Foto: Guilherme Santos / PMPA
Electra: a estreia que não ocorreu
Escrita na Grécia Antiga, há quatrocentos anos antes de Cristo, essa versão de Electra, também contada por outros dramaturgos contemporâneos de Sófocles, cuja versão é tema aqui, foi atualizada incontáveis vezes ao longo dos milênios. Assim como as críticas nesse blog, cada um traz um novo olhar sobre as mesmas obras e tenho certeza de que a mesma pessoa, ao reescrever, ainda se complementaria. Quanto mais antigo é o texto, assim, mais disponível estão os outros olhares. O mesmo ocorre com textos populares. Electra, por isso, traz junto a si uma variedade imensa de possibilidades: é antiga e não muito difícil de encontrar versões. Ambas cargas enaltecem o texto, mas pesam, e muito, a responsabilidade de quem opta fazer. E fechar os olhos para o que há de alternativas não é aceito no teatro profissional.
A jovem Electra espera pelo retorno de seu irmão Orestes. A única razão de sua existência é a vingança pela morte do pai. Agamenón fora morto pela própria esposa Clitemnestra e seu amante Egisto, agora Rei. A mãe sabe que será morta pelos filhos. Os filhos sabem que matarão a mãe. Não há como fugir desse destino e tudo o que se vê, ou lê, são as impressões presentes do que acontecerá num futuro bem breve, com gotas de um passado também não muito distante. Grandes cenários não são necessários, tampouco figurinos caros. Embora todo mundo goste de ter seus olhos cheios por um trabalho ímpar, à narrativa pouco isso tem a acrescentar. Tragédia é mesmo um gênero teatral em que o que importa é o texto sendo dito de forma clara, intencional, rica.
Marisa Bentancur traz ao 17º Porto Alegre em Cena Gabriela Iribarren e Virgínia Rodriguez como as irmãs Electra e Crisótemis, uma outra versão da dupla Antígona e Ismênia. Ambas sabem o que fazer e são obedientes ao seu destino, embora o da primeira seja fazer e o da segunda seja não-fazer algo. As cenas em que as irmãs se encontram são o ponto alto da montagem. É quando o espectador ouve a beleza da história, julga o ato através da situação, o que é importantíssimo para o público de tragédia. Quando quem vê analisa o visto a partir de si, os julgamentos poluem e já não estamos mais assistindo um clássico. Isso, infelizmente, acontece em todos os outros momentos dessa encenação.
Ainda que interessantes, os movimentos coreografados feitos pelo coro, várias vezes, chamam a atenção além do necessário. Colorem a cena e favorecem a encenação introduzindo a ação, mas, quando em excesso, causam constrangimento no espectador que quer prestar unicamente a atenção no que está sendo dito. O mesmo se pode dizer sobre a trilha sonora, que atrapalha e cansa.
Electra, como espetáculo, tem seus piores momentos a partir da entrada de Orestes (Lucas Barreiro). A carga dramática dos atores (também Gustavo Bianchi e Gustavo Suarez) não é expressa no mesmo tom de suas colegas, o que realça a importância delas não só para o texto como também para o elenco, o que é negativo. A opção por apresentar a morte de Clitemnestra em palco aberto é constrangedoramente absurda: quase amadorismo, a opção não se justifica diante da ausência de punhal e de sangue cenográficos. O mito trágico não é realista em nenhum de seus aspectos e a representação da morte não fica nem no realismo, nem no clássico, mas no pateticamente falso.
Encerrando com os aspetos positivos, retomo a beleza do dizer o texto. Pausadamente, quase sem gestos, as atrizes fazem com que a barreira do idioma não se veja. Nem do idioma, nem do tempo. Apesar do apontado como negativo, o espetáculo, que estreia em país estrangeiro, promete agradar seus conterrâneos trazendo ao currículo de Bentancur tanto sucesso quanto o alcançado no seu As troianas, produzido há três anos. Vale a pesquisa sobre o feito tanto para quem faz como para quem vê.
* Texto escrito em setembro de 2010 por ocasião do 17º Porto Alegre em Cena.
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