sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Mantenha Fora do Alcance do Bebê (SP)


Foto: divulgação

Débora Falabella


Débora Falabella em mais um excelente trabalho de interpretação


Depois de uma curta temporada em junho em São Paulo, a peça “Mantenha Fora do Alcance do Bebê” cumpre temporada no Teatro de Arena do Espaço SESC Copacabana. Com brilhante direção de Eric Lenate, o espetáculo tem, no elenco, Anapaula Csernik e Débora Falabella, essa última em mais um trabalho de interpretação bastante elogiável. O excelente texto de Silvia Gomez já recebeu merecida indicação ao prêmio de Melhor Dramaturgia de 2015 da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA). Em cartaz, produzida por Ricardo Grasson, a montagem conta a história de uma Mulher que está sendo entrevistada por uma Assistente Social a fim de adotar um bebê. Essa situação, no entanto, é apenas ponto de partida para outras em que se sugerem diversas reflexões sobre os caminhos da humanidade.

Dramaturgia e encenação se revelam no fim
Nos últimos cinco minutos da encenação de “Mantenha Fora do Alcance do bebê”, todo o sentido do espetáculo fica mais acessível e a peça se torna excelente. No texto, uma Mulher (Débora Falabella) está sendo entrevistada por uma Assistente Social (Anapaula Csernik) como parte de um processo inicialmente corriqueiro de adoção de crianças. Nos diálogos de Silvia Gomez, aos poucos, algumas marcas de absurdo vão aparecendo. Através de detalhes, percebe-se que essa possível Mãe está, na verdade, escondendo boa parte de si mesmo e procurando interpretar alguém que pareça confiável o bastante para, mais rapidamente, realizar o sonho da maternidade. Por outro lado, na medida em que o íntimo da Entrevistada se revela, o público também se aproxima da Entrevistadora, essa a real protagonista da história. De forma brilhante, a dramaturgia de Gomez se utiliza do tema da adoção para falar de um tipo de futuro que ainda é possível construir. Assim como a Mulher acredita ser possível escolher o “modelo” e as “configurações” do bebê que gostaria de levar para casa, talvez sua personagem defenda aí a responsabilidade dos homens pelos males do mundo hostil em que vivemos. Na cena final, os personagens tomarão parte em uma situação ativa que será capaz de modificar a situação geral, assumindo, possivelmente pela primeira vez, o protagonismo de suas existências até então coadjuvantes no ponto de vista desse excelente texto.

A encenação dirigida por Eric Lenate é brilhante. Em um misto da estética plástica célebre nos espetáculos do americano Robert Wilson com amplo uso de intepretações partiturarizadas – que já foram vistas em sua versão para “Limpe todo o Sangue Antes que Manche o Carpete”, de Jô Bilac -, o espetáculo é formalmente inquietante. A dureza de todos os movimentos, das entonações e das cores que se veem no figurino e no cenário sustenta uma realidade que será quebrada nos últimos minutos. Vale a pena ver como toda a frieza evolui até ficar suficientemente quebrável, momento em que o espetáculo viabiliza o melhor de sua poética. O significado das menções aos lobos (Diego Dac), que invadiram a cidade onde moram as personagens da Entrevistada (Falabella) e da Entrevistadora (Csernik), é capaz de dar conta da liberdade almejada pelo público ao final da apresentação. Excelente trabalho de Eric Lenate!

Débora Falabella em mais um excelente trabalho de interpretação
Mais uma vez Débora Falabella (Entrevistada) oferece um grande trabalho de interpretação ao público carioca. Vencedora do Prêmio APTR por “Contrações”, no último ano, sua participação em “Mantenha Fora do Alcance do Bebê” é similar, mas não menos desafiadora e igualmente meritosa. Naquele espetáculo como nesse, há uma escrivaninha que separa sua personagem de sua interlocutora. No entanto, se, no texto do inglês Mike Barlett, a personagem Emma, tal como um cordeiro imolado, é atropelada pelo sistema, aqui seu papel é outro. Inicialmente tentando oferecer à Entrevistadora (Csernik) aquelas marcas que ela espera identificar, a candidata à mãe passa a dominar o jogo ao longo dos diálogos. No final, será ela quem, em um determinado ponto de vista, terá algo a oferecer: a possibilidade de um novo mundo. Esse jogo de expressões cada vez mais profundas e irreversíveis, já visto em “Contrações”, ganha aqui a possibilidade do alcance do poder, a ironia, as segundas intenções e até o deleite que sua personagem lá não tinha. Em bom trabalho, Ana Paula Csernik (Entrevistada) evidencia bem menos a curva narrativa de sua personagem, negativamente mantendo linear suas expressões inclusive nas cenas finais. Jorge Emil (Marido), em sua participação pequena, não se modifica também. Diego Dac (Lobo) apresenta excelente trabalho de corpo na minúscula, mas essencial, atuação do fim.

Os figurinos e adereços de Rosângela Ribeiro, o cenário do diretor e a luz de Aline Santini, ao mesmo tempo em que aprisionam os personagens em uma situação estética tão fria quanto enrijecida, recortam as figuras em um esforço para apagar suas identidades lindamente. Em outras palavras, assim como a situação está presa em um quadrado bem delimitado, é como se os personagens flertassem com a margem, deixando ver que, talvez, sair dali não seria ruim. Marcado em termos de ritmo pela trilha sonora de L. P. Daniel, o quadro viabiliza uma poética cuja delicadeza só se poderá contemplar no fim.

O espectador atento irá saber, desde aqui, que “Mantenha Fora do Alcance do Bebê” é como uma paisagem cujo olhar distante, vindo do seu interior, é definitivo para compreender sua complexidade. Vale a pena ver!

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FICHA TÉCNICA

Texto: SILVIA GOMEZ
Direção: ERIC LENATE
Elenco: DÉBORA FALABELLA, ANAPAULA CSERNIK, JORGE EMIL & DIEGO DAC
Assistência de Direção: JANAÍNA AFHONSO
Figurinos e Adereços: ROSÂNGELA RIBEIRO
Cenografia e Adereços: ERIC LENATE
Assistência de Cenografia: SAULO SANTOS
Iluminação e Adereços: ALINE SANTINI
Assistência de Iluminação e Operação de Luz: GUILHERME TRINDADE
Trilha Sonora, Sonoplastia e Engenharia de Som: L. P. DANIEL
Direção de Palco: DIEGO DAC & SAULO SANTOS
Mascareiro: FÁBIO PINHEIRO
Projeto Gráfico e Vídeos: LAERTE KÉSSIMOS
Fotos de Cena, Vídeos e Documentação: LEEKYUNG KIM
Direção de Produção: RICARDO GRASSON
Produção Executiva: CÍCERO DE ANDRADE & RICARDO GRASSON
Assistência de Produção: FRANN FERRARETTO & FELIPE COSTA
Coordenação Administrativa: JOÃO NORONA (DEARO)
Assessoria de Imprensa: SILVANA CARDOSO (PASSARIM COMUNICAÇAO & MARKETING)
Realização e Produção: GELATINA CULTURAL PRODUÇÕES ARTÍSTICAS
Idealização: SOCIEDADE LÍQUIDA

terça-feira, 25 de agosto de 2015

Pequenos poderes (RJ)


Foto: divulgação

Mariana Consoli, Andy Gercker e Zé Auro Travassos


Uma comédia inteligente sobre o momento atual

O ótimo “Pequenos poderes” encerrou sua primeira temporada na Sede das Cias, na Lapa, no dia último dia 17 de agosto, deixando o sabor de uma comédia inteligente. Criado a partir de reflexões sobre o momento atual da sociedade brasileira, o texto foi escrito por Diego Molina e o espetáculo dirigido por Breno Sanches. Em cena, Andy Gercker, Bia Guedes, Mariana Consoli e Zé Auro Travasssos dão a ver personagens que se sucedem na representação de cinco quadros, todos eles retratos carregados de preconceitos e de radicalismos em que o poder, embora troque de mãos, continue nas erradas. No âmbito da estética, é essencial observar como, nessa narrativa, as situações iniciais dão lugar a outras em que imperam as mesmas forças, mas em sentido contrário. Com excelentes trabalhos de interpretação, a peça foi um destaque que merece retornar a novas temporadas devido ao tema e a todos os seus muitos valores artísticos, alguns dos quais tratados a seguir.

Texto inspirado na obra do cartunista Nani
Os diálogos de Diego Molina são ágeis, ácidos e têm o mérito de providenciar, à encenação, o claro balanço do jogo de poder, esse que é tema do espetáculo. Ao longo de cinco quadros, o modo como personagens anônimos vão galgando funções superiores em cada narrativa é chave para identificar os maiores valores dessa dramaturgia original. De oprimidos, passam-se a opressores, reproduzindo os vícios daqueles agora substituídos. No geral, a justaposição das cenas articula argumento em favor da reflexão: vale trocar o sujo pelo mal lavado? Quais as marcas reais e os efeitos mais essenciais do desenvolvimento social? Com forte inspiração no humor típico das charges do cartunista Nani, a dramaturgia foi germinada no coletivo “Clube da Cena”, de 2014, a partir da esquete “Cidadania a gente aprende desde pequeno” e de trabalho colaborativo.

Na primeira história, dois alunos são chamados à diretoria, mas, quando o interrogatório começa, as falas da professora passam a ser mais agressivas do que talvez foram aquelas trocadas entre eles anteriormente. Depois, um assaltante tenta levar dinheiro de uma gerente de banco, mas os trâmites legais podem acabar sugerindo a inversão desses papeis. Em outro quadro, a confissão de um pecador ao padre evolui cada vez mais em uma sucessão de fatos “cabeludos”. Há ainda uma entrevista para a televisão em que o jogo de poder da apresentadora oprime a entrevistada até que ela toma as rédeas da situação. Por fim, em seu julgamento, o réu acaba por revelar valores sociais que o fizeram se sentir uma espécie de herói. O maior mérito do texto é oferecer a ironia, sem retratá-la. Nisso a encenação também merece elogios.

Conjunto de ótimos trabalhos de interpretação
A direção de Breno Sanches dispõe bastante bem do modo excelente com que Andy Gercker, Mariana Consoli e Zé Auro Travassos movimentam enorme número de intenções em grande variedade de tempo nas interpretações. Os quadros surgem bem distintos, repassando para o público o mérito de reconhecer suas ligações no interior do espetáculo como um todo. Em cada um, várias nuances vão sendo pontuadas em movimentações mais e menos discretas e em expressões pouco e muito claras positivamente de maneira que cada momento parece trazer uma informação nova ao desenho já inicialmente previsto. É interessante observar como, com habilidade, a cena dirigida por Sanches recupera a atenção da audiência em cada um dos cinco quadros de “Pequenos poderes”. Essa é, sem dúvida, uma tarefa bastante difícil.

Embora Bia Guedes não ofereça o mesmo resultado sempre, pode-se avaliar que, no geral, o maior valor do trabalho do elenco seja o jeito como eles usam os tempos e as entonações. A fluência do diálogo cômico aparece recheada de pesos diferentes: outros modos de olhar, expressões faciais e corporais distintas, tons cheios de singularidade. Sem dúvida, há aqui um conjunto de primeira grandeza.

“Pequenos poderes” tem boas colaborações nos figurinos de Bruno Perlatto, no desenho de luz de Ana Luzia de Simoni e na trilha sonora de Armando Babaioff e do diretor, essa última mais discreta que as anteriores. Com trajes sóbrios e quase sem detalhes, Perlatto reforça o aspecto mais social e menos individual dessas figuras. Quase sem iluminação geral, o detalhado uso da luz de Simoni remete à origem e à continuidade desses personagens cujos recortes são metáforas de situações reais. Ambas concepções ratificam a inteligência da produção como um todo.

Resultado de contribuições por meio do sistema de financiamento coletivo, essa alta comédia “Pequenos poderes” merece novas oportunidades na cena carioca. Que elas venham!


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FICHA TÉCNICA
Texto e Idealização: Diego Molina
Direção: Breno Sanches
Elenco: Andy Gercker, Bia Guedes, Mariana Consoli e Zé Auro Travassos
Desenhos: Nani
Iluminação: Aurélio de Simoni e Ana Luzia M. de Simoni
Figurinos e Direção de arte: Bruno Perlatto
Cenografia: Diego Molina
Trilha sonora: Armando Babaioff
Programação visual e Vídeos: Ananda Campana
Produção executiva: Fernanda Pascoal
Produção: Pagu Produções

segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Estúpido Cupido (RJ)


Foto: divulgação

Françoise Forton


Françoise Forton de volta à "Estúpido Cupido"


Em todos os sentidos, “Estúpido Cupido” é um musical delicioso. Com Françoise Forton de volta à protagonista Tetê, o melhor dessa ótima produção é também o modo como ela se relaciona com a novela homônima exibida entre 1976 e 1977 na TV Globo. Mas há outros pontos positivos a serem destacados além desses. O texto original de Flavio Marinho é leve e ágil como também é vibrante a direção musical de Liliane Secco e os figurinos de Clívia e de Clara Cohen. Já no início da primeira temporada, a direção de Gilberto Gawronski surpreendentemente apresenta ótimo ritmo. No elenco, além de Forton, Clarisse Derzié Luz e Sheila Matos brilham. Em cartaz no Teatro Imperator, no Meier, zona norte do Rio de Janeiro, aí está uma opção de qualidade para uma programação divertida.

A novela e o musical
O musical “Estúpido Cupido” apenas flerta com a novela escrita por Mário Prata e dirigida por Régis Cardoso. Última produção em preto e branco da TV Globo, a história daquela se passava na fictícia cidade de Albuquerque, no interior de São Paulo, no início dos anos 60. Recém formada no Curso Normal, Maria Tereza, ou Tetê (Françoise Forton), sonhava em ir para uma cidade grande e ganhar o Concurso Miss Brasil, mas, para isso, precisava enfrentar as discordâncias do namorado João (Ricardo Blat) bem como todas as limitações da pequena localidade onde morava. Com Leonardo Villar, Maria Della Costa, Ney Latorraca, Sônia de Paula, Suely Franco e várias outras estrelas no elenco, a novela conseguiu a façanha de reincluir, no fim dos 70, as músicas da década anterior. E foi um sucesso. Gravadas no Maracanãzinho, as cenas do concurso Miss Brasil 1961 reuniram um público de dez mil pessoas. No capítulo final, o casal Tetê e João ligava a TV e assistia à novela “Locomotivas”, que começaria na segunda-feira seguinte também no horário das 19horas.

O texto original de Flavio Marinho se aproveita da associação natural entre a personagem Tetê e a atriz Françoise Forton para, a partir disso, apresentar suas diferenças. A Tetê do musical (Forton) venceu o concurso de miss do colégio onde estudou, casou-se com Frankie, um futuro advogado (Aloísio de Abreu), e atualmente é atriz e apresentadora de televisão. Na escola, suas melhores amigas eram Aninha (Clarisse Derziê Luz) e Wanda (Sheila Matos), mas a amizade com essa última terminou quando as duas se viram em disputa pelo coração de Teddy (Carlos Bonow). A história do musical começa quando Aninha (Luz), após ter marcado uma festa de reencontro da velha turma pelo Facebook, tenta convencer Tetê (Forton) a ir ao evento. Vestidos à caráter, na ocasião, todos ouvem os ritmos dos anos 60 e se encontram com o passado, tendo a chance de reescrever o futuro.

A relação entre passado e presente se dá a ver de duas formas nesse ótimo texto de Flavio Marinho. Tetê, Aninha, Wanda, Frankie e Teddy têm versões de si mesmos interpretadas em cena por atores mais jovens. A presença constante dos duplos propicia um jogo poético através do qual os personagens reavaliam as decisões do passado, convidando o público a fazer o mesmo em seu processo de catarse. O segundo aspecto elogiável da dramaturgia é a inclusão de Danielli (Carla Diaz), atual namorada de Teddy. Ela tem 21 anos e desconhece os códigos por trás das relações entre os convidados da festa. Sua presença põe o grupo em choque, unindo a plateia do musical que assiste à peça a partir de diferentes pontos de vista. Excelente!

Françoise Forton brilha na canção “I’m still here”
Dirigindo pela primeira vez um musical, Gilberto Grawronski tem a sabedoria de não “inventar a roda”. Ao longo de toda a peça, o palco permanece equilibrado: lambreta de um lado e espelho do outro, diagonais em X, movimentos que partem do centro em direção às pontas, excelentes usos de pontos de fuga. Os duplos, que compõem o coro, preenchem o palco sem roubar a atenção, as cenas marcadamente evoluem a partir das entradas dos personagens no texto, o cenário se modifica sem grandes dificuldades. O resultado é que “Estúpido Cupido”, cuja direção de movimento é de Mabel Tude, evolui em sua apresentação de forma fluente indo para cima em direção ao final, como convém ao gênero que melhor o lê enquanto espetáculo.

O carisma de Carlos Bonow (Teddy), mas sobretudo a graça e a pontualidade das interpretações de Clarisse Derzié Luz (Aninha), Sheila Matos (Wanda) e de Carla Diaz (Danielli) definem o contexto ideal para o surgimento do conflito mais importante da narrativa positivamente. Trilhando talvez o caminho de volta da personagem da novela, essa segunda Tetê de Françoise Forton retorna à sua origem. Lá como aqui, a “mocinha” dá os passos mais lentos da história porque esses são os fundamentais. É bonito reparar a delicadeza com que o corpo de Forton vai desconstruindo a “boneca” das cenas iniciais para se encontrar com a mulher que há dentro dela. Em ótimo trabalho de atuação, vale dizer que a atriz continua belíssima!

O melhor momento da peça é aquele em que Françoise Forton interpreta a canção “Estou aqui”, pois nela o encontro entre as Tetês e a atriz que as interpreta se coroa lindamente. Trata-se de uma versão de “I’m still here”, de Stephen Sondheim, composta para o musical “Follies”, de 1971. Na história, um grupo de ex-coristas se reencontra. Elas se lembram de quando fizeram parte das produções “Weissmann’s Follies”, uma referência aos espetáculos de Florenz Ziegfeld nos quais nasceram os grandes espetáculos da Broadway. Eis aqui outro ponto relevante na estrutura interna da narrativa de “Estúpido Cupido”. Sobre os demais números musicais, no geral, o elenco garante os pouco desafiadores quadros musicais. Formada por Felipe Aranha, Guilherme Viotti e por Jean Campelo, a banda está diegeticamente bem resolvida em cena.

Com belos figurinos de Clara e de Clívia Cohen e ótimo desenho de luz de Paulo Cesar de Medeiros, a produção de “Estúpido Cupido” é assinada por Eduardo Barata e por sua equipe. Em cartaz no Rio, essa é uma ótima oportunidade para celebrar a vida!



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Ficha Técnica
Texto: Flávio Marinho
Direção: Gilberto Gawronski
Elenco: Françoise Forton, Aloísio de Abreu, Clarisse Derzié Luz, Carlos Bonow, Sheila Matos, Carla Diaz, Luisa Viotti, Julia Guerra, Ryene Chermont, Ricardo Knupp e Mateus Penna Firme
Stand in: Maria Sita (Françoise Forton) e Orlando Leal (Aloísio de Abreu/Carlos Bonow)
Músicos: Guilherme Viotti, Felipe Aranha, Jean Campelo
Direção musical: Liliane Secco
Coreografia: Mabel Tude
Cenário e figurinos: Clívia Cohen
Iluminação: Paulo César Medeiros
Direção de produção: Denise Escudero e Elaine Moreira
Produção e assessoria de imprensa: Barata Comunicação

Be careful, it’s my heart (RJ)



Foto: divulgação

Darwin Del Fabro e Laura Lobo


Discreta homenagem ao grande Irving Berlin
            “Be careful, it’s my heart” cumpriu temporada no Teatro Maria Clara Machado, na Gávea, trazendo ao público carioca dezoito canções de Irving Berlin (1888-1989). O compositor, cujo trabalho é considerado definitivo para a história do teatro musical norte-americano, escreveu mais de mil e quinhentas canções ao longo de uma carreira longeva, dentre elas, “Cheek to Cheek” e “There’s no business like show business”, além de “White Christmas” e de “God Bless America”. Idealizado por Darwin Del Fabro, o modesto espetáculo é apresentado por ele e por Laura Lobo. Ela, mais uma vez em brilhante performance, esteve recentemente em cartaz no Rio com o musical “A família Adams”, em que interpretava a filha Wandinha. Eximindo-se de explorar um pouco mais o repertório escolhido, a montagem merece aplausos contidos.

Homenagem ou auto-homenagem?
            “Be careful, it’s my heart” é um espetáculo frio. Cena após cena, tudo o que se vê no palco é mera oportunidade para Darwin Del Fabro e para Laura Lobo ou mostrarem o quão belas são as canções de Irving Berlin ou quão hábeis eles próprios são em cantá-las. Nesse movimento, o espetáculo perde toda a graça. Para analisar essa questão, é preciso observar que a cultura na qual essas canções apareceram e fizeram primeiro sucesso é diferente da nossa. Enquanto aqui, muitas vezes, o popular precisa ser referendado pela intelectualidade para ganhar prestígio, no contexto da produção teatral norte-americana de primeira metade do século XX, o movimento parecia ser o contrário. E essa peça infelizmente não propõe esse contraponto essencial.
A fama da Broadway como lugar onde se fabricam sonhos e deles se vivem começa em 1904 com a abertura de uma estação de metrô na Times Square. A partir desse momento, em Nova Iorque, os teatros e as casas de entretenimento que existiam na região teriam acesso facilitado pela classe trabalhadora da cidade. Talvez mais do que agora, Manhattan e seu entorno eram um lugar dividido por imigrantes oriundos de toda a parte do mundo que chegavam aos Estados Unidos e precisavam ganhar a vida para sobreviver. O dinheiro que garantia essa sobrevivência vinha em primeiro lugar, à frente de qualquer forma de preconceito. A composição “Alexander’s ragtime band”, de 1911, primeiro sucesso de Berlin, era um ragtime, um ritmo popular considerado grosseiro pelos críticos. Dizia-se dele exatamente o que hoje aqui se diz dos funks pancadões e outrora se atribuiu ao samba, ao maxixe, ao tango, ao rock’n’roll, à valsa, etc.
No entanto, diferente de nossa cultura, o grau de popularidade (e de comercialização) era a marca de prestígio. Compondo inicialmente para Florenz Ziegfield (1867-1932), o maior produtor de teatro americano da primeira metade do século XX, Irving Berlin, esse russo-americano judeu batizado com o nome de Israel Isidore Baline, rapidamente ascendeu na sua profissão. Ao longo de 66 anos de carreira, e 101 de vida, foram dezoito musicais para a Broadway e dezenove filmes para Hollywood.
Em termos de dramaturgia e de encenação, “Be careful, it’s my heart” não pauta o alcance popular do compositor e de suas canções no coração da cultura americana. Por isso, remetendo a um lugar clássico e um tanto mofado que erroneamente se atribui a esse repertório, o espetáculo perde a chance de sugerir algo mais relevante, apenas apontando para a beleza desses standars e das vozes que os interpretam.

O brilho de Laura Lobo
            Com direção de movimento de Renato Vieira, a direção de Darwin Del Fabro propõe relações sutis entre os personagens liricamente sugeridos nas canções. Ao longo de cinquenta minutos de encenação, tanto Fabro quanto Lobo apresentam expressões delicadas e discretas que, com parcimônia, ocupam-se em apresentar virtuosismo musical. Os melhores momentos do espetáculo estão em “I love a piano” (1915), em “Blue skies” (1926) e principalmente em “Always” (1925). Nessa última canção, em especial, a extrema beleza da voz de Laura Lobo garante os aplausos que toda a produção recebe no encerramento. As famosas “There’s no business like show business” (1946) e “Cheek to cheek” (1935), que mundialmente ficaram conhecidas nas interpretações de Ethel Merman e de Fred Astaire respectivamente, aparecem em versões alternativas estranhamente. Na mesma direção, o cenário de Cris De Lamare, assim como o figurino e a iluminação assinados pelo diretor, fecham o quadro com coerência à aparente proposta. A direção musical e os arranjos são de Betto Serrador e de Thalyson Rodrigues, esse último em cena ao piano ao lado de Saulo Vignoli no violoncelo.
            “Be careful, it’s my heart” é uma oportunidade do público carioca ouvir ao vivo algumas canções de Irving Berlin e de se reencontrar com Laura Lobo, uma das melhores atrizes-cantoras desse país. Quem venham outras!

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Ficha técnica:
Roteiro e Direção: Darwin Del Fabro
Elenco: Darwin Del Fabro e Laura Lobo
Direção de Movimento: Renato Vieira
Direção Musical e Arranjos:Betto Serrador e Thalyson Rodrigues
Cenografia: Cris De Lamare
Visagismo: Ricardo Moreno
Assistência de Direção: Fabiana Tolentino e George Luis
Direção de Produção: George Luis
Produção Executiva: Maria Fernanda Marques e Igor Miranda
Assistência de Produção: Julia Kussler
Assessoria de Imprensa: Minas de Ideias