quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Pedras nos Bolsos (RJ)

Foto: divulgação

Excesso negativo

“Pedras nos Bolsos” é um belo texto bastante premiado da irlandesa Marie Jones. Na plateia, uma boa montagem dele deve fazer com que o espectador comece rindo e saia chorando ou, pelo menos, emocionado. Apesar, de muito bem traduzido por Ana Luiza Martins Costa e por Laura Ronai, a montagem brasileira, dirigida pelo inglês David Herman, no entanto, fica aquém da versão original, garantindo a boa fluência dos diálogos, mas longos minutos de monotonia infelizmente. 

Luiz Furlanetto e Paulo Trajano interpretam dois figurantes, Charlie e Jake, em um longa metragem que está sendo filmado na pequena cidade irlandesa de County Kerry. A trama, escrita em 1996, narra as aventuras e desventuras desses dois homens que, como todo mundo, sonham com um pouco mais de conforto na velhice que já se anuncia para ambos. O set é o lugar principal desses conflitos: a fila da alimentação, o homem do pagamento, as gravações, a espera para filmar, as noites no bar local, as mudanças climáticas, o mal humor dos assistentes de direção, o encontro com estrelas de Hollywood. A identificação é natural. Os dois homens simples que se encontram no interior da Irlanda são metáfora para qualquer um que vêm de um lugar simples e almeja mais, embevecido com os próprios sonhos. O problema da produção atual, que tendo estreado em 2010, agora ocupa a Sala Tônia Carrero do Teatro Leblon, é o ritmo das interpretações. 

Falta medida no jogo de cena. São 15 personagens, homens e mulheres, numa evolução complicada, cujo mérito pelo alcance parcial deve ser reconhecido. Há que se apontar, porém, que o ritmo vertiginoso da troca entre figuras paira exatamente igual do início ao fim, cansando o espectador tão logo ele perceba o como a história será narrada, o que acontece logo nos primeiros minutos. Trajano, que está bem como a atriz Caroline Giovani, está expressivo demais em todos os outros personagens, sobretudo em Jake, um dos protagonistas. Há um excesso de marcas tanto nos movimentos faciais como proxêmicos que impedem um fluir mais natural da encenação. Furlanetto está excelente na interpretação das figuras, mas não consegue driblar o peso de Trajano com quem contracena. Falta, assim, equilíbrio na montagem que poderia ascender ao invés de permanecer linear. 

Desirée Bastos oferece um bom resultado visual nos figurinos e Wilson Reiz providencia belos momentos à fruição de “Pedras nos Bolsos”. A trilha sonora de Herman também é outro ponto positivo na produção. 


FICHA TÉCNICA 

Autor Marie Jones 
Tradução Ana Luiza Martins Costa
e Laura Ronai 
Direção, Cenário e Trilha Sonora David Herman
 
Atores 
Luiz Furlanetto 
e Paulo Trajano
 
Iluminação
 Wilson Reiz 
Figurino
 Desirée Bastos
 
Programação visual 
Rita Ariani
 
Assistente de direção e Som Daniel Santamaria
 
Assessoria de Imprensa
 Ana Gaio
 
Produção Executiva
 Rogério Corrêa
 
Coordenação Geral 
Gustavo Ariani
 
Idealização
 Gustavo Ariani e Rogério Corrêa
Realização 
3Tempos Produções Culturais 

A Serpente (RJ)

Foto: divulgação 

A vingança do Éden: uma montagem sensível de Nelson Rodrigues

O grupo Os dezequilibrados apresenta uma montagem de “A Serpente” bastante sensível e, talvez, esse seja o seu maior mérito. No ano em que se celebra Nelson Rodrigues, o país infla de tantas montagens dos seus textos, na maioria das vezes, fazendo uma merecida homenagem a um dos nossos maiores dramaturgos. “A Serpente”, dirigido por Ivan Sugahara, é felizmente um desses casos. Vale a pena conferir, quando novamente possível, o esforço vitorioso do grupo em fugir do realismo naturalismo e encarar a trama melodramática com verdade, força e, como já dito, delicadeza. Com excelentes interpretações, as palavras rodrigueanas ganharam, nessa versão, um impulso que só o bom teatro pode dar: cor. Sem qualquer peso externo, são nos corpos dos atores que a história se realiza. 

Carolina Ferman (Lígia) e Ângela Câmara (Guida) estão completamente entregues às personagens. São irmãs que casaram no mesmo dia e vivem com seus maridos no mesmo apartamento, uma parede separando os dois quartos. Tudo o que uma faz no quarto é ouvido pela outra. Seis meses depois, Décio (Saulo Rodrigues), o marido de Lígia, vai embora e descobre-se, então, que ela permanece tão virgem como sempre fora. Guida oferece, para salvar a irmã da morte iminente, uma noite com Paulo (José Karini), seu marido. Lígia prova da maçã e, metaforicamente, tem agora o poder da vida e da morte. Vingando o Éden, Nelson Rodrigues não expulsa Adão e Eva. O desfecho é outro, mais original e, talvez, mais pecaminoso e, por isso, mais humano. 

Sugahara faz uso da humanidade do texto ao dirigir os quatro atores de forma a fazê-los fincar as palavras com extrema verdade no palco do Teatro Nelson Rodrigues. As intenções estão na medida: fortes e sutis, realçadas e desprezadas, sinuosas e diretas, tanto nos personagens menores, como Décio e Paulo, como nas protagonistas Lígia e Guida. A movimentação é vibrante, o jogo é rápido, o ritmo não cai, mas evolui crescente e positivamente. É um prazer assistir a uma encenação que se mostra ainda mais potente a cada novo quadro. 

Os elementos visuais têm discreto destaque, pela forma sutil com quem contribuem para a obra. Desirée Bastos situa a cena em um gramado que faz dupla com os figurinos em tons bege e vermelho em uma ótima relação possível com o paraíso bíblico. Renato Machado e o diretor, que assinam a iluminação e a trilha sonora, fazem, por sua vez, evoluir a encenação com verticalidade, aprofundando as emoções com seriedade e equilíbrio. 

Último texto de Nelson Rodrigues, a peça foi encenada pela primeira vez no mesmo teatro, em 1980, então chamado de Teatro do BNH. Com a morte do autor no mesmo ano, o teatro mudou de nome, passando a homenagear o dramaturgo. Para homenagear o centenário do dramaturgo, além da peça, foi concebido o evento comemorativo “Expulsão do Paraíso: A Serpente, de Nelson Rodrigues”, que compreendeu, além da nova encenação de “A Serpente”, uma exposição com curadoria de Angela Reis e um debate com o elenco e o diretor da montagem original (Marcos Flaksman, Xuxa Lopes, Sura Berditchevsky e Carlos Gregório). 


Ficha Técnica:

Texto: Nelson Rodrigues 
Direção: Ivan Sugahara 
Elenco: Ângela Câmara, Carolina Ferman, José Karini e Saulo Rodrigues 
Cenário e Figurino: Desirée Bastos 
Iluminação: Renato Machado 
Trilha Sonora: Ivan Sugahara 
Assistência de Direção: Carol Garcia 
Assessoria de Imprensa: Daniella Cavalcanti 
Programação Visual: Luciano Cian 
Fotografia: Dalton Valério 
Direção de Produção: Tárik Puggina 
Produção Executiva: Aline Mohamed 
Assistência de Direção de Produção: Carla de Torrez 
Administração Financeira: Amanda Cezarina 
Realização: Nevaxca Produções e Os dezequilibrados 

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

A Partilha (RJ)

Foto: divulgação

Compartilha

“A Partilha” não é apenas o ponto alto da carreira de Miguel Falabella como dramaturgo. Para quem não sofre de preconceito com comédias, eis aí um dos pontos altos da dramaturgia brasileira contemporânea. Escrito e produzido em 1990, o espetáculo ficou seis anos em cartaz, passando por diversos estados brasileiros e por 12 países. O texto, por sua vez, virou filme na direção de Daniel Filho e ganhou continuação no teatro (“A Vida Passa”). Retorna agora, lotando o Teatro Oi Casa Grande com toda a merecida pompa e circunstância que o teatro brasileiro merece ter. 

Quatro irmãs: Maria Lúcia (Arlete Salles) mora em Paris e sofre a culpa de, talvez, não ter sido uma boa mãe para o seu filho com o primeiro marido. Regina (Susana Vieira) está solteira e desempregada após várias tentativas de relacionamento e profissão, buscando na espiritualidade a paz interior. Selma (Patrícya Travassos) mora na Tijuca e sofre a opressão de um marido militar que a deixa com baixa auto-estima. Laura é doutoranda em sociologia e a mais introvertida entre as quatro irmãs que, agora, se reencontram por ocasião do falecimento da mãe. É hora de vender os móveis, os objetos de arte, o apartamento onde todas nasceram e cresceram. Mas, na boca da personagem Regina, Falabella avisa: A Partilha de verdade só começa depois. 

O elenco, em conjunto e individualmente, está excelente. Atrizes com larga experiência, todas estão à vontade nos papéis, tirando dos personagens o seu melhor. A direção de Falabella corre agilmente, fazendo gargalhar e enternecer. O texto foi escrito e é dito cheio de nuances, de forma que temas mais profundos são tratados com leveza, mas não com menos seriedade. 

O cenário e o figurino de Beli Araújo e de Sônia Soares desempenham bem as suas funções: ilustrar, redundar, apontar para a história que precisa correr livre e sem entraves. Nos detalhes, está o seu mérito: a parede envelhecida, o lenço na cabeça. No mesmo sentido e com igual positivo resultado, agem a iluminação e a trilha sonora de Paulo César de Medeiros e de Gabriel D`Ângelo. 

Relações são feitas de histórias e ninguém faz história sozinho. Qualquer um que tenha compartilhado a vida ou parte dela seja com irmãos, namorados ou amigos conhece o valor das lembranças compartilhadas na constituição da identidade de cada um. É criando raízes nos corações dos outros que vamos nos aproximando e nos distanciando, sendo, enfim, humanos. 


Ficha técnica: 

Texto e Direção: Miguel Falabella 

ELENCO: 
Arlete Salles 
Susana Vieira 
Patricya Travassos 
Thereza Piffer 

Iluminação: Paulo César Medeiros 
Cenário: Beli Araújo 
Figurinos: Sonia Soares 
Projeto de Som: Gabriel D’angelo 
Programação Visual: Vicka Suarez 
Design de Vídeo: Eduardo Chamon 

Gerente de Produção: Ana Cury 
Produção Executiva: Sabrina Isnard e Theréze Bellido 
Assistente de Produção: Romero Monteiro 
Captação de Apoio: Gheu Tibério 
Assistente Captação de Apoio: Adriana Albuquerque 
Fotos Estúdio: Robert Schwenck 
Foto de Cena: Paula Kossatz 
Assessoria de Imprensa: Uns Comunicação - Alan Diniz e Sidimir Sanches 

Operador de Som: Gabriel D’angelo 
Operador de Luz: Valdeci Correia 
Diretor de Palco: Gerson Porto 
Contra regra: Mário Jorge Costa 
Camareira: Alyzandra Pessanha “Pequena” 

EQUIPE: 
Assistente de Direção: Gustavo Klein 
Assistente de Cenografia: Marieta Spada 
Assistente de Figurino: Juliana Barja 
Costureira: Raquel Castro

O Belo Indiferente (SP)


Foto: divulgação

Tesouro escondido

            

O texto de “O Belo Indiferente” foi escrito por Jean Cocteau (1889-1963) para Edith Piaf (1915-1963). A personagem principal é uma cantora de cabaret que espera por seu homem sozinha na sua casa. As horas passam, a insegurança aumenta, a loucura aparece. O homem chega e não diz uma só palavra, indiferente à verborragia da mulher. Eis o que deveria ser apenas o início da peça na montagem paulista que desembarca agora no Teatro Ipanema. Dirigido por André Guerreiro Lopes e Helena Ignez, o espetáculo protagonizado por Djin Sganzerla é um monótono repetir da cena situação inicial. Apesar de belas imagens, sobretudo pelo excelente desenho de luz de Marcelo Lazzaratto com projeções do diretor, a fruição é bastante cansativa pelo excesso de linearidade.

Sganzerla não usa bem os diversos recursos que parece ter. Nos primeiros quinze minutos de encenação, tem-se a impressão de que todo o repertório vocal, o que inclui os níveis de voz, e gestual, o que inclui a movimentação pelo espaço cênico e uso da face, já foram usados. Não há pausas, não há tensões, não há desníveis. O ápice acontece antes do homem chegar e se prolonga linearmente por todo o resto da narrativa em um exagero de expressividade. O texto de Cocteau paira monocórdio e sem vida infelizmente.

O figurino delicado de Simone Maia é sensível como é a personagem. Quanto ao cenário, de Maia também, a mesma relação não se evidencia. Enquanto luzes florescentes iluminam a cena colorida em verde e em vermelho, uma cama de madeira bruta confunde pobreza com falta de estilo. As pedras no lugar do colchão, que vemos através do espelho redondo em cima, são opções bastante interessantes, porque oferecem sentidos outros para a situação. Em contrapartida, a poltrona ao lado do telefone deixa inverossímil uma das cenas em que o Homem (Dirceu de Carvalho) dorme apesar do barulho agudo do toque.

O ponto alto da peça “O Belo Indiferente”, além do texto de Cocteau, é a instalação sonora de Gregory Slivar, que se espalha pela cena, incluindo o espectador dentro do universo da personagem. O resultado final evidencia um trabalho minucioso de pesquisa de sons que, enfim, auxiliam na construção de um ambiente torto, invertido, assustador.

Na dramaturgia, uma mulher à beira do abismo, buscando, tateando, perambulando dentro de si mesma atrás do autocontrole. Em sua frente, um homem indiferente, talvez fora do controle também, mas que assiste ao espetáculo dela com descrença. O equilíbrio, que não está nem nele e tampouco nela é a mina do tesouro de Cocteau. Uma preciosidade que, nesta montagem, segue escondida.

*

FICHA TÉCNICA

Texto: Jean Cocteau | Elenco: Djin Sganzerla e Dirceu de Carvalho | Direção: André Guerreiro Lopes e Helena Ignez | Cenografia e Figurinos: Simone Mina | Iluminação: Marcelo Lazzaratto | Concepção Sonora: Gregory Slivar | Videoinstalação: André Guerreiro Lopes | Preparação Vocal: Eliete Negreiros | Fotos: André Guerreiro Lopes | Assessoria de Imprensa: Ney Motta | Produção-Rio: Aline Carrocino e Igor Veloso | Assistência de Produção-Rio: Ana Luisa Leite | Direção de Produção: Djin Sganzerla | Empresa Produtora: Mercúrio Produções e Estúdio Lusco-fusco Ltda

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Ato de Comunhão (RJ)


Foto: Creative / PMPA

O homem constrangido diante do homem

            “Ato de Comunhão” é baseado na história real de Armin Meiwes. Na Alemanha, em 2001, ele conheceu pela internet Bernd Brandes, colocando um anúncio na internet em um site ligado à antropofagia. 470 pessoas se inscreveram para conhecer Meiewes, mas ele escolheu Brandes, deixando os outros decepcionados. Brandes queria ser comido e, por isso, foi até a casa de Meiwes. Lá, o anfitrião tirou o seu pênis e os dois comeram a carne frita, tendo os dois combinado antes que tudo isso seria feito. Depois, Meiwes matou Brandes, aliviando a sua dor. O corpo foi cortado e congelado e serviu de alimento para Meiwes durante meses até que ele foi descoberto pela polícia e preso. Em 2006, ele foi condenado à prisão perpétua. Dirigido e interpretado por Gilberto Gawronski (codirigido por Warley Goulart), não é apenas essa história que o espectador vai ver em cena do palco do Centro Cultural do Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro. A partir do texto do jovem dramaturgo argentino Lautaro Vilo, há muito mais para ser contado nessa história de horror contemporâneo. Os personagens, antes de tudo, são humanos.
            Vilo divide o texto em cinco partes: a) o aniversário de 8 anos do Meiwes, em que ele perdeu num jogo de autorama; b) o velório e enterro da mãe, em que ele se viu diante da frieza da morte; c) a vida de horas e horas na internet; d) o momento com Brandes e e) os depoimentos à imprensa. As estruturas dramáticas que dão força para todos esses momentos devem ser encaradas pela audiência como cercas que prendem o personagem nesse universo, tornando-o, talvez, vítima do meio em que vive. É nesse contexto dramatúrgico de realismo naturalismo que nasce a humanidade de Meiwes, sem a qual “Ato de Comunhão” pareceria um mero documentário de canibalismo. Mesmo que não o fizemos, é porque temos instrumentos suficientes para acreditar que o protagonista não é louco que o vemos como próximo de nós, que o vemos a partir da sua complexidade de homem só. Gawronski ouve e diz o texto com calma, com serenidade, com uma certa ironia, mas não com frieza. As pausas sufocam o público que assiste àquela realidade sem meios para julgar totalmente nem Meiwes, nem Brandes. Um pediu para ser morto e comido. O outro escolheu um entre 470 candidatos que se inscreveram livremente. A moral, que nos pode pôr até ao lado de quem condenou Meiwes à prisão perpétua, está do lado de fora do palco, do lado de fora da cena, em quem assiste. Ao público, cabe a contemplação que revira o estômago e constrange o homem diante do homem em uma de suas facetas mais terríveis.
            O cenário é simples e eficaz na construção do sentido. Um espelho, um cabide, uma cadeira de barbeiro. Há liberdade para a movimentação, há signos potentes, lugares cênicos interessantes. A iluminação de Vilmar Olos é decisiva no aproveitamento do espaço e nas opções cenográficas. As projeções de Jorge Neto são usadas em momentos especiais, oferecendo beleza e ar para essa situação cáustica. Com tradução de Amir Harif, o texto é, sem dúvida, uma beleza a ser destacada.
            “Ato de Comunhão” estreou no Porto Alegre em Cena de 2010 e foi eleito pelos críticos de O Globo como uma das 10 melhores peças de 2011. Recebeu indicação ao Prêmio Shell 2011 de Melhor Ator e ao Prêmio Arte Qualidade Brasil na mesma categoria. Recebeu também a indicação ao Prêmio Questão de Crítica de Melhor Direção. Merecidamente, um grande espetáculo.

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Ficha técnica:

De: Lautaro Vilo
Tradução: Amir Harif
Direção e atuação: Gilberto Gawronski
Codireção: Warley Goulart
Iluminação: Vilmar Olos
Vídeos: Jorge Neto
Produção: Wagner Uchoa.

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Na sobremesa da vida (RJ)


Foto: divulgação

Uma sobremesa muito saborosa, mas que não enche os olhos

            Dirigido por Ernesto Piccolo, o texto de Maria Letícia, é fluente. A história da vida do ator Emiliano Queiroz, que com esta montagem celebra os seus 60 anos de carreira, é contada de forma surpreendentemente ágil, potente e interessante. Há diminuições no ritmo nas cenas mais densas e há corridas nas passagens mais cômicas. Com extrema habilidade, no palco, há um show de grande talento resultando também de larga e comprovada experiência tanto no que diz respeito dos atores protagonistas quanto da direção.
            "Olá. Eu sou Emiliano Queiroz, tenho 76 anos de idade e 60 de ofício" – é assim que começa o espetáculo que pode ser encarado como uma aula de teatro brasileiro. São 76 anos de história em setenta minutos de narrativa cênica. Lá estão trechos de montagens famosas, como “Navalha na Carne”, “Dois Perdidos Numa Noite Suja” e “Ópera do Malandro”, além de cenas que remetem à história da televisão, com referências à Glória Magadan, Janete Clair e Dias Gomes, entre outros. Do início da vida do ator aos seus últimos trabalhos no teatro, no cinema e na televisão, ao público é oferecido um panorama da história do país, das dificuldades de se conseguir sucesso na carreira como ator, além de detalhes da vida pessoal de Emiliano Queiroz, que fazem rir e fazem enternecer.
            Emiliano Queiroz e Ivone Hoffmann dão um show de interpretação nos diversos personagens que constroem. Suas participações trazem vida à cena e são responsáveis pelo excelente ritmo narrativo já destacado. Ana Queiroz, mas, sobretudo, Antônio dos Santos, no entanto, nem de longe conseguem os mesmos bons resultados infelizmente. Também infelizmente os elementos visuais contidos no espetáculo não são dignos da história que se conta e da forma como ela é contada. Os figurinos de Rosa Magalhães não parecem figurinos, mas roupas improvisadas para o espetáculo, sem o menor estudo sobre paleta de cores, texturas e movimento. O cenário, duas “cadeiras”, é igualmente feio, também dando a impressão de que não foi esteticamente planejado. O desenho de iluminação é pobre e sem informação e a trilha sonora é esquecível. As projeções são pobremente editadas e a programação visual também não valoriza o espetáculo. A sobremesa, assim, bastante saborosa, mas não é agradável de olhar, o que é uma pena.


FICHA TÉCNICA:

Recebeu o Prêmio Montagem Cênica 2011, tem o patrocínio da Petrobrás - viabilizado por meio da Lei Estadual de Incentivo à Cultura do Rio de Janeiro - Governo do Rio de Janeiro e Secretaria de Estado de Cultura.

Elenco: EMILIANO QUEIROZ, ANTONIO DOS SANTOS E ANA QUEIROZ
Participação especial: IVONE HOFFMANN
Texto: MARIA LETÍCIA
Direção: ERNESTO PICCOLO
Cenário e figurinos: ROSA MAGALHÃES
Iluminação: AURÉLIO DE SIMONI
Trilha original: FERNANDO MOURA
Preparação corporal: MÁRCIA RUBIN
Produção: ESTÚDIO PESQUISA E CRIAÇÕES ARTÍSTICAS
Informações para a imprensa: ANGELA FALCÃO COMUNICAÇÃO

Paralelamente (RJ)


Foto: divulgação

A comunicação na internet vista pelo palco

            O aspecto mais interessante de “Paralelamente” é a sua total relação com a contemporaneidade. Na plateia, sabe-se que a peça não poderia ter sido nem escrita e nem produzida há vinte anos. Ou seja, ela pertence ao hoje, ao agora, a esse tempo e, talvez, ao futuro, mas com certeza não ao passado. Escrito e dirigido pela dupla Lisa E. Fávero e João Rodrigo Ostrower, a dramaturgia, positivamente não anunciada no programa da peça, vai conquistando aos poucos, se abrindo vagarosamente. Quem frui se adapta ao espaço narrativo quase como quem o produz, experiência essa que garante um sentimento de partilha, de identificação entre palco e audiência. O resultado final é um trabalho inteligente, vivo, um retrato da comunicação via internet com toda a profundidade e a sensibilidade que o tema tem e pode proporcionar.
            Uma pessoa abre uma sala de bate-papo na internet e chama alguns amigos para participar. Os atores, Cirillo Luna, Cynhtia Reis, Elio de Oliveira, Mariana Nunes e Monique Vaillé, dividem o mesmo espaço cênico (o cenário é praticamente limpo), mas estão em lugares cênicos diferentes (cada personagem está num país ou cidade ou bairro diferente), apesar de estarem juntos em um mesmo lugar narrativo (o chat). O estranhamento da linguagem narrativa (ninguém fala em chat, mas escreve o que diz) é expresso através de um gestual que foge do realismo. Os atores se vêem, mas os personagens não. Os atores estão ali, mas os personagens podem ficar ausentes. Os atores gritam, mas os personagens enchem as suas falas de caixas altas e pontos de exclamação. A relação entre o que acontece na história dessas figuras e a forma como as ações se dão a ver no palco não é direta, mas correlata e ela que faz de “Paralelamente” uma produção especial.
            Patrícia Muniz apresenta um positivo trabalho de direção de arte. O carpete nas paredes e nos móveis pesa o ambiente, mas o deixa macio, confortável, poroso. As cores nos figurinos são bem marcadas e auxiliam na evidenciação das figuras. Igualmente positiva é a iluminação de Paulo César Medeiros, que amplia o espaço em alguns momentos, mas determina pontos de atenção em outros. Roberta Repetto assina a direção de movimento, sem dúvida, um dos elementos mais positivos nesta encenação que tem ótimos trabalhos de interpretação, apesar de não haver grandes destaques, o que não deixa de ser, pela coesão, um aspecto positivo.
            “Paralelamente” faz parte do projeto “Etos Carioca”, da Cia dos Atores, uma das importantes companhias de teatro do país. O projeto apresenta, em 2012, espetáculos originários de processos de pesquisa de novas linguagens dramatúrgicas, com programação GRATUITA.

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Ficha técnica:
Concepção, texto e direção: Lisa E. Fávero e João Rodrigo Ostrower
Atuação e colaboração: Cirillo Luna, Cynhtia Reis, Elio de Oliveira, Mariana Nunes e Monique Vaillé
Supervisão: Bel Garcia
Direção de arte: Patricia Muniz               
Iluminação: Paulo César Medeiros
Direção de movimento: Roberta Repetto
Produção: Lisa E. Fávero e João Rodrigo Ostrower
Visagismo: Kadu Borges
Programação visual: Elio de Oliveira
Assessoria de imprensa: Commente Assessoria (Mônica Hauser)
Fotos: Igor Cabral
Realização: 5 Letras, Brecha Coletivo e João Rodrigo Ostrower
Idealização: Lisa E. Fávero

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Dolce & Copacabana (RJ)


Foto: divulgação

Uma performance engraçada e elegante

            “Dolce & Copacabana” é, com muito respeito e admiração, uma bobagem. Uma bobagem cênica interessante, rica, divertida, despretensiosa e, o melhor, inteligente. Não se propondo a muita coisa, consegue ser muito, oferecendo a quem não esperava por nada, alguma reflexão. A análise a seguir pretende ir atrás dela. E conseguirá! O intuito é elogiar o trabalho, porque é realmente bom, mas também mostrar que há possível profundidade em algo tão simples.
            Dirigido pelo coletivo anglo-alemão Gob Squad (Drama Desk Award 2011), o espetáculo em cartaz no Teatro Ipanema, nasceu como uma versão brasileira do trabalho “Are you with us”, em que seis atores fazem o papel deles mesmos, numa reflexão sobre a identidade e sobre a verdade do teatro. No elenco, estão atores da Cia. Pequena Orquestra e do Grupo Nós do Morro que, juntos, formam a Comapanhia Provisória: Aline Fanju, Carina Wachholz, Carol Portes, Michel Blois, Raquel Rocha e Samuel Melo.
            O roteiro é basicamente o seguinte: um fotógrafo e cinco modelos compõem a sessão de fotos, cujo tema dá o mote dos figurinos utilizados (senhores de engenho com escravos, jogadores de futebol, passistas de escolas de samba, Xuxa e suas Paquitas, entre outros). No meio da sessão, algo acontece e o ensaio é interrompido. O fotógrafo, então, se torna uma espécie de terapeuta (ou interrogador, ou jornalista), que começa a fazer perguntas para os participantes. Essas perguntas fazem vir à tona conflitos internos dos particpantes do grupo e do próprio grupo, além de suas vidas pessoais. O público, claro, fica sem saber o que é realmente verdade e o que é ficção. Eis o início da reflexão.
            Do ponto de vista da semiótica, que é o ponto utilizado nesse blog, teatro é quando A interpreta B diante de C. “Dolce & Copacabana” é teatro, mas é performance. Onde está, nesse esquema, a performance? Em B. A performance acontece quando o personagem é tão fluído, tão aberto, tão não delimitável que não se sabe exatamente onde ele começa e onde ele termina, o que é ator e o que é personagem e o que é o outro personagem. Um limbo, sem marcas visíveis, sem planos visíveis de movimentos, sem projeto estético identificável. O caos estético da performance é uma resposta ao caos social do mundo contemporâneo: sem modelos a serem seguidos, o que oferece a liberdade e, ao mesmo tempo,a insegurança.
            “Dolce & Copacabana”, na sua pobreza de intenções, pode ser, assim, uma obra rica em possibilidades de discussões. Quais as normas possíveis na relação entre participantes de um grupo? Na diversidade do homem contemporâneo, como ficam os encontros? Com a constante eleição e quebra de paradigmas, qual passado fica como base para um presente e um futuro? Um bom, sutil e elegante divertimento!

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Ficha Técnica:
Do original “Are you with us” criado pelo coletivo Gob Squad
Direção: Sharon Smith & Simon Will
Designer de Som: Jeff McGory
Companhias: Pequena Orquestra e Nós do Morro
Elenco: Aline Fanju, Carina Wachholz, Carol Portes, Michel Blois, Raquel Rocha e Samuel Melo
Produção: Ana Rios
Idealização: Fabrício Belsoff, Michel Blois e Rodrigo Nogueira
Realização: No Lugar_ Teatro Ipanema
Foto: Manuel Reinartz e Marc Brinkmeier

sábado, 18 de agosto de 2012

Orlando! (RJ)


Foto: divulgação

Exemplo da boa programação do Festival deTrupe 2012

            “Orlando!” é uma livre adaptação da obra homônima da inglesa Virgnía Woolf (1882-1941), lançada em 1928. Dirigido por Flávio Souza e interpretado por alunos da Escola de Teatro Martins Pena, o texto foi concebido a partir um processo colaborativo entre os envolvidos, incluindo outros autores como Marina Colassanti. O espetáculo faz parte da 2ª edição do deTrupe – Encontro Internacional de Grupos Teatrais, uma mostra não competitiva de teatro, realizada pelo Grupo Milongas. “Orlando!” participou da Mostra Universitária.
            Flávio Souza e seu elenco contam a história de uma maneira bastante teatral. Orlando, um jovem protegido da Rainha Elizabeth I, tem o dom da eternidade. Um belo dia, acorda mulher, mas ainda se lembra do seu passado enquanto homem. Na obra de Woof, eis aí um dos seus trabalhos mais populares, o ritmo da narrativa age no sentido de equilibrar a passagem do tempo narrativo (350 anos) com o tempo da narração (o número de páginas do romance). “Orlando” é conhecido por ser um dos clássicos da literatura moderna, sobretudo, pelo trato com a questão do gênero. Na análise da peça, o adjetivo “teatral”, quer chamar a atenção para a exploração da potencialidade cênica dos signos, para o movimento, para a metáfora, para o jogo entre os atores na encenação. Há vários atores interpretando o mesmo personagem, as marcas são postas de forma equilibrada e viva, os quadros são sempre ricos em possibilidades de sentido. A narrativa flui muito mais pela composição das cenas do que pelos diálogos, o que diminui a força da literatura, sem desvalorizá-la, construindo o teatro.
            “Orlando!” versa sobre o homem e a mulher e os relacionamentos de uma forma bastante inteligente, o que é difícil e, talvez por isso, raro. Tratam-se dos encontros e dos desencontros no que se refere a amor, amizade e a laços familiares delicadamente. A construção argumentativa, que não é retórica, oferece momentos cômicos e em que também há o convite para a emoção de jeito que todos os diferentes níveis do assunto são tratados de forma humana, o que aproxima positivamente o público da cena.
            No elenco, estão André Mutran, Anna Luiza Mendes, Bárbara Abi-Rihan, Douglas Amaral, Raoni Costa,Tânia Roessing e Vanessa Dias, com destaque positivo para Ricardo Rocha, Samuel Paes de Luna, Vanessa Úrsula e Viviane Pereira. É fácil sentir que o grupo é integrado, coeso em suas ações, preocupados em dar a ver um belo espetáculo. Os destaques vão pela forma aparentemente leve, mas pontual com que alguns atores dizem o texto. Há neles graça, carisma e marcas de verdade.
            Flávio Souza é figurinista conhecido no Rio de Janeiro por excelentes trabalhos. Como, por isso, não poderia deixar de ser, “Orlando!” tem ótimos usos dos elementos visuais. Cenário, luz e figurinos são, além de bonitos, úteis à narrativa na medida em que oferecem possibilidades ao jogo e à construção do sentido. O mesmo se deve dizer da trilha sonora.
            Nessa edição do deTrupe, participaram também os espetáculo “Sinfonia Sonho” e “É culpa davida que sonhei ou dos sonhos que vivi”, que também são ótimas produções. Nesse ano, o projeto/evento, que contou com investimento da Secretaria de Cultura do Estado do Rio de Janeiro, ofereceu além de boa programação, oficinas e debates que aprofundaram o encontro entre os diversos grupos participantes. Aplausos à iniciativa!

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Ficha Técnica:
Direção: Flavio Souza
Dramaturgia: criada em processo colaborativo
Elenco: André Mutran, Anna Luiza Mendes, Bárbara Abi-Rihan, Douglas Amaral, Raoni Costa, Ricardo Rocha, Samuel Paes de Luna, Tânia Roessing, Vanessa Dias, Vanessa Úrsula e Viviane Pereira.
Duração: 100 min.
Classificação: 16 anos

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Paletó de Lamê (RJ)


Foto: Ana Clara Silveira

Para toda a família se divertir

            O show “Paletó de Lamê – os grandes sucessos (dos outros)” entra na sua terceira temporada, agora no Teatro Leblon. No palco, Erika Riba e Robson Camilo interpretam canções dos anos 70 que, apesar de terem sido muito famosas, foram esquecidas pela crítica especializada e não constam em coletâneas da história da música popular brasileira. O público, no entanto, ainda se recorda das letras e aqueles que não viveram a época se divertem com o que escutam. De caráter extremamente popular, as letras versam sobre desilusões amorosas, perdas, desejos, afinidades, família, traçando uma época no que diz respeito tanto ao conteúdo quanto à forma. O roteiro é de Sérgio Módena com direção artística dele também em parceria com Gustavo Wabner.
            Há pouco de teatralidade no show, restando pouco à análise a que se propõe aqui. Nota-se, positivamente, a limpeza dos gestos, a evolução dos movimentos, a conquista do público que vai acontecendo ao longo da apresentação. Riba e Camilo ora são amantes, ora membros da mesma família, ora amigos, ora inimigos. A relação de espaço entre os dois, auxiliada pelas expressões faciais e corporais, confirmam a constituição dos personagens, estruturam narrativas curtas que dão força para as letras, para as músicas entoadas. Vale dizer apenas que o figurino de Riba carece de reparos que o deixe a altura do espetáculo apresentado.
Em cada apresentação, há a participação especial de um convidado. Evandro Mesquita, Leo Jaime, Tânia Alves, Eugênio Dale, Zéu Britto, Rodrigo Faour, Cláudia Ventura, Suely Mesquita, bloco Exalta Rei e Rodrigo Santos (baixista do grupo Barão Vermelho), são alguns dos artistas que participaram do espetáculo, e deram “canjas” inesquecíveis ao lado dos protagonistas. “Paletó de Lamê” é um espetáculo para toda a família!

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FICHA TÉCNICA

Intérpretes: Erika Riba e Robson Camilo
Direção Artística: Sergio Módena e Gustavo Wabner
Direção musical 
Arranjos: Gabriel Mesquita e músicos
Guitarra: Leandro Donner
Baixo: Fernando Cunha
Teclado e Eletrônica: Pedro Tie
Bateria: Mike Rothman
Direção de Movimento: Sueli Guerra
Assistente de Direção de Movimento: Priscila Vidca
Preparação Vocal: Janaína Azevedo
Seleção Musical: Robson Camilo, Erika Riba, Marcelo Pacheco e Sergio Módena
Pesquisa Musical: Robson Camilo
Roteiro: Sergio Módena
Cenário: Iza Valente
Figurinos Músicos: Iza Valente
Figurinos intérpretes: Sta Ephigênia
Iluminação: Djalma Amaral
Contrarregra: Leandro
Visagismo: Ricardo Moreno
Técnico de Som: Fabio Coimbra
Desgin Gráfico: Gustavo Wabner
Assistente de Design Gráfico: Carlos Carvalho
Fotos: Eduardo Alonso
Direção de Produção: Paula Salles
Idealização: Erika Riba e Robson Camilo
Identidade Visual: Gustavo Wabner
Realização: Trupe Fabulosa Produções e Três! Ideias e Soluções Culturais

Escravas do Amor (RJ)


Foto: divulgação

A excelência do melodrama rodrigueano

            “Escravas do Amor” volta a cartaz no Teatro Carlos Gomes do Rio de Janeiro para participar, junto com “O Casamento” da programação do centenário de Nelson Rodrigues. Espetáculo produzido pelo grupo Os Fodidos Privilegiados, em 2006, a peça é uma adaptação da novela escrita sob o pseudônimo de Suzana Flag. Em cena, o ritmo ágil da direção de João Fonseca acontece sustentado por personagens bem marcados, trocas rápidas de cena, narrações em terceira pessoa e substituição de cenário por elementos cênicos. Bastante positivo, o resultado diverte o público, oferecendo uma produção de grande qualidade que faz jus ao nome de Nelson Rodrigues.
            Anos 40. No dia de seu noivado, Malu, que ainda não beijou o seu noivo Ricardo, o vê matar-se. Na mesma casa, o pai é ameaçado pela amante, a mãe sofre pela morte do futuro genro mais que a filha, um médico assedia a paciente, alguém vem pedir emprego, amigas e empregados fofocam. Eis uma novela: muitas tramas que vão se desenrolando aos poucos ao longo dos capítulos, prendendo a atenção, apresentando novos personagens, desvendando mistérios. Sem tempo para o realismo naturalismo. É melodrama puro! E, por isso, é tão leve e divertido.
            Nos elementos visuais, destacam-se os figurinos de Nello Marrese. Vestidos, cintos, sapatos, maiôs. Tudo é rico em detalhes de forma a apontar convenientemente para o enredo. Ao fundo, um caracol de rosas vermelhas deixa claro o redemoinho que o melodrama estrutura enquanto narrativa: no início, apresentação; no desenvolvimento, o entrelaçar das histórias; no fim, o ápice seguido de quase nenhum desfecho.
Quanto às interpretações, de um modo geral, todos os atores estão bem, mas há destaques entre as grandes e as pequenas participações. Roberto Lobo (pai), Rose Abadallah (Lígia) e Cristina Mayrink (Glorinha) brilham positivamente como os protagonistas no grupo em que Juliana Baroni também apresenta um bom trabalho. A rapidez dos diálogos e a marcação precisa de Fonseca parece os estimular a privilegiar certas nuances que dão um colorido diferente para a narrativa cênica. Nos papéis menores, com bastante carisma, Celso André (Orlando), mas sobretudo Fabrício Belsoff (Bob) trazem movimento e força, contribuindo positivamente para o todo.
            Com seis anos de carreira, “Escravas do Amor” já foi indicada ao Prêmio Shell de melhor direção (João Fonseca) e também indicada ao Prêmio Eletrobrás nas categorias Melhor direção e Melhor figurino (Nello Marrese). Com razão, é um espetáculo merecedor de muitas temporadas!

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Ficha Técnica
Direção: João Fonseca
Elenco: Alexandre Contini, Celso André, Cristina Mayrink, Dudu Sandroni, Fabrício Belsoff, Filomena Mancuzo, Humberto Câmara, Isley Clare, Juliana Baroni, Paula Sandroni, Roberto Lobo, Rose Abdallah, Sergio Marone
Cenário e Figurino: Nello Marrese
Iluminação: Daniela Sanchez
Coreografia: Ana Beviláqua
Trilha Sonora: João Fonseca e Rafaela Amado
Direção de Produção: Renata Blasi e Ana Paula Abreu
Realização: Os Fodidos Privilegiados

domingo, 12 de agosto de 2012

Algumas aventuras das 20mil léguas submarinas (RJ)


Foto:Silvana Marques

O prazer de imaginar

            Dá prazer assistir a uma produção como “Algumas aventuras das 20mil léguas submarinas”. O espetáculo apresenta uma altíssima qualidade estética nos cenários, figurinos, trilha sonora e na iluminação, mas sobretudo nas excelentes interpretações e numa dramaturgia cujo ritmo é o seu melhor elemento. Adaptado e dirigido por Antônio Carlos Bernardes, assistido por Leila Maria Moreno, a partir do texto de Fátima Valença, o resultado no palco do Teatro OI Casa Grande se destina a todos os públicos (maiores de 8 anos), sobretudo às famílias.
            O ritmo da narrativa é lento, fiel à proposta de Júlio Verne (1828-1905), que escreveu “Vinte mil léguas submarinas” em 1869. O romancista francês parte do realismo, uma base sólida, para construir uma verossímil história de ficção. Uma caravana de homens corajosos e inteligentes parte em busca do gigante do mar, responsável pelo desaparecimento misterioso de diversas grandes embarcações. O cientista francês professor Aronax, seu assistente Conselheiro e o Mestre arpoador Ned Land são jogados ao oceano e acabam resgatados pelo fenomenal submarino Náutilus, comandado pelo enigmático capitão Nemo. Os mistérios do fundo do mar se abrem para a tripulação: livres nas águas obscuras, mas prisioneiros na pesada estrutura de aço. A inteligência (Aronax), a emoção (Conselheiro) e a coragem (Land) são, simbolicamente, os instrumentos capazes de derrotar o rancor (Nemo). A humanidade emersa tem, afinal, tantos problemas quanto belezas assim como o mundo submerso.
            Alexandre Dantas (Aronax), Augusto Madeira (Conselheiro), Erom Cordeiro (Land) e Mouhamed Harfouch (Nemo) apresentam belíssimos trabalhos de interpretação. É facilmente identificável um excelente uso da dicção, pausas eficazes, além de trabalho corporal que mantém o ritmo interessante para quem assiste e quer ver mais. Depois dos detalhados cenários (Carlos Alberto Nunes), figurinos (Kika Lopes e Masta Ariane) e movimentos de iluminação (Paulo César Medeiros), são valorosas as animações de Rico e Renato Vilarouca e a trilha sonora original de Marcelo Alonso Neves, mais uma vez elemento definitório para a excelência da produção.
            O maior mérito de “Algumas aventuras das 20mil léguas submarinas” é a dramaturgia. Sai-se da peça com vontade de ver mais. Em se tratando de Júlio Verne e considerando uma ficha técnica de alta qualidade, não é difícil imaginar a tentação de Antônio Carlos Bernardes de avançar. Ter resistido a ela a fim de oferecer o que é realmente essencial fez do espetáculo ser ainda maior. Fica na imaginação o que não se viu em cena e é dela que o teatro, sobretudo para a família, é feito. Parabéns!

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Ficha Técnica
Texto e adaptação: Antonio Carlos Bernardes e Fátima Valença
Concepção e Direção: Antonio Carlos Bernardes
Assistente de direção: Leila Maria Moreno

Elenco:
Capitão Nemo - Mouhamed Harfouch
Professor Aronax - Alexandre Dantas
Arpoador Ned Land - Erom Cordeiro
Conselho - Augusto Madeira
Soldados - Dio Jaime, Marcos Pereira, Gabriel Bezerra
Capitão Farragut - Márcio Malvarez

Direção de Produção: Andréa Alves
Cenários e adereços: Carlos Alberto Nunes
Iluminação: Paulo Cesar Medeiros
Figurinos: Kika Lopes e Masta Ariane
Bonecos: Nilton Katayama
Música Original: Marcelo Alonso Neves
Videos: Rico e Renato Vilarouca
Direção de movimentos: Duda Maia
Assessoria de Imprensa: Daniella Cavalcanti