domingo, 23 de outubro de 2011
Caio Fernando Abreu: três monólogos (PE)
Foto: Diego Pisante
Caio de Setembro
Try to remember the kind of September
When life was slow and oh, so mellow.
Try to remember the kind of September
When grass was green and grain was yellow.
Try to remember the kind of September
When you were a tender and callow fellow.
Try to remember, and if you remember,
Then follow.*
Depois de terem sido vividas, as coisas não podem morrer. Você pode fingir, fazer de conta que elas não existem, que não estão ali, não lembrar delas sempre, mas achar que desapareceram é impossível. A vida se constrói em movimentos todos eles sem retorno. É de Heráclito a conclusão de que você nunca toma banho no mesmo rio duas vezes. O novo só é novo uma vez. E, em December, lembramos (ou lembraremos) com prazer the kind of September. Quando vida era devagar e doce, a grama era verde e você (não importa quem) era terno e próximo.
Foi Caio Fernando Abreu quem soprou em September, esse virginiano gaúcho com uma vida cheia de furacões dentro de si. Em December, só conseguimos vislumbrar a ingenuidade de September. Caio aponta o dedo na ferida e nos faz, near Christmas, conviver com a dor de que muito provavelmente nem Papai Noel exista. Depois de ler Caio, e viajar com ele, só os medíocres são ingênuos.
Quando a Cia Ator Nu e a Cênicas Cia de Repertório, ambas de Recife, iniciaram, no palco do Goethe, três monólogos de Caio, eu sabia que dali não era possível sair como entrei. Talvez mesmo isso nunca seja possível, mas é uma certeza quando se trata de um texto desse autor. Caio me ensinou a me dar rosas brancas para que eu as colorisse com as cores da minha vida. Me ensinou a o prazer de suores noturnos, de companhias desconhecidas, de momentos fugazes. Me ensinou o gosto salgado de estar vivo, a ouvir o próprio coração, tomar chá. Um conto do Caio F. é sempre uma viagem sem volta em que não se é passageiro, mas testemunha.
Na platéia, somos testemunhas de três monólogos bem-vindos, cada um por um motivo. Cada texto com o seu segredo a segredar.
No primeiro, a solidão das lembranças que não se apagam e nos individualizam. O habitar um único e pequeno espaço dentro de nós mesmos, no palco traduzido por toda uma marcação sobre uma caixa pequena e apertada. Um único foco sobre o ator, a claustrofóbica sensação de segredos sendo amarrados no peito, escondidos contra o mundo que os deve descobrir. Quem já se abriu para pessoas erradas, sente na carne pedaços de sua carne em bandejas vergonhosas.
No segundo, a amargura de quem brilha para poucos. Um brilho sublime que só não é para qualquer um porque, infelizmente, de pobrezas o mundo é cheio. Cheio e rodante, pois, na roda, estão os que não param para viver. A Dama da Noite é um sol cuja luz é possível enxergar.
No último, a vontade de ser feliz, a confiança de que, ao bater e esperar, um dia, a porta irá se abrir. A fé de que há um pouco de lógica nessa vida que nos permite confiar que, se fizemos por merecer, haveremos de ganhar nosso quinhão. Mesmo molhados e fedidos, cansados e sujos, estamos a bater e a esperar, batedores e esperançados. Sonhadores.
Cada ator e suas qualidades, embora destaque a antecipação frustrante dos gestos às palavras no primeiro e o excesso de recursos cênicos no terceiro, o que polui o último monólogo de um jeito bastante cansativo. Todos, no entanto, honestos a enfrentar as sensações e os sentimentos que o texto lhes trouxe e que eles, agora, hão de nos fazer sentir e lembrar.
Cá lembro de Caio e do peso de suas palavras.
* Harvey Schimtz/Tom Jones Recomendo ouvir gravação com a Lisa Minelli ou com a Julie Andrews. Letra na íntegra.
**Texto escrito em setembro de 2009 por ocasião do 16º Porto Alegre em Cena
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