sexta-feira, 29 de junho de 2012

Seis aulas de dança em seis semanas (SP)

Foto: divulgação

Um espetáculo vibrante

Escrita pelo americano Richard Alfieri (1952), a peça “Seis Aulas de Dança em Seis Semanas” estreou na Broadway em 2003, fazendo um sucesso estrondoso e se espalhando rapidamente pelo mundo todo, tendo já sido produzida, por exemplo, na Inglaterra, Austrália, Japão, Espanha, Áustria, Israel, Holanda, República Checa, Turquia, Finlândia e na Grécia, além, do Brasil, cuja montagem tratamos aqui. O Dance Comedy é um gênero raro, isto é, com poucas atualizações e esse é um dos pontos de destaque. Nesse caso, os números musicais não são cantados, mas dançados, uma graciosa metáfora para sugerir um modo de viver a vida. Com Suely Franco e Tuca Andrada no elenco, a versão brasileira tem direção de Ernesto Piccolo e produção de Fernando Cardoso e Roberto Monteiro. O espetáculo, que estreou em abril de 2011 em São Paulo, está agora em cartaz no Maison de France na capital carioca. 

O título é perigoso. Por “seis aulas” e por “seis semanas”, o público já sabe que a peça será dividida em seis partes. Logo, se as primeiras não forem boas, as últimas parecerão intermináveis. Felizmente, esse não é o caso. Com ritmo vibrante, os diálogos, assim como as danças, voam na narrativa cheia de surpresas no excelente texto de Alfieri. Com alegres coreografias de Carlinhos de Jesus e belíssimas interpretações de Franco e de Andrada, o Tango, o Foxtrot, a Valsa, o Chá-chá-chá, entre outros, são alguns dos gêneros de dança que aparecem no espetáculo, contribuindo positivamente para a poética da produção. 

A peça nos traz dois universos distintos, que se interagem seja pelo antagonismo, seja pela identidade, oferecendo ao espectador a possibilidade de reconhecer seus próprios dilemas naquilo que é exibido no palco, sempre acompanhado de belos números de dança. Elegante ainda que num estilo conservador, Lily Harrison (Suely Franco) é uma senhora rica e solitária que contrata um professor de dança para aprender a dançar. Eis que aparece o professor Michael Minetti (Tuca Andrada), trabalhando por dinheiro, descrente das pessoas e do amor. Entre uma provocação e outra, muitas discussões. Lily e Michael vão se conhecendo, superando as diferenças, aprendendo um com o outro e desenvolvendo uma estreita relação. O resultado é um espetáculo de entretenimento que faz lágrimas caírem em meio a gargalhadas, sem pieguisses ou clichês e sempre desviando dos lugares comuns. 

A dupla de atores chega ao Rio de Janeiro afinadíssima. É visível a cumplicidade entre os dois na leveza com que a história é contada. Com magníficos figurinos de Cláudio Tovar e não menos virtuoso cenário de Vera Hamburguer, a trilha sonora original de Fernando Moura e a iluminação de Wagner Freire partilham a responsabilidade pelos bons méritos na parte visual. 

O encontro destes personagens, que compartilham a mesma paixão pela dança, abre caminho para a abordagem de temas como família, amigos, situação econômica, velhice, juventude, solidão, vaidade, preconceitos, liberdade, opressão e as alternativas para uma vida feliz e plena, independente da idade que se tenha. Eis aí um espetáculo que deve ser visto e revisto muitas vezes. 


Ficha Técnica
Texto: Richard Alfieri
Tradução: Ciça Correa e João Polessa Dantas
Direção: Ernesto Piccolo
Elenco: Suely Franco e Tuca Andrada
Coreografia: Carlinhos de Jesus
Direção de arte/Cenografia: Vera Hamburger
Figurino: Claudio Tovar
Iluminação: Wagner Freire
Programação visual: Estúdio Tostex
Fotografia: João Caldas
Produção Executiva: Silvia Rezende, Silmara Deon e Edmar Caetano
Direção de Produção: Fernando Cardoso
Direção de Produção: Roberto Monteiro
Realização: Mesa 2 Produções

quinta-feira, 28 de junho de 2012

A opinião sobre teatro na internet


A crítica desautorizada? 

            No jornal, o Bonequinho que vai ao cinema aplaude sentado ou em pé. O Bonequinho também pode pular ou dormir dependendo do filme. E tem também a polêmica figura do Bonequinho indo embora da sala de exibição. O leitor vê e sabe, assim, se o filme foi considerado bom ou ruim. Se, na opinião do jornal, vale a pena assisti-lo ou não. Mas, quando quer explicações sobre o motivo do aplauso, da cochilada, dos pulos ou do abandono da obra, ou mesmo das quatro, cinco, três ou nenhuma estrelinha, a análise crítica se faz necessária. A crítica torna-se um grande passo além da mera nota.
            Analisar uma obra, descrevê-la a partir do seu ponto de vista, identificar marcas, fazer ver problemas, méritos, dificuldades vencidas e tentativas fracassadas só não são desafios maiores do que reunir todas essas informações em um só texto e publicá-lo. Se, no primeiro momento, a opinião fica entre amigos, mesas de bar, conversas ao telefone e trocas de inboxes no Facebook, no segundo, sabe Dionísio onde as palavras vão parar, porque uma vez impresso, virtualmente ou não, a possibilidade de leitores do tal texto aí não tem fim.
            Não houve e não há uma faculdade de crítica de teatro, tampouco de música, de cinema, de literatura ou de artes visuais. Se quem escreve é alguém ligado unicamente à teoria, ele corre o risco de ser acusado de desconhecer a maquinaria teatral profundamente. Se for alguém da área, o problema fica ainda maior, pois “Como é possível falar mal da peça X se nela está o meu amigo ator, o meu futuro diretor, o meu ex-figurinista?” ou “Se a esposa dele está na peça Y, como ele vai falar mal do diretor?”. A autoridade para escrever a crítica ganha, a cada dia, mais força na própria crítica nesse tempo em que todos escrevem e publicam suas opiniões ou podem simplesmente desenhar bonequinhos, oferecer “curtires” ou usar de qualquer outra forma para divulgar sua avaliação sobre determinada obra de arte.
            Houve um tempo em que um determinado grupo de pessoas ditava o cânone a ser visto: os livros a serem lidos, um jeito certo de pintar, os programas de televisão censurados, os textos teatrais que poderiam ser produzidos. A igreja, o governo civil, a ditadura militar: o povo preguiçoso tinha guias “qualificados” para andar na selva sem pecar. Nos jornais, os editores escolhiam os críticos de teatro entre os jornalistas que se interessavam pelo tema e, ainda hoje, quem escreve sobre arte no Caderno de Cultura, também corre o risco de escrever sobre futebol durante a Copa, sobre política nas Eleições, sobre a Rihanna no Rock In Rio. No maior país da América Latina, há apenas duas pessoas que escrevem críticas de teatro em jornal e não escrevem mais nada além disso. Uma está no Rio de Janeiro e a outra está em São Paulo. Na exata linha oposta, Porto Alegre, Brasília, Fortaleza, Curitiba e Belo Horizonte têm importantes festivais com produções locais de altíssima qualidade. De Manaus a Florianópolis, hoje há mais salas de espetáculos e mais grupos de teatro e de dança do que nos últimos trinta anos. Cursos livres, cursos de formação técnica, graduação, mestrado e doutorado são abertos e se espalham e a Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-graduação em Artes Cênicas, a ABRACE, realiza encontros nacionais que reúne pesquisadores e artistas das cinco regiões do Brasil. Ou seja, na mesma medida em que o teatro perde espaço na mídia impressa, ganha-o nas ruas, na academia, nos shoppings, nos prédios restaurados pelo governo e pela iniciativa privada e, sobretudo, na internet.
            Depois de 40 anos escrevendo sobre teatro no jornal, o crítico Macksen Luiz saiu do Jornal do Commercio, seu último local de trabalho, e abriu um blog, dando assim continuidade ao seu trabalho. Com Lionel Fischer (Tribuna da Imprensa), Edgar Olímpio de Souza (Diário Popular) e com Ida Vicenzia (Jornal do Commercio), aconteceu o mesmo. Por outro lado, Luciano Mazza, Marcelo Aouila e Dinah Cesare nunca escreveram em jornais, mas abriram sites ligados ao tema mesmo assim. Em todos esses, há a necessidade de ir além do Bonequinho e compartilhar suas reflexões de forma mais profunda. Para eles, se o Gosto/Não Gosto válido é apenas o primeiro degrau, o último é o debate acerca da peça em cartaz. Nesses espaços, cada um é o seu próprio patrão, o seu próprio editor e, nesse sentido, a sua própria autorização. No Facebook, no Twitter ou por email, os links dos textos são compartilhados. Quando positivas, as críticas ganham printscreens e se tornam cartazes em portas de teatro. Quanto negativas, viram inboxes privados distribuídos em segredo. Em ambos os casos, os contadores de acesso marcam o crescente aumento do número de leitores, do número de leituras, do número de textos e o batido “Se gostaram, avisem aos amigos e, se não gostaram, avisem aos inimigos” continua valendo. O crítico que só fala bem pode até ser desacreditado por quem o lê com frequência, mas a produção da peça ruim sente no seu texto um carinhoso alento quando dela todos falam mal, já que o que ele escreveu vai engrossar a pasta a ser entregue nos órgãos competentes a fim de solicitar mais patrocínio, de ganhar editais de ocupação, de receber apoio para viajar. O crítico que só fala mal não existe, embora existam aqueles que, já de antemão, não gostam de determinado diretor, gênero, ator ou de tipo de teatro, honestamente parcializando a sua avaliação. Longe de terminar a tipologia, existem ainda aqueles que não falam nem bem, nem mal das peças a que assistem, procurando mais descrever as obras do que valorá-las, propondo reflexões que ganham corpo, principalmente, na investigação da linguagem artística e da sua recepção. Com isso, se chama a atenção para o fato de que há, felizmente, críticos para todos os gostos e críticas capazes de acompanhar a crescente malha cênica brasileira.
            Desde 2008, a jornalista Helena Mello pesquisa a crítica teatral em espaços virtuais na internet, apresentando, no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da UFRGS, a dissertação Aspectos da Crítica Teatral Brasileira na EraDigital. Após entrevistar cerca de 80 pessoas ligadas ao teatro, incluindo críticos teatrais, o trabalho é referência por apontar questões relevantes com embasamento teórico, tais como, entre outras: a autoridade do crítico teatral da internet e a linguagem utilizada nesse tipo de texto. Sobre o primeiro ponto, entram na pauta dois temas – a necessidade humana de compartilhar experiências e a manutenção da verdade como uma estrutura sólida. A internet possibilita ao homem comunicar-se com desconhecidos do mundo todo em uma relação que cruza fronteiras geográficas e temporais. Afinal, uma foto sua publicada no Fotolog em 2005 pode ser acessada ainda hoje por alguém que nasceu em 2006 e isso está livre de acontecer na sua cidade ou do outro lado do mundo igualmente. Nesse sentido, pairam na rede, pontos de vista bastante diferentes e também bastante iguais sobre acontecimentos de qualquer tipo. As verdades, cada vez menos sólidas e mais fluídas, são questões que estimulam a maneira de pensar a arte, modificando, com certeza, a velha crítica, mas apresentando uma nova à qual, segundo a pesquisadora, é “pura perda de tempo resistir”.
            Orientada por Edélcio Mostaço, Helena Mello cita o caso recente da publicação de críticas teatrais anônimas em Santa Catarina, que causaram um alvoroço feroz entre a classe artística de lá naquela ocasião. “É natural que uma pessoa que escreve de modo desrespeitoso, aparentemente sem critério, questionando aspectos pessoais daqueles que fazem arte não seja bem aceita no meio artístico. Acho que fizeram bem aqueles que procuraram buscar sua identidade, reclamaram do espaço que ela ocupou, etc. Mas, também achei extremamente pertinente a colocação do ator  Daniel Olivetto ao perguntar se é preciso realmente saber QUEM fala. Afinal, diz ele, os textos bíblicos provocam profundas discussões sem que a autoria seja posta a prova. Além disso, é bem verdade que os artistas costumam dizer que o que importa é o diálogo aberto com o público, a troca. Então, por que preciso saber quem fala para dar importância ao que está sendo dito?” É natural, sem dúvida, que seja dado mais valor às opiniões de pessoas que conciliam a formação acadêmica com o envolvimento artístico, mas desconsiderar os demais pontos de vista é, sem dúvida também, fechar-se para o desconhecido. Participando de encontros nacionais e internacionais de artes cênicas, (em maio, por exemplo, houve a IV Jornadas Nacionales de Investigación y CríticaTeatral, na Argentina) Helena Mello afirma que “o público, os leitores, o mercado se encarrega de dar ou tirar espaço daqueles que se intitulam críticos. E, considerando que, hoje, na virtualidade, não há mais a chancela de um jornal, isso acontece ainda mais facilmente. O resto são perguntas e não respostas, embora eu não veja nisso um problema. É a partir das primeiras que aguçamos a nossa sensibilidade e fortalecemos a nossa capacidade de refletir.”
            Sobre a questão da linguagem, a internet possibilita mais liberdade a quem nela escreve, não só em relação ao tamanho do texto. Fotos e vídeos podem ser anexados facilmente ao texto, assim como o recurso do hiperlink pode ser um importante aliado tanto do autor como do leitor. Enquanto lê o texto, é possível conhecer o site do grupo, ver cenas da peça, ouvir sua trilha sonora. Ao fazer relação com quadros, livros, filmes, lugares, ou qualquer outra fonte, a análise crítica publicada na internet pode proporcionar o acesso a essas informações de modo rápido e fácil.
            Lionel Fischer diz só ver vantagens ao escrever para o próprio site. “No blog, escrevo o que quero e sem nenhuma preocupação, por exemplo, com o tamanho dos artigos ou das críticas. Como sou o patrão de mim mesmo (pela primeira vez na vida, diga-se de passagem), desfruto de uma deliciosa e imensa liberdade. Tenho, no momento, 385 seguidores, mas sei que há um número muito maior de pessoas que lê o que escrevo, pois, muitas vezes, pessoas que não são seguidoras comentam comigo - pessoalmente ou por e-mail - os artigos e as críticas que posto.” Ida Vincenzia concorda com ele e, sobre a repercussão que a internet proporciona, acrescenta: “Recebo muitos e-mails comentando as críticas, além de convites para escrever sobre teatro. São pessoas aconselhando ao público de teatro a assistirem às peças por mim criticadas, ou indicando a leitura das críticas. A repercussão me surpreende. Outras afirmam a importância que tiveram, em suas carreiras, as observações feitas por mim. Isso tudo me faz perceber como os blogs são um veículo efetivo de comunicação, e como são recebidos pela classe teatral.” Marcelo Aouila, que diz não escrever críticas, mas opiniões pessoais, conta que “existe um link entre o blog e o Facebook. As pessoas curtem, criticam minha opinião e comentam sobre os espetáculos. Surpreendentemente, algumas vezes, já me pararam em locais públicos para dizer que lêem o que eu escrevo. Como também sou produtor cultural, sei das dificuldades de se produzir um espetáculo e do sofrimento que é quando alguém fala mal do seu trabalho sem saber as condições de produção. Procuro apontar coisas que possam melhorar, e evito falar mal. Mas nem sempre dá para não falar mal. Quando não gosto de nada da peça, eu não escrevo. Sempre tem algo de bom para comentar. Às vezes, eu nem gosto, mas tenho a consciência de que funciona para um tipo de plateia. Então, se funciona, tem q ser valorizado. É melhor ser sincero para quem lê do que agradar a quem está trabalhando e ser incoerente com o que penso.” Para, Edgar Olímpio de Souza, da revista virtual Stravaganza, “abrir um site de cultura, com espaço também para outras áreas culturais, é uma maneira de não ficar sujeito aos critérios nem sempre artísticos que orientam a cobertura teatral feita pelas revistas e pelos jornais tradicionais. Ou seja, tenho plena autonomia para abordar uma peça no meu blog, não importando se o espetáculo seja estrelado ou não por um(a) “artista da Globo”, alguma figura midiática ou esteja amparado por ampla publicidade.”
            Uma iniciativa bastante interessante é a Revista Questão de Crítica, um site dedicado a publicação de críticas e de estudos sobre o teatro. Dinah Cesare, uma das coordenadoras do projeto juntamente com Daniele Avila, conta que a ideia surgiu no final de seu curso de graduação em Artes Cênicas com habilitação em Teoria do Teatro na UNIRIO. “Nós finalizávamos o curso de teoria e a Daniele lançou um projeto para novos críticos na antiga edição do riocenacomportanea, que foi como um laboratório para nossa revista. Assistíamos aos espetáculos do festival e escrevíamos as críticas em tempo de publicação. A experiência nos possibilitou vislumbrar a criação de um espaço para a prática reflexiva sobre o teatro. Nós havíamos estudado a criação de perspectivas e de categorias novas para pensar a cena teatral e queríamos exercitar o olhar e a escrita em atrito com as produções artísticas. Sempre acreditamos que existe um público que está interessado na crítica, assim como na arte, ou seja, interessado em novos modos de ver e de construir o mundo.” Sobre aos acessos ao site, ela garante que “a repercussão da revista é pensada como um todo. Temos um índice significativo de visitas, considerando que se trata de conteúdo sobre teatro. Recebemos sistematicamente emails das assessorias dos espetáculos em cartaz no convidando para ver os trabalhos das pessoas. Em alguma medida, recebemos também retorno de artistas interessados em dialogar. Também recebemos comentários pela web. Isso tudo está crescendo. Cada vez mais pessoas que se dedicam ao teatro, tanto para pensá-lo quanto para fazê-lo mais propriamente. Estamos planejando o Segundo Encontro Questão de Crítica. Realizamos uma premiação em 2012 e já estamos no processo para 2013.”
            Talvez, para o futuro, o melhor benefício da crítica teatral nos espaços virtuais seja a potencialidade que ela tem de ser um arquivo aberto e constantemente alimentado de textos e de imagens dos espetáculos teatrais. Para conhecer as produções teatrais do Rio de Janeiro nos anos 80 e 90, para não irmos muito longe, o pesquisador deverá recorrer aos jornais e revistas. Haverá algumas críticas, algumas matérias e o serviço, contendo o título e alguns nomes da ficha técnica. Felizmente, depois do boom da internet, as ferramentas de busca oferecem um arsenal muito maior. Testemunhas de uma encenação, os críticos partilham o seu olhar por sobre as obras, colocando suas análises em lugar próximo às peças. Graças ao aumento do número de textos, é comum encontrar mais de dois pontos de vista por sobre o mesmo espetáculo, estando no leitor a tarefa de separar “o joio do trigo” e confiar nesta ou naquela opinião. Finalizando com uma frase de Antonio Costella, trazida pela pesquisadora Helena Mello, fica o valor da crítica disposta na internet: "Mas a roda faz andar a ambulância e o canhão, o avião serve para avizinhar cidades e para atirar bombas sobre elas, a energia nuclear contém o poder quase mágico de alavancar a humanidade e, ao mesmo tempo, o de destruí-la. Os meios de comunicação serão aquilo que o ser humano fizer deles". Abordado na saída, o Bonequinho pode agora se explicar (se quiser).

Rodrigo Monteiro
Revista de Teatro da SBAT, número  530, março e abril de 2012


Raimunda, Raimunda (RJ)


Foto: Denise Ricardo

Presente “de Grego”

            Regina Duarte completa 50 anos de carreira no palco. A peça “Raimunda, Raimunda”, texto do piauiense Francisco Pereira da Silva (1930-1985), dá continuidade à celebração que começou no ano passado, quando ela deu nova vida à personagem Clô Hayalla do remake da novela “O Astro”, pela qual recebeu merecidos elogios. Em 1961, no teatro amador, a paulista filha de um militar e de uma professora de piano, com quatorze anos interpretava o personagem Palhaço em uma montagem amadora de “O Auto da Compadecida”, de Ariano Suassuna, em Campinas.  No teatro, ela não aparecia desde 2005, quando apresentou a peça “Coração Bazar”. No seu currículo, contam ainda os espetáculos “A Megera Domada” (1966), “Romeu e Julieta” (1969) e “O Santo Inquérito” (1978). Nas novelas, seu primeiro trabalho foi “A Deusa Vencida” (1965), embora seja mais conhecida por Rita de Cássia, em “Irmãos Coragem” (1970); por Malu, em “Malu Mulher” (1979), pela Viúva Porcina, em “Roque Santeiro” (1985); pela Raquel, em “Vale Tudo” (1988); pela Maria do Carmo, em “Rainha da Sucata” (1990); e por Helena, em “História de Amor” (1995), em “Por Amor” (1997) e em “Páginas da Vida” (2006). Em cartaz no Teatro I do CCBB/Rio, o espetáculo mostra uma Regina Duarte viva, alegre e motivada que encanta o público pela sua energia. Ao seu lado, estão os atores Gustavo Rodrigues, Rodrigo Candelot, Henrique Manoel Pinho, André Cursino, Milton Filho, Saulo Segreto, Ricardo Soares e Rodrigo Becker. Em uma temporada longa e a preços populares, o espetáculo, cuja direção é da própria Regina, é um presente para seus fãs, mas um presente “de grego”. Há pouco de realmente bom em “Raimunda, Raimunda”, além, de como já se disse, a faceirice de uma grande e querida atriz de televisão no palco.
            O texto do espetáculo não só é mal escrito como de péssimo gosto. Dividida em duas partes, a peça começa com o vídeo da explosão da bomba de Hiroshima. Na seqüência, uma cena em que Ramanda (Duarte) e Ruda, ou 3.1 (Segreto), pairam em um mundo sem oxigênio, sem vida em busca de um paraíso inventado por ela (São Saruê). No diálogo, uma série longa de explicações ao público sobre a realidade da cena, sempre informando mais do que dizendo, completando mais do que embelezando. O texto parece concluir-se em si, sem deixar a possibilidade do leitor dar sentido a ele. O teatro, nesse contexto, está vazio. Não há conflito, não há curva dramática, não há ação, mas sobram descrições. O que poderia ser teatro do absurdo morre nas intenções de Ramanda que quer conquistar o hermafrodita Rudá, situando a primeira parte de “Raimunda, Raimunda” em um meio do caminho entre gêneros cênico-narrativos.
            A segunda parte da peça é felizmente melhor que a primeira. Regina Duarte interpreta Raimunda, uma menina cearense com lábios leporinos que quer ser enfermeira, corrigir a própria boca e, assim, ser feliz como julga serem as outras mulheres. Com duas amigas, ela parte do sertão para o Rio de Janeiro, vivenciando, no caminho, toda a sorte de desafios. É aí que vemos Regina na sua melhor participação, a brincar com a doçura da personagem, seus sonhos, suas vontades. O texto é um épico, de forma que as cenas se organizam como desafios para a heroína na conquista de seu objetivo. A encenação, infelizmente, não tem resultados interessantes. Como diretora de teatro, Regina Duarte é como alguém que quer escrever, mas não tem vocabulário. Suas opções estéticas são pobres, seus recursos de linguagem cênica são básicos e o resultado é uma peça que fica muito aquém de suas possibilidades. Cenas rápidas são cortadas pela narração em off. O cenário se vê a partir de projeções. Os personagens, construídos a partir de suas características superficiais, lembram positivamente as figuras farsescas, mas lhes faltam uma trama amarrada que dê ritmo, curva narrativa e motivação. Os belos figurinos de Regina Carvalho, com supervisão de Beth Filipecki e de Renaldo Machado, e as excelentes interpretações (dentro das possibilidades) de Gustavo Rodrigues, de Milton Filho e de Rodrigo Candelot, não são suficientes para cobrir as negativas contribuições do cenário vazio de José Dias, da iluminação ilustrativa de Djalma Amaral e de Wilson Reiz e da confusa eleição de trilha sonora de Charles Kahn.
            O pior do texto de “Raimunda, Raimunda” é a forma como, nele, se relacionam as duas cenas, concluindo a segunda. O bombardeamento das cidades de Hiroshima e de Nagasaki assassinou, em poucos segundos, mais de duzentas mil pessoas, sendo esse um dos maiores crimes da história moderna. Fazer brincadeira disso, situando uma cearense como testemunha ocular do fato, é uma piada de imenso mau gosto. De forma que, ao final, ficam o parabéns pela coragem de aventurar-se como diretora de um espetáculo teatral e o agradecimento por uma produção tão próxima do grande público em uma comemoração tão especial, mas a certeza de que o teatro carioca bem poderia ter passado sem essa.

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Ficha Técnica
Textos: Ramanda e Rudá e Raimunda Pinto
Autor: Francisco Pereira da Silva
Direção: Regina Duarte

Elenco
Regina Duarte
André Cursino
Gustavo Rodrigues
Henrique Pinho
Milton Filho
Ricardo Soares
Rodrigo Candelot
Saulo Segreto
Rodrigo Becker

Cenografia: José Dias
Figurinos: Regina Carvalho com supervisão de Beth Filipecki e Renaldo Machado
Assistente de Direção: Amanda Mendes
Direção de Movimento: Suely Guerra
Trilha Sonora: Charles Kahn
Iluminação: Wilson Reiz
Assistente de Produção: Leonardo Gall e Thiago Monteiro
Direção de Produção: Humberto Braga
Idealização e Coordenação Geral: Hermes Frederico
Produção: Frederico e Osório Produções Culturais Ltda.

terça-feira, 26 de junho de 2012

O trem, o vagão e a moça de luvas (RJ)

Foto: divulgação

Quando o teatro fala bem

                “O trem, o vagão e a moça de luvas” foi escrito há dez anos por Xico Abreu, conhecido pelos musicais infantis “O Cravo e a Rosa”, “O Espetacular Circo das Pulgas Elétricas” e “Minha mais que amiga árvore”. O texto, agora montado pela Pyramo Proarte e pela XA Realliz não tem nada nem de musical, nem de infantil. Trata-se de uma comédia romântica, com todos os clichês com os quais convivemos nos últimos vinte anos principalmente. Duas pessoas desconhecidas se encontram num vagão do metrô/trem, o último da noite. Estão sozinhos. Ele puxa conversa, ela desconversa. Ele insiste, ela reage. Os dois brigam, os dois se beijam, os dois se descobrem um na vida solitária do outro. De olhos e ouvidos fechados, marcando no relógio, podemos descrever tudo o que acontece a partir da dada situação inicial. Não há nada de errado nisso. Ao contrário, quem gosta do gênero quer justamente ver isso. E vê com uma certa qualidade destacável tanto no texto, passando pelas ótimas interpretações e chegando no cuidado visual de extremo bom gosto. Abreu enche o texto de boas perguntas e muitas perguntas como respostas, dando um falso ar de contemporaneidade a uma história nem tanto assim.
                A produção, dirigida por Renato Rocha, da Intrépida Trupe, da Os Inomináveis, da Cia Bufômecânica e da Royal Shakespeare Company, tem dois grandes méritos: a interpretação dos atores Babú Santana e Flávia Pyramo e o cenário de Flávio Papi. Tanto Santana como Pyramo, ambos atores conhecidos por seus trabalhos no cinema e na televisão, além de uma sólida carreira, no caso dela, no teatro, deixam marcas profundas de realismo, algo absolutamente essencial para o gênero cênico-narrativo em questão. Há reflexões, há emoção, há pausas bem dadas e há tergiversações, de forma que o que se diz é crível, porque parece ser real, ou melhor, próximo do mundo além da ficção. O realismo no tom do discurso deixa a poética ainda mais impactante, a saber, os momentos em que a relação dos dois fica mais intensa a ponto de praticarem atos proibidos para viajantes de e no trem. Essa equilibrada dosagem de sentidos, prevista pela concepção da direção de Rocha, é o que faz o espectador pular da pasmaceira comum da trama e descobrir algo que diferencie a história e, consequentemente, torne o encontro teatral mais sublime. A dupla de atores, no seu falar macio, mas potente, no gestual cambaleante e sinuoso e na sua disposição de fazer desse encontro algo marcante para os seus personagens, apresenta um trabalho cuja excelência vale aplausos.
                Flávio Papi constrói um universo urbano em miniatura no palco e em volta dele que seria melhor fruído fosse o espetáculo apresentado em uma arena. No italiano do Teatro Serrador, cuja reabertura é honra e é mérito do Grupo Alfândega 88, apenas parte da potência da instalação é vista. Mesmo assim, a forma como os personagens ficam grandiosos em meio à turbulência e ao caos da vida cotidiana, essa cheia de carros, prédios e buzinas, tem algo a dizer. E o dito é mais um elemento que torna especial ir assistir a essa peça. Complementam-se aí os figurinos de Gabriella Marra, que dão aos personagens o direito de esconder-se contra o frio, mas também contra outros seres humanos; a iluminação de Paulo César Medeiros, que dá ritmo à trama, juntamente com a trilha sonora original de Pedro Bernandes, ambos lembrando o espectador de que estamos em um local público, um trem, um metrô em que os desvios não são possíveis e as decisões de ficar nessa estação ou seguir viagem pode ser definitiva.  Saber que, ao fim da apresentação, o espectador pode subir ao palco e contemplar mais de perto a instalação de Papi é um alento.
                As relações humanas é tema de todas as boas histórias. O grande ganho que essa montagem traz não é o de falar sobre o homem ou sobre o homem contemporâneo, mas o de falar bem, isto é, usar o teatro de forma enriquecedora para a arte, para o gênero, para os artistas e para o público.
               
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FICHA TÉCNICA

Texto: Xico Abreu | Concepção: Flávia Pyramo e Renato Rocha | Direção: Renato Rocha | Co-Direção: Pierre Santos | Elenco: Babú Santana e Flávia Pyramo | Cenografia: Flávio Papi | Iluminação: Paulo César Medeiros | Trilha Sonora Original: Pedro Bernardes | Videomaker: Bruno Queiroz | Figurinos: Gabriella Marra | Preparação de Elenco: Miwa Yanagizawa | Preparação Corporal: Paulo Mantuano | Assessoria de Imprensa: Ney Motta | Projeto Gráfico: Alexandre de Castro | Fotos do Programa: Priscila Villas Bôas | Fotos de Divulgação: Guto Muniz | Assistente de Cenografia: André Santinho | Cenotécnicos: André Santinho e Equipe Papi Maquetes | Pesquisa Sonora e Técnico de Gravação e Mixagem: Ramiro Mart | Operador de Som e Vídeo: Pierre Santos | Operador de Luz: Wendel Barros | Equipe Montagem de Cenário e Luz: André Santinho e Wendel Barros | Contra-Regra: André Santinho | Assistente de Produção: Sandra Fonseca | Administração e Prestação de Contas: Luciana Fávero | Produtor Executivo: Leandro Vieira | Diretor de Produção: Paulo Mattos | Coordenação do Projeto: Flávia Pyramo | Realização: Pyramo Proarte | Patrocínio: Rede Ponto Certo, Caixa Econômica Federal e Governo Federal, Conprem, Tiisa, GE Transportation, Alstom, Supervia e Pifer.


domingo, 24 de junho de 2012

Pinocchio - O Musical (RJ)

Foto: divulgação

Pinocchio: diverte as crianças e emociona os adultos

            “Pinocchio – O Musical” está em cartaz no teatro Clara Nunes, no Shopping da Gávea, proporcionando às crianças e as suas famílias um espetáculo infantil de boa qualidade. O texto vem de uma adaptação de Anderson de Oliveira do clássico do italiano Carlo Collodi (1826-1890), “As aventuras de Pinocchio”, lançado em 1883, e também do filme de animação de 1940 (Walt Disney). A produção reúne um bom elenco que canta afinadamente um divertido repertório de canções de Jardel Muniz e de Luiz Lopes, com arranjos de Dalton Coelho, dançando as vibrantes coreografias de Anacleto Alves.
            A história é simples e conhecida, mas não custa lembrar. Pinocchio, assim como Eliza Doolitle (“My fair lady”), é um personagem diretamente ligado à lenda de Pigmalião e Galatéia, o escultor que se apaixona por sua obra que, pelas mãos dos deuses, ganha vida. O escultor aqui se chama Geppetto e a obra é o boneco de madeira, roupas de papel e chapéu de pão Pinocchio, que se torna um menino pela bondade da Fada Azul. O tom moralista aproxima a obra de todas as outras do gênero infantil: como tantas, essa é mais uma escrita para educar as crianças, antes de diverti-las. Não mentir, não conversar com estranhos, não faltar à escola são algumas das lições que o protagonista aprende enquanto ensina nessa obra.
            Igor Veloso (João Grilo), Fernanda Alencar (Gideão), Rodrigo Rosado (João Honesto), Nunny Passos (Fada Azul), Rafael de Castro (Gepetto / Stromboli) e Tauã Delmiro (Pinocchio) são os atores que compõem o elenco quase todo excelente. Ágeis, com ótima dicção e intenções bem claras, as interpretações chamam a atenção dos menores e também de seus familiares e amigos. Apesar da linda voz, Nunny Passos  é a única participação negativa, porque deixa dúvidas sobre sua personagem. Ironia nas falas, gestos bruscos e feições sérias abrem a possibilidade para que pensemos ser ela uma bruxa e não uma fada em que devemos confiar e gostar. Seu figurino também não lhe ajuda, uma vez que o tutu traz uma certa sensualidade desnecessária à concepção da peça como um todo.
            Com a mesma intensidade com que são meritosos os figurinos de Simone de Lima, é ruim o cenário de Luciano Heiras. Com destaques na roupa do protagonista e na dupla João Honesto e Gideão, os atores usam vestimentas cujos detalhes são visíveis e nobres. No entanto, as pesadas caixas em madeira bruta pesam o palco, porque dificultam a movimentação (sobretudo na cena de perseguição), a cidade que se vê a partir delas não justifica o uso do recurso e estão o tempo inteiro no palco de forma que não contribuem para a evolução da narrativa. Assim, não trazem nada de positivo, principalmente em relação à questão estética e, nesse caso, considera-se também a cama de Gepetto, ainda pior. Os elásticos presos na rotunda com bicos de luz pendurados também não agregam valor.
            A direção de Anderson Oliveira, com altos e baixos, recebe avaliação positiva pela energia do grupo que contagia as crianças. A história é contada em um ritmo rápido que prende a atenção das crianças e emociona o público adulto que, como Pinocchio, aprende a viver vivendo.

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Ficha Técnica:
Texto e Direção: Anderson Oliveira
Elenco: Igor Veloso, Fernanda Alencar, Rodrigo Rosado, Nunny Passos, Rafael de Castro e Tauã Delmiro
Assistentes de Direção: Ronize Carrilho e Luciano Heiras
Figurinos: Simone de Lima
Cenário: Luciano Heiras
Musicas: Jardel Muniz e Luiz Lopes
Arranjos: Dalton Coelho
Coreografias: Anacleto Alves
Preparação Vocal: Juliana Veronezi
Iluminação: Anderson Ratto
Direção de Produção: Fabricio Chianello
Produção Executiva: Lucas Mansor
Assistente de Produção: Pedro Martins
Programação Visual: Dominos Santana
Assessoria de Imprensa: Fábio Amaral
Realização: Ymbú Entretenimento e R&A Produções

sábado, 23 de junho de 2012

Histórias que o eco canta (RJ)


Foto: divulgação

Carente de organização

            Produção da Cia. Escaramucha, “Histórias que o eco canta” é uma adaptação para teatro de três contos de Oscar Wilde: “O rouxinol e a rosa”, “O aniversário da infanta” e “O gigante egoísta”. Dirigida por Ilo Krugli, com co-direção de Ribamar Ribeiro, o espetáculo foi encenado em 1994 (uma única apresentação), reestreando em junho de 2012 no Teatro Municipal Ziembinski.

(A produção diz ter sido premiada na primeira apresentação. Os espetáculos com a assinatura de Ribamar Ribeiro têm o mal costume de anunciar-se como premiados sem que se saiba de quais prêmios se tratam. O certo é que participações em festivais amadores não são relevantes a produções que, agora, se apresentam em horário comercial.)

            O grande mérito da produção são as belas canções, tão belamente cantadas e tocadas pelo grupo de atores-musicos. A direção musical de Caíque Botkay confere graça à obra na medida em que a utilização dos instrumentos musicais e as interpretações das músicas sem o uso de microfones são claras e boas de ouvir. Como destaques positivos no elenco, vale citar Mariana Xavier e Diego de Abreu, cujas vozes são afinadas e as participações são envolventes: em ambos, há emoção, leveza nos gestos, clareza na oratória, verdade nas entonações.
            Infelizmente, sobram aspectos negativos, resultantes de uma ou duas más direções: a dramaturgia é complicada, os aspectos visuais são mal considerados e a movimentação é confusa. Vamos por partes.
            É verdade que tanto crianças como adultos gostam de boas histórias, mas é mentira que narrativas que servem para adultos também servem para crianças. Por narrativa, aqui, não se quer dizer a história em si, mas o jeito, a forma como ela é contada. Ou seja, crianças vão perceber alguns elementos, adultos outros. Desde Piaget, sabe-se que, quanto menos adulto for o ser, mais difícil fica a relação espaço-tempo. Em “Histórias que o eco canta”, as músicas, o gigante e o colorido de parte da rotunda são os elementos mais importantes para as crianças, enquanto que os mais adultos vão prestar a atenção na evolução dos três contos. Ao invés de contar uma história, depois outra e, por fim, a última, o grupo optou por contar as três de forma concomitante, o que complica a narrativa seja para quem for o público, pois os três contos não têm a mesma estrutura dramática (ver o caso de “Palácio do Fim”), além de fazer prever o fim.
            Há uma larga confusão no uso das texturas nos figurinos de Ney Madeira. Tanto os atores como os bonecos usam retalhos de tecidos de traçados diferentes e nenhum deles é bem costurado, de forma que sobram desfios, rasgos e más costuras. As roupas neutras são em tons pastéis, igualando-se com os tons dos cenários de Derô Martins – rotunda positiva em arco-íris, mas carrinhos de madeira bruta praticamente sem serventias. Além disso, há muitos adereços em papéis (alguns em jornais), o que é um decréscimo para produção. No final do espetáculo, o palco está uma bagunça bastante negativa.
            Por fim, a movimentação dos atores não têm uma ordem clara. Algumas vezes, os objetos de cena são tirados da própria cena. Em outras, os atores vão à coxia buscar o que falta para contar a história. O entra e sai evolui a ponto de se aproximar a um caos nada interessante à graça anunciada na execução das canções.
            “Histórias que o eco canta” necessita de organização para figurar entre as produções profissionais de qualidade no Rio de Janeiro.

*

Ficha técnica
Texto e direção: Ilo Krugli
Direção Artística: Ilo Krugli e Ribamar Ribeiro
Elenco: Ana Berttines, Diego de Abreu, Flavio Vidaurre, Laura Becker, Mariana Xavier, Renata Tavares, Rômulo Rodrigues
Co-direção : Ribamar Ribeiro
Direção musical e arranjos - Caique Botkay
Figurinos- Ney Madeira
Cenário- Derô Martin
Iluminação - Djalma Amaral
Direção de movimento - Sueli Guerra
Preparação vocal - Pedro Lima
Preparação musical - Daniel Fernandes
Realização - Cia Escaramucha de Teatro
Produção - Prama Comunicação

A volta ao lar (RJ)


Foto: Guga Melgar

A excelência de Pinter em uma produção de alto nível

            Harold Pinter (1930-2008) levou seis semanas do ano de 1964 para escrever, é possível, uma de suas melhores peças: “A volta ao lar” (The Homecoming). Publicada um ano depois, ganhou o Tony Award de melhor espetáculo de 1967, e está agora na programação teatral carioca no Teatro do Centro Cultural dos Correios. Outrora, eu disse nesse blog que “Harold Pinter está no exato oposto de Woody Allen, outro importante dramaturgo da segunda metade do século, que também discute as relações sob a égide da civilidade aprisionante. A diferença é que, em Allen, está nas palavras o jogo essencial da narrativa enquanto, em Pinter, a beleza está no silêncio” (ver a crítica de “Traição”). Agora, considerando que este texto faz parte da primeira fase do dramaturgo britânico, é preciso que se diga que a peça vale por ser, além de muitas coisas, um excepcional exemplo de boa dramaturgia sem plot, sem conflito, sem personagens bem construídos, o que põe a terra todas as teorias costumeiras de análise do texto narrativo. Em “A volta ao lar”, tem-se apenas a situação, essa bem ilustrada, e nada mais. No caso do espetáculo, cuja montagem atual é dirigida por Bruce Gomlevsky, os valores do texto ganham novos contornos na encenação, que preserva o ritmo, as pausas, os silêncios, as entonações, a riqueza dos não-ditos tão célebres e importantes na dramaturgia de Pinter. O sexo, a violência, o lugar da mulher na sociedade são temas presentes nessa obra que responde elegantemente à enxurrada cafona de peças feministas sobre Vênus, Marte, o que elas querem e o que eles fazem. É um excelente programa para quem gosta de teatro que diverte enquanto faz pensar, de diálogos que bem funcionam como armas, de piadas de altíssimo nível e encenação de bom gosto.
            Em Londres, na casa, moram Max, um açougueiro aposentado; e seu irmão Sam, um chauffer; além dos dois filhos mais novos do primeiro: Lenny, um boa vida; e Joey, um operário de demolição que pratica boxe. A peça começa com a chegada de Teddy, o filho mais velho de Max; e sua esposa Ruth. O casal, que mora nos Estados Unidos há seis anos, vem de Veneza, encerrando uma viagem à Europa. A visita tem um motivo: a família de Teddy não conhece sua esposa, como também não sabia que o filho, um professor de filosofia, estava casado há tanto tempo. “A volta ao lar” faz alusão à parábola do filho pródigo, porque Teddy volta para casa depois de tanto tempo longe dela, mas também ao livro de Ruth, aquela que deixou às raízes familiares de menina e assumiu os compromissos de mulher, acompanhando a sua sogra ao invés de voltar a casa de seus pais quando morreu seu marido. O nome Teddy também não é por acaso: esse é como os americanos chamam o urso salvo por seu presidente Teddy Roosevelt, no início do século XX, numa caçada.  Ruth, possivelmente uma ex-prostituta, substitui o lugar de Jessy, a falecida esposa de Max, possivelmente também uma ex-prostituta. O falar acadêmico de Teddy é o similar para a verborragia de Max e de Lenny, enquanto Joey expressa a falta de lógica nas relações familiares e Sam a sua degradação a partir do ideal burguês de família. O jogo consiste em um não-jogo, ou melhor, no conhecimento das regras que separam e aproximam os jogadores.
            Tonico Pereira (Max), Jaime Leibovitch (Sam), Sergio Guizé (Joey), Bruce Gomlevsky (Lenny), Gustavo Damasceno (Teddy) e Arieta Corrêa (Ruth) são os atores que compõe o afinado elenco, cada um um destaque especial dentro das sugestões que Pinter e Gomlevsky deixam para cada personagem. Entre todos, a participação de Tonico Pereira vale um aplauso aparte pela forma absolutamente vibrante com que o ator dá vida ao personagem do patriarca. Outra participação especial é a de Arieta Corrêa pela forma perspicaz com que a atriz dialoga com o público, estabelecendo uma linha crítica com a plateia, o que é excelente, sobretudo quando se trata da questão feminina.  Ratifica-se, porém, o fato de que todos os atores brilham em uníssono em "A volta ao lar", espetáculo que também tem excelentes figurinos de Rita Murtinho, uma adequada escolha de trilha sonora de Gomlevsky e uma sensível iluminação de Luiz Paulo Nenen. O cenário de Bel Lobo está, de forma bastante positiva, interrelacionada à encenação. As pareces revestidas de carpete, o sofá de coro, os móveis antigos e, ao mesmo tempo, velhos dão à peça a masculinidade contida no texto e, com igual força, são marca do ranço dessa família cuja história se repete na nova geração. 
               "A volta ao lar" é uma produção que homenageia o teatro e o diálogo bem escrito, além de ser uma "bomba" nas discussões sobre as relações na contemporaneidade. Um excelente espetáculo!

*
Ficha técnica:
Elenco:
Arieta Corrêa
Bruce Gomlevsky
Gustavo Damasceno
Jaime Leibovitch
Sergio Guizé
e
Tonico Pereira

Texto: Harold Pinter
Direção: Bruce Gomlevsky
Tradução: Millôr Fernandes
Cenografia: Bel Lobo
Iluminação: Luiz Paulo Nenen
Figurinos: Rita Murtinho
Trilha Sonora: Bruce Gomlevsky
Projeto Gráfico: Redondo Estratégia + Design
Assessoria de Imprensa: João Pontes e Stella Stephany
Direção de Produção e Controle Financeiro: Carlos Grun
Produção Executiva: Priscila Fialho
Assistente de Direção: Glauce Guima
Assistentes de Cenário: Marina Piguet e Lila Marques
Assistente de Figurino: Vitor Saraiva
Direção de Palco e Contrarregra: Morena Buzar
Produção: BG artEntretenimento Ltda
Realização: Cia Teatro Esplendor

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Uma noite na lua (RJ)


Foto: divulgação

O encontro teatral
  
            “Uma noite na lua” é o belo monólogo em cartaz no Teatro do Jockey no Rio de Janeiro, interpretado por Gregório Duvivier. Lançado em 1998, com Marco Nanini, o texto volta aos palcos pelas mãos do mesmo diretor, João Falcão, que também é o autor da história, bem como das canções originais e dos movimentos de iluminação. Trata-se de uma história simples: numa festa, um jovem toma coragem e informa um ator de que tem um texto para ele. O ator responde com o compromisso de procura-lo no dia seguinte para pegar a obra. O conflito surge a partir de um fato: o texto ainda não foi escrito. O jovem volta para a casa e passa a noite tentando escrever uma peça, começando sempre pelo mesmo ponto: “Um homem está no palco pensando.” Premiado no fim dos anos 90, o espetáculo novamente agora é digno de prêmios. A interpretação de Duvivier é sólida. A encenação é potente. A iluminação é um personagem bem usado.
O jovem protagonista fora abandonado pela namorada/esposa, mulher de sua vida. Negando-se a pensar nela, é nela que ele não pára de pensar. Como ela reagiria, o que ela pensaria, por que ela foi embora? O jogo de negação e afirmação, de disposição e contrariedade, de medo e coragem dá um certo tom expressionista para o ritmo da narrativa. O personagem se perde em fantasmas, em figuras disformes, em histórias sem lógica, entortadas pela emoção da madrugada. Como em Kafka ou em O Gabinete do Dr. Caligari, o protagonista viaja por um mundo desconhecido que, na verdade, é ele próprio em um mar de expectativas. A comédia vem da possível inexistência de metáforas, o que deixa a história leve e o ritmo mais fluente. A poesia vem da simplicidade: a encenação não tem vídeos, não tem cenários, não é sustentada por nada que não seja fisicamente o ator. E um ator que exibe um excelente uso da técnica cênica.
Gregório Duvivier tem uma voz agradável aos ouvidos e canta belamente. Seus gestos são afinadíssimos em detalhes mínimos e em movimentos grandiosos. Seu corpo é ágil e ele usa de diversos tons ao se comunicar proxemicamente (o ator em relação ao espaço) e oralmente. O resultado é vibrante. Sozinho em cena, o personagem tem várias companhias, todas elas interpretadas pela iluminação, cujo uso decorre de variações no ritmo das mudanças, nas cores, no tamanho dos focos e na evolução dos quadros por ela construídos. O jogo de luz e sombra faz aumentar o expressionismo apontado no texto, trazendo ganhos estéticos surpreendentes para o teatro. O figurino negro de Hugo Leão, com positiva quebra de tons no par de meias, traz charme, reforçando a delicadeza desse homem só, preso em devaneios, na lua talvez. O todo é coerente e coeso, oferecendo aos olhos da plateia uma significativa união entre a forma que se vê e a história a que se assiste: o modo como se conta é também, afinal, o que se conta.
“Uma noite na lua” traz um ator, interpretando um personagem, diante de um público. Eis uma valorosa obra que celebra o encontro teatral: o momento em que se constrói a lua, Berenice e uma história a ser contada.

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Ficha técnica:
Dramaturgia, canção original, iluminação e direção geral: João Falcão
Ator: Gregório Duvivier
Direção Musical: Dani Black e Maycon Ananias
Programação de luz: Cesar Ramires
Técnico de som: Branco Ferreira
Figurino: Hugo Leão
Direção de produção: Paloma Varejão e Fernanda Faria
Consultoria de produção: Jô Abdu
Assessoria de Imprensa: Smart Mídia Comunição – André Gomes e Carla de Gonzales
Programador visual – Júlia Coelho
Assistente de programação: Fabio Steinberger
Preparador corporal – Gilvan Gomes
Assistente de direção: João Vancini
Assistente de produção: Jhon Santana
Fotografia: Renato Mangolin
Intérpretes de Libras: Jadson Abraão e Davi de Jesus
Making of: Frederico Cardoso
Assistente de Memorização: Clarice Falcão

quarta-feira, 20 de junho de 2012

K - Uma leitura d'O Castelo (RJ)

Foto: divulgação

As regras nas relações

            O alemão Franz Kafka (1883-1924) escreveu “O Castelo” em 1922, mas o romance só foi publicado quatro anos depois. Juntamente com “A Metamorfose” e “O Processo”, trata-se de um de seus livros mais conhecidos ao redor do mundo. Com uma adaptação excepcional de Weydson Leal, a obra literária ganhou produção cênica sob direção de Moacyr Góes pela Cia Escola 2 Bufões. O espetáculo tem dois méritos fundamentais: a reprodução do ritmo desconfortável do original e a excelente trilha sonora de Ary Sperling, que auxilia o espectador na batalha contra a peculiar passagem de tempo da narrativa kafkaniana.
            Um topógrafo chamado K chega à aldeia. Ele foi contratado pelo Conde, o dono da região e do que há nela, que mora no Castelo. O conflito começa quando não lhe chegam ordens claras do que deve ser feito. Um senhor chamado Klamm se dirige a ele através de mensagens, mas, adiante, K ficará sabendo que as missivas não são entregues no tempo necessário e que ninguém sabe ao certo quem é Klamm, nem como chegar até ele. Sem pertencer ao seleto e respeitável grupo que habita ou que tem permissão para entrar no Castelo, e nem tampouco ser bem recebido pelos moradores da aldeia, o protagonista investiga a sua situação com determinação: quer saber quem o contratou, para o quê, sob quais condições. Inicia aí a sua trajetória para dentro dos meandros de uma sociedade sem lógica, desconfortável, burocraticamente pantanosa. Eis o universo de Kafka, que pode ser considerado hoje como expressionista. O ritmo é advertidamente lento, porque interessa ao autor, seja do livro, seja da peça, a irritação do público, a insatisfação, a inadequação de alguém que quer ver soluções. Em busca de respostas, encontram-se mais perguntas e cada vez menos certezas. A metáfora dá conta da sociedade urbana do início do século XX, a massificação, a frieza das relações, os códigos que organizam (?) a sociedade.
            Góes reproduz a situação na interpretação dos atores, mas também nos signos visuais. O cenário de José Dias, uma estrutura em ferro cheia de ganchos nos quais adereços são pendurados, é baixo, de forma que os intérpretes ficam encurvados ao andar nele, além de cuidadosos para não se esbarrarem. O local é rodeado por bonecos que são similares aos atores e ficam, como tais, sempre a observar o que acontece, voyeurs.  Elenco e bonecos vestem tecidos pesados nos figurinos de Carol Lobato, têm os cabelos pintados de vermelho, excetuando o ator que interpreta K, o que o marca como um estrangeiro. A iluminação incisiva de Cezar Moraes reforça o tom angustiante da obra de forma positiva. Em se tratando da música, as composições de Ary Sperling entoam a narrativa, ajudando a história ficar mais teatral, isto é, possível de ser fruída no teatro com altos ganhos significativos.
            No elenco, composto por Carla Rosa Guidacci, Ricardo Damasceno, Daniel Villas, Sergio Kauffmann, Daniel Carneiro (Jeremias) e Leon Góes (K), destacam-se positivamente os dois últimos. Ambos sustentam a frieza kafkaniana com verdade, multitonais, com respirações críveis e apagando as marcas de construções prévias, embora no protagonista faltem nuances que definam os diferentes momentos da história como uma evolução crescente. Guidacci, que interpretada todos os personagens femininos, é quem apresenta o resultado menos positivo. Com uma construção emocional demais, a atriz constrói tipos superficiais que são bons, mas não contribuem para o realismo do gênero em questão.
            Na direção de Moacyr Góes, ocorrem dois momentos: um positivo e outro negativo. Enquanto as cenas são bem construídas, marcadas com a precisão burocrática de que trata o tema, as trocas de cenário são lentas a ponto de parecerem maiores que as próprias cenas. Uma vez que o ritmo é regular, o desconforto gerado, a partir desse aspecto, é negativo.
            A neve em papéis que expõem a carpintaria teatral na contagem da história, o texto dito de forma clara e movimentos precisos, de uma forma geral, os elementos compõem um todo visual de extremo bom gosto, caracterizando a produção como a valorizar as suas raízes teatrais e literárias. “K – Uma leitura d’O Castelo” discute as regras que norteiam as relações colocando-as sob lentes de aumento. Escrito há noventa anos, ainda tem muito o que dizer.

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Ficha técnica:

Adaptação da obra literária "O Castelo", de F. Kafka, por Weydson Leal.
Direção: Moacyr Góes
Elenco: Leon Góes, Carla Rosa Guidacci, Daniel Carneiro, Daniel Villas, Ricardo Damasceno e Sergio Kauffmann.
Ass. de Direção: Deborah Engiel e Maria Paranaguá
Trilha original: Ary Sperling
Cenário: José Dias
Figurino: Carol Lobato
Iluminação: César Moraes
Visagismo: Beto Carramanhos
Preparação Corporal: Felipe Khoury
Programação Visual: Dely Bentes
Produção: Caroline Alcova
Assessoria de Imprensa: JS Pontes Comunicação
João Pontes e Stella Sthephany

domingo, 17 de junho de 2012

O beijo no asfalto (RJ)


Foto: Carol Beiriz

Com pontos positivos e negativos

            Mesmo no caso de Nelson Rodrigues, não há jeito certo ou jeito errado de fazer teatro, ao contrário do que frequentemente se apregoa por aí. Nesse ano, em especial, muitas são e serão as montagens do mais aclamado dramaturgo brasileiro do século XX e, talvez, de todos os outros. Em 2012, ele completaria 100 anos se não tivesse falecido no fim de 1980. Deixou uma vasta obra literária, além de suas peças, a saber crônicas e romances, que merece ser lida. Há alguns meses, no Rio de Janeiro, houve a apresentação de Vestida de Noiva e, em cartaz também, está por esses dias Dorotéia. Agora, a Canampo Produções Artísticas apresenta “O Beijo no Asfalto” de uma forma mediana, mas valorosa. Dirigida por César Rodrigues com codireção de Roberto Bomtempo, a peça oferece os mesmos desafios que qualquer texto a qualquer encenador. Personagens realistas-naturalistas em trama melodramática é o jeito mais confortável no caso aqui, isto é, o caminho que permite melhores resultados mais facilmente. Há diretores que fogem dessa opção e produzem trabalhos inusitados, mas elogiáveis. Há outros que não. Aqui, nessa montagem, uma concepção não de todo amarrada merece elogios em alguns aspectos e ressalvas em outros não a partir de qualquer inexistente receita pronta, mas pela forma como sugere seu olhar por sobre a obra rodriguiana.
            Os personagens de Nelson Rodrigues, quando postos além de qualquer julgamento, quando vistos como tais porque não lhes coube outra alternativa que não ser como são (realistas-naturalistas), encontram-se em enredos repletos de relações de causa e efeito, purgando seus males, cumprindo seus destinos, admirando atos heróicos e tendo muito claro o que é certo e o que é errado (melodrama). A direção de César Rodrigues atinge ótimos resultados nas interpretações do jornalista Amado Ribeiro (Xando Graça), de Aprígio (Roberto Bomtempo), da Viúva e da D. Judith (Fernanda Boechat), do Chefe Weneck (Cristiano Garcia) e de Dália (Mariah Rocha), porque elas exibem construções fortes, limpas, com a profundidade realista e as emoções à flor da pele, indicando o caminho escolhido pela concepção, embora nem de todo seguido enquanto linguagem. Nesse grupo, se destaca positivamente Graça pela ardilosidade na sua composição, ganhando, não só por isso, importância de protagonista. Caetano O’Maihlan constrói no corpo o Delegado, mas não o viabiliza a contento na voz, essa frágil para o personagem. O problema maior, porque incoerente, está em Selminha (Letícia Cannavale), cujo jeito coloquial de dizer o texto e cuja despretensão com que se movimenta, arruma o cabelo e gesticula aproxima a peça da comédia de costumes ou do drama realista, que é muito próximo do real além da narrativa e, por isso, fica aqui sem força. O personagem Arandir é um desafio para o intérprete e Augusto Garcia o vence bem, mas não com excelência. Anti-herói, a figura nega o que dizem dele, foge do caminho que lhe propõem, não reage. A vitimização requer nuances para não ser óbvia, mas inteligente. Esse é o ponto que falta nessa construção.
            Aurélio de Simoni criou com seu desenho de luz os limites que marcam o espaço cênico, sem fecha-lo, de forma que, no palco, se vêem esquinas, ambientes internos e externos, além de ambientes dentro de outros ambientes. No entanto, há alguns problemas de ordem prática. Não há nem gerais e nem black-outs, isto é, à meia luz, vemos as cenas serem construídas e desconstruídas e, em alguns momentos, não vemos os personagens com plenitude. Diminuídas as possibilidades de total envolvimento com a narrativa, o ritmo permanece regularmente mais lento do que poderia, restando ao texto a responsabilidade de fazer a peça “ir mais rápida”. O figurino de Thiago Mendonça acrescenta pontos positivos sem grandes destaques.
            De todas as sugestões estéticas, o cenário de Daniele Geammal é o ponto alto da produção. Com cada vez mais fardos de jornais em cena, a situação parece se afundar no disque-disque midiático, produzindo a sensação de sufocamento tão cara ao realismo-naturalismo.  A opinão alheia, as verdades paralelas, a versão sensacionalista parece valer mais que o próprio homem ou que os próprios homens, outra razão para o protagonismo do personagem Amado Ribeiro. A sinalização, no programa da peça, de que tudo isso, mesmo grandioso hoje, poderá apenas enrolar “peixe” no dia de amanhã coroa significativamente a produção como meritosa.

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Ficha técnica
Texto: Nelson Rodrigues
Direção: César Rodrigues
Codireção: Roberto Bomtempo

Elenco:
Augusto Garcia - Arandir
Caetano O'maihlan - Delegado Cunha
Cristiano Garcia - Werneck
Fernanda Boechat - D. Judith/Viúva
Giordano Becheleni - Investigador Aruba/Barros
Letícia Cannavale - Selminha
Mariah Rocha - Dália
Roberto Bomtempo - Aprígio
Thiago Mendonça - Pimentel
Van Loppes - D. Matilde
Xando Graça - Amado Ribeiro

Assistente de direção: Leandro Baumgratz e Van Lopes
Iluminação: Aurélio de Simoni
Cenário: Daniele Geammal
Figurino: Thiago Mendonça
Arte gráfica: Tarcísio Lara Puiati
Produção executiva: Camila Fernanda Maia
Direção de produção: Ana Paula Sant'Anna
Gestão do projeto: Augusto Garcia, Letícia Cannavale e Roberto Bomtempo
Realização: Canampo Produções Artísticas Ltda.

sábado, 16 de junho de 2012

Querida Helena Serguêivna (RJ)


Foto: divulgação

Uma peça sobre ética: divertimento de altíssimo nível

            O realismo diz coisas que, talvez, só o bom teatro contemporâneo consegue dizer. O problema é que, enquanto o segundo só diz para alguns, o outro diz para todos. “Querida Helena Serguêivna” é uma excelente produção em cartaz no Teatro Poeirinha que atualiza com puljância o gênero realismo psicológico como raramente se vê. Embora pareça, a peça não foi escrita nem por Ibsen, nem por Tchekhov, mas é o primeiro trabalho de Ludmila Razoumovskaya, uma dramaturga russa, nascida em 1946. Escrito no final dos anos 70, o texto, uma encomenda do Ministério da Cultura da ex-União Soviética, foi encenado pela primeira vez em 1981, mas censurado logo em seguida com a alegação de que os estudantes nele eram vistos de forma imoral em um desenho realista demais. Antes de ser banida, a peça foi encenada em mais de vinte teatros da antiga União e, depois da perestroika, traduzida para vários idiomas, ganhando o mundo. Filme, pelas mãos de Eldar Ryazanov, trata-se de apenas um de uma coleção de sucessos da autora: “Home!”, “End of the 80s”, “A life of Yuri Kurochkin” e “Man without Dowry” são outros títulos seus muito conhecidos na dramaturgia mundial.
            Dirigido por Isaac Bernat, assistido por Karin Dreyer, o jogo de Razoumovskaya parece ganhar regras de uma boa situação de Strindberg: as oposições, a claustrofobia, a seta ascendente cujo movimento parece não ser possível estancar. Quatro alunos, Pacha (Fábio Enriquez), Vitia (Gabriel Vaz), Volódia (João Pedro Zappa) e Liália (Marina Provenzano) aparecem à noite na casa de sua professora de matemática para cumprimenta-la pelo seu dia de aniversário. Helena (Helena Varvaki) os recebe com estranheza, mas, logo em seguida, com carinho, preparando alguns aperitivos e aceitando os presentes que eles lhe trazem. Então, ainda bem no início da narrativa, Helena entra em outro cômodo e, sozinhos, os alunos, conversando entre si, fazem o público saber que há segundas intenções nessa “festa” inesperada. O público se desconforta, o ânimo se agita e a tensão se estabelece. Pela forma não menos excelente como a cena está arregimentada, as atenções já estão fisgadas. A partir daí vêm a agonia para saber como tudo termina: calcular possibilidades, refletir sobre conseqüências, avaliar causas, assistir a cada avanço da história como um novo e crescente clímax. O final coroa a narrativa em sua estrutura dramatúrgica e cênica: méritos do texto e de todos os envolvidos na produção teatral.
            O cenário primoroso assinado por Doris Rollemberg concentra a cena, fazendo com a que a cozinha aja em direção ao centro, como também a mesa perto da janela. Bancos, poltrona, aparelho de som tudo está perfeito na construção da verossimilhança, elemento fundamental para o realismo. Com igual riqueza de detalhes, o figurino da Espetacular! garante cores, graça e movimento a história que acontece nos anos 80. Os signos estéticos, dos já citados cenário e figurino aos não menos valorosos desenho de iluminação (Aurélio de Simoni) e direção musical (Tato Taborda), são eficientemente esteira que aponta para o drama. No momento em que o olhar o do público percorre a cena atrás de falhas e não as encontra, passa a destinar toda a sua atenção para a história que é, nesse caso, tão valorosamente contada. Varvaki, como Helena, dá a ver uma construção frágil, mas lúcida; carinhosa, mas firme; simples, mas imponente. Sobre os quatro alunos, elogios apenas, embora se destaquem positivamente as presenças de Vaz, em primeiro momento, e, depois, de Zappa na viabilização de algozes tão fortes (Vitia) e tão ardilosos (Volódia). O adequado uso das pausas, as inflexões e reflexões na forma de dizer o texto, as forças e também as sutilezas  nas relações gestuais, de olhares, de se movimentar pelo espaço cênico são valores encontrados no trabalho dos jovens atores dignos de artistas mais experientes.
            Em tempos em que tanto se reflete sobre a participação da corrupção na constituição da personalidade humana, eis uma história sobre ética. Pauta para a discussão em escolas e autarquias públicas, mas sobretudo pelo público em geral em contextos quaisquer, “Querida Helena Serguêivna” serve para fazer pensar quem quer se divertir com um entretenimento de altíssima qualidade. Aplausos!

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Ficha técnica:
Texto: Ludmila Razoumovskaya
Direção: Isaac Bernat
Tradução: Tatiana Belinky
Com Helena Varvaki, João Pedro Zappa, Marina Provenzano, Fábio Enriquez e Gabriel Vaz.

Cenografia: Doris Rollemberg
Direção de Movimento: Maria Alice Poppe
Iluminação: Aurelio de Simoni
Figurino: Espetacular! (Ney Madeira, Dani Vidal e Pati Faedo)
Direção Musical: Tato Taborda
Direção de Produção: Adriana Oliveira
Direção de Cena: Fred Mallet
Programação Visual: Flávio Pereira
Assessoria de Imprensa: Daniella Cavalcanti e Bruna Amorim
Visagismo: Carlos Arthur de Peder
Assistente de Direção: Karin Dreyer
Assessoria Teórica: Julia Bernat
Assistente de Programação Visual: Heitor Prazeres
Assistente de Produção: Sofia Fontes
Administração do Projeto: Rosa Ladeira
Blog: Camila Moreira
Realização: Helena Varvaki - LMPR Tempo Companhia Teatral

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Homens (RJ)


Foto: divulgação

É bom quando é Caio F.

            A peça “Homens”, dirigida por Delson Antunes, é baseada em quatro contos e um diálogo dramático curto, todos textos escritos pelo gaúcho Caio Fernando Abreu (1948-1996), um dos contistas mais celebrados da literatura brasileira do século XX, além de grande dramaturgo e romancista. Ao longo de sua vida enquanto jornalista e escritor, Caio F. marca a importância da referência imagética na literatura contemporânea. Cinema, música, visões lisérgicas, referências ao pop, da própria literatura, da filosofia oriental e, sobretudo, da cultura homossexual são as características mais superficiais. Nos seus textos, a ação quase nunca tem tanto valor quanto a descrição e é por isso, ou melhor, por tudo isso que todo aquele que encara o desafio de traduzir Caio F. para teatro tem em mãos um objetivo difícil de alcançar a contento. São poucos aqueles que conseguiram, como Beckett, apagar a ação e fazer ver o diálogo em sua multiplicidade de cores e de profundezas, pela evolução das sílabas, justaposição dos sons, musicalidade das palavras. O normal é inventar ações que deixem o texto “menos chato” (ele não é), estabelecer jograis para mudar a voz do narrador ou usar de marcas do teatro contemporâneo para promover identificação do público ao texto. Felizmente, Delson Antunes foge dessas correntes normais em grande parte do seu trabalho na direção de “Homens”, atingindo, quando assim, o seu complicado objetivo parcialmente. Pelo belo feito, sem dúvida, merece aplausos.
            A montagem em cartaz no Teatro Leblon tem um belo cenário construído por Teca Fichinski. Oito portas em madeira proporcionam pensar sobre oito casas, armários, lugares de guardados ou, talvez, de segredos. Separadas ao meio, as portas, quando abertas apenas embaixo ou em cima ou alternadas, conferem jogo e ritmo para a narrativa na evolução dos quadros, o que é um recurso positivo e bem usado. Os oito atores, Danilo Sacramento, Thiago Chagas, Carlo Porto, Yuri Gofman (substituído por Breno Nina), Vinicius Cristóvão, Igor Vogas, Hilton Vasconcellos e Iuri Saraiva, se alternam na tradução dos contos: “Pela Noite”; “Sargento Garcia”; “Linda, uma história triste”; e “Vênus”; além do “Diálogo” (“Meu companheiro”). É no desenvolvimento da narrativa que se encontram os bons trabalhos o elenco e a boa direção.
            No início e no fim, Antunes parece não conseguir ser original. A cena de abertura com alguém escrevendo em uma máquina de escrever e a ciranda de atores em grupo ou individualmente dizendo os parágrafos iniciais dos contos são frustradas tentativas de tornar os textos de Caio F. interessantes como se eles já não o fossem. Impera aí o medo da monotonia, a negação do simples gesto de um ator dizendo um texto sem nada além. Mas não há monotonia em Caio F e tampouco depressão como gosta-se tanto de parecer haver e isso porque, nos textos do autor, há uma visão vertical dos personagens (como se ele abrisse a cabeça e, a partir dela, visse o corpo inteiro nas suas profundezas) em meio a uma visão horizontal da vida (os encontros não são definitivos como também não os são os desfechos, pois não há relação de causa e efeito). As dores pelas quais passam os personagens não os diferenciam dos demais seres do mundo. Se fossem, então, sim, poder-se-ia dizer que Caio é depressivo, negativo, pesado. As dores, as memórias, os vícios, as incapacidades são tudo aquilo que tornam essas figuras humanas, pessoas como qualquer leitor ou plateia. Logo após as cenas de abertura, começa a pairar o silêncio na encenação proposta por Antunes. É quando os sons das palavras bem ditas pelo bom grupo de atores começam a soar com mais calma e tranqüilidade e, consequentemente, com maior importância. Aí elas não concorrem com movimentos, com trocas de cenário, com trilha sonora. Aí elas são únicas e vibrantes e a peça se torna digna do seu grande autor.
            Thiago Chagas, na interpretação de Pérsio e de Isadora; Breno Nina (apaixonado por Beatriz) e Iuri Saraiva (o Filho) se destacam positivamente no elenco pelo bom aproveitamento das oportunidades que têm de construir com poucas marcas os grandes personagens. Nesses, sentem-se a vibração das figuras expostas nas duas dimensões já citadas, a reverência aos personagens que aparecem mais do que os atores. É positiva pela simplicidade a criação dos figurinos de Nello Marrese, pois oferecem características específicas, sem concorrer no olhar do espectador.
            Apesar da construção complicada que a estrutura, a cena final oferece uma situação forte e uma imagem bela ao texto de Caio. Eis aí um exemplo dos bons momentos em que o trabalho de Antunes é bom por não ser outra coisa que não seta que aponta para Caio. Vale a pena ver!

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Ficha técnica:
Dramaturgia e direção: DELSON ANTUNES
Direção de movimento: ANA BEVILAQUA
Elenco: Danilo Sacramento; Thiago Chagas; Carlo Porto; Yuri Gofman (ou Breno Nina); Vinicius Cristovão; Igor Vogas; Hilton Vasconcellos; Iuri Saraiva.
Cenário: TECA FICHINSKI
Iluminação LUIZ PAULO NENEM
Figurino NELLO MARRESE
Direção musical PEDRO VERÍSSIMO
Assessoria de imprensa ANA CLARA MACHADO
Direção de produção THIAGO CHAGAS
Supervisão de produção CLAUDIA CHARMILLOT
Produção executiva GISA GONSIOROSKI