Foto: Chris Van der Burght
Out of context - for Pina
Em temos teóricos, o valor da dança contemporânea, ou a contemporaneidade da dança, está no fato de seus objetos manifestarem em cena que é possível descolar o significante do significado (duas faces de uma só moeda) ou, em mesma e contrária medida, “provar” que, no significante, há significado ou, na forma, há conteúdo, e vice-versa. O problema da proposta é o seu mal uso. Em Porto Alegre, é infelizmente fácil já identificar uma certa codificação na dança contemporânea de algumas montagens daqui (não em todas). Explico: assim como o ballet clássico e a dança folclórica têm seus “passos” bem registrados, em muitas montagens consideradas exemplares da dança contemporânea, passar o braço em frente ao rosto, ter o corpo levado pelo impulso da mão, falsamente jogar as pernas e retraí-las antes de concluir o desenho são alguns dos exemplos que, de tão repetidos, já deixam mofar a beleza teórica exposta acima. Talvez justamente por não enrijecer-se na própria proposição, ou seja, fugir de toda e qualquer cristalização, Out of context- for Pina está sendo considerado, nesse meio de programação, o melhor espetáculo do 18º Porto Alegre em Cena.
Descrever nessa análise o que eu acho que pensei durante a fruição da peça é exercício que eu abandonei nesses últimos anos de crítica. No entanto, vale apontar que, se o significado é deixado de lado e o que vale é o seu desapego do significante, o espetáculo se apresenta repleto de marcas de arbitrariedade, sinais de descontrole, pistas de manifesta criatividade que se renova a cada nova cena ou parte de. A forma preenche o espaço e, por ser substituída em tempo absurdamente rápido, não deixa tempo para se ter certeza do seu conteúdo. A linguagem do movimento, na primeira cena, se consolida com a repetição. Cada um dos nove bailarinos atualiza o movimento do outro, refletindo o gesto, repercutindo não o sentido, mas a marca dele. À plateia é permitido pensar em encontros, em animais, em irracionalidade, em ritualização. A importância dos pés na percepção via tato ganha grande posição. Os pés, afinal, são os maiores responsáveis pelos signos proxêmicos, isto é, aqueles que dizem respeito à relação entre os personagens entre si na consolidação do vértice tempo-espaço: quando o ator/bailarino/dançarino/criador percorre o espaço, o tempo se estabelece.
Acima falei em personagem. Alain Platel não os deixa ver e eles são pura responsabilidade do espectador (no caso, eu), esse teimoso em dar sentido para o que vê (e com o quê se emociona). O diretor permite que vejamos figuras e o resto é consequência. Em cena, como raramente se vê, os nove atores se mostram em sua individualidade aparente, de jeito que, em especial na segunda cena (seria “uma festa”? e me pego a dar sentido para algo cujo sentido não importa...), é possível se divertir ao encontrar “personagens” da noite: os casais, os solitários, os beberrões e outros (conclusões minhas). O lúdico toma lugar nesse jogo de esconde-esconde em você acha o que quiser encontrar. Platel, que foi/é professor de crianças com necessidades especiais, além de criador, em 1984, da Cia. Les Ballets C de la B, na Bélgica, abre espaço para a brincadeira, para o imaginário, para a emoção. E torna seu espetáculo uma homenagem a Pina Bausch, coreógrafa alemã, falecida em 2009, uma das maiores expoentes da dança contemporânea, cujo trabalho desenvolvido ao longo de décadas encontra repercussão nesse projeto.
A trilha sonora composta desde barulhos de animais a hits do pop, executada por gravações, mas também cantada pelos próprios atores/intérpretes, não se esquiva de incluir longos silêncios. O fugidio que marca a ordem dos acontecimentos, a opção dos figurinos com os quais os atores chegam ao palco e dele saem, e os movimentos executados (corridas, caminhadas, paradas...) também está presente na escolha dos sons. Uma vez estabelecido o esquema compreensão-alienação, ele se repete e nos acalma. As cenas finais, de profundo encantamento, acontecem quando já estamos vencidos por Platel e pelo seu grupo. O sentido já se dispersou e, talvez, como os animais vistos por mim na primeira cena, a racionalidade evaporou. Então, quando se pensa não haver mais fugas, não mais mudanças, não mais alienação, cai sobre o palco uma música que trata justamente de irracionalidade. A compreensão também não há de ser cristalizada.
Descrever a música, como descrever os sinais, seria, de alguma forma, descrever o sentido e matar o processo de construção dele, esse tão subjetivo como justamente propõe a dança contemporânea valorar. Não o farei. Mas incluo a letra como um sinal de que Out of context ainda ecoa.
It's been seven hours and fifteen days
Since you took your love away
I go out every night and sleep all day
Since you took your love away
Since you been gone I can do whatever I want
I can see whomever I choose
I can eat my dinner in a fancy restaurant
But nothing ...
I said nothing can take away these blues,
but noth (i missed a chord there)
nothing compares ...
Nothing compares to you
It's been so lonely without you here
Like a bird without a song
Nothing can stop these lonely tears from falling
Tell me baby where did I go wrong?
I could put my arms around every girl I see
But they'd only remind me of you
went to the doctor guess what he told me
Guess what he told me?
He said, son, you better have fun
No matter what you do
But he's a fool ...
'Cause nothing compares...
Nothing compares to you...
All the flowers that you planted, mama
In the back yard
All died when you went away
I know that living with you baby was sometimes hard
But I'm willing to give it another try
'Cause nothing compares...
No Nothing compares
Nothing Compares to you...
* Texto escrito em setembro de 2011 por ocasião do 18º Porto Alegre em Cena.
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