segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Abalou, um musical funk (RJ)

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Foto: Paiva Fotografias


Elenco feminino em cena

Muitos problemas na nova montagem do Nós do Morro

“Abalou, um musical funk” é outra produção do Grupo Nós do Morro que faz parte da celebração de seus trinta anos ao lado de “Bataclã”. A peça, em uma narrativa, reinventa a história do funk, situando o Morro do Vidigal (e uma série de estereótipos ligados aos seus moradores) como protagonista da história. Com vinte e sete atores no elenco, é possível identificar alguns aspectos positivos nas atuações de alguns, mas nenhum trabalho relevante. O texto de Luís Paulo Corrêa e Castro é o pior elemento em cena e o figurino de Gorette Bezerra o melhor. A montagem ficou em cartaz no Teatro de Arena do Espaço SESC Copacabana até a última quinta-feira, dia 27 de outubro.

Barrigas enormes na dramaturgia
Na peça escrita por Luiz Paulo Corrêa e Castro, em algum lugar do fim dos anos 90, surge um compositor chamado Maestro (Dhonata Augusto), que grava fitas em que sons da natureza, música clássica e popular brasileira se misturam ao rap, resultando, em sua opinião, em algo novo e mais qualificado. O artista busca apoio do famoso produtor Big Boy (João Okame), mas ele não está interessado em inovações. As meninas do bairro, no entanto, se interessam em ouvir o trabalho, mas a maior parte delas igualmente não valoriza o material.

As meninas se dividem em dois grupos inimigos entre si. De um lado, há a evangélica Cleuséia (Clara Nery) e suas amigas. De outro, há Martinha (Camila Monteiro) e as suas, todas frequentadoras dos bailes e da praia da comunidade. Brigando por causa dos homens, elas duelam durante toda a encenação, acusando-se mutuamente de ir atrás dos MCs mais famosos. No centro da narrativa, está Tininha (Mariana Alves), o melhor papel dessa dramaturgia.

O mesmo Big Boy que dispensou Maestro como artista está apaixonado por Tininha. Ela, por sua vez, se apaixona por Maestro quando ouve sua canção, mas ele não percebe esse sentimento. Quando ela decide ajudar o amado a fim de conquistá-lo, o público reconhece o risco disso, pois, sem querer, ela pode exterminar as chances de Maestro quanto ao seu futuro profissional ao lado de Big Boy.

O conflito central, que aparece e se desenvolve de modo muito lento, se resolve de um jeito bastante empobrecido. Ricardo (Murilo Sampaio), Eládio (Flávio Mariano) e Waldemar (Alexandre Cipriano) são três fantasmas que assistem a tudo o que acontece. Com pena de Tininha, eles decidem ajudá-la na conquista de Maestro. Depois disso, rapidamente a história se termina.

Sobram barrigas enormes na narrativa que dura quase duas horas. Em vários momentos, toda a trama central cede lugar para as brigas entre os grupos de meninas, as lutas delas pelos meninos e as fugas deles em relação a elas. Enquanto isso, o público tem acesso a um emaranhado de situações que podem dar a ver um panorama geral da história do funk, mas esse sem revelar uma pesquisa realmente aprofundada. A título mais de análise do que de comparação, vale lembrar do musical “Funk Brasil – 40 anos de baile” que muito recentemente esteve em cartaz e que se dedicou brilhantemente ao mesmo tema.

Encenação ratifica preconceitos
A direção de Guti Fraga, transformando o Morro do Vidigal em elemento de linguagem, “chapa” os personagens, tornando-se todos uma coisa só. Sensualidade aflorada, voz anasalada e em volume alto, tom agressivo e comportamento hedonista são traços presentes em todas as representações sem qualquer quebra que realmente possa aproximar o contexto do real. É isso exatamente o que foi vendido pela televisão e pelo cinema ao longo das décadas.

Além disso, Fraga, assistido por Sabrina Isnard, não aproveita as chances para estruturar qualquer tipo de antagonismo que pudesse valorizar Tininha, a protagonista. A única coisa que age contra ela, na narrativa da peça, é o fato de que Maestro está muito mais preocupado com sua carreira e, por isso, não nota o que ela sente por ele. Ou seja, se lido como um melodrama, “Abalou, um musical funk” recebe avaliações negativas. Se lido como de outro gênero ou estilo, o resultado é ainda pior.

Há 27 atores em cena, mas nenhum com grande destaque em sua interpretação. Aqueles que mais chamam a atenção são beneficiados pelo modo como, através de ótimo carisma, conquistam o público com suas presenças mais fortes. Esses são: Camila Monteiro (Martinha), Deivison Santos (Lagartão), Mariana Alves (Tininha) e principalmente Clara Nery (Cleuséia), Marília Coelho (Severina) e João Okame (Big Boy). Nesses três últimos, de modo positivo, é possível identificar ótimos usos das intenções nos diálogos.

O figurino de Gorette Bezerra promove um colorido interessante que fica ainda melhor pela enorme variedade de texturas. No entanto, é mais uma perda de oportunidade do espetáculo de se definir no tempo, pois, apesar do diálogo fazer algumas referências ao fim dos anos 90, há dados que confundem as últimas décadas também no vestuário e no visagismo (Angélica Ribeiro). O cenário de Fernando Mello da Costa, em que várias telas compõem, em um jogo de frente e verso, paisagens múltiplas, é bonito nos primeiros minutos, mas tem sua força diminuída gradativamente ao longo da sessão pela poluição visual do todo. Mantendo os atores sempre virados para frente, a direção de movimento de Johayne Hildefonso perde a chance de conseguir melhores resultados. No entanto, as coreografias, considerados o número de atores do elenco e o tamanho do palco, merece elogios. Quanto à direção musical de João Gurgel e de Júnior & Leonardo, a situação é bem problemática. Com exceção de João Okame, nenhum intérprete tem voz ou afinação para interpretar as canções de repertório ou as originais que fazem parte da narrativa. Destaca-se o terrível desarranjo de “Carinhoso” na apresentação que aqui se analisa.

Sem brilho
Sem ser uma oportunidade qualificada para tratar a história do funk, nem tampouco uma história bem contada, “Abalou”, que teve algum destaque em 1997 em sua primeira montagem, agora não retoma o seu brilho infelizmente. É uma pena.

*

FICHA TÉCNICA
Texto: Luís Paulo Corrêa e Castro
Direção: Guti Fraga
Assistente de Direção: Sabrina Isnard
Elenco: Alexandre Cipriano, Alice Coelho, Bruno Borges, Camila Monteiro, Clara Nery, Danilo Martins, Danilo Martins, Deivison Santos, Dhonata Augusto, Flavio Mariano, Iohanna Carvalho, João Gago, Leilane Pinheiro, Mariana Alves, Marília Coelho, Murilo Sampaio, Nathalia Altenbernd, Ramon Francisco, Sonia Magalhães, Taiana Bastos, Thais Dutra, Thiago Vicente e Vandinho Ribeiro.
Cenografia: Fernando Mello da Costa
Iluminação: Márcia Francisco
Figurinos: Gorette Bezerra
Direção Musical e músicas originais: João Gurgel e Júnior & Leonardo
Direção de Movimento e Coreografias: Johayne Hildefonso
Preparação Corporal: Vanessa Soares
Técnica Vocal: Isabel Schumann
Instrutora de canto: Letícia Vasconcellos
Operação de som: Danilo Martins
Operação de luz: Lívia Ataíde
Visagismo: Angélica Ribeiro
Camareiras: Cláudia Ramos
Costureira: Cláudia Ramos
Assistentes de Produção: Tatiana Delfina e Kiko de Moraes
Produção Executiva: Márcio Lopes
Direção de Produção: Dani Carvalho

sábado, 29 de outubro de 2016

Nem que eu morra por isso (RJ)

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Foto: Julio Ricardo da Silva


Sandro Arieta e Bruno Quaresma



Em primeira peça do Grupo Teatro Arpor, Bruno Quaresma brilha mais uma vez

“Nem que eu morra por isso”, primeiro espetáculo do Grupo Teatro Arpor, traz de novo ao palco o excelente trabalho de atuação de Bruno Quaresma e também um belíssimo cenário de Gaia Catta e Lia Maia e figurino de Lilian Meireles. Essa última assina a direção do texto que é de Rômulo Pacheco. No elenco, além de Quaresma, estão Lorena Medeiros, Rosa Iranzo e Sandro Arieta. Na história, quatro personagens diferentes se abrigam em um café contra um mundo totalmente destruído do lado de fora. Um deles, um poeta, está atrás do último verso de um poema seu. A peça fica em cartaz até o próximo domingo, 30 de outubro, no Teatro II do SESC Tijuca.

Conflitos na dramaturgia
A dramaturgia de Rômulo Pacheco apresenta boas doses de lirismo que infelizmente são raras na programação teatral carioca. Com coragem, o autor investe em jogos de palavras, articula imagens e enfrenta o estilhaçamento do tempo e da estrutura dialógica contra uma narrativa em uma boa experiência. Isso merece ser elogiado. No entanto, falta resistência, pois esses impulsos iniciais, ao longo da peça, acabam por desaparecer com a força do drama.

Toda a narrativa se passa no interior de um café perdido no meio de um mundo em ruínas. Lá fora, sem oxigênio nem água, as pessoas se matam umas às outras. Elifas (Bruno Quaresma) é o dono do estabelecimento e também o senhorio de Gia (Lorena Medeiros), que mora dentro de uma geladeira e nunca cruzou a porta. A história começa com a entrada abrupta de Zene (Rosa Iranzo), cuja aparência não se identifica nem com homem, nem com mulher, mas com ambos. Por algum motivo não muito claro, talvez piedade, eles deixam ele/ela ficar. Então, entra o quarto e mais importante personagem do texto, o poeta Sajan (Sandro Arieta).

Sajan compôs um poema, mas perdeu o último verso e, desde então, sai pelo mundo em busca dele. Sua presença doce intriga os outros personagens, todos embrutecidos com o caos do mundo. As palavras que ele diz entretêm os demais, ajudando-lhes, talvez, a lidar com a existência.

Para além da exposição dos fatos que compõem a narrativa de “Nem que eu morra por isso”, é preciso analisar sua estrutura formal, com a qual a primeira entra em choque. Quando a peça começa, o modo como os personagens falam (e também a encenação em que eles se dão a ver de que mais adiante se tratará) cheira fortemente a Samuel Beckett. O texto do programa da peça reforça isso, citando esse dramaturgo irlandês. No entanto, são contextos completamente diversos.

Os personagens de Beckett não sentem tédio e nem procuram vencer o vazio existencial embora essas duas questões estejam imanentes em suas peças como um todo e definem a relação do público com elas. Didi, Gogo, Hamm, Clov, Winnie e Krapp e os demais não tiveram vidas preenchidas para que possam eles comparar o hoje com o ontem. O estilhaçamento do tempo pelo lirismo, em contexto em que passado e presente se confundem, une Beckett ao romeno Ionesco no rótulo “teatro do absurdo” de Martin Esslin antecipado cinco anos antes por Peter Szondi. Assim, não há um antes e um depois, mas só um agora abismal cujo perigo nós, plateia, vemos, mas eles não.

Assim, a referência de Rômulo Pacheco só se dá em aparência, em superficialidade. Seu texto tem imagens bonitas, construções frasais poéticas e, em vários momentos, faz das repetições um jogo interessante. Mas, ainda que prenuncie algo mais complexo, não resiste ao drama. Sua história, apesar do tom das falas, tem início, meio e fim, curva dramática e análise do passado pelo presente. Os problemas de clarificação dos limites entre as partes, essas mal construídas, são da ordem da forma e não do conteúdo. O melhor conflito de “Nem que eu morra por isso” se dá, por tudo isso, no desejo de Pacheco de fazer uma coisa, fazendo outra.

Beleza no uso dos outros elementos
A direção de Lilian Meireles, assistida por Bruno Quaresma, usando os recursos da encenação, dá a ver no palco os mesmos valores e desméritos do texto. Nutre o cenário, a luz, os figurinos, a trilha e as interpretações, um panorama não-realista em que imagens se repetem (a enorme presença de ventiladores entre outras) e metáforas (a menina que mora em uma geladeira vermelha, por exemplo) constroem algum lirismo. Tudo isso é muito bonito e interessante. No entanto, nos quatro trabalhos de interpretação, as expressões das emoções estão organizadas dentro de um sistema de causa e de efeito que vai apontando as evoluções do drama em cada parte. Ou seja, Meireles não resolve os problemas do texto, mas os ratifica como também seus aspectos positivos.

Rosa Iranzo e Lorena Medeiros
Sandro Arieta (Sajan) e Rosa Iranzo (Zene) têm ambos desafios bem difíceis, o que lhes ressalta o mérito. Quanto ao personagem do primeiro, é ele quem define o conflito da ação, pois é o único que busca algo (Zene foge de algo, Elifas e Gia se protegem de algo). No entanto, o grande objeto de sua existência na narrativa lhe surge de modo fácil, estranho, esquisito de modo que seu fim não se equilibra com as partes anteriores. Quanto à personagem Zene, a possibilidade dela de aproximar a peça de uma questão social – o preconceito contra identidade de gênero – não é suficiente para atribuir valor à sua participação no contexto. Em outras palavras, fica mais parecendo uma “cota política” do espetáculo do que propriamente uma opção estética de modo que a atriz que a interpreta não parece ter tido muito com o que trabalhar.

A regularidade das expressões de Lorena Medeiros (Gia) deixa ver, na colaboração da intérprete, um dos aspectos que melhor relaciona a peça ao teatro do absurdo. Suas respostas pouco variam, quase não há gestos, a alegria e a tristeza parecem ser duas variações do mesmo sentimento. Isso é muito positivo. Bruno Quaresma (Elifas), em exato oposto, varia repetidamente de intenções, inclusive dentro das frases, acabando por produzir o mesmo efeito. De modo positivo, o ator, como já ressaltado em seu trabalho em outras peças, aqui também oferece uma deliciosa investigação de tons, exibindo largo repertório de expressões que é muito destacável.

“Nem que eu morra por isso”, se se conseguir observar os méritos visuais e sonoros dos elementos que não sejam texto e interpretação, apresenta belíssimo resultado estético. A trilha sonora de Sandro Arieta (Federico Puppi foi o músico convidado), o cenário de Gaia Catta e de Lia Maia, o figurino de Lilian Meireles e a iluminação de João Gioia elevam os níveis da obra como um todo mesmo que enfrentando problemas com a concepção da direção e com os entraves já apontados da dramaturgia. É um quadro muito bonito.

Constituído em 2015 pela união de artistas realizadores provenientes de outros coletivos, o Grupo Teatro Arpor começa bem sua história. Que ela tenha vida longa e ainda mais meritosa. Evoé!

*

Ficha Técnica

Texto: Rômulo Pacheco

Direção: Lilian Meireles

Elenco: Bruno Quaresma, Lorena Medeiros, Rosa Iranzo e Sandro Arieta

Direção de produção: Paula Loffler

Trilha: Sandro Arieta

Músico convidado: Federico Puppi

Cenário: Gaia Catta e Lia Maia

Iluminação: João Gioia

Figurino: Lilian Meireles

Assistência de direção: Bruno Quaresma

Adereços: Rosa Iranzo

Produção: Rosa Iranzo

Assistência de Produção: Alexandre Paz

Programação visual: Fausto Hagen

Operação de luz: Sonia Margarita

Operação de som: Alexandre Paz

Realização: Sesc e Teatro Arpor

sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Chet Baker - Apenas um sopro (SP)

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Foto: divulgação


Jonathas Joba, Ladislau Kardos, Paulo Miklos, Piero Damiani e Anna Toledo

Um Chet Baker que não toca

O mais esquisito de “Chet Baker – Apenas um sopro” é que, apesar do título, a melhor coisa da peça é o solo de bateria que abre o espetáculo. Escrita por Sérgio Roveri, em projeto idealizado por Fábio Santana (1969-2016), e dirigida por José Roberto Jardim, a obra é protagonizada por Paulo Miklos, que estreia como ator de teatro em bom trabalho. Ao seu lado, estão Anna Toledo, Jonathas Joba, Piero Damiani e Ladislau Kardos, esse último o baterista elogiado. De resto, paira uma situação dramática que não se desenvolve e é mera oportunidade para a belas interpretações de algumas canções clássicas do jazz americano sobretudo as entorno da parte da biografia do trompetista que dá nome título à montagem. Fica em cartaz até 30 de outubro de no Teatro I do Centro Cultural do Banco do Brasil, no centro do Rio de Janeiro.

Problemas graves na dramaturgia
Quando a peça começa, (Albert) Phil (Ladislau Kardos) está em cena sozinho, ensaiando em sua bateria. Em uma vibrante evolução de ritmos e de múltiplas sonoridades, ele confere melodia ao que sai do instrumento no entrecho que é o melhor quadro de toda a peça que ainda está se iniciando. Depois, entra Rick (Jonanthas Joba), o baixista, que apresenta a situação inicial. Uma banda de jazz muito famosa vai se reunir ali, em torno do famoso trompetista e cantor Chet Baker para ensaiar mais um disco que eles irão gravar. É possível que ele, porém, não venha porque ficou afastado nos últimos tempos, tendo sido vítima de uma briga de rua em que perdeu os dentes da frente e também de problemas relacionados ao uso de drogas pesadas. As entradas do pianista David (Piero Damiani) e da cantora Alice (Anna Toledo) reforçam essa dúvida.

A questão sobre se Chet Baker virá ou não virá ensaiar com os outros se dilui, arrastando o texto de Sérgio Roveri. Os renomados Rick, David e Alice dedicam longos tempos no achincalhe do jovem iniciante Phil em uma atitude que, sendo interessante (e até engraçada) de início, irrita depois. Isso acontece sobretudo quando se percebe que a narrativa, unindo ficção e realidade, está tropeçando nos mesmos passos sem continuar sua caminhada.

Lá pelas tantas, a entrada do personagem-título (Paulo Miklos) dá movimento para a dramaturgia, mas infelizmente tudo para de novo. Um longuíssimo diálogo entre os quatro mais experientes se organiza a partir da resistência de Baker quanto ao repertório previsto para o disco. Saber exatamente o que será gravado ou não alimenta o público para continuar adiante na história além do prazer de ouvir as canções sendo interpretadas. A espera por “My funny Valentine” (de Richard Rodgers e de Lorenz Hart) domina a audiência. Composta para o musical “Babes in Arms”, da Broadway, em 1937, essa é uma das canções mais célebres do jazz americano. Chet Baker a gravou, pela primeira vez, em 1952.

Nesse sentido, ao longo de setenta e cinco minutos, “Chet Baker – Apenas um sopro” vive da chegada dos personagens e da dúvida sobre o que eles vão gravar ou não. Em termos de dramaturgia, isso é paupérrimo!

Cenário e figurino prejudicam a encenação
A direção de José Roberto Jardim vence o desafio de trazer à cena texto tão insólito. Os personagens andam de um lado ao outro em espaço que nunca se modifica e durante um tempo narrativo que é similar ao tempo fora da cena (ou seja, sem elipses aparentes). Os méritos são possíveis de ser vislumbrados na composição de imagens durante a intepretação das canções, mas essa é prejudicada pelo cenário e pelo figurino principalmente.

Os personagens são músicos de jazz. Tocam na noite, se envolvem em brigas, convivem com o uso de drogas leves e pesadas. Em suas falas, há agressões, palavrões, desilusões. A narrativa inteira da peça acontece durante um ensaio privado deles. Ou seja, não há público ficcional, o grupo está sozinho em espaço de intimidade. Apesar disso, no cenário criado pela Academia de Palhaços, até o fio da caixa de som combina com o sofá. Tudo é ou preto ou vermelho, limpo e brilhante, chic. O figurino de João Pimenta (com visagismo de Fábio Namatame) apresenta Phil, Rick, David, Alice e Chet vestindo roupas impecáveis, em paleta de cores também em harmonia com o ambiente. Quanto à visualidade, assim, a peça a que se assiste nada tem a ver com história que ela defende. A luz de Aline Santini, colaborando com o texto e com a trilha sonora, dá um ar soturno para o panorama que o valoriza positivamente. 

Méritos nas interpretações
Jonathas Joba (o baixista Rick) e o Piero Damiani (o pianista David) interpretam mais figuras de linguagem do que propriamente personagens. Em outras palavras, nem um ator nem o outro teve, ao seu dispor, muito material para oferecer alguma profundidade que lhes destacasse. O primeiro, no longo diálogo com o Baterista que abre a peça, mostra bom usos das intenções e busca por alguma tensão capaz de favorecer o ritmo. Anna Toledo (Alice) e Ladislau Kardos (Phil) têm mais oportunidades por desempenhar, na dramaturgia, funções mais valorizadas. O Baterista traz, em sua presença, um conflito entre gerações que faz a narrativa se relacionar com o hoje além de contextualizá-la de modo mais complexo. A Cantora, por se negar a interpretar uma música que lhe tornou famosa, faz ver um conflito que é inexistente no Baixista e no Pianista. Os segundos assim como os primeiros, dados os desafios diferentes, trazem valores à produção.

Paulo Miklos (Chet Baker), sobre quem recaem as maiores expectativas da obra, apresenta bom trabalho. Estreando no teatro, como também Joba, Damiani e Kardos, há usos de expressões e de movimentos de modo colaborativo, isto é, disposto a apresentar a narrativa, mas também o seu contexto. No interior de cada fala, há mérito na valorização de um ritmo mais realista e, no conjunto das cenas, vê-se alguma variação que se esforça em impedir a monotonia. O grande problema é que, diferente da bateria, do baixo, do piano e da voz, o trompete não brilha em qualquer momento da peça, frustrando a óbvia expectativa.

Frustrante
“Chet Baker – Apenas um sopro” narra a história de um momento em que o trompetista Chet Baker estava impossibilitado de tocar. Essa justificativa, no entanto, sobretudo pelo modo como diferentes acontecimentos da vida real do músico se embaralham na peça, não convence. Sai-se frustrado do teatro infelizmente.

*

Ficha técnica:

Dramaturgia: Sérgio Roveri

Direção: José Roberto Jardim

Idealização: Fábio Santana

Elenco: Paulo Miklos, Anna Toledo, Jonathas Joba, Piero Damiani e Ladislau Kardos

Direção de Produção: Renata Galvão

Direção musical: Piero Damiani

Figurino: João Pimenta

Assistente de figurino: Marcelo Andreotti

Cenografia: Academia de Palhaços

Visagismo: Fábio Namatame

Desenho de luz: Aline Santini

Operação de luz: João Pedro Meirelles

Desenho de som: Carlos Henrique

Operação de som: Cainã Bomilcar

Camareira: Sônia Favero

Produção Executiva: Nicole Maragoni

Produção: Cibele de Lima

Assistente de direção de produção: Kamille Viola e Joca Vidal

Fotografia, vídeo e design: Victor Iemini

Realização: Centro Cultural do Banco do Brasil

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Volume morto (RJ)

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Foto: divulgação


Thaís Chilinque e Maurício Lima

Temas relevantes pouco aprofundados


O melhor de “Volume morto” é o uso do som como elemento da construção do espetáculo. Dirigida por Eloisa Brantes, um projeto do coletivo Líquida Ação, a peça tem como ponto positivo também a intenção de tratar sobre questões pertinentes à contemporaneidade. Preconceitos de gênero, de raça e de orientação sexual, assim como política e ecologia são temas que participam da abordagem, todos muito pouco aprofundados infelizmente. Os performers Maurício Lima e Thaís Chilinque propõem um diálogo entre a montagem, seus universos particulares enquanto artistas-criadores e o entorno do espetáculo. Mas esse, no entanto, pouco colabora com os méritos da obra. Vale a pena abrir-se para perceber a arte sonora assinada aqui por Ana Paula Emerich. Fica em cartaz até o dia 28 de outubro, próximo domingo, na Sala Multiuso do Espaço SESC Copacabana.

Méritos no desenho de som, problemas da dramaturgia
Ao longo da encenação, diferentes sons surgem a partir de vasta variedade de origens. A movimentação e o gestual dos atores, a interação deles com objetos como uma lona plástica, uma piscina e como uma corrente de ferro, por exemplo, dividem espaço com a sonoplastia e melodias reproduzidas artificialmente. Tudo isso constrói um texto sonoro que é muito interessante e que se destaca em “Volume morto” positivamente.

Os méritos da interpretação (palavra difícil quando se trata mais de uma performance do que de uma obra de ficção) se veem no modo claro como Maurício Lima e Thaís Chilinque dizem bem o texto, estabelecem bom diálogo entre a encenação e o público e sobretudo como fazem de suas expressões corporais, gestuais e vocais pontos que elevam as qualidades semânticas do espetáculo. No entanto, todos os elementos, incluindo esses, sofrem com a debilidade da dramaturgia.

A peça se constitui a partir de um empilhamento de temas diversos que, sem aprofundamento, parece gratuito. A abordagem parece se apoiar nos valores da reflexão sobre esses assuntos, e apenas isso, o que é muito pouco. Em outras palavras, não basta pautar discussões relevantes, mas é preciso contribuir com elas, valorizando-as efetivamente. Questões como preconceito de gênero, de raça e de orientação sexual, e sustentabilidade, assim como todos os outros, ficam empobrecidas quando aproveitados de maneira selvagem.

Ritmo monótono
Justapostos, os quadros têm articulação pouco aparente na direção de Eloísa Brantes. A valorização, provavelmente expressa pelo título, do entrecho sobre o desastre ecológico de Mariana (MG) apresenta uma sutil curva narrativa. O feito é positivo diante do excesso de linearidade do ritmo porque alivia a enorme monotonia. A iluminação de Lara Cunha e o figurino de Maurício Magagnin qualificam o espetáculo com algum mérito, mas sem destaque.

“Volume morto” pode passar batido na grade de programação carioca.

*

Ficha técnica:

Direção: Eloisa Brantes
Performers: Mauricio Lima e Thaís Chilinque
Arte sonora: Ana Paula Emerich
Iluminação: Lara Cunha
Figurino: Mauricio Magagnin
Colaboração dramatúrgica: Fabiano de Freitas
Designer gráfico: Evee Ávila
Direção de produção: Cau Fonseca | MÍTICA! [arte, cultura e comunicação]
Produção: Julia Ariani
Fotografia: Cícero Rodrigues
Realização: Coletivo Líquida Ação
Operador de Luz: Luciano Pozino

terça-feira, 25 de outubro de 2016

O quadro ou Pequeno poema para o fim do mundo (RJ)

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Foto: divulgação


Flavia Milioni


O gigante (e ótimo) espetáculo de uma mulher só


O delicioso monólogo “O quadro ou Pequeno poema para o fim do mundo” é o primeiro espetáculo solo de Flavia Milioni. A peça tem dramaturgia, direção, interpretação e todos os outros elementos também assinados por ela em um trabalho completamente autoral no melhor significado do termo. E é uma beleza. Enquanto se abre corajosa e delicadamente ao interesse do público, a intérprete o conquista em uma narrativa doce, alegre e emocionante que dura quase sessenta minutos. O tempo passa voando! Vale a pena estar com ela e assistir à essa ótima peça que fica em cartaz na Casa Rio (em frente ao Teatro Poeira), em Botafogo, zona sul do Rio de Janeiro, até a próxima quinta-feira, 27 de outubro.

Excelente dramaturgia
A narrativa tem um tom biográfico que, se não for verdadeiro, auxilia muito na aproximação da peça com a audiência. A história começa em Araçatuba, cidade no interior de São Paulo, no início dos anos 80. A mãe de Flávia havia comprado, de um caixeiro viajante, um quadro que retratava um casario colorido. Pendurada na parede da sala, a tela despertava a atenção da menina. Tempo depois, a separação dos pais e as voltas da vida a obrigaram a mudar-se de um lugar para outro constantemente. A imagem da pintura, nesse contexto, ganhou outra importância. Para a Flavia da peça, representava o porto seguro, o lar, o sabor da constância. Seu choque foi imenso quando, sem mais nem porquê, a tela foi vendida.

“O quadro ou Pequeno poema para o fim do mundo” pode ser dividido, para fins de análise, em duas partes. A primeira consiste na estruturação do sentido e a segunda na narrativa propriamente dita. De início, a dramaturgia de Milioni se esforça em caracterizar sensorialmente seu tema. A peça começa com sua intepretação, ao piano, da canção “Over the rainbow”, do americano Harold Arlen. Com isso, faz-se uma ótima referência ao clássico “O mágico de Oz” – livro de L. Frank Baum que virou muitas coisas, entre elas, o célebre filme de 1939 com Judy Garland no papel de Dorothy. Com essa abertura, o monólogo cheira a sapatinhos vermelhos e a “There`s no place like home” (“Não há melhor lugar que a nossa casa”). Seguem informações culturais a respeito do ano de 1982 no Brasil e também a caracterização de Araçatuba, tudo com vistas à aproximação do público daquilo que contextualiza a história que está por vir.

Na narrativa da peça, se vê excelente articulação dos fatos que apresentam o conflito, o desenvolvem e apontam para o desenlace. O mérito dela está no que lhe abriga: canções (interpretadas ao vivo por Milioni) que embalaram as últimas décadas, dados sobre economia e política e descrição do universo cultural. Nesse movimento, com cada vez mais força, o sentido se estrutura e se modifica em jogo proposto pela atriz/dramaturga mas partilhado deliciosamente pelo público ao longo da sessão. Sai-se do espetáculo com a imagem do quadro cordialmente gravada na memória.

Intimidade e equilíbrio marcam direção e interpretação
Flavia Milioni, que dirige o monólogo que ela mesma interpreta, faz do valor às coisas simples não apenas o tema do espetáculo mas também o modo como o viabiliza. Sem preciosismo ao piano, ao violão e ao canto, seu empenho colabora na acolhida do público que a vê “de igual para igual”. Sentadas próximas a ela, as pessoas que assistem participam da roda de mãos dadas à atriz, gesto esse que normalmente só os atores fazem entre si na coxia antes do espetáculo começar. Ao longo do espetáculo, alguns objetos são manipulados, outros são apenas vistos. Com extrema simplicidade, essa bela encenação nasce, se desenvolve e termina em um clima agradabilíssimo que marca o encontro essencialmente humano que o teatro promove entre audiência e corpo criativo.

Sem qualquer poluição mas com muita fluência, o monólogo não se constitui a partir de largos movimentos, nem de expressões determinadas. Em sua defesa, positivamente articulada com a natureza do espaço em que o espetáculo se apresenta, se vê o privilégio à intimidade e ao equilíbrio em um encontro em que há distanciamento, mas também afeto. Trata-se de um nobre trabalho de interpretação em que se veem, além disso, ótimos usos das contribuições possíveis do figurino, do cenário, da luz (a colaboração dessa última tem assinatura compartilhada com Bruno Aragão) e da trilha sonora.

“O quadro ou Pequeno poema para o fim do mundo”, em sua pequenez, é um gigante na programação teatral do Rio. Que ganhe novas e longas temporadas!

*

Ficha técnica:
Texto, direção, interpretação, cenário, figurino, trilha sonora e produção: Flávia Milioni
Luz: Flávia Milioni e Bruno Aragão

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Chica da Silva – O musical (RJ)

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Foto: Janderson Pires


Vilma Melo


A excelente Vilma Melo!

"Chica da Silva – O musical" é o novo espetáculo com texto de Renata Mizrahi em cartaz. A peça é dirigida por Gilberto Gawronski e tem a excelente Vilma Melo no papel título ao lado de Antônio Carlos Feio, Ana Paula Black, Tom Pires e Luciana Victor, essa última em ótima trabalho, no elenco. Na montagem, a famosa história de Chica da Silva (1732-1796) surge como pano de fundo para uma narrativa original e contemporânea. Francisca é proprietária de uma loja de sapatos em um shopping chique da cidade que é vítima de uma situação de preconceito racial. Em destaque também, está o cenário e figurino de Karlla de Luca. A produção fica em cartaz até o próximo dia 30 de outubro no teatro do Centro Cultural Correios, na zona central do Rio de Janeiro. 

Os méritos de Renata Mizrahi em seu primeiro musical 
O maior mérito da dramaturgia de Renata Mizrahi, só agora estreando nos musicais, é o modo como a personagem que dá título ao espetáculo surge como argumento da encenação. Chica da Silva (Vilma Melo), cuja biografia remonta o Brasil colonial, divide a cena aqui com uma narrativa original que acontece nos dias de hoje. Na história, em um dia como outro qualquer, uma Cliente (Luciana Victor) vai a uma loja de sapatos a fim de trocar um par do qual está insatisfeita. Francisca (também interpretada por Melo), ao atender-lhe, repara que o produto, comprado há meses, já foi usado mais de uma vez e indefere, por isso, o pedido. A reação brutal antecede a exigência de falar com a proprietária. Quando Francisca assim se declara, ouve como resposta que isso não é possível porque uma mulher "como ela" não poderia ter um estabelecimento daquele em um shopping na zona nobre da cidade. Eis uma clara situação de preconceito racial. 

O conflito social que a cena revela é seguido de outro narrativo. Francisca, há dois anos, namora com um homem cuja família ela não conhece. Sua surpresa é enorme ao saber que sua futura sogra é a Cliente que lhe agrediu e que, desde então, está processando judicialmente. Nas mãos habilidosas de Mizrahi, a intercalação desse enredo com as referências à Chica da Silva exibe a longa e infeliz permanência do preconceito racial em nossa cultura. E pontua meritosamente a posição do espetáculo como veículo de transformação social. 

"Chica da Silva – O musical", com canções conhecidas e outras originais, participa da comemoração dos quarenta anos do célebre filme "Xica da Silva", de Cacá Diegues, em que a personagem foi interpretada por Zezé Mota, essa vencedora de inúmeros prêmios por seu trabalho na obra. E também pelos vinte anos da novela homônima, de Walcyr Carrasco (Rede Manchete), em que Taís Araújo defendeu o papel. Francisca da Silva de Oliveira, conhecida como Chica da Silva, foi uma brasileira mulata que era escrava até ser alforriada, o que pode ter acontecido (ou não) durante seu relacionamento com João Fernandes de Oliveira (1720-1779), brasileiro branco e muito rico. O casal, apesar de não ter se casado na igreja, gozou de enorme prestígio na localidade de Diamantina, fazendo atravessar sua história pelos séculos seguintes. Chica é um símbolo da força do dinheiro nas relações sociais corrompidas pelo preconceito. 

Com diálogos cheios de lirismo e uma estrutura narrativa capaz de unir catolicismo e candomblé, século XVIII e contemporaneidade, narrativa e engajamento social claro, o texto marca o início de uma carreira venturosa da já consagrada dramaturga Renata Mizrahi no gênero musical. Vida longa! 

Vilma Melo em uma das melhores interpretações do ano 
"Chica da Silva – O musical" é o segundo musical dirigido por Gilberto Gawronski, vindo exatamente depois do delicioso “Estúpido Cupido”. Esse desafio, no entanto, é muito diferente daquele. Muito menos focada no puro (e valoroso!) entretenimento, essa produção não se apresenta com largas oportunidades para grandes coreografias, entradas e saídas de cenário, agudos sonoros e para figurinos brilhantes. Aqui o tema exige uma abordagem mais intimista que dê conta do tema a partir de seu cunho social. Dentro da proposta, assistida por Renato Krueger, a direção tem pontos positivos. 

Gawronski optou por manter todos os intérpretes em cena ao longo de toda a peça, propondo, através disso, uma profundidade que é muito interessante. A relação entre as presenças no fundo do palco e à frente e os movimentos dessas figuras na articulação das cenas parecem almejar substituir, em termos de sua função na narrativa, as trocas de cenários e de figurinos. De modo simples, o efeito atribui balanço positivo ao ritmo e, melhor ainda, propicia as associações entre os diferentes contextos que a dramaturgia de Mizrahi sugeriu. Em outras palavras, o fato de tudo ser visto desde sempre e até o fim, se abre com dificuldades o espetáculo, revela sua potência, sua complexidade, sua disposição em tratar do tema de maneira séria. É um ato corajoso. 

No entanto, essa opção impõe muitos riscos às interpretações. Em vários momentos, Antônio Carlos Feio, Ana Paula Black, Tom Pires e Luciana Victor precisam sustentar feições neutras para não poluir a hierarquia do foco. Se conseguem, isso revela seus méritos enquanto bons intérpretes. Os dois primeiros participam majoritariamente do eixo do século XVIII e os dois segundos da contemporaneidade, mas, em alguns momentos, os quadros se compõem por todo o coletivo, que é quando o panorama fica mais conturbado. 

Luciana Victor (Cliente) se destaca entre os papeis coadjuvantes. Em primeiro lugar, Mizrahi não termina sua narrativa no espetáculo, pois não se sabe – e isso é positivo! – como terminou o processo judicial movido contra ela por Francisca. Em segundo lugar, no todo da narrativa da peça, sua presença como vilã na contemporaneidade é muito forte e não encontra eco no outro eixo de modo que suas zonas neutras, na direção de Gawronski, é um terreno pantanoso. Tudo isso exibe o quanto é qualificada sua contribuição. 

Vilma Melo está brilhante nesse trabalho! O jeito como a atriz sustenta cada palavra e todas as frases e a maneira como, por trás do discurso oral, há potente mobilização gestual e corporal são exultantes. O jogo que a intérprete estabelece com o público, privilegiando-o na medida em que atua quase sempre virada para ele, avisa a audiência acerca da interlocução primeira. É com quem assiste que Francisca/Chica está falando em primeiro lugar. Isso, na qualidade com que é feito, emociona! Eis uma das melhores interpretações do ano na programação teatral carioca, sem dúvida. 

Ótima pedida!
A peça se apresenta ainda com belíssima contribuição de Karlla de Luca no cenário e nos figurinos. A preferência por tons terrosos médios, do champagne ao dourado, aquece a narrativa, aproximando a reflexão. O modo como o quadro está posto, ao lado da luz de Renato Machado, eleva o número de valores visuais da obra. A direção musical de Alexandre Elias, pela força com que faz surgir as canções e pela riqueza dos detalhes na participação dos sons que ajudam a estruturar a(s) história(s), também é muito positiva e merece aplausos. 

"Chica da Silva – O musical", idealizado por Alexandre Lino e por Daniel Porto, é uma ótima pedida no teatro carioca. Vale a pena correr para ver! 

*

FICHA TÉCNICA:
Texto: Renata Mizrahi
Direção: Gilberto Gawronski
Idealização: Alexandre Lino e Daniel Porto
Pesquisa: Daniel Porto
Elenco: Vilma Melo, Antônio Carlos Feio, Ana Paula Black, Luciana Victor e Tom Pires
Diretor Musical: Alexandre Elias
Músicos: Di Lutgardes, Reginaldo Vargas, Victor Dutra e Tássio Ramos
Assistente de direção musical: Victor Durante
Preparação Vocal: Ananda Torres
Direção de Movimento: Carlos Muttalla
Assistente de Direção: Renato Krueger
Consultoria de conteúdo: Cristina Lopes
Iluminação: Renato Machado
Cenário: Karlla de Luca
Figurinos: Karlla de Luca
Desenho de som: Rossini Maltoni
Programação Visual: Guilherme Lopes Moura
Fotos e Vídeos: Janderson Pires
Visagismo: Sandra Moscatelly
Cenotécnico e Pintura de Arte: Emphorium Carioca
Costureira: Maria Helena
Operador de Luz: Kelson Alvarenga e Diego de Assis
Operador de Som e Microfonista: Kelson Santos Alavrenga
Bilheteria: Equipe Cineteatro
Direção de Produção: Alexandre Lino
Produção Executiva: Daniel Porto, Mariana Martins e Tom Pires
Assistente de Produção: Renato Krueger
Coordenação – Lei Rouanet: Jéssica Santiago
Prestação de contas: Jéssica Santiago
Assessoria jurídica: André Siqueira
Assessoria de Imprensa: Bianca Senna, Paula Catunda e Rachel Almeida.
Homenagem especial: Zezé Motta
Realização: CINETEATRO PRODUÇÕES

terça-feira, 18 de outubro de 2016

Amor em dois atos (RJ)

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Foto: Elisa Mendes

Otto Jr. e Julia Lund

Julia Lund brilha em “Encerramento do amor”

Com dramaturgia do francês Pascal Rambert, “Amor em dois atos” é o segundo espetáculo com direção assinada por Luiz Felipe Reis, que, no ano passado, assinou a direção do seu próprio texto “Estamos indo embora”. A atual montagem é composta, na verdade, por duas peças distintas: “Encerramento do amor”, escrita em 2011, e “O começo do A.”, em 2000. Pela ordem em que esses dois espetáculos aparecem na grade de programação da Sala Mezanino, do Espaço SESC Copacabana, o espectador pode assistir, no mesmo dia, primeiro ao mais novo e, logo sem seguida, ao mais antigo. Essa justaposição causa bonito efeito na construção do sentido de ambos. A dramaturgia, um belíssimo exercício de linguagem, revela zonas distintas do amor: a beleza do se apaixonar e o efeito destrutivo do fim de uma relação. No elenco, ao lado de Otto Jr., Julia Lund apresenta magnífico trabalho de interpretação. Os dois espetáculos também têm elogiável figurino de Antônio Guedes, luz de Tomás Ribas e trilha sonora de Thiago Vivas e do diretor. As peças ficam em cartaz até o próximo domingo, dia 23 de outubro. 

Os dois textos de Pascal Rambert
“Encerramento do amor” (“Clôture de l’amour”) é dividido em dois longos monólogos. No primeiro, Stan (Otto Jr.) declara à sua esposa Audrey (Julia Lund) que seu amor por ela terminou e que, por isso, ele vai embora. Os nomes dos personagens, uma provável homenagem de Pascal Rambert aos atores Stanislas Nordey e Audrey Boney, que interpretaram os papeis na montagem original do Festival de Avignon, em 2011, nunca são ditos. Ao longo do texto, tampouco se narram acontecimentos recentes que antecederam a decisão do marido e também a dela, que aparece, sobretudo, como uma resposta ao que ele diz e ao modo como o faz. Ao contrário, quase sem pontos e sem letras maiúsculas, há uma exaustiva descrição de sensações (ou de imagens sensoriais) que revelam um complexo repertório cultural (científico e artístico) dos personagens (e obviamente o do seu criador).

Desde sua estreia, a peça recebeu inúmeras montagens mundiais e prêmios importantes. Acredita-se que esses foram merecidos, considerado o belíssimo elogio que essa dramaturgia faz, em primeiro lugar, ao exercício da linguagem verbal. Palavras e expressões complicadas, orações complexas e construções literárias (na tradução brasileira assinada por Marcus Vinicius Borja) dominam a extensão dos dois monólogos distanciados da realidade em que a poética brilha lindamente. Em segundo lugar, mas não menos importante, está o mérito de Pascal em construir um extenso discurso sem qualquer narrativa. Não há delimitação nem transformação do tempo ou do espaço, quase qualquer informação acerca dos personagens (profissionalmente, eles são atores e juntos têm dois filhos. No original, a peça “Berenice” (1670), de Racine (1639-1699), é citada como um trabalho em que eles se envolveram) nem tampouco da situação que os envolve. Em seu lugar, há um constante descrever de um sentimento com vistas à destruição do outro ou, no melhor aspecto da abordagem, do que resta de amor dentro do falante.

Porque uma resposta dela ao texto dele, o segundo monólogo pode facilmente ser considerado mais interessante que o primeiro. A personagem, que, como o público, ouviu durante quase cinquenta minutos a exposição do outro, responde a ele a altura com, talvez ainda mais, elegância, elevando os méritos do texto. Ao final, qualquer pessoa que valorize um idioma bem usado terá se deleitado. Chamada de “Término do amor”, uma montagem paulista produzida no primeiro semestre desse ano, dirigida por Janaína Suaudenau, com Clara Carvalho e Gabriel Miziara no elenco, foi a primeira encenação de Rambert no Brasil.

Em “O começo do A.” (“Début de l.’A.”), que no palco dura a metade de “Encerramento do amor”, se ouvem dois amantes descrevendo a paixão que sentem ao longo dos primeiros momentos em que nasce o sentimento. Diferente da dramaturgia acima analisada, aqui sabe-se que os dois personagens moram um em Paris e outro em Nova Iorque, além de alguns detalhes extras sobre o modo como se conheceram e como foram (ou estão sendo) os primeiros encontros. Justaposta à peça anterior, essa é capaz de provocar um alívio na alma, equilibrando com beleza tudo aquilo que foi destruído no texto anterior. Aqueles que só assistirem a essa, encontrar-se-ão com um açucaradíssimo elogio ao amor, melhorado, em termos de sua encenação, pelo figurino, pela luz e principalmente pela trilha sonora. O texto foi escrito por Pascal Rambert em 2000, mas encenado pela primeira vez cinco anos depois na Comédie-Française.

O brilho de Julia Lund
Em “Encerramento do amor”, o maior mérito da direção de Luiz Felipe Reis, que também assina a adaptação de “Amor em dois atos”, sua concepção sonora e visual, está no modo como se equilibra a relação proxêmica dos dois intérpretes. Quando fala, Otto Jr. mantém, ao longo de quase todo o seu monólogo, o braço esquerdo levantado com a mão aberta em direção à sua interlocutora, essa posicionada em diagonal e relativamente imóvel. Quando responde, Julia Lund sustenta o braço direito em mesma posição virada para seu interlocutor, esse no lugar onde antes ela se encontrava. Por isso, e também pelo modo como os dois intérpretes se aproximam e se distanciam um do outro e exibem interessantíssimo desenho sonoro ao longo de suas falas, eis um bom trabalho de Reis.

Assistida por Marcelo Grabowsky, a direção fica muito valorosa em “O começo do A.”, quando se veem movimentações mais amplas e sobretudo mais responsáveis pelos méritos do todo. Há nobres desenhos de cena que, ao lado do texto, oxigenam o discurso oral, auxiliados pelos excelentes figurinos de Antônio Guedes e pela luz de Tomás Ribas, em fundo branco no cenário de José Dias, e pela trilha sonora de Reis e de Thiago Rivas. O quadro, nesse segundo espetáculo, revela potente investigação da potencialidades cênicas da obra, trazendo excelente resultado que, na primeira peça, foi quase que inteiramente defendida pelo texto e pelas interpretações. A direção de movimento é de Lu Brites.

Otto Jr. apresenta bom trabalho de interpretação assim avaliado sobretudo se se souber identificar o enorme desafio desses textos de Pascal Rambert. No entanto, sem desvalor de sua contribuição, em “Amor em dois atos”, Julia Lund brilha em magnífica interpretação. O uso do corpo é excelente na disposição às energias das falas, mas principalmente o desenho de entonações apresentado ao longo delas, sobretudo na primeira peça, merece aplausos. Com habilidade na viabilização das marcas mais sensíveis, Lund dá identidade para “Encerramento do amor”, auxiliando de modo ímpar na aproximação do texto do público positivamente. Eis uma grande interpretação aqui.

Ao longo de todo “O amor em dois atos”, se vê ótimo jogo de cores, de formas e de sonoridades colaborando com o texto mundialmente elogiado e aqui em brilhante tradução. É um espetáculo que se destaca na programação carioca nesse ano. A ver!

*

EQUIPE DE CRIAÇÃO.

Direção, adaptação e concepção sonora e visual
Luiz Felipe Reis

Textos originais
Pascal Rambert

Tradução dos originais
Marcus Vinicius Borja

Atuação
Julia Lund
Otto Jr.

Diretor assistente e direção de vídeo
Marcelo Grabowsky

Cenário
José Dias

Iluminação
Tomás Ribas

Figurino
Antônio Guedes

Direção de movimento
Lu Brites

Trilha sonora
Luiz Felipe Reis e Thiago Vivas

Gravação de off
Pedro Sodré

Fotos e direção de fotografia do vídeo
Elisa Mendes

Concepção de ensaio fotográfico
Daniel de Jesus e Elisa Mendes

Design gráfico
Daniel de Jesus

Hair stylist
Gabi Balan e Neandro Ferreira

Make
Gabriel Ramos

Assistente de cenografia
Beatriz Magno

Assessoria de imprensa
Pedro Neves e Vanessa Cardoso (Factoria Comunicação)

Direção de prodrução
Sérgio Saboya (Galharufa Produções)

Produção executiva
Nathália Pinho

Idealização, coprodução e realização
Julia Lund e Luiz Felipe Reis (Polifônica Cia.)

Nora (RJ)

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Foto: divulgação

Joana Lerner à frente
Muito para ser aplaudido
“Nora” é o ótimo espetáculo atualmente em cartaz na Sede das Cias. Ele é dirigido por Diana Herzog, sendo o seu trabalho de conclusão na graduação em Estética e Teoria do Teatro na Unirio. A peça consiste em um documentário sobre temas ligados ao feminismo – conceitos de masculino e de feminino, relações sociais e identidade, família: filiação e maternidade – partindo de “Casa de Bonecas”, célebre texto do norueguês Henrik Ibsen, passando pela polêmica de seu lançamento até chegar à reverberação desses assuntos no hoje e em nossa cidade. Com excelentes usos das possibilidades cênicas e apresentando uma séria reflexão acerca de temática tão nobre, a produção vale a pena ser vista. Joana Lerner, Lilia Wodraschka, Natasha Melman, Priscila Assum e Renata Ravani estão no elenco em ótimos trabalhos. A produção fica em cartaz até o dia 23 de outubro, próximo domingo, no teatro que fica na Escadaria do Selarón, na Lapa, zona central do Rio de Janeiro.

A enorme qualidade dessa dramaturgia de Diana Herzog
A peça começa com uma cena de recepção do público em que Eleonora (Natasha Melman) acolhe a audiência, servindo-lhe um delicioso café com bolo. Ela fala sobre o quanto sua personalidade foi talhada para agradar aos outros: concordata, afetuosa, bonita, sensível, discreta, otimista, alegre. Aos poucos, porém, sua fala vai revelando o que está por trás disso. Como todo mundo, há também nela alguém que quer ser agradada, que tem seus próprios pontos de vista, seus sonhos, suas tristezas e desesperanças, posicionamentos, ideologias e crenças. É do vislumbre desse conflito interno que o público é levado para entrar pelo palco da Sede das Cias pelos fundos. Esse movimento talvez seja um convite da encenação para observar sob outros aspectos o texto “Casa de Bonecas”, bem como modos como essa obra se relaciona com o hoje.

Henrik Ibsen (1828-1906) escreveu “Casa de Bonecas”, em 1879, quando já estava no auge de sua carreira como dramaturgo. Fervilhava naqueles cantos da Europa a luta das mulheres pelo voto, por legislação trabalhista igualitária, por mais respeito. Na estética, o realismo já tinha construído suas paredes contra o romantismo, levando para a arte reflexões sobre a sociedade que não visavam ao idealismo, mas à transformação. A peça, sobretudo pelo modo como a narrativa termina, causou enorme furor na ocasião.

Na história, a personagem Nora é casada com o bancário Torvald Preston com quem tem dois filhos. No passado, para ajudar o marido pagando suas despesas em uma viagem, ela falsificou a assinatura de seu pai, que recentemente havia falecido, a fim de obter, com um agiota, um empréstimo, esse pago em longas prestações. Quando a narrativa começa, Torvald, que não sabe do referido empréstimo, se torna patrão do tal agiota e que quer demiti-lo. O problema é que o malfeitor sabe que a senhora Preston falsificou uma assinatura e, por causa disso, começa a ameaçá-la a fim de obrigá-la a interceder por ele junto ao marido.

Quando o segredo de Nova vem à tona, o mundo desaba. Torvald, extremamente controlador e orgulhoso de sua lisura profissional, vê sua ascensão profissional em risco. Mas a crise em que ele se vê envolvido é oportunidade para Ibsen de expor todo o jogo de poder e de manipulação que ele exerce em casa. Como em uma espécie de epifania, Nora reconhece a realidade do seu casamento e de sua vida. E decide, diante disso, ir embora a fim de (re)tomar as rédeas de sua própria vida onde (e quando) já poderá ser uma mulher de verdade e não mais uma boneca.

O texto recebeu críticas furiosas e muita gente, incluindo o próprio autor, se empenhou em modificar o seu final. “Nora”, recontextualizando a discussão proposta, deixa claro que o tempo e o espaço ainda não resolveram a questão. Mulheres entrevistadas em diferentes bairros do Rio de Janeiro mostram, em seus discursos, que 1) continuam sendo agredidas física e psicologicamente por homens, principalmente aqueles que delas são mais próximos; 2) que a sociedade, da qual elas também fazem parte, ainda não está estruturada a partir de relações igualitárias entre homens e mulheres, mas para o domínio dos primeiros e o subjugo das segundas; e 3) feminino e maternidade são dois temas indissociáveis para a maioria das pessoas. Ao longo da peça, a dramaturgia de Diana Herzog reflete sobre esses aspectos.

A agressão física e psicológica das mulheres pelos homens e a questão da igualdade de gêneros encontraram lugares claros na dramaturgia. “Nora” trata da narrativa e de análises de “Casa de Bonecas” de Ibsen. Há também a participação das vozes (reproduzidas ou originais) das mulheres entrevistadas e o debate acerca desses dois pontos com a contribuição particular das realizadoras do espetáculo (na criação e na encenação). No entanto, o terceiro aspecto – a relação entre feminino e maternidade – permanece um problema. Ficam as perguntas: se Ibsen tivesse matado os filhos de Nora e de Torvald antes da cena final, ou se eles não existissem na peça, sua partida seria tão agressivamente criticada? Onde está, ainda hoje, o ponto sensível da abordagem: na esposa que abandona o marido ou na mãe que abandona os filhos (no contexto europeu do fim do século XIX)?

Essas reflexões mostram a profundidade do texto original, mas também a coragem de Diana Herzog de enfrentá-lo, como também níveis diversos do seu entorno. Porque tudo é muito qualificado, Herzog está de parabéns!

A enorme qualidade dessa direção de Diana Herzog
O modo como a direção de Diana Herzog, assistida por Maíra Kestenberg dá a ver o espetáculo é vibrante. Cada cena acontece no palco vazio sob modos sempre surpreendentes, levando a reflexão para adiante em um nobre percurso cênico-investigativo. O conjunto das intérpretes dialoga com o público introduzindo quadros criativos, que se desenvolvem cheios de potências e avançam pelo tema com habilidade. O ritmo excelente faz os sessenta minutos voarem apesar da dureza da temática e da seriedade da reflexão proposta.

Lilia Wodraschka, Natasha Melman, Renata Ravani, Priscila Assum e Joana Lerner, com destaque para essas duas últimas, apresentam ótimas atuações. No conjunto e em cada parte, o grupo mantém relações dentro das narrativas que compõem o espetáculo e também o diálogo delas com o público na discussão mais direta. Fazem isso através de elogiável mobilização de seus recursos expressivos, tanto corporais quanto vocais, esses postos à disposição de Herzog em proposta tão suscetível (porque mergulhada) no diálogo com a plateia. Duda Maia assina a direção de movimento.

Há pouca participação de cenário e figurino (Elisa Faulhaber) e quase nenhuma colaboração da luz (Luiz André Alvim), mas, nessa escassez visivelmente conceitual de elementos outros, há valores a serem positivamente observados pelo público.

“Nora”, além dos méritos sociais que sua temática traz, tem o valor de evidenciar a qualidade das jovens encenadoras que academia oferece à classe teatral profissional carioca. Há aqui muito a ser aplaudido!

*

FICHA TÉCNICA
Direção/pesquisadora - Diana Herzog
Produção criativa/pesquisadora - Valéria Martins
Atrizes/pesquisadoras - Joana Lerner, Lilia Wodraschka Priscila Assum, Natasha Melman e Renata Ravani
Direção de Movimento/pesquisadora - Duda Maia
Iluminação - Luiz André Alvim
Cenário e Figurino - Elisa Faulhaber
Assistência de direção/pesquisadores - Maíra Kestenberg
Produção Executiva: Cida de Souza

sábado, 15 de outubro de 2016

Céus (RJ)

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Foto: divulgação


Rodrigo Pandolfo, Felipe de Carolis, Isaac Bernat, Silvia Buarque e Charles Friks


Aderbal Freire-Filho retorna ao autor de “Incêndios” em ótimo novo espetáculo

“Céus” é o novo espetáculo com texto do libanês-canadense Wajdi Mouawad, o mesmo autor do premiadíssimo “Incêndios”. Esse, como o anterior, chega ao Brasil em ótima montagem idealizada por Felipe de Carolis e dirigida por Aderbal Freire-Filho. No elenco, além de Carolis, estão Isaac Bernat, Rodrigo Pandolfo, Charles Fricks e Silvia Buarque em um conjunto em que todos apresentam bons trabalhos. Há ainda excelente destaque para o desenho de som de Tato Taborda, para o cenário de Fernando Melllo da Costa e para a luz de Maneco Quinderé. Na história, um grupo de altos especialistas está investigando secretamente uma ação terrorista que precisa ser evitada. A peça fica em cartaz até 30 de outubro no Teatro Poeira, em Botafogo, zona sul do Rio de Janeiro.

Um blockbuster
No texto, há uma insólita briga de forças entre marcas de complexidade e uma estrutura de filmão de Hollywood. O segundo ganha e, do ponto de vista da estética, não há qualquer problema nisso. (Desde Walter Benjamin, sabemos que a exploração de níveis mais superficiais na arte possibilita o acesso da massa ao repertório poético.) A história se passa em uma espécie de bunker, um organismo mundial antiterrorismo composto por pessoas que compartilham o mesmo idioma. Ele é chamado de “célula francófona” muito provavelmente porque o texto foi escrito em francês, língua falada pelos personagens no original. Não há qualquer referência ao lugar exato no mundo onde a narrativa acontece. Quatro agentes secretos, a elite desse núcleo da operação, estão reunidos ao receber a notícia do falecimento de um quinto. Valéry Masson (interpretado por Aderbal Freire-Filho, que aparece apenas através de vídeo) suicidou-se sem motivos conhecidos, mas esses provavelmente têm a ver com os rumos da investigação que o grupo inteiro empreende.

Blaise Centier (Isaac Bernat) é o coordenador da célula quando a peça começa. Em sua equipe, estão o especialista em comunicação Charlie Eliot Johns (Charles Fricks), a tradutora Dolorosa Haché (Silvia Buarque) e o hacker Vicent Chef-Chef (Rodrigo Pandolfo). Para substituir Masson, o criptógrafo Clément Szymanowski (Felipe de Carolis) é enviado. Ele tem a missão primeira de descobrir a senha do laptop do oficial falecido em busca de pistas sobre os motivos de sua morte. O tempo está passando. De um lado, os membros do grupo estão exaustos do claustro onde se encontram. De outro, há uma perigosíssima organização terrorista em ação e é preciso descobrir seus projetos antes que eles se realizem.

Em um misto de Robert Langon (de “O código Da Vinci”) com Jack Bauer (de “24 Houras”), Szymanowski age decodificando pistas, solucionando mistérios, avançando na investigação. De algum modo inexplicável, ele chega à conclusão (entre as zilhões de possibilidades) de que, pronunciando os nomes dos membros da equipe como senha, ele poderá abrir o computador de Masson sem destruí-lo. O resultado disso é que, para cada nome pronunciado, há um poema diferente (bingo!) em resposta. A união desses poemas faz Szymanowski chegar a um texto. Através de operações próprias da criptografia (muito ao estilo Dan Brown), o primeiro segredo da peça se revela.

Há outros. Um deles diz respeito à tela “A anunciação”, pintura do maneirista italiano Tintoretto (1518-1594), pintada entre 1583 e 1587. De alguma forma, Szymanowski vê uma relação entre o quadro e os mapas de grandes cidades do mundo. Nos anos em que não cai na Semana Santa, a festa da Anunciação, quando a Igreja Católica celebra a encarnação de Jesus no ventre de Nossa Senhora, acontece no dia 25 de março. Na narrativa de “Céus”, essa data está próxima de acontecer, mobilizando o grupo contra a iminência do ataque. O fato do Anjo Gabriel ser personagem unânime entre judeus, cristãos e muçulmanos justifica (?) o argumento.

Na superfície da estrutura narrativa, está a oposição entre o sensível Clément Szymanowski (o mocinho) e o mordaz Vicent Chef-Chef (o vilão). Um age pelo coração, pelo sentimento. O outro pelo impulso, pela vontade de vencer e de ir embora. Desde sempre, sabe-se quem vai ganhar. Nos níveis mais inferiores, estão os demais personagens. Centier traz a maturidade; Johns, cujo filho ainda garoto está fazendo um trabalho sobre história da arte para a escola, traz o futuro; Haché, cujos filhos morreram, traz o passado. No final da peça, Johns e Haché irão se inverter em suas funções na melhor parte de toda a narrativa.

“Céus” (“Ciels”, no original) estreou em 2009 no Festival de Avignon, no sul da França, um dos mais importantes eventos teatrais no mundo. A peça, o penúltimo texto escrito até agora por Mouawad, encerra a tetralogia “Sangue das Promessas”, estando ao lado de “Litoral” (1999), “Incêndios” (2003) e “Florestas” (2006). Com esforço, se comparada a “Incêndios”, nessa pode-se identificar trato com temas como memória, filiação, identidade e como guerra sobretudo pela aproximação entre Valéry Masson com Nawal Marwan. Mas será, com o perdão da palavra, uma “big forçação de barra”.

Os enormes méritos da encenação
Aderbal Freire-Filho, assistido por Fernando Philbert, faz uma elogiosa força em valorizar os méritos da ação dos personagens e seus universos particulares em oposição aos seus argumentos pseudocientíficos. As cenas são defendidas através de marcações contidas em quase todos os momentos, os intérpretes correm com o texto nas partes mais sensíveis e investem de emoção as melhores oportunidades. Diferente da montagem original, o quadro é mais humano e menos asséptico como se a peça quisesse se desfazer o máximo possível de tom de ficção científica (que poderia lembrar “Solaris” de Tarkovski e de Soderbergh) e se aproximar mais do universo trágico de “Incêndios”. Não consegue sempre, pois a questão da identidade (relação entre pais e filhos, natureza, destino e descendência), que domina a peça anterior, aqui é só uma parte integrante. No entanto, a tentativa deve ser elogiada.

O conjunto de interpretações é excelente. Um grande ator como Isaac Bernat confere ao apagado Blaise Centier uma identidade capaz de atrair luzes sobre o pesonagem. Rodrigo Pandolfo investe com coragem no vilão hollywoodiano standart e consegue enormes méritos naquilo que poderia ser um óbvio fracasso. Charles Fricks, Silvia Buarque e principalmente Felipe de Carolis guardam o melhor de seus Charlie Eliot Johns, Dolorosa Haché e Clément Szymanowski para as cenas finais, protagonizando os melhores momentos da peça enquanto dramaturgia e também como encenação. Aderbal Freire-Filho (Valery Masson) e Antonio Rabelo (Viktor Eliot John) fazem ótimas participações através do vídeo também. No todo, vê-se aqui um qualificado envolvimento de cada parte, oferecendo o seu melhor para a elevação dos níveis estéticos da obra.

“Céus” tem ainda o mérito de abrigar seus personagens em panorama visual e sonoramente de altíssimo bom gosto. Os figurinos de Antônio Medeiros (com visagismo de Érica Monteiro) deixam os personagens à vontade nesse tipo de prisão em que eles se encontram e da qual estão fartos (mesmo que reconheçam os seus méritos). O cenário de Fernando Mello da Costa deixa a tecnologia para o texto, equilibrando o quadro com um ponto de vista mais cordial, menos frio, mais humano. A luz de Maneco Quinderé aquece a ação, agindo em coerência com o cenário e com os figurinos positivamente. A música e o desenho sonoro de Tato Taborda valorizam o desenvolver da narrativa, oferecendo elos que distanciam o público dela em alguns momentos e, em outros, conseguem unir a dureza da tecnologia com o calor da arte e da religião.

Um ótimo espetáculo!
Se o público brasileiro não se sente próximo do tema “terrorismo”, infelizmente esse é um problema nosso que expressa o quanto estamos suscetíveis a tais acontecimentos hediondos que vêm se repetindo mundo afora. A montagem brasileira de “Céus” se esforça em dizer isso, chamando a atenção para a valorização do homem através sobretudo do respeito à ciência, à arte e à religião. Um ótimo espetáculo!

*

Ficha técnica:
De Wajdi Mouawad
Direção: Aderbal Freire-Filho

Com: Charles Fricks, Isaac Bernat, Felipe de Carolis, Rodrigo Pandolfo e Silvia Buarque

Diretor assistente: Fernando Philbert
Cenografia: Fernando Mello da Costa
Iluminação: Maneco Quinderé
Figurinos: Antonio Medeiros
Direção Musical: Tato Taborda
Vídeos e projeto gráfico: Radiográfico
Visagismo: Erica Monteiro
Direção de produção: Amanda Menezes
Produção executiva: Juliana Cabral
Coordenação geral: Maria Angela Menezes
Produção: Tema Eventos Culturais e E-MERGE

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Love Story - O musical (RJ)

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Foto: divulgação


Fábio Ventura e Kacau Gomes

Kacau Gomes brilha mais uma vez!

“Love Story – O musical”, novo bom espetáculo dirigido por Tadeu Aguiar, está em cartaz no Teatro Fashion Mall até o dia 23 de outubro próximo. A peça é a adaptação para o palco do clássico filme de 1970 que narra as desventuras do casal Oliver e Jenny para ficar junto. Fábio Ventura e Kacau Gomes, com enorme destaque para essa última, brilham nos papeis protagonistas em produção que tem elogiáveis cenários de Edward Monteiro e iluminação de Aurélio de Simoni. O ponto alto é a direção musical de Liliane Secco para as canções assinadas pelos ingleses Stephen Clark e Howard Goodall. A ver!

Clássico para corações sensíveis
Na história, Oliver Barret IV (Fábio Ventura) e alguns amigos celebram, no enterro dela, a memória de sua esposa, a jovem Jennifer Cavilleri (Kacau Gomes), que morreu de leucemia. Dentre os fatos mais marcantes, está a história de amor – que dá título à obra – entre os dois: como se conheceram, como foi o início da vida juntos e de como o aparecimento da doença dela mudou a vida do casal.

Oliver é filho de um milionário, herdeiro de uma família conservadora que não aprova o namoro dele com Jenny, filha de um pequeno fabricante de macarrão. As diferenças socioeconômicas - que também se dão no nível cultural, pois ele é um esportista e ela uma pianista – acabam por atrair ainda mais um ao outro. Como nos melhores romances, ficar juntos não é fácil.

O altíssimo nível de açúcar da dramaturgia de “Love Story – O musical” não é um defeito, mas uma característica sobre a qual não lhe devem cair preconceitos. Dentro do que se propõe, ela é muito valorosa. Há a estruturação das partes opostas, há as amarras entre elas que conduzem ao fim e há um encerramento capaz de ressignificar tudo. Ao optar por começar pela morte da protagonista, os dramaturgos alertam as audiências do filme, do livro e da versão teatral aqui em questão para o fato de que Jenny é alguém que já não está mais entre nós. E, por isso mesmo, precisa ser celebrada. Em outras palavras, independente da questão de gosto, vale ressaltar o mérito da narrativa que sabe que está, no homem, a habilidade de valorizar aquilo que já se perdeu.

“Love Story”, no cinema, foi um dos maiores campeões mundiais de bilheteria de 1970 quando estreou em produção fílmica dirigida por Arthur Hiller (que antes havia dirigido o musical desconhecido “Não podes comprar o meu amor”, com Julie Andrews). Com Ali MacGraw e Ryan O’Neill nos papeis protagonistas, a produção ganhou seis indicações ao Oscar (filme, direção, roteiro e interpretações) e mais a estatueta de Melhor Trilha Sonora. O roteirista Erich Segal fez também um romance com a narrativa do filme e uma continuação chamada “Oliver’s Story”, que estreou no cinema em 1978 (e que foi um fracasso).

No teatro britânico, o musical teve adaptação de Stephen Clark e canções de Howard Goodall, esse último um dos mais respeitados musicistas britânicos. A produção, que estreou em WestEnd no fim de 2010, recebeu três indicações ao Laurence Olivier de 2011: Melhor Ator (Michael Xavier), Melhor Atriz (Emma Williams) e Melhor Musical, perdendo esse último para “Legalmente loira”. Ainda não houve uma produção da peça na Broadway.

Ao longo dos noventa minutos de sessão, há que se prestar a atenção à beleza das canções, cujas partituras chegam ao Brasil intactas pela direção musical de Liliane Secco (com piano de André Amaral) e versão brasileira de Artur Xexéu. Aquele clássico com cheiro de Liberace e de Richard Clayderman felizmente ficou ileso de crítica e está lá, desde a estreia no Teatro Imperador, em junho último, agradando os corações mais sensíveis.

Kakau Gomes brilha!
A montagem dirigida por Tadeu Aguiar, com assistência de Flávia Rinaldi, apresenta um belíssimo trabalho de interpretação vocal no conjunto, atendendo aos desafios das partituras. Flávia Santana (mãe de Oliver) e Ester Freitas (mãe de Jenny) têm atuações fortes e marcantes como também Fábio Ventura (Oliver), Sérgio Menezes (pai de Jenny) e Ronnie Marruda (pai de Oliver). No entanto, não há, no elenco de onze atores, quem se destaque no canto e nas intepretações como Kacau Gomes (Jenny), a maior estrela da produção. Com graça, muita técnica e enorme talento, a intérprete cativa, sensibiliza e emociona a plateia em quadros cheios de beleza. Rafaela Fernandes, Suzana Santana, Raí Valadão, Emílio Farias e Caio Giovani completam o grupo ao lado de sete músicos.

A produção brasileira tem ainda destaque positivo para o cenário de Edward Monteiro e principalmente para a luz de Aurélio de Simoni pela riqueza de detalhes que elevam as qualidades estéticas da obra. Os figurinos de Ney Madeira e de Dani Vidal preservam valorosamente a estética do melodrama, que é cara à narrativa, livrando os personagens de qualquer contradição. As coreografias de Alan Resende perdem oportunidades de contribuir sobretudo pelo incoerente acúmulo de movimentos soltos e sem definição clara.

Quando estreou “Love Story – O musical”, a decisão da Estamos Aqui Produções Artísticas de realizar o projeto apenas com atores afrodescendentes atraiu a atenção da mídia. A justificativa, segundo declarações oficiais, foi a imensa porcentagem de excelentes artistas negros inscritos para os testes. Ao fim dessa análise, vale dizer que o tema, no entanto, desapareceu da mente tão logo a peça iniciou, quando se viu apenas um grupo de intérpretes defendendo em cena seus personagens em uma narrativa como qualquer outra. Saúde-se, pois, esse jeito de reagir contra o preconceito racial, mostrando que não há qualquer barreira que possa (ou deva) impedir alguém de trabalhar.

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Ficha técnica:
História original: Erich Segal
Texto e letras: Stephen Clark
Música: Howard Goodall
Versão brasileira: Artur Xexéo
Direção: Tadeu Aguiar
Direção musical: Liliane Secco
Cenografia: Edward Monteiro
Figurinos: Ney Madeira e Dani Vidal nos figurinos
Coreografia: Alan Resende
Iluminação: Aurélio di Simoni
Desenho de som: : Gabriel D’Ângelo
Diretora assistente: Flavia Rinaldi
Fotos: Gustavo Bakr
Coordenação de produção: Norma Thiré
Produção executiva: Eduardo Bakr
Produção: Estamos Aqui Produções Artísticas

Músicos
André Amaral [piano]
Anderson Pequeno [violino]
Fabio Peixoto [violino]
André Dantas [violão
Matheus Pereira [violoncelo]
Leandro Vasques [contrabaixo]
Stoyan Gomide [viola]

Elenco:
Kacau Gomes – Jennifer Cavilleri
Fabio Ventura – Oliver Barrett IV
Sergio Menezes – Phil Cavilleri
Flavia Santana – Allison Barrett
Ronnie Marruda – Oliver Barrett III
Ester Freitas – mãe falecida de Jennifer
Rafaela Fernandes – secretária de Oliver Barrett III
Suzana Santana – Garçonete
Caio Giovani – Médico
Raí Valadão – Juiz
Emílio Farias – Médico