho de Nathalia Timberg
Gil Coelho (Mike Clark) colabora com enorme carisma, Tadeu Aguiar dá força para seu Anton Diabelli sobreviver bem ao que os demais personagens dizem dele, Gustavo Engracia (Anton Schindler) oferece ótimo contraponto para Beethoven. Lu Grimaldi (Dra. Gertrude Ladenburguer) acrescenta nobilíssima profundidade a sua personagem menor e Flavia Pucci tem o mérito de defender sua Clara Brandt contra qualquer facilidade, viabilizando-a com a complexidade adequada ao texto. Wolf Maya vence o desafio Beethoven em sua fase final, regulando loucura e epifania, força e foco.

Nathalia Timberg, prestes a completar 87 anos de vida e 62 anos de carreira no teatro profissional, está em excelente forma. Ela apresenta aqui um trabalho majestoso, agarrando todas as oportunidades para fazer brilhar sua Katherine Brandt com determinação, cuidado e êxito. Sua voz é clara, sua presença é forte, sua interpretação dá a ver as modificações pelas quais passa a longa narrativa de “33 Variações”. Eis aqui uma atuação imperdível!

A peça tem ainda vibrantes colaborações do figurino de Tatiana Rodrigues, do visagismo de Marcelo Dias e da iluminação de Aurélio de Simoni. O jogo entre as épocas nas quais a história acontece ganha crédito no empenho valoroso ao realismo. O cenário de J.C. Serroni, com pompa e circunstância, divide o melhor destaque da encenação com a direção musical de Natalia Trigo em que participa o piano de Silas Barbosa.

“33 Variações” é teatro da melhor qualidade em casa de espetáculos igualmente elogiável. Aplausos!


*

FICHA TECNICA
Texto: Moyses Kaufman
Tradução: Nathalia Timberg
Concepção e direção: Wolf Maya
Elenco: Nathalia Timberg, Wolf Maya, Tadeu Aguiar, Lu Grimaldi, Flávia Pucci, Gil Coelho e Gustavo Engracia
Elenco de apoio: Caio Ruas, Armando Amaral, Duda Ramos, Milene Cauzin, Claudio Pitanga, Rafael Siano, Filipe Goulart, Marcus Quaresma, Valentina Garcia, Talita Feuser, Allan Bergantinne, Victor Losso, Viviane Vieira e Zeca Vaz
Pianista Convidada: Clara Sverner
Pianista: Silas Barbosa
Cenografia: J. C. Serrone
Iluminação: Aurelio De Simoni
Figurinos: Tatiana Rodrigues
Visagismo: Marcelo Dias
Direção musical: Natalia Trigo
Videografismo e projeções: Rico Vilarouca e Renato Vilarouca
Direção de produção: José Luiz Coutinho
Assistente de direção: Hudson Glauber
Fotos: Guga Melgar
Assessoria de imprensa: Minas de Ideias
Produção Executiva: Larissa Benini

quarta-feira, 13 de abril de 2016

Guia afetivo da periferia (RJ)

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Foto: Leo Aversa

João Pedro Zappa

Um belo convite!

No ótimo monólogo "Guia afetivo da periferia", Marcus Faustini adapta para teatro seu celebrado livro homônimo lançado pela editora Aeroplano em 2009. A peça saiu de cartaz no último sábado, dia 9 de abril, no Teatro Serrador. No texto, uma coleção de histórias revela o dia a dia de um rapaz que, quando era criança, mudou-se do bairro Chacrinha, em Duque de Caxias, para Santa Cruz, na zona oeste do Rio de Janeiro. A visão dele sobre a vida nesses lugares e também sobre a relação deles com outras partes da cidade sugere uma reflexão acerca dos pontos não privilegiados no olhar do nosso entorno. A interpretação de João Pedro Zappa e a colaboração das projeções em vídeo na dramaturgia são outros pontos altos desse belo espetáculo que há de cumprir muitas e ainda calorosas temporadas.

O texto de Marcus Faustini
O texto de "Guia afetivo da periferia" é um excelente convite para um ponto de vista mais amplo no qual o comum também ganhe a atenção. O pôr-do-sol do Cesarão, conjunto habitacional de Santa Cruz, pode merecer tantos aplausos quanto o de Ipanema, o valor de um endereço na zona sul pode ser rapidamente questionado, a importância da função de office-boy do Banco do Brasil também é relativa. Sem sugerir uma inversão de valores através da simples troca de lugares entre o que é central e o que é periférico, a dramaturgia da peça oferece uma alternativa que não se desfaz do convencional. Justapostos, eles podem lindamente conviver em uma perspectiva mais complexa de humanidade.

Com muitos méritos, dois são os problemas que atrasam a excelência. O primeiro deles é um aspecto técnico da sala da espetáculo onde o texto ganhou montagem. O frio absurdo causado pelo ar condicionado enrijeceu a audiência, detalhe importante, mas que passa muitas vezes batido por produções desatentas. No inverno carioca, é preciso manter-se atento para o movimento do público em busca de casacos se se consideram não apenas os elementos estéticos como aqueles relevantes à fruição da obra.

A segunda questão diz respeito à estrutura do texto. A ausência de ordem cronológica e de situação de pontos de conflito que manifestem mais claramente uma curva ascendente é positiva porque dá à narrativa tom de realismo. Isso informa que "Guia afetivo da periferia" não está longe, mas perto, vivo, disposto em qualquer lugar ao alcance da vista mesmo fora do teatro. No entanto, um bom ritmo fica mais difícil de se sustentar com essa opção. O excesso de regularidade na disposição dos signos permite ao público sentir que a peça pode durar quinze ou noventa minutos a mais e a relatividade do tempo faz disso um problema que é vencido aqui, mas não facilmente.

A direção de Marcus Faustini
A direção de Marcus Faustini, assistido por Douglas Resende e por Veruska Delfino, estabelece ótimas bases para a fluente conversa entre palco e plateia. As projeções em vídeo, que dominam dois terços da encenação, trazem à cena balanço para os quadros unicamente apresentados pelo ator João Pedro Zappa. Elas oferecem, de maneira ímpar, a imagem indubitável das paisagens vistas pelo personagem: as bancas de churrasquinho, os azulejos do Edifício Capanema, as casas simples. Além disso, seu lirismo, como também o da trilha sonora, equilibra o todo com a iluminação de Aurélio de Simoni, essa que faz positivamente a peça tão crônica quanto o livro.

O cenário de Fernando Mello da Costa e o figurino do diretor agem na mesma da direção do texto: a enorme quantidade de palavras são esforço em defender as imagens sob o âmbito de suas complexidades. Com o público sentado muito próximo do espaço cênico, os vários objetos espalhados pela cena parecem ser ainda mais numerosos. Arquivos de aço, caixas de som e folhas de jornal vão dividindo lugar com outros artefatos, poluindo a cena em uma verborragia tão visual para a peça como é essa dramaturgia para a literatura. O panorama colabora bastante bem com o discurso na medida em que essa periferia de que fala "Guia" é totalmente urbana e, por isso, repleta de cores, formas e de texturas.

A interpretação de João Pedro Zappa
Na interpretação de João Pedro Zappa, não há qualquer marca que associe seu personagem ao modo estereotipado como frequentemente se vê quando se trata de periferia carioca. Dentre os vários aspectos positivos dessa opção, está o jeito como ela aproxima o público da peça. Em primeiro lugar, "Guia afetivo da periferia" não hesita em lembrar a plateia de que se está assistindo a um espetáculo teatral. Não há ilusionismo, nem farsa e a teatralidade se garante por modos bem discretos. Zappa exibe pesquisa de personagem, mas não se traveste dele, estabelecendo o contrato a partir de uma situação que nasce simples, cordial e madura e se mantém assim. A graça de alguns momentos atribui leveza ao todo sem tirar a força dos quadros imagéticos mais densos. Trata-se de um trabalho positivamente destacável sob todos os aspectos na programação carioca dessa temporada.

"Guia afetivo da periferia" apresenta um olhar amplo sobre vários aspectos incluindo fortemente a periferia. Proust, Barthes, Dostoievski e cinema francês, valorizados pelo centro, convivem com o sacolé de Toddy, as sonecas no ônibus da madrugada e a Ave-Maria das vésperas sem qualquer juízo pronto de valor no centro dessa narrativa. A justaposição é um convite para se olhar afetivamente para tudo, para o homem de um modo geral. Um belo convite!

*

Ficha técnica:
Texto, direção, figurino e vídeos: Marcus Faustini
Atuação: João Pedro Zappa
Cenografia: Fernando Mello da Costa
Iluminação: Aurélio de Simoni
Assistente de direção: Douglas Resende e Veruska Delfino
Estágio de direção e Contrarregragem: Diego Migliorin
Edição de vídeos: Gregório Mariz
Trilha dos vídeos: Eduardo Guedes e Gregório Mariz
Câmeras: Gregório Mariz e Diego Bion
Produção Executiva: Edésio Mota-Inverso Produções Artísticas
Técnicos de luz e de som: JR Camacho e Matheus Castro
Designer Gráfico: Marina Moreira
Assessoria de Adminstração: Valquíria Oliveira e Francisco Salgado
Fotos: Leonardo Aversa
Assessoria de Imprensa: RPM
Realização: Instituto C

sexta-feira, 8 de abril de 2016

A outra casa (RJ)

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Foto: divulgação

Gabriela Munhoz e Helena Varvaki

Espetáculo tocante volta a cartaz

O ótimo espetáculo “A outra casa” voltará a cartaz no Teatro Cândido Mendes, em Ipanema, a partir do dia 29 de abril. Sua primeira temporada foi um dos grandes momentos desse início de outono na programação teatral carioca. O texto, escrito pelo americano Sharr White, foi dirigido por Manoel Prazeres, trazendo a excelente Helena Varvaki no papel de protagonista. Ao seu lado, Rick Yates e principalmente Alexandre Dantas e Gabriela Munhoz estiveram em atuações de primeira grandeza. Uma doença neurológica, que talvez seja a Demência com Corpos de Lewy, é ponto de partida para uma história que pode ser sobre a necessidade das relações de serem tão reinventadas quanto os próprios seres humanos. Essa doença é a mesma que vitimou o ator Robin Williams (1951-2014) há bem pouco tempo. A primeira temporada da produção terminou no último domingo, dia 3 de abril, no Centro Cultural da Justiça Federal.

Dramaturgia tocante!
Traduzido com vitalidade, força e poesia por Diego Teza, o texto marcou a estreia do jovem Sharr White como autor na Broadway. A peça, dirigida por Joe Mantello, mesmo diretor do musical “Wicked”, estreou no fim de 2012, recebendo elogios calorosos da crítica especializada por lá. Na história, a personagem da neurologista Juliana Smithon passa a conviver com uma doença neurodegenerativa que afeta sua memória e seus movimentos. Dois anos depois de “A outra casa” (“The other place”, no original) estrear em Nova Iorque, o falecimento do ator Robin Williams chamou a atenção para a Demência com Corpos de Lewy, um distúrbio considerado raro até pouco tempo atrás, mas que cresce a cada ano infelizmente. Associada com o Mal de Parkinson e com o Mal de Alzheimer, ela só pode ser seguramente diagnosticada após o falecimento do doente, o que dificulta o trabalho dos pesquisadores em busca de sua cura ou tratamento. Em lugar algum do texto, White dá nome para aquilo de que sofre sua protagonista. Isso faz pensar que esse detalhe, ainda que muito valoroso, não é o mais importante dessa bela dramaturgia.

No passado, Laura, a filha de Juliana e de seu marido Ian, saiu de casa provavelmente para viver junto de seu namorado. Desde então, os três nunca mais estiveram juntos. Quando a narrativa começa, Juliana acredita estar retomando o contato com Laura e com a suposta família que a filha gerou. Esse processo, no entanto, divide lugar – talvez causa, talvez consequência – com a doença de que sofre a protagonista. Pouco a pouco, Juliana vai sendo alcançada por um mundo paralelo, desconectando-se daquele em que ela viveu. Seu casamento vai mal, seu trabalho também. Tudo isso exige dela, daqueles a sua volta e do público uma reflexão sobre a essência do ser humano.

Lá pelas tantas, talvez no melhor momento da narrativa, Juliana se encontra com uma completa desconhecida. Elas não se conhecem, não têm qualquer relação e talvez por isso suas identidades precisam ser mais reapresentadas do que defendidas. O encontro é, principalmente para Juliana, terreno fértil para o nascimento de um novo percurso. E aí “A outra casa”, que partiu de um tema importante mas difícil como uma doença, ganha a chance de tocar o homem em qualquer condição. O estranho é uma oportunidade para se reinventar e esse é, por sua vez, material de que são feitos os novos e reveladores pontos de vista sobre a realidade.

Helena Varvaki em trabalho destacável de interpretação
Alexandre Dantas (Ian) e Gabriela Munhoz (Laura, Terapeuta, Desconhecida) apresentam construções cujas marcas garantem o sucesso obtido por Helena Varvaki (Juliana) na bela defesa de sua protagonista. O elenco, de um modo geral, colabora com o espetáculo através das minúcias de cada participação, oferecendo ao público leituras mais e menos profundas em um excelente quadro de interpretações. “A outra casa”, em direção sensível de Manoel Prazeres, alterna, evolui, cresce ao longo do tempo na riqueza dos detalhes: expressões pequenas, gestos comedidos, força bem equilibrada no desenho de encenação.

O maior mérito do autor, da direção e das interpretações, porém, se vê no modo como eles seguram o espetáculo na carência de seus recursos cenográficos. Dóris Rollemberg faz de rotunda uma estrutura pouco criativa que colabora nada com a beleza do conjunto. Acanhados, os figurinos de Letícia Ponzi perdem oportunidades. A luz de Renato Machado, alçada a enormes responsabilidades, tem méritos no auxílio à construção do ritmo e à composição dos tons ao lado das belas projeções em vídeo dirigidas por Rodrigo Turazzi e da trilha sonora de Rick Yates e de Renato Alscher.

Plateias cheias
Pela importância do tema, pelas belas atuações, mas principalmente pela habilidade em fazer refletir, o público merece uma segunda temporada bem longa de espetáculo tão valoroso. Por seu turno, a produção há de continuar ganhando plateias cheias.

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Ficha Técnica:
Texto: Sharr White
Tradução: Diego Teza
Direção: Manoel Prazeres
Assistente de Direção: Daniel Orlean
Elenco: Helena Varvaki, Alexandre Dantas, Gabriela Munhoz, Daniel
Orlean (substituído por Rick Yates)
Cenografia: Doris Rollemberg
Figurinos: Leticia Ponzi
Iluminação: Renato Machado
Trilha sonora: Rick Yates
Captação de imagens: Rodrigo Turazzi e Renaud Leenhardt
Edição de vídeo: Rodrigo Turazzi
Fotografias: Guido Argel
Programação visual: Flavio Luiz Pereira
Direção de produção: Rafael Fleury e Manoel Prazeres
Administração: Rosa Ladeira
Realização: Helena Varvaki, Gabriela Munhoz, Daniel Orlean e LMPR
Serviços Tecnológicos e Culturais Ltda
Divulgação: Lu Nabuco Assessoria em Comunicação

Hilda e Freud (RJ)

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Foto: divulgação

Antônio Quinet e Bel Kutner

Monótono

O monótono “Hilda e Freud” saiu de cartaz do Teatro Maison de France no último dia 27 de março. Com texto de Antônio Quinet e direção dele e de Regina Miranda, a montagem traz ele no elenco ao lado de Bel Kutner. A história está baseada nos diários e nas obras correlatas da poetisa americana Hilda Doolittle (1886-1961) sobre os reflexos de sua terapia e amizade com Sigmund Freud (1856-1939). Incapaz de despertar qualquer conexão com a plateia, o espetáculo paira absorto em um universo mal defendido. É uma pena!

Texto ruim
O texto de “Hilda e Freud” não venceu qualquer um dos seus dois principais desafios: apresentar Hilda e percorrer a relação dela com Freud. Quanto ao primeiro, os personagens chegam à narrativa por meio de apresentações secas em que os intérpretes quebram a quarta parede, dispensando as vantagens do conflito e de algum outro esforço estético. Embora tenha ganhado reconhecimento nos anos sessenta e setenta na Europa, a poesia de Hilda Doolittle ou mesmo as reflexões da escritora sobre o período em que ela conviveu com o psicanalista Sigmund Freud não chegaram até nós suficientemente. Por isso, sua introdução se torna essencial e sua não realização a contento problemática.

Na peça, a personagem Hilda chega ao consultório de Freud como sendo uma escritora em bloqueio criativo e com dificuldades de lidar com sua sexualidade. Diante dela, o pai da psicanálise - já velho e doente - está testemunhando como judeu uma Áustria cada vez mais dominada pelo horror do nazismo alemão. Sem equilibrar na ficção essas duas figuras do mundo real, com interesses e realidades tão distintas, em um recorte dramático interessante, a dramaturgia coloca sua protagonista em lugar bastante insólito.

A relação entre os dois também quase não evolui. De um modo geral, o texto é muito pouco dramático: sem ações físicas, nem movimentos internos. Os personagens falam de si, de seus pensamentos e reflexões, mas nem um deles parece realmente se transformar. Como também apontaram os críticos Renato Mello e Leonardo Torres, o texto de Quinet, se atende bem a uma proposta acadêmica, é monótono demais para o contexto teatral. E, por isso, o público dorme longamente.

Méritos na interpretação de Bel Kutner
Se há algum aspecto a ser elogiado na obra é a interpretação de Bel Kutner (Hilda) cujos esforços em dar movimento para a peça são o único oxigênio da encenação. Nesse trabalho, seus méritos como atriz devem ser medidos a partir das dificuldades que ela parece ter tido em mãos. A interpretação de Antônio Quinet (Freud) é inexpressiva, oferecendo impulso muito limitado para a transformação na contracena. Mesmo assim, a atriz consegue dar a ver curvas capazes de fazer a história andar. Isso deve ser valorizado.

A direção de Antônio Quinet e de Regina Miranda parece de mãos atadas diante da dificuldade do texto. A falta de mobilidade não se torna positivamente um aspecto estético aqui, como em Beckett, para citar um bom exemplo. Ao contrário, ela impõe ao ritmo de modo negativo barreiras intransponíveis, como também acontece nos diálogos de Platão ou nas peças de Sêneca, para citar outros dois.

O cenário de Analu Prestes colabora com a beleza do quadro cênico, mas quase nenhuma informação acrescenta à narrativa. O figurino de Beto de Abreu é comedido, apresentando os personagens com o mínimo necessário infelizmente. O desenho de luz de Fernanda e de Tiago Mantovani e as projeções em vídeo das Mídias Organizadas, com enorme responsabilidade, melhoram o ritmo, oferecendo diferentes sutilezas à evolução das cenas. A trilha sonora de Regina Miranda sobre a obra de Rodolfo Caesar age no mesmo sentido positivamente.

Boas intenções
Apegado à mitológica recriação da realidade, considerando que os encontros entre Hilda e Freud realmente existiram, e ao pensamento do grande psicanalista, a obra se distancia do público. E paira interminavelmente monótona em um lugar distante. Com certeza, os dois personagens merecem melhores investidas da produção teatral carioca.

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FICHA TÉCNICA
Texto: Antonio Quinet
Elenco: Bel Kutner e Antonio Quinet
Direção: Antonio Quinet e Regina Miranda
Direção de arte e cenografia: Analu Prestes
Videocenografia: Mídias Organizadas
Iluminação: Fernanda Mantovani e Tiago Mantovani
Trilha Sonora: Regina Miranda sobre a obra de Rodolfo Caesar, Alberto Iglesias e Philip Glass Ensemble
Figurino: Beto de Abreu
Visagismo: Uirande Holanda
Preparação vocal: Rose Gonçalves
Fotografia: Flavio Colker
Programação visual: Mary Paz
Assessoria de imprensa: Lu Nabuco Assessoria em Comunicação
Comunicação em mídias sociais: Radha Barcelos
Direção de produção: Alice Cavalcante
Assistência de produção: Luísa Reis
Co-produção: Sábios Projetos e Atos e Divãs
Realização: Cia Inconsciente em Cena