sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Cartas libanesas (SP)

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Foto: divulgação


Eduardo Mossri

Bom monólogo homenageia a imigração

O monólogo "Cartas libanesas" é um simpático espetáculo dirigido por Marcelo Lazzaratto. O texto de José Eduardo Vendramini transpõe para o palco algumas cartas reais escritas pelo imigrante libanês Miguel Mahfuz, avô de Eduardo Mossri, o ator que o interpreta. Nelas estão detalhes sobre a viagem dele ao Brasil no início do século XX, a saudade de casa, o choque entre culturas, a luta pela vida no novo país. Na peça, há o esforço em oferecer uma abordagem carismática envolvente, mas essa sucumbe à excessiva previsibilidade. Destaca-se de modo positivo o figurino de Fause Haten na produção cuja temporada carioca encerrou, no último domingo, dia 25 de setembro, na Sala Multiuso do Espaço SESC Copacabana.

Problemas da dramaturgia
Enquanto o público entra, Eduardo Mossri conversa com as pessoas, anotando seus sobrenomes em um caderninho. Seu contato é amável e possibilita a instauração de um clima agradável à defesa do espetáculo que está por vir. O problema é que, tão logo a narrativa propriamente começa, esperar pelo que será feito com as anotações se torna o único gancho que sustenta a encenação.

"Cartas libanesas" é uma justa homenagem à imigração. O personagem Miguel Mahfuz, avô de Mossri, cuja história a peça desvenda, é um entre os milhares de libaneses que buscaram, nas grandes cidades do Brasil, uma vida melhor entre 1871 e 1940. Ele chegou ao Brasil em 1914, fugindo da Primeira Guerra, deixando na Europa sua jovem esposa grávida. Seu trabalho aqui garantia o sustento de sua família lá. O esforço desse povo está no cerne da história do mercado da moda brasileira, pois a ela contribuiu ele mais do que qualquer outro grupo.

O problema, no que diz respeito à dramaturgia da peça, é o modo como a saga de Mahfuz é narrada. No texto de José Eduardo Vendramini, intercalam-se momentos em que Mossri fala com o público em primeira pessoa e trechos em que o ator dá vida ao personagem do seu avô. Essas interrupções para comentários às cenas tornam superficial a fruição da proposta, pois, toda vez que a história fica interessante, o fluxo é rompido.

Além disso, as cartas do homenageado à sua esposa no Líbano se tornam quadros dispostos em uma linha cronológica. Desde o início do espetáculo, sabe-se que, após os sacrifícios, haverá um sucesso recompensador. As dificuldades que visam tornar o herói mais valoroso - a saudade da família, a falta de sexo, os desafios do trabalho – não escondem a previsibilidade da trama. Isso faz vir a monotonia, problema que a simpatia do intérprete, ainda que grande, não vence.

Ao final, o prólogo faz sentido. O Brasil, uma nação de tamanho continental, é um país onde quase todo mundo é descendente de imigrantes (com exceção dos descendentes de indígenas). Os limites muito além do litoral cercaram um conjunto diversos de povos e de culturas diferentes. Desse modo, todo mundo aqui tem um pouco de Miguel Mahfuz e de Eduardo Mossri, e os sobrenomes expõem essa variedade. Ao concluir com essa reflexão, "Cartas libanesas" encontra seus maiores méritos.

Valores da encenação
A direção de Marcelo Lazzaratto, assistido por Wallyson Motta, organiza as marcas de expressão de maneira a proporcionar uma encenação limpa. O feito colabora com a dramaturgia, essa que está pautada em datas históricas e realidades geográficas com as quais o público precisa lidar. Há méritos também no uso do espaço cênico. Os poucos elementos são usados com potência e criatividade em quadros interessantes ao longo da encenação. Eduardo Mossri tem uma atuação carismática pautada em ótimo repertório de expressões que conquistam o público.

O figurino de Fause Haten, com visagismo de Nael Kassees, é um dos pontos altos do monólogo. O corte do terno de linho confere uma sutil elegância ao personagem, revelando que sua pobreza não lhe impede o bom gosto. O todo, alçando a montagem para um lugar idealizado que é coerente com a dramaturgia, dá unidade para a estrutura do espetáculo que merece ser elogiada. A trilha sonora de Gregory Slivar colabora bastante bem com a defesa da proposta.

“Cartas libanesas”, ainda que com alguns entraves, é um bom espetáculo e que fica melhor pelas suas intenções. Que volte mais vezes ao Rio de Janeiro.

*

FICHA TÉCNICA
Texto: José Eduardo Vendramini
Direção e Iluminação: Marcelo Lazzaratto
Ator: Eduardo Mossri
Cenário: Renato Bolleli
Trilha Sonora: Gregory Slivar
Figurinos: Fause Haten
Assistente de direção: Wallyson Motta
Preparação vocal: Rodrigo Mercadante
Visagismo: Nael Kassees
Fotógrafo: Felipe Stucchi
Produção: Eduardo Mossri
Apoio: SESC Rio
Realização: Cia Teatral Damasco
Assessoria de Imprensa: JSPontes Comunicação – João Pontes e Stella Stephany

quinta-feira, 29 de setembro de 2016

Garota de Ipanema, o amor é bossa (RJ)

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Foto: divulgação


Cládio Galvan (acima), Letícia Persiles e Thiago Fragoso

Aventura Entretenimento estreia outro espetáculo ruim

É difícil entender o que se passa com a Aventura Entretenimento. “Garota de Ipanema, o amor é bossa”, seu mais novo péssimo espetáculo, repete os mesmos problemas estruturais da maior parte de suas últimas produções. O célebre “intercâmbio entre as artes”, que sua divulgação preconiza, na verdade, parece ser o subjugo de profissionais gabaritados do teatro musical a pessoas sem experiência na área. Isso não é um problema quando quem começa aprende com os primeiros, mas, de um modo até cafona, aqui se vê o contrário. Nessa produção, é fácil identificar o esforço do diretor Gustavo Gasparani diante do texto capenga da famosa novelista Thelma Guedes, estreante no teatro. Vê-se também o importante Cláudio Galvan brilhar na defesa de personagem minúsculo enquanto se testemunha a celebridade Thiago Fragoso desafinar em uma atuação sem sal no papel de protagonista. O custo zero (?) de cenários e de figurinos - na contrapartida do valor do ingresso e do investimento da Bradesco Seguros - enche a coreografia, a luz e a direção musical de responsabilidades que elas não podem vencer. Vale, na programação em cartaz até dia 27 de novembro, a visita ao belíssimo Teatro Riachuelo. Sua inauguração recente, aliás esse um critério essencial dessa abordagem, acontece no seio de uma cidade onde já não se aceita qualquer coisa. Então, o que há?

Os problemas da dramaturgia de Thelma Guedes
Os muitos defeitos da dramaturgia dessa peça podem ser analisados a partir de dois grupos: aqueles da ordem de sua estrutura interna e aqueles que dizem respeito ao seu envolvimento com a produção. Quanto ao primeiro, de um lado, está a pobreza dos personagens, esses motivados por problemas facilmente solucionados e que, por isso, não garantem à narrativa mínima força suficiente. De outro, está o esvaziamento do conflito geral diante ou de desafios cujo vencimento não cabe aos personagens ou da prolixidade das cenas em sua tendência excessivamente cronológica. Quanto ao segundo, paira a reflexão do lugar da bossa nova e da canção “Garota de Ipanema”, que dá título à montagem, no contexto narrativo.

Para avaliar o modo como os personagens estão construídos, é preciso apresentar a história. Ela começa quando o arquiteto Zeca (Thiago Fragoso), tocando violão em um bar, é ouvido por Vinícius de Moraes (Will Anderson) e por seus amigos. Eles notam que o músico, a quem chamam para conversar, tem talento, mas que pode melhorar quando enfim for atingido pelo amor. Por causa dessa amizade, Zeca conhece a jovem Dindi (Letícia Persiles). Sem ser esperada, ela chega, um dia no meio da tarde, sonhando com a possibilidade de que o célebre compositor a ouça cantar, mas topa ensaiar com o desconhecido enquanto o famoso não vem. E vai embora antes de realizar seu intento inicial.

A partir daí, a história avança pelo interior desses dois protagonistas: Zeca e Dindi. Ele mantém o compromisso de casar com sua noiva, a ciumenta Lígia (Luciana Bollina), encerrando um pequeno relacionamento sexual com sua amiga Amélia (Stephanie Serrat). De outro, Dindi, que na verdade se chama Deolinda e mora no Méier, se sente cada vez mais sufocada pelo marido, o militar autoritário Jurandir (Cláudio Galvan).

De repente, “não mais que de repente”, o americano Steve (Cláudio Lins) chega ao Rio de Janeiro, onde seria esperado por Zeca, de cujo pai ele é amigo. Falando relativamente bem português, apesar de um sotaque bem macarrônico, se deixa levar por um taxista malandro que o carrega para conhecer a zona norte da “wonderful city”. Nessa região, perdido em seu caminho, Steve bate à porta de uma desconhecida para pedir ajuda: Deolinda. O relacionamento que nasce entre ela e Steve faz com que Dindi e Zeca se reencontrem. O amor pela música que os une também os leva a abandonar os respectivos cônjuges: Jurandir e Lígia.

O golpe militar de 1964 atinge a todos no Brasil, mas principalmente Amélia. Capturada pelo DOPs, ela é interrogada por Jurandir, que não perdoou Deolinda por tê-lo abandonado. O primeiro ato de “Garota de Ipanema” termina, na melhor cena da peça, com Jurandir, alçado para função de destaque na narrativa, preparando sua vingança.

Pelo exposto, percebe-se que, no meio do primeiro ato, o casal de mocinhos Zeca e Dindi se conheceu, mudou de vida e ficou junto, encerrando o problema que levaria a narrativa adiante. Há dois personagens escadas – Amélia e Steve –, que surgem para caracterizar o contexto; uma coletânea de figuras que une a história ao que está fora dela (Vinícius de Moraes, Roberto Menescal, Nara Leão, Tom Jobim, etc.); e dois antagonistas – Lígia e Jurandir. Nesse segundo, até então um personagem sem maiores funções, concentra-se tudo o que aparentemente sobra de narrativa para todo o segundo ato.

Não convém à crítica revelar toda a história da peça a que parte dos leitores assistirá. Ressalta-se, porém, que o desempenho da vingança de Jurandir tem mais méritos na mudança de caráter de Zeca do que propriamente no seu ato. Essa transformação faz o casal de protagonistas se separar novamente. Sem fôlego, a narrativa recomeça com o desafio insólito de deixar o tempo resolvê-la. Jurandir e Amélia desaparecem, como também todos os demais personagens, mas não de um jeito pior que o de Steve. À luz do que a dramaturgia fez com Zeca, Lígia, que antes era inimiga, surge agora renovada. O que Jurandir separou talvez ela tenha estranhamente o poder de reunir.

O conflito geral, a história de amor entre Zeca e Dindi, se estrutura assim em apenas quatro acontecimentos: eles se conhecem, largam tudo para ficar juntos, se separam e o fim. No meio disso, cenas longuíssimas sem qualquer função relevante servem ou para ilustrar o que aparentemente seria o tema da peça ou para cobrir a carência dos personagens protagonistas com falsas importâncias aos coadjuvantes.

Há ainda, em “Garota de Ipanema, o amor é bossa”, problemas relacionados ao seu entorno. O título remete à canção homônima composta, em 1962, pelo maestro Antônio Carlos Jobim (1927-1994) com letra do poeta Vinícius de Moraes (1913-1980). Segundo o jornal britânico The Guardian, trata-se da segunda música mais tocada no mundo (a primeira é “Yesterday”, dos Beatles). Ela, através da qual a Bossa Nova se tornou um gênero musical universalmente conhecido, foi composta com referência à Helô Pinheiro, por quem na época estava Tom Jobim apaixonado.

Na peça, a canção “Garota de Ipanema” aparece, em várias línguas, no meio do primeiro ato e, em português, no meio do segundo, ou seja, em lugares pouco privilegiados. Não há qualquer menção à Helô Pinheiro e Tom Jobim aparece em uma rapidíssima cena. Dindi, por sua vez, é uma Garota do Méier, o que, resguardado o mérito do debate sociológico possível da questão, é uma opção completamente inadequada em termos de construção do sentido da peça. Apesar de quarenta músicas da bossa nova participarem da trilha sonora, a dramaturgia muito bem poderia (alteradas às pequenas referências à ditadura militar e à guerra no Vietnã) acontecer em qualquer lugar ou momento da história. Isso revela a esterilidade do texto em relação à proposta. Em outras palavras, o público pensa que vai ver uma coisa e encontra outra completamente decepcionante.

Todos esses problemas são desculpáveis em trabalhos dramatúrgicos de quem está começando, como é o caso de Thelma Guedes e também de seus colaboradores Alessandro Marson, Maria Helena Alvim e Newton Canito. Todos eles, já com carreira sólida e muito respeitável na televisão e formação em cinema, “aventuram-se” aqui em projeto caríssimo, dando passos muito maiores que suas pernas. No entanto, fica a pergunta, não a eles, mas a seus produtores: se as emissoras de televisão e as produtoras de cinema não colocam grandes projetos nas mãos de quem não tem experiência, por que o teatro lhes parece tão generoso? Ou por que a Aventura Entretenimento resiste tanto aos mais consagrados dramaturgos do país (e ao que eles podem contribuir) em seus projetos?

O esforço de Gustavo Gasparani e de Kátia Barros
A inexplicável carência de cenários e de figurinos da peça não tem absolutamente nada a ver com o minimalismo na arte do meio do século XX. (Justificar uma coisa com a outra é uma grosseira ofensa.) O que há, na encenação de “Garota de Ipanema, o amor é bossa” é pouco investimento mesmo. Vale, a título de análise, a comparação com “SamBRA”, musical anterior também produzido pela Aventura Entretenimento que igualmente foi dirigido por Gustavo Gasparani. Também sem cenários que pomposamente entram e saem, todo o elenco daquela produção se servia de objetos e de seu próprio repertório corpóreo-vocal para construir panoramas cujos lugares davam conta da localização das cenas. O jogo que aquela montagem propunha com seu público utilizava a criatividade como proposta desde a abertura e até o fim, sempre alimentando a narrativa e a fruição com mais novidades. Não é o que acontece aqui. Em um dado momento, quatro atores balançam duas faixas de tecido azul para dar a ver o mar. Em outro trecho, uma lâmina é sacudida como proposta de trovão. Acaba-se aí a criatividade (?) na composição dos quadros.

É visível que a direção de Gustavo Gasparani, assistido por Pedro Rothe, nesse espetáculo, se apoia essencialmente nas coreografias de Kátia Barros, assistida por Roberta Serrado. Desamparados pela dramaturgia (que limitou, como mais adiante se tratará, o trabalho dos intérpretes) e sem escapes no visual, os dois dependeram unicamente da trilha sonora. Barros faz milagres com as cadeiras, esses os únicos elementos disponíveis, sobretudo na última cena do primeiro ato. E Gasparani tem méritos no modo como articula as cenas através da invasão de composições do coro, localizadas no fundo do palco, à frente na evolução dos episódios.

Um imenso móbile com origamis compõe o paupérrimo cenário de Hélio Eichbauer. Uma explosão de estampas nos poucos figurinos de Marília Carneiro e de Reinaldo Elias (com visagismo assinado por Juliana Mendes) deixa de contribuir visualmente com o espetáculo. O desenho de luz de Maneco Quinderé pouco acrescenta ao panorama tão despojado. A direção musical de Délia Fischer, com supervisão musical de Roberto Menescal e com desenho de som de Carlos Esteves, se omite de conferir identidade à obra, limitando-se a justapor as quarenta canções sem conferir-lhes arranjo aparente no que se refere à coerência. Eichbauer, Carneiro, Quinderé e Fischer são profissionais experientes no teatro (e em outras áreas também), o que alarga a dúvida sobre a responsabilidade da produção nesses resultados.

Cláudio Galvan brilha em participação exuberante!

Stephanie Serrat, Thiago Fragoso e Will Anderson (sentados ao centro)

Will Anderson (Vinícius de Moraes) e principalmente Stephanie Serrat (Amélia) fazem o espetáculo brilhar com potentes, mas pequenos trabalhos de interpretação. Letícia Persiles (Dindi) e mais ainda Luciana Bollina (Lígia), a primeira com bem mais oportunidades que a segunda, além disso, elevam as qualidades do todo com suas também belas vozes. Cláudio Lins (Steve) faz do sotaque americano o único meio pelo qual seu personagem ganha mais destaque. Thiago Fragoso (Zeca) não oferece nem mesmo colaboração similar ao seu papel. Todos esses, no entanto, parecem ter pouco espaço para se movimentar no campo das possibilidades que a dramaturgia lhes possibilita.

Dentre todos, o melhor trabalho é o de Cláudio Galvan (Jurandir). O modo como o intérprete multiplica a importância do seu personagem parece ter modificado a hierarquia dos papeis, atribuindo positivamente, ao fim do primeiro ato e ao início do segundo, a força dos melhores momentos de toda a longa encenação. Sua presença, como vilão e carrasco, é solene, mas também humana, pois ela deixa escapar, através da fúria, certas de marcas de medo que o exibem como mais complexo. Uma participação exuberante!

O belíssimo Teatro Riachuelo
“Garota de Ipanema, o amor é bossa” é um musical produzido por uma grande produtora, financiado por uma empresa de enorme porte e que cobra um valor alto pelo ingresso. Além disso, ele inaugura o belíssimo Teatro Riachuelo, pérola de 1890 restaurada na Cinelândia agora convertida para a maior glória do teatro musical no Rio de Janeiro. Todos esses aspectos participam inevitavelmente da construção do seu sentido e negar-lhes é uma ingenuidade (para não dizer tolice). Cada um deles aumenta a responsabilidade da obra, elevando o número de critérios com que ele deve ser (e é) julgada. Sua falência estética é, portanto, tão dolorosa quanto seria o júbilo de seu sucesso. Por que, com tantas possibilidades, a Aventura Entretenimento mais uma vez decepciona?

*

Ficha técnica
Texto – Thelma Guedes (com colaboração de: Alessandro Marson, Maria Helena Alvim e Newton Canito)
Direção – Gustavo Gasparani
Direção musical – Delia Fischer
Supervisão musical – Roberto Menescal
Coreografia – Kátia Barros
Cenografia – Helio Eichbauer
Figurino – Marília Carneiro e Reinaldo Elias
Visagista – Juliana Mendes
Design de som – Carlos Esteves
Desenho de luz – Maneco Quinderé
Produção de elenco – Marcela Altberg
Preparação vocal – Mauricio Detoni
Assistente de direção – Pedro Rothe
Assistente de coreografia – Roberta Serrado
Assistente de direção musical – Claudia Elizeu
Assistente de arranjos – Matias Correa
Assistente de figurino – Luiza Moura
Figurino ‘Dindi’ - Marília Carneiro e Farm
Cenógrafa assistente – Marieta Spada
Pesquisador musical – Rodrigo Faour
Estagiária de direção – Giulia Grandis
Elenco – Letícia Persiles, Thiago Fragoso, Claudio Lins, Stephanie Serrat, Luciana Bollina, Claudio Galvan, Will Anderson, Guilherme Logullo, Eduarda Fadini, Tatih Köhler, Késia Estácio, Ivan Vellame, Chris Penna, Ditto Leite, Ana Varella, Natacha Travassos, Jhafiny Lima, Nay Fernandes, Wallace Ramires, Raphael Najan, Renata Nunes e Gabriel Demartine
Realização – Aventura Entretenimento

sábado, 24 de setembro de 2016

Balada de um palhaço (RJ)

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Foto: Procena Foto


Ângela Rebello e Silvio Guindane

Texto de Plínio Marcos completa 30 anos em montagem cambaleante

“Balada de um palhaço”, de Plínio Marcos (1935-1999), finalizou sua primeira temporada no Rio de Janeiro no último sábado, dia 17 de setembro, em uma montagem infelizmente repleta de problemas. A direção de Emílio de Mello não contorna os desafios da dramaturgia original, nem propõe uma encenação que equilibre com méritos as dificuldades do texto original. Ficou, assim, desamparado de uma concepção mais firme o casal de atores Silvio Guindane e Ângela Rebello, que interpretou os personagens Bobo-Plin e Menelau, esses palhaços em um circo falido na história. A peça, que teve belos figurinos de Cássio Brasil e potente cenário de Marcelo Escañuela, esteve em cartaz no Teatro do Sesi, no centro do Rio de Janeiro.

Os desafios desse texto de Plínio Marcos
O texto “Balada de um palhaço” é um importante documento estético escrito pelo santista Plínio Marcos em 1986. Nele é possível encontrar, talvez mais do que em qualquer outra peça sua, o modo como o escritor vê o artista enquanto ser político. Temas como ética profissional, relação entre arte e mercado e entre dinheiro, espírito, beleza e transformação social são pano de fundo para a extensa conversa travada pelo palhaço Bobo-Plin (Silvio Guindane) e o seu chefe Menelau (Ângela Rebello) ao longo da obra. No entanto, como dramaturgia, isto é, como texto pensado em relação à cena, é um desafio difícil de vencer. A seguir vão algumas considerações sobre esse ponto de vista da análise.

A primeira questão a se destacar é a estrutura da obra. Trata-se de um diálogo, um gênero literário muito comum da Idade Antiga até a Renascença que entrou em desuso nos séculos seguintes. Nesse tipo de texto, os personagens, construídos a partir de suas oposições entre si, são meios através dos quais a reflexão do escritor se apresenta ao leitor mais do que a narrativa propriamente dita. Em outras palavras, não é, em sua origem, para ser encenado, mas para ser lido. Casos célebres são “Fédon”, de Platão, e “Diálogos sobre os dois máximos sistemas do mundo”, de Galileu Galilei, entre vários outros na literatura. Ainda que adaptações teatrais deles sejam montadas aqui e ali, é consenso de que se tratam de abordagens muito desafiadoras para o palco (além de monótonas se forem produzidas na íntegra).

O conflito de “Balada de um palhaço” se dá no encontro entre duas figuras opostas. Cada uma delas representa um lado da questão e uma terceira personagem (a cigana/bruxa Grande-Mãe não aparece nessa versão da peça) funciona, às vezes, como mediadora e, em outras, como estímulo a um dos dois lados. Bobo-Plin está interessado em avivar as pessoas, fazê-las sentir que estão vivas, transformá-las como também o mundo em redor. Menelau, seu patrão, pensa no dinheiro, nas necessidades mais imediatas, na subsistência. O que movimenta o texto, dessa forma, é somente a tensão entre ambos, essa que permanece regular durante toda a sua extensão do debate e se expressa através de um exercício puramente retórico.

A segunda questão diz respeito aos personagens. Há um desejo de Bobo-Plin em sair do circo e em mudar de vida e uma disposição de Menelau em convencê-lo a ficar. Mas, de um modo geral, não há quebra em qualquer um dos dois. Tanto um quanto o outro são rígidos em suas posições, sendo mais figuras discursivas que propriamente elementos de uma narrativa. Em outras palavras, não há um universo interno neles, mas uma aparência reativa que atende às propostas de Plínio Marcos ao escrever o texto, mas que não se serve do contexto narrativo, esse também criado pelo autor. Bobo-Plin comunica sua visão do mundo e Menelau responde com a sua, mas nem um nem outro se reorganiza a partir disso.

Por fim, há uma terceira questão que relaciona a peça com seu entorno. Idealizada em 1985, “Balada de um palhaço” foi produzida um ano depois a partir de texto escrito durante o período em que Plínio Marcos estava internado em um hospital após sofrer um enfarte. O Brasil vivia no primeiro ano do Presidente José Sarney, primeiro civil em vinte anos e último eleito pelo Colégio Eleitoral. O Estado de São Paulo era administrado por Franco Montoro e a capital paulista por Jânio Quadros, esses primeiros governantes eleitos pelo voto direto. O movimento “Diretas Já”, acontecido em 1984, tinha alimentado o debate sobre a participação política do povo, gesto esse sempre valorizado por Plínio Marcos desde suas obras mais famosas nos anos 60 e 70, como “Barrela” (1958), “Quando as máquinas param” (1963) e “Dois perdidos numa noite suja” (1966), entre outras. No entanto, o dramaturgo sentia que o engajamento político se esvaziava na sede do consumo exacerbado, na carnavalização dos discursos e no enrubescimento de um teatro que se dizia mais engajado. Tudo isso fazia o dramaturgo se ressentir.

Na primeira montagem, a peça foi dirigida por Odavlas Petti (1929-1997) e tinha, no elenco, Walderez de Barros (Bobo-Plin) e Antônio Petrin (Menelau). As canções eram de Léo Lama com direção musical de Luís Gustavo Petri. O modo como as poesias do texto viraram canções na peça e o jeito como os realizadores estavam envolvidos com aquele momento histórico brasileiro atribuíram à produção algum destaque na grade teatral paulista na temporada no Teatro Zero Hora. Trinta anos depois, porém, o caso não é o mesmo no Rio de Janeiro. O debate sobre a atividade profissional do ator/artista circense, se talvez passe pela relação desse com a televisão, vai também por sobre a internet e aí se perde no caminho. O momento político que o Brasil vive agora não é tão claro como era naquele período também. O próprio circo hoje não é o mais mesmo. Ou seja, “Balada de um palhaço”, sendo ainda um texto interessante de ser lido, cobra de uma encenação contemporânea desafios diferentes (e maiores) que outrora exigiu. E infelizmente, como mais adiante se analisará, essa montagem não os ultrapassa.

Problemas na versão dirigida por Emílio de Mello
A versão dirigida por Emílio de Mello não enfrenta os problemas da estrutura do texto, da composição dos personagens e dos elos entre a produção e seu entorno.

Quanto ao primeiro, sobre a estrutura do espetáculo, “Balada de uma palhaço” pode ser dividido em duas partes: aquela que acontece quando não há público no circo e Bobo-Plin e Menelau estão conversando na intimidade. E um momento em que Bobo-Plin se apresenta para o público. Essa divisão marca a atividade profissional (palhaço) em ação e a em reflexão, mas aqui ela não está clara, sendo por isso pouco aproveitada. O texto de Plínio Marcos oferece o desafio do lirismo no texto, o que ajuda a embaralhar as duas partes, mas esse detalhe seria uma oportunidade para a direção de se equilibrar à obra, o que não aconteceu infelizmente.

Quanto às composições de personagem, Silvio Guindane (Bobo-Plin) e Ângela Rebello (Menelau) usam muito pouco do repertório de gestos conhecido como “clown”. “Balada de um palhaço” não é um texto realista, mas talvez surrealista, e, por isso, a escolha desse referencial por parte dos atores fez com que suas atuações parecessem desajustadas ao espetáculo. Guindane canta mal seus números, contribuindo pouco para um quadro estético melhor. Com uma defesa pouco carismática do personagem também, o ator investe em certezas pouco acolhedoras, agressivas às vezes, o que acaba por revelar um palhaço menos interessante. Rebello, por sua vez, dizendo o texto em excelente ritmo em com ótimo aproveitamento das intenções, torna seu personagem muito mais rico que seu interlocutor. O problema disso é que Bobo-Plin, alter-ego de Plínio Marcos, domina a história de maneira que os méritos da intérprete, ao desequilibrar o trabalho, acabam por auxiliar no desajuste da obra.

Presa ao circo, a narrativa se apresenta com belo cenário de Marcelo Escañuela, figurino de Cássio Brasil, iluminação de Daniel Galvan e com trilha sonora de Ivo Senra. Esses elementos, explorando o enorme referencial estético do circo, apresentam um quadro colorido que, pela sua facilidade, é bonito. No entanto, eles pouco contribuem para oferecer à obra maior profundidade, alojando a peça em lugar estéril onde a conversa entre os personagens parece ainda mais desajustada.

Com muitas pontas soltas, sem coesão, nem coerência, “Balada de um palhaço” perdeu oportunidades nessa sua primeira temporada carioca. Uma pena!

*


Ficha técnica:
Autor: Plínio Marcos
Direção: Emilio de Mello
Elenco: Silvio Guindane e Ângela Rebello
Trilha sonora: Ivo Senra
Preparação Circense: Vinicius Daumas
Cenário: Marcelo Escañuela
Figurino: Cássio Brasil
Iluminação: Daniel Galvan
Direção de Produção: Valéria Alves
Produção Sevla Produções
Duração: 65 minutos
Gênero: Comédia Dramática
Não recomendado para menores de 12 anos

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

My fair lady (SP)

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Foto: divulgação


Daniele Nastri, Paulo Szot, Eduardo Amir e grande elenco

A glória do teatro musical inclusive no Brasil

A atual montagem brasileira de “My fair lady” é uma das produções mais bonitas que o nosso país já produziu em teatro musical em sua história recente. Dirigida por Jorge Takla, com Daniele Nastri, Paulo Szot e Sandro Christopher nos papeis principais, ela celebra os sessenta anos de uma das mais belas narrativas do ocidente. As canções de Frederick Loewe com letras de Alan Jay Lerner, que adaptaram a história de George Bernard Shaw, surgem aqui intactas em sua enorme beleza e complexidade na versão de Claudio Botelho com direção musical de Luis Gustavo Petri. O cenário de Nicolás Boni, a iluminação de Ney Bonfante e principalmente o figurino de Fábio Namatame são nada menos que exultantes. Quem assistir saberá, da primeira à última cena, que está diante de uma obra prima em todos os seus aspectos. O espetáculo fica em cartaz até 6 de novembro no Teatro Santander, na zona sul de São Paulo. É para rever muitas vezes!

“Pigmalião”, de George Bernard Shaw
A origem de “My fair lady” está em na peça “Pygmalion”, escrita na primavera de 1912, do irlandês George Bernard Shaw (1856-1950). Para escrevê-la, ele se baseou na lenda grega conhecida pelo mesmo título que aparece no Livro X de “Metamorfoses”, de Ovídio (43 a. C. – 18 d. C.). Na história, o rei Pigmalião era um escultor na ilha grega de Chipre que, desgostoso com as mulheres reais, esculpiu uma perfeita em mármore. Encantado por sua criatura idealizada, passou a dar-lhe presentes, imaginar as respostas dela às suas perguntas e, perdidamente apaixonado, ver-se casado. No festival de Vênus, a deusa romana do amor, ele pediu em oração que sua obra ganhasse vida, no que foi concedido. Da união entre eles, nasceu uma filha, Pafos, cujo nome batizou uma região em Chipre. A lenda, que teria aparecido antes em “A história de Chipre” (222 – 206 a. C.), do norte-africano Filostefano, inspirou diversas obras de arte nos últimos vinte e dois séculos. Um melodrama de Jean-Jacques Rousseau (1762), um poema de Johann Wolfgang Goethe (1767), uma opereta de Franz von Suppé (1863) e outra de W. S. Gilbert (1871) estão entre as mais famosas antes da peça de Shaw.

Mrs. Patrick Campbell ( à esquerda) 
“Pigmalião”, sobre a qual o crítico Eric Bentley disse ser uma peça biográfica, tem fáceis relações com a vida do dramaturgo/diretor/crítico teatral George Bernard Shaw. O modo duro como ele foi criado e como lidava com suas relações afetivas aparece em várias análises que aproximam o autor do personagem Mr. Higgings. A peça, como várias outras antes dela, foi escrita para a atriz inglesa Beatriz Stella Tunner (1865-1940), conhecida por Mrs. Patrick Campbell (nome do primeiro marido dela), por quem, acredita-se, Shaw nutria um amor platônico. Eles se conheceram no fim do século XIX, quando a carreira dele despontava e a dela já estava plenamente estabelecida, mas se aproximaram quando “Pigmalião” começou a ser produzida por ela com direção dele em Londres. Mrs. Campbell tinha 49 anos na estreia do espetáculo (depois Gertrude Lawrence fez o papel na Broadway aos 47 e Bibi Ferreira no Rio aos 40.) e ainda continuou a temporada em Nova Iorque e pelo mundo até o início dos anos 20.

A versão inglesa de “Pigmalião” foi a quinta, vindo depois de uma austríaca (outubro de 1913, uma alemã, uma sueca e de uma americana (março de 1914). Os ensaios foram conturbados principalmente por causa das brigas entre o ator Herbert Beerbohm Tree (1853-1917), que interpretava Higgins, e o dramaturgo/diretor. O primeiro, um famoso intérprete shakespeariano, era politicamente conservador enquanto o segundo apaixonadamente socialista (tendo inclusive apoiado o nazismo em célebres declarações). “Pigmalião”, que estreou em abril de 1914, foi um sucesso na capital inglesa, ficando dezoito meses em cartaz. Quando o diretor se ausentava, o final era modificado por Tree para um diferente do que Shaw queria. Nessa versão alternativa, Higgins atirava sobre Eliza um bouquet de flores como se a pedisse em casamento. No final oficial, publicado em 1916, Higgins debochava do suposto casamento entre Eliza e Freddy. No escrito para a montagem de 1920, Shaw exigia que Higgins visse Eliza partir e gritasse “Galatea!” depois, assumindo que havia construído a mulher perfeita.

Em 1938, Shaw assinou o roteiro da primeira versão para o cinema da peça, onde várias cenas importantes do que veio a ser depois “My fair lady” – como os exercícios de fonética de Eliza, o baile na Embaixada e o diálogo da cena final – apareceram pela primeira vez. Dirigido por Anthony Asquiteh e por Leslie Howard, o filme tinha Howard (que fez Ashley em “... E o vento levou”) no papel de Higgins e a estreante Wendy Hiller no de Eliza. A obra recebeu indicações ao Oscar de Melhor Ator (Howard), Melhor Atriz (Hiller) e de Melhor Filme, vencendo o prêmio de Melhor Roteiro Adaptado (Shaw, que também havia ganhado o Nobel de literatura em 1925). Nos anos seguintes, houve várias tentativas de transformar a peça e o filme para musical, entre elas, a de Cole Porter e a da dupla Richard Rodgers e Oscar Hammerstein II, mas esses projetos não foram adiante talvez principalmente por causa dos direitos autorais. (Shaw não havia aprovado adaptações anteriores de suas peças para musicais.)

O musical de Frederick Loewe e de Alan Jay Lerner
Em 1954, o dramaturgo da peça George Bernard Shaw e o produtor do filme Gabriel Pascal já haviam falecido e as negociações para transformar a obra em musical puderam ser reiniciadas. Frederick Loewe (1901-1988) e Alan Jay Lerner (1918-1986) já eram conhecidos na Broadway por “Brigadoon” (1947) e por “Paint your wagon” (1951), mas suas intenções para “My fair lady” eram ainda mais altas. “Pigmalião”, para eles, era uma história de amor apesar de não haver beijo, romance e, mais difícil ainda, nem casamento. Os diálogos eram extremamente racionais e, por isso, as melodias precisavam equilibrar com sentimento sem tornar tudo açucarado. Michal Redgrave, Noël Coward e George Sanders foram cogitados para o papel de Higgins (que não foi escrito para um cantor que atuasse, mas para um ator que cantasse) e Mary Martin para o de Eliza, mas nada havia sido fechado. Foi aí que entraram os britânicos Reginald Carey (Rex) Harrison (1908-1980), Stanley Holloway (1890-1982) e a recém chegada à Broadway Julie Andrews, que os autores haviam assistido em “The Boy Friend”. No teste, em março de 1955, Andrews cantou “Getting to know you” (de “The king and I”) e ensaiou algumas cenas de “My fair lady”. Três meses depois, soube que havia sido aprovada. Dirigido por Moss Hart, os ensaios começaram em janeiro de 1956 e a peça fez seus primeiros ensaios abertos em fevereiro em New Heaven, onde duas canções e uma coreografia foram cortadas e a cena anterior ao baile foi criada. Em Nova Iorque, a estreia aconteceu em 15 de março de 1956. Foi a primeira vez que Rex Harrisson cantou diante de uma orquestra e que Julie Andrews criou um personagem no teatro profissional.

O musical começa em uma noite de março, em Convent Garden, na frente ao Royal Opera House e à Igreja de St. Paul (conhecida como Igreja dos Atores) em uma Londres do período eduardiano. O tempo ensaia uma chuva enquanto os aristocratas estão saindo de uma sessão da ópera “Fausto” a que acabaram de assistir e buscam por transporte para ir embora. Entre eles, estão o jovem Freddy Eynsford-Hill (Frederico Silveira) e sua mãe que esbarrou em uma florista, fazendo com que suas flores caíssem no chão. Por isso, ela agora tenta convencê-los a ajudar-lhe comprando uma violeta desperdiçada. A voz de Eliza Doolittle (Daniele Nastri), a vendedora ambulante, ecoa a pequena multidão de transeuntes. A notícia de que há um homem anotando tudo o que ela diz a deixa apavorada, com medo de ir presa injustamente, e todos começam a defendê-la. Henry Higgins (Paulo Szot) exibe a habilidade de descobrir, pelo modo como as pessoas falam, suas origens (“Why can’t the English?”). O “cockney accent” de Eliza sinaliza para ele que ela veio de Lisson Grove, uma região pobre ao norte de Londres, onde ficava um orfanato para meninas órfãs (Eliza é órfã de mãe). Higgins não é detetive, mas um mundialmente conhecido estudioso de fonética. Ao Colonel Pickering, outro estudioso do mesmo tema, ele afirma que, se Eliza falasse corretamente, poderia ser confundida com uma princesa ou, ao menos, trabalhar como florista em uma loja. O quadro termina com a bela canção “Wouldn’t it be loverly” (“Bão demais”), em que há a coroação de Eliza como, desde já, a princesa da sarjeta.

A cena seguinte acontece na Rua Wimpole, número 27A, na zona norte de Londres, onde mora Higgins, que está hospedando Colonel Pickering (I’m an ordinary man”). (Nessa casa, na vida real, morou o renomado linguista Professor Horace Wilson (1786-1860), em quem Shaw se baseou para escrever Henry Higgins. Há outras teorias que aproximam o personagem do foneticista Henry Sweet (1845-1912) e do poeta Robert Bridges (1844-1930)) Eliza aparece, tentando oferecer trabalho a Higgins como seu professor particular, o que ele obviamente rejeita. Depois de uma sessão de grosserias, porém, os dois estudiosos fazem uma aposta. Durante seis meses, Eliza ficaria com eles, com as despesas pagas e roupas novas, exercitando um novo jeito de falar. Se, ao final do período, fosse confundida com uma dama em um baile no Palácio de Buckingham, ela ganharia uma quantia em dinheiro suficiente para abrir seu próprio negócio e recomeçar a vida. Se sua verdadeira origem fosse descoberta, seria enforcada. Ela aceita a proposta e as aulas começam.

O beberrão Alfred Doolittle (Sandro Christopher), pai de Eliza, é, então, avisado de que a filha foi morar na zona nobre da cidade e pediu lhe entregassem apenas uma gaiola e um leque chinês, mas não são suas roupas (“With a little bit of luck”). Almejando participar também da nova condição financeira da filha, ele vai em busca de Higgins. O professor fracassa na tentativa de mostrar ao velho que a garota não serve ali como cortesã, mas que é apenas aluna dos dois cavalheiros. Por fim, dá a ele dinheiro e manda que, em resposta a uma solicitação americana de uma palestra sobre moralidade, o nome de Doolittle seja incluso como sua sugestão aos organizadores do evento.

Os exercícios com Eliza são infindáveis e cansativos (“Just you wait” e “Poor Professor Higgins”), entrando madrugada a dentro. Um dia, quando todos estão exaustos, Higgins deixa de lado a grosseria e, tocando na aluna pela primeira vez, fala de um jeito mais dócil com ela sobre a importância do que ela está aprendendo. Então, ela consegue, pela primeira vez, pronunciar corretamente o trava-língua “The rain in Spain stays mainly in the plain”, que, embora incorreto em termos de gramática (o correto seria “the rain in Spain falls mainly on the plain”), lhe ajuda a compreender melhor o som de “ain”. (No Brasil, na versão de Henrique Pongetti, a frase ficou “O rei de Roma ruma a Madrid”. Na de Claudio Botelho, “Atrás do trem as tropas vêm trotando”.) A vitória (“I could have dance all night”, a música tema) é comemorada por todos e inspira Higgins a levar Eliza para um teste no Hipódromo de Ascot (“Ascot Gavotte”), onde sua mãe tem um camarote. Lá, Eliza mostra que já sabe falar as palavas corretamente, mas também que ainda não tem conteúdo. Freddy Eynsford-Hill a reencontra sem reconhecê-la e se apaixona por ela, passando a frequentar a porta de Higgins toda noite à espera de um sinal (“On the street where you live”).

O primeiro ato termina com a grande prova, um baile no Palácio de Buckingham oferecido à Rainha da Transilvânia. Nele, um antigo aluno de Higgins, Zoltan Karpathy, que fala 32 idiomas, ajuda a monarca a reconhecer quem tem ou não sangue real no evento. Eliza, vestindo um maravilhoso vestido e uma tiara de diamantes, dança com ele, cumprindo a etapa final de sua avaliação (“Embassy waltz”).

No segundo ato, muito mais dramático que o primeiro, conhecem-se os resultados da transformação de Eliza (“You did it”). Nesse ponto da dramaturgia, o público está diante de um Higgins que soube reconhecer a flor na sarjeta, mas que, quando olha para ela, só consegue ver a si próprio em um exercício extremamente egóico. Seus modos cada vez mais grosseiros revelam a inversão dos personagens: uma Eliza forte e um professor sensível. Com Freddy à espera (“Show me”), ela vai embora da casa de Higgins (“A hymm to him”) e se reencontra com seu pai. Alfred Doolittle fez sucesso como palestrante sobre moralidade e, rico como jamais esteve, amarga o medo de ficar pobre e sobretudo a iminente prisão que o casamento com sua esposa, a madrasta de Eliza, lhe impõe (“Get me to church on time”). Nas cenas finais, de um modo absolutamente delicado, complexo e profundo (“Without you” e “I’ve grown accustumed to your face”), o estado da questão entre Higgins e Eliza se revela plenamente e, a partir disso, pode o público decidir sobre o final.

“My fair lady”, na Broadway, nasceu como uma das produções mais elogiadas de todos os tempos desde sua estreia, ficando seis anos em cartaz em um total de 2.717 apresentações, um recorde na época. Ganhou indicações ao Tony de Melhor Coreografia, Atriz (Julie Andrews) e Ator Coadjuvante (Robert Coote e Stanley Holloway) e os troféus de cenário, figurino, direção musical e os de Melhor Direção (Moss Hart), Ator (Rex Harrison) e Melhor Musical. As remontagens de 1976, 1981 e 1993 tiveram sucesso similar. As produções inglesas também. Pelo mundo afora, em vinte e dois países de onze idiomas diferentes, incluindo o Brasil, nada diferente aconteceu.

Jayme Costa, Bibi Ferreira e Paulo Autran
Antes dessa versão que aqui se analisa, no Brasil, houve montagens oficiais em 1962 e em 2007. A primeira, chamada “Minha Querida Lady”, foi produzida por Oscar Ornstein e por Victor Berbara e traduzida por Henrique Pongetti. Bibi Ferreira e Paulo Autran (e Edson França) interpretaram Eliza e Higgins ao lado de Jayme Costa (Doolittle) durante os três anos que a peça ficou em cartaz. (Marilia Pêra era uma das criadas.) Quarenta e cinco anos depois, Jorge Takla assinou uma versão do musical com Daniel Boaventura e com Amanda Costa nos papeis de Higgins e de Eliza, com Tadeu Aguiar como Colonel Pickering e Francarlos Reis como Alfred Doolittle. Com as mesmas versões de agora, assinadas por Claudio Botelho, a peça tinha figurinos de Fábio Namatame também, mas o cenário era de Daniela Thomas. Essa montagem ganhou, entre outros prêmios, o APCA (Associação de Críticos de Arte de São Paulo) de Melhor Espetáculo.

Na televisão brasileira, houve ainda a novela “Pigmalião 70”, produzida pela Rede Globo, em 1970. Ela foi escrita por Vicente Sesso e adaptava, para o horário das 19 horas, a peça de Shaw. Na história, o jovem Nando (Sérgio Cardoso) aprendia a se comportar com a aristocrática Cristina (Tônia Carreiro), que se apaixonava pelo aluno.

Ainda parte das comemorações dos sessenta anos de “My fair lady”, Julie Andrews assina a direção de uma montagem do musical que estreou, no último dia 30 de agosto em Sydney, na Austrália.

Julie Andrews x Audrey Hepburn: uma das histórias mais curiosas de Hollywood
Jack Warner, que havia construído o teatro onde a peça estreou na Broadway (Mark Hellinger Theater, hoje uma igreja), estava presente na première de “My fair lady” e, cumprindo um roteiro que acontecia normalmente com os grandes sucessos, tratou de adaptar o espetáculo para o cinema. Os direitos foram comprados em 1962 (por 5,5 milhões de dólares, vencendo a proposta da MGM), quando a temporada em Nova Iorque terminou. Alan Jay Lerner escreveu a adaptação e o premiadíssimo George Cukor foi chamado para dirigir (depois que Vicent Minelli cobrou um cachê alto demais). Rex Harrison foi convocado para o papel de Higgins (depois que Peter O’Toole fez o mesmo que Minelli e que Cary Grant anunciou publicamente que se negaria até mesmo a ver o filme se Harrison não o fizesse). Para o personagem de Alfred Doolittle, James Cagney foi chamado, mas se negou a aprender cockney accent de maneira que Stanley Holloway eternizou o personagem.

O caso mais curioso da versão cinematográfica foi a não escalação de Julie Andrews para o papel de Eliza Doolittle. Ela tinha recebido indicações e troféus pelo papel que desempenhou durante quatro anos (dois na temporada da Broadway e quase outros dois na de Londres) e estava em cartaz novamente em Nova Iorque com “Camelot”, ao lado de Richard Burton, o musical de Loewe e de Lerner que veio logo depois de “My fair lady”. Até 1963, tinha aparecido algumas vezes na televisão (incluindo, até hoje, o quarto maior recorde de audiência na história da programação televisiva americana, o musical “Cinderella”, de 1957), mas nunca no cinema até então. Mesmo assim, Jack Warner não a considerava nem fotogênica, nem sexy e, por isso, não a convidou.

A belíssima Audrey Hepburn (1929-1993) nunca havia participado de um fracasso comercial na história do cinema. Ela tinha recentemente protagonizado com sucesso “Breakfast at Tifany’s”, de 1961, dirigido por Blake Edwards (com quem Julie Andrews se casou em 1969), e permanecia nas graças de Hollywood. Quando foi chamada para interpretar Eliza, sabia que seria dublada, mas não conhecia exatamente em quais lugares do filme isso aconteceria. Por isso, fez questão de estudar as canções e gravá-las ao vivo (como também fez Rex Harrison cuja voz original é a que aparece na obra). No meio do processo, para sua decepção, ouviu que Marni Nixon (1930-2016), cuja voz ouvimos em “West Side Story” (“Amor sublime amor”) e em “The king and I” (“O rei e eu”) e que fez depois uma das freiras em “The sound of music” (“A noviça rebelde”), a estava dublando em todas as canções. Ficou furiosa e abandonou os estúdios (desculpando-se depois e retornando ao trabalho). O filme foi lançado em 9 de novembro de 1964. Inteiramente gravado em estúdio, quase como um teatro filmado, ele custou 17 milhões de dólares.

Audrey Hepburn e Julie Andrews
Em contrapartida, Julie Andrews foi convidada por Walt Disney para protagonizar “Mary Poppins”. Na entrega do Oscar de 1964, a versão cinematográfica de “My fair lady” ganhou doze indicações e venceu em oito delas, incluindo Melhor Ator (Harrison) e Melhor Filme. Audrey Hepburn, porém, não foi nem mesmo indicada. Julie Andrews, em seu primeiro filme, ganhou o seu único Oscar até hoje encerrando assim uma das mais “cabeludas” histórias de Hollywood. Em um documentário de 1986, Hepburn disse ter se arrependido de ter feito o filme e não ter usado sua influência para eternizar Andrews como Eliza Doolittle, aquele que teria sido, ao lado de Maria von Trapp, seu maior papel. (Por outro lado, vale lembrar que Hepburn criou a Gigi no musical homônimo no teatro, mas foi Leslie Caron quem fez seu papel no cinema. E que Julie Andrews fez, em “A noviça rebelde”, o personagem que Mary Martin havia inaugurado no palco.)

A versão de 2016
A versão atual dirigida por Jorge Takla, em associação com Tânia Nardini, representa a glória do teatro musical no Brasil. Produzida por ele em parceria com a EGG Entretenimento e com a IMM Esporte e Entretenimento, a montagem atinge níveis de qualidade altíssimos somente comparáveis a “O violinista no telhado” e a “O mágico de Oz” (ambos dirigidos por Charles Moeller e por Claudio Botelho), a “O rei e eu” (dirigida também por Takla) e a “Wicked” (da Time for Fun, atualmente em cartaz). Com 350 profissionais envolvidos, trinta atores e quatorze músicos na orquestra, é uma produção em que o largo investimento se equilibra com excelente padrão de qualidade.

Quanto à estética, um dos melhores aspectos do espetáculo é o modo como ele se relaciona com o filme. Por uma questão óbvia, a obra cinematográfica é eterna (a teatral é perene) de modo que, no imaginário do público, sua contribuição é muito valiosa para a construção do sentido da peça. Takla conversa com essa abordagem, estabelecendo pontes que aproximam a audiência da história com fluência e carisma, mantendo, claro, a relação com as versões teatrais e a sua originalidade. Por ser um clássico, é vital que novas versões de “My fair lady” não se distanciem do que se espera, mas surpreenda para além disso. E esse é o caso aqui felizmente.

Alguns exemplos em que a atual montagem ratifica (o que não é o mesmo que repetir nem que copiar) o filme valem ser destacados. Higgins finaliza a cena de abertura, jogando moedas sobre a cesta de flores de Eliza. Metade delas cai dentro da cesta, mas a outra desaba no chão, o que sinaliza a displicência por sobre alguém que, para ele, não tem qualquer valor. Eliza usa verde nos exercícios, branco na cena do baile e rosa no final. Ainda sobre o figurino, os tons de “Ascot Gavotte” são o preto e o branco para os participantes em geral, cinza para os protagonistas da cena e um toque de vermelho em Eliza. A Rainha, quando vê a florista no baile, encosta em seu queixo ao elogiá-la quando ela se curva em um gesto nobilíssimo. Esses detalhes, ao lado daqueles em que essa montagem se faz ímpar, reforçam o sentimento de que se está revivendo a memorável experiência estética promovida na produção original de Moss Hart e na adaptação de George Cukor em todo o seu esplendor.

Porque não corrompidas pelos enquadramentos fílmicos, as coreografias de Tânia Nardini podem ser vistas em sua máxima potência aqui para o deleite do público do espetáculo teatral. Destacam-se, além da cena do baile, os dois números excelentes de Alfred Doolittle: “Um pouquinho assim de sorte” e “Vou me casar de manhazinha”. Vibrantes, ambos oxigenam a racionalidade da peça com humor em movimentos complexos, mas aparentemente leves. A direção musical de Luis Gustavo Petri, se talvez tenha precisado se adaptar a um número mais reduzido de músicos do que na montagem original dos anos 50, teve aqui ainda mais mérito, porque, em nenhuma só nota, se vê alteração nas partituras originais. Eis um trabalho magnífico em que se aplaude também a contribuição de Tocko Mickelazzo na assinatura do desenho de som.

Como sempre, as versões de Claudio Botelho são deliciosas. Com habilidade já tantas e repetidas vezes destacada, ele ultrapassa também aqui qualquer barreira do idioma, fazendo com que as músicas pareçam ter sido compostas originalmente em português. Quem conhece as letras originais facilmente reconhece que não há transformações significativas no sentido e que a fluência da linguagem empregada só torna tudo mais delicioso. Excelente!

A luz de Ney Bonfante e o cenário de Nicolás Boni trabalham juntos na providência de ambientes que valorizam o musical, mas também sua audiência. O modo como o espaço é preenchido, estruturando-se em profundidade, em urdimento e em largura, evolui para quadros cada vez mais belos: Convent Garden, Wimpole Street, Ascot Racecourse e Buckingham surgem tão visualmente potentes quanto o gabinete de Higgins, onde a maior parte da narrativa se dá.

No entanto, ao lado das canções e de suas defesas, o mais glorioso elemento dessa montagem de “My fair lady” é o figurino de Fábio Namatame (com perucas assinadas por Feliciano San Roman e visagismo por Duda Molinos). Se o guarda-roupa das cenas em Convent Garden impressiona, há que se esperar por “Ascot Gavotte” e principalmente pelo baile para sentir o brilho dessa produção. Se for possível destacar uma caracterização, vale citar o vestuário da Sra. Higgins (Eliete Cigaarini), mantendo a crítica originalmente feita por Cecil Beaton na montagem original e no filme à afetação aristocrática do período eduardiano. Demais!!


Sandro Christopher e elenco

Sandro Christopher, Daniele Nastri e Paulo Szot brilham em excelente elenco
Quanto às interpretações, Eduardo Amir (Colonel Pickering), Frederico Silveira (Freddy Eynsford-Hill), Eliete Cigaarini (Sra. Higgins) e Daniela Cury (Sra. Pearce) fazem belas participações, explorando suas figuras em colaborações elogiosas. O coro, com atuações cheias de mérito em “Canção dos Serventes”, “Que loucura” e em “Mas você venceu”, enaltece os valores da peça como um todo. Em destaque, Sandro Christopher, um dos nossos mais célebres (e melhores) cantores líricos, apresenta trabalho brilhante, tornando seu Alfred Doolittle ainda mais delicioso. O enorme carisma de sua atuação mantém em cena a vitalidade do personagem mais querido dessa narrativa.

Se havia alguma dúvida sobre a artista adequada para o papel de Eliza Doolittle, depois do que aconteceu com o filme, ficou claro para o mundo que o personagem somente pode ser interpretado por uma soprano potente, educada e habilidosa que se disponha também a bem atuar. (Vale, sobre isso, uma história narrada por Julie Andrews em sua biografia. Na temporada de estreia na Broadway, Maria Callas foi assistir à peça e ficou chocada ao saber que, em uma época em que não existiam microfones de lapela, apresentava-se a peça oito vezes em sete dias. “No auge de uma temporada, eu raramente me apresento duas vezes por semana. Como você consegue fazer isso oito vezes?” – questionou a diva.) A goiana Daniele Nastri, com mestrado em performance musical na Inglaterra, exibe excelente trabalho em termos de intepretação, com destaque para sua contribuição musical. A linda “Mas era bão demais”, as dificílimas “Você vai, Enri Higgins”, “Faça” e “Sem você” e a clássica “Agora eu vou dançar” surgem em máxima potência em uma atuação de enorme grandeza.

Paulo Szot, ator brasileiro destaque no cenário mundial também no mundo lírico como barítono, vencedor do Tony de Melhor Ator por sua participação na montagem de “South Pacific” na Broadway, é o maior destaque dessa versão de “My fair lady”. O intérprete, além de atribuir ao seu Higgins a afetação irônica (e agressiva) criada por Rex Harrison através, sobretudo, de uma dicção perfeita (exigida pelo maestro austríaco Franz Allers da primeira versão), traz ao personagem o preciosismo do canto. “Mais aparece uma mulher” e “Não são como eu” brilham, mas “Minha bela lady”, que encerra o espetáculo, define sua participação como um dos pontos altos da temporada brasileira. Ele, que tem uma belíssima voz, defende um protagonista afiado, sensível e másculo, estabelecendo a complexidade da relação entre Eliza e seu personagem bem como os contornos narrativos dela. Aplausos efusivos!

Um programa imperdível!
O título “My fair lady” tem origem em três fontes: o subtítulo da peça “Pygmalion”, de George Bernard Shaw”, que é “Fair Eliza”; uma referência a uma canção homônima de George Gershwin (com letra de Buddy G. DeSylva e de Ira Gershwin), do musical “Tell me more”, de 1925; e a cantiga de roda “London bridge is falling down”, em que aparece a frase “My fair lady” no fim de cada estrofe. (Julie Andrews diz que ela pode ser ouvida rapidamente no Overture.) Ele veio como uma substituição ao título original, que era “Fanfarron” (“Come to the ball” e “Lady Eliza” também foram outros nomes planejados). O primeiro destacava Higgins como aquele que destrói as próprias possibilidades. O segundo, e oficial, destaca Eliza. A peça, na verdade, é sobre o modo como ambos personagens se modificam a partir da relação entre eles. Essa é uma bela lição que, permanecendo eterna e universal, se rejuvenesce principalmente em produções tão valiosas como essa assinada por Jorge Takla. Excelente!

*

FICHA TÉCNICA
Baseado no clássico “Pigmalião”, de George Bernard Shaw
Músicas: Frederick Loewe
Texto e Letras: Alan Jay Lerner
Versão Brasileira: Cláudio Botelho
Direção Geral: Jorge Takla
Direção associada e Coreografia: Tânia Nardini
Direção Musical: Luis Gustavo Petri
Cenário: Nicolás Boni
Figurino: Fábio Namatame
Design de Luz: Ney Bonfante
Design de Som: Tocko Mickelazzo
Visagismo: Duda Molinos
Perucas: Feliciano San Roman
Produtora e diretora da divisão de teatro da IMM: Stephanie Mayorkis

Elenco:
Paulo Szot (Prof. Henry Higgins)
Daniele Nastri (Eliza Doolittle)
Sandro Christopher (Alfred Doolittle)
Eduardo Amir (Colonel Pickering)
Frederico Silveira (Freddy Eynsford- Hill)
Eliete Cigaarini (Sra. Higgins)
Daniela Cury (Sra. Pearce)

Ana Luiza Ferreira (ensemble feminino)
Ana Paula Villar(ensemble feminino)
Carol Costa (ensemble feminino)
Claire Nativel (ensemble feminino)
Debora Dib (ensemble feminino)
Gisele Jesus (ensemble feminino)
Janaina Bianchi (ensemble feminino)
Luana Zenun (ensemble feminino)
Maria Isabel Nobre (ensemble feminino)
Talitha Pereira(ensemble feminino)

Cadu Batanero (ensemble masculino)
Cayo Caesar (ensemble masculino)
Daniel Cabral (ensemble masculino)
Diego Luri (ensemble masculino)
Elton Towersey (ensemble masculino)
Felipe Tavolaro (ensemble masculino)
Fernando Cursino (ensemble masculino)
Paulo Grossi (ensemble masculino)
Marcio Louzada (ensemble masculino)
Rafael Villar (ensemble masculino)
Mariana Barros (swing feminino)
Thiago Jansen (swing masculino/dance capitan)

*o elenco deste espetáculo poderá sofrer alterações sem aviso prévio

“My fair Lady” é uma produção Takla Produções, EGG Entretenimento e IMM Esporte e Entretenimento.
Apresentação: Ministério da Cultura, Mercado Livre e Mercado Pago
Patrocínio: Renner e Zurich Santander Seguros
Apoio: Estácio e Colgate

quinta-feira, 15 de setembro de 2016

Ghost - O musical (SP)

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Foto: Caio Gallucci E João Bertholini


Giulia Nadruz e André Loddi


Ludmillah Anjos brilha como Oda Mae Brown!

“Ghost – O musical” é a versão para teatro do celebrado filme de 1990. Ela é, por aqui, facilmente dirigida por José Possi Neto com esforçada versão brasileira de Ricardo Marques, que também assina a produção através da 4Act Performing Arts, essa uma das primeiras escolas de teatro musical do país. A montagem, em que o papel no cinema de Patrick Swayze é interpretado por André Loddi sem destaque, tem enormes méritos nos trabalhos de Giulia Nadruz e principalmente de Ludmillah Anjos que interpretam os personagens que foram de Demi Moore e de Whoppi Goldberg respectivamente. O melhor de tudo continua sendo o ótimo roteiro de Bruce Joel Rubin que sobrevive às não mais que boas canções de Dave e Stewart e de Glen Ballard. O espetáculo fica em cartaz até dezembro no Teatro Bradesco na zona oeste de São Paulo.

Roteiro de sucesso
Na história, o bancário Sam (André Loddi) e a ceramista Molly (Giulia Nadruz) são um casal de namorados que, no início da peça, se mudam para o Brooklyn. Situado a leste de Manhattan, é um distrito enorme, com dois milhões e meio de habitantes e mais de 170 estações de metrô sobre o qual não é possível generalizar. Em “Ghost”, no entanto, ele é tido como uma região perigosa, o que faz Carl (Igor Miranda), colega de Sam, temer pela escolha do casal amigo de morar lá. A narrativa começa quando, vítima de um assalto, Sam é assassinado, ficando seu espírito junto ao corpo como testemunha do próprio funeral. Aos poucos, ele descobre informações mais complexas sobre a verdade por trás de sua morte e, sem conseguir se comunicar com o mundo dos vivos, enfrenta o conflito de ter que proteger Molly contra destino similar ao seu.

No roteiro bastante clássico de Bruce Joel Rubin, Sam recebe ajuda de um espírito como ele (Rafael Machado) e de uma pessoa viva, a vidente Oda Mae Brown (Ludmillah Anjos). Filha de médiuns, até ouvir a voz de Sam, ela nunca tinha se comunicado verdadeiramente com o além, ganhando a vida encenando algo que ela mesma acreditava ser uma farsa. Através desses personagens, o desafio de Sam vai parecendo menos inalcançável e sua vitória mais esperada positivamente por quem assiste. Em 1990, o filme recebeu três indicações e um Globo de Ouro (Whoopi Goldberg) e cinco indicações e dois Oscar (Goldberg e Melhor Roteiro). A canção “Unchained Melody”, escrita por Alex North e por Hy Zaret para um filme desconhecido de 1955, já era considerada um clássico do repertório da música popular americana, mas, depois de “Ghost”, atingiu sucesso internacional incalculável.

Em 2011, com dramaturgia do mesmo roteirista do filme, houve a primeira versão para teatro musical de “Ghost”. Com músicas e letras dos pouco experientes (no gênero) Dave Stewart e de Glen Ballard (que escreveu o musical “De volta para o futuro” que ainda não estreou), ela foi lançada em Manchester, no oeste da Inglaterra, e, em seguida, em Londres, onde fez enorme sucesso por dezoito meses. O mesmo não aconteceu na Broadway. A peça lá estreou em abril de 2012 e saiu de cartaz depois de quatro meses, tendo sido destruída pela crítica que a considerou melosa demais. Ao Tony, recebeu apenas três indicações sem chances naquele ano: cenário, luz e Melhor Atriz Coadjuvante para Da’Vine Joy Randolph, que interpretava Oda Mae Brown em seu primeiro (e único até agora) papel relevante. Ricardo Marques, que já produziu “Fame – O musical” no Brasil, assina com coragem sua terceira produção de espetáculo de grande porte e dá sinais de uma carreira meritosa por isso.

O delicioso trabalho de Ludmillah Anjos
Ludmillah Anjos
Como negativamente tem acontecido com frequência, a direção de José Possi Neto, nesse espetáculo, vai pelo caminho mais fácil em uma preguiçosa repetição do modelo. Os atores ficam virados para frente em quase toda a encenação, entradas e saídas de alguns elementos cenográficos que vêm de cima ou dos lados precisam dar conta da articulação das cenas, videografismos toscos se esforçam em melhorar o péssimo cenário e agudos apoteóticos têm a tarefa de, querendo valorizar a música (ou a defesa delas), garantir o ritmo. É como se, para Possi Neto, fosse fácil fazer um grande espetáculo como esse a partir da simples justaposição de várias ações isoladas que, em conjunto, poderiam oferecer o mínimo de aplauso. Isso não é outra coisa que não um barateio do projeto.

Apoiados respectivamente na habilidade para a dança e na importância do personagem para a narrativa, Rafael Machado (o Fantasma do Trem) e Igor Miranda (Carl) quase não trazem nada de relevante aos personagens em atuações mecânicas e sem vida. Dentro das poucas possibilidades, o mesmo não se vê no coro e em Franco Kuster (o assaltante Willie) que visivelmente procuram explorar oportunidades com galhardia. André Loddi (Sam), no papel protagonista, sofre com uma voz mais grave em partitura cheia de agudos, mantendo seu grande carisma e a riqueza do personagem no coração do público.

Giulia Nadruz (Molly) apresenta um belíssimo trabalho em “Ghost – O musical”. Sua personagem é difícil devido ao seu excesso de regularidade: ela aparece feliz na abertura da peça e depois, quase sem variações, guarda o luto. Esse desafio torna a vitória da intérprete ainda mais saboroso. Em primeiro lugar, Nadruz tem uma encantadora voz lindamente bem afeiçoada à personagem. Depois, a redução positiva de movimentos – em um elogio à direção –, impondo à atriz maior responsabilidade no canto, não só não é prejudicial, mas parece ser seu valor maior. Tensiona-se assim a ação com vistas às explosões que aparecem no início e no fim da encenação.

Para além de tudo, ao lado dos méritos do roteiro, está a participação de Ludmillah Anjos (Oda Mae Brown). Ela, considerada a coragem inicial do feito, dá vida no teatro a um personagem que deu à Whoopi Goldberg o seu segundo Globo de Ouro e único Oscar e à Da’Vine Joy Randolph a indicação ao Tony. Se há referências a esses trabalhos na composição da personagem por essa atriz, há muita originalidade nela também. Excelente potência e afinação vocal, vibrante ritmo para a comédia e íntima relação com o público, são dela os mais sonoros aplausos da plateia paulista. Eis um delicioso trabalho de destaque!

Muitos problemas nos elementos estéticos
“Ghost – O musical”, como já dito acima, tem más contribuições do cenário de Renato Theobaldo e de Beto Rolnik e do videografismo de Zachary Borovay. Móveis isolados estão ao lado de construções de extremo mal gosto que parecem querer cumprir sua função de qualquer jeito. Destacam-se negativamente a sala de trabalho de Carl e o consultório de Mae Brow, esse que mais parece um cenário de “O Rei Leão” estranhamente. Esses quadros não são piores, porém, que uma estrutura de ferro coberta de pano que entra em pseudo-stravaganza em um número de Brown. A baixíssima definição dos vídeos projetados depõe contra o todo ao longo de toda a encenação.

O desenho de luz de Paul Miller está longe de aproveitar as possibilidades do Teatro Bradesco e, nesse mesmo sentido, o desenho de som de Gabriel D’Ângelo e de Gabriel Bocutti prejudica o trabalho dos atores, sobretudo o de André Loddi. As vozes do coro parecem estar no mesmo nível que as dos protagonistas de modo que as frases principais das canções frequentemente se embaralham com as outras. O figurino de Miko Hashimoto e o visagismo de Simone Momo são os elementos estéticos com melhores resultados. Vale citar a caracterização de Mae Brown e o figurino final de Sam, esse último com enorme participação no ápice da narrativa.

Quanto à versão brasileira de Ricardo Marques, há uma confusão cronológica. Em dado momento, a narrativa cita o início dos anos 2000, mas não aparecem telefones celulares, assim como os figurinos e o mobiliário remetem ao fim do século XX. As letras, considerado o ineditismo das canções, apresentam bom resultado, contribuindo bem para a diegese.

Bom espetáculo!
Como o filme, “Ghost – O musical” emociona o público, divertindo-o e fazendo pensar. Todos os problemas apontados não tiram o brilho final dessa história que permanece sendo bem contada pelo ótimo conjunto de elenco que essa montagem tem. É um bom espetáculo que vale a pena ser visto.

*

Ficha técnica

Elenco
Sam Wheat: ANDRÉ LODDI
Molly Jensen: GIULIA NADRUZ
Carl Bruner: IGOR MIRANDA
Oda Mae Brown: LUDMILLAH ANJOS
Willie e Ensemble: FRANCO KUSTER
Clara e Ensemble: JOSI LOPES
Louise e Ensemble: AGATA MATOS
Fantasma do Metrô e Ensemble: RAFAEL MACHADO
Fantasmas do Hospital e Ensemble: ARÍZIO MAGALHÃES, LOLA FANUCCHI E BNER DEPRET
Ensemble: RODRIGO GARCIA, FERNANDO MARIANNO, JOHNNY CAMOLESE, DÉBORA VENEZIANI, PAMELLA MACHADO e MARISOL MARCONDES
Swings: RENATO BELLINI e THAIS PIZA
Swing e Dance Captain: ANELITA GALLO

Equipe Criativa
Texto e Letras Originais: BRUCE JOEL RUBIN
Música e Letras Originais: DAVE STEWART e GLEN BALLARD
Música Unchained Melody: HY ZARET e ALEX NORTH
Versão Brasileira: RICARDO MARQUES
Direção: JOSÉ POSSI NETO
Assistente de Direção: VANESSA GUILLEN
Direção Musical: PAULO NOGUEIRA
Assistentes de Direção Musical: RODOLFO SCHWENGER e ANDREI PRESSER
Direção de Movimento e Coreografias: FLORIANO NOGUEIRA
Assistente de Direção de Movimento e Coreografia: ANELITA GALLO
Cenógrafo: RENATO THEOBALDO
Cenógrafo Associado: BETO ROLNIK
Figurinista: MIKO HASHIMOTO
Visagismo: SIMONE MOMO
Designer de Som: GABRIEL D’ÂNGELO
Designer de Som Associado: GABRIEL BOCUTTI
Designer de Luz: PAUL MILLER
Designer de Luz Associado: JOSEPH BEUMER
Designer de Projeção e Vídeo: ZACHARY BOROVAY
Designer de Projeção e Vídeo Associado: WLADIMIRO A. WOYNO R.
Ilusionista: MICHAEL KEATING
Direção Artística: LÉO ROMMANO E RICARDO MARQUES

Produção
Produtor Geral: RICARDO MARQUES
Supervisor de Produção: COLIN INGRAM
Diretor de Produção: LÉO ROMMANO
Gerente de Produção: MANU FIGUEIREDO
Marketing e Mídias Sociais: FELLIPE GUADANUCCI
Company Manager: LUANNA PEREZ
Production Stage Manager: GABRIEL AMATO
Stage Managers: MILA FOGAÇA e NAILTON SILVA
Diretor Técnico: CARLOS PEIXOTO
Coordenação Administrativa e Financeira: GLÁUCIA FONSECA
Assistentes de Produção: GERARDO MATOS e ANA DULCE PACHECO
Suporte Geral: MARCOS ZAMARO

quarta-feira, 7 de setembro de 2016

Show em Simonal (RJ)

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Foto: divulgação



Ícaro Silva

O feliz reencontro do público com Ícaro Silva e com seu Wilson Simonal

Na ótima “Show em Simonal”, o ator Ícaro Silva retorna ao cantor brasileiro Wilson Simonal (1939-2000), lotando o Teatro Leblon onde a peça está em cartaz. Com sucesso, ele interpretou o mesmo personagem em 2015 no excelente espetáculo “S’imbora, o musical”. Essa nova montagem, que como a anterior é dirigida por Pedro Brício, porém privilegia o contato do público com o músico e com sua obra, dando menos força ao conflito dramático do texto de Nelson Motta e de Patrícia Andrade. Mesmo assim, e talvez mais, o público se diverte enquanto relembra e conhece faixa importante da história da nossa música aqui tão bem defendida. A produção, nessa primeira temporada, pode ser conferida até 2 de outubro.

Segundo espetáculo sobre Wilson Simonal
O cantor carioca Wilson Simonal surgiu através das mãos do produtor, compositor e apresentador de televisão Carlos Imperial (1935-1992) no início dos anos sessenta. Sucessos como “Nanã”, “Sá Marina”, “Chuva” e “Mamãe passou açúcar em mim” o levaram a um estrelato somente comparável (ou talvez maior) ao de Roberto Carlos naquele período entre bossa nova, jovem guarda e tropicalismo. “Não vem que não tem”, “Meu limão, meu limoeiro”, “País tropical” são canções que valem ser citadas também.

A derrocada de sua carreira começou por volta de 1970. Suspeitando de ser vítima de um desfalque em suas contas, o cantor iniciou um processo trabalhista contra seu contador, Rafael Viviani. Preso e torturado pelo DOPs - aonde os presos políticos da ditadura militar eram levados -, o contabilista denunciou depois o ex-patrão, acusando-o dele ter sido o mandante de um espancamento do qual sofreu por policiais. Por causa disso, no meio do período mais radical da história recente do país, Simonal foi associado pela classe artística ao governo do General Médici. Passou nove dias preso e o resto da vida condenado pela opinião pública, sem nunca mais conseguir retornar à fama.

A peça “S’imbora, o musical” tratava sobre o modo como os ânimos acirrados em período de radicalismos podem confundir negativamente política e arte. O espetáculo terminava com um convite para a reflexão sobre de que maneira essa associação pode ser injusta quando confere à parcialidade ares de visão plena. Interpretando Simonal, o ator Ícaro Silva levou em torno de cem mil pessoas ao teatro em várias capitais do país, sendo sua performance considerada um dos destaques do teatro em 2015 ao lado da de Thelmo Fernandes, que interpretava Carlos Imperial, e da de grande elenco. O feito esteve envolvido com a mais que valorosa recuperação da memória do artista, esse que foi um dos mais célebres cantores da música popular brasileira. 

Em “Show em Simonal”, Silva alterna o personagem título e uma versão dele próprio, apresentando a vida do cantor, mas também sua relação pessoal com a obra dele. O resultado é que, de maneira muito fluída, esse novo espetáculo aproxima o público do repertório musical de Simonal, contextualizando historicamente as canções, mas dando ênfase à alegria que elas sugerem. Dirigida por Pedro Brício, com roteiro adaptado por ele a partir da dramaturgia original de Nelson Motta e de Patrícia, essa segunda peça colhe méritos tão valorosos quanto os da anterior, mas por outros caminhos.

O brilho de Ícaro Silva
A direção de Pedro Brício, nesse segundo espetáculo, coerente com a proposta, faz o público pensar, em alguns momentos, que está em um show de Wilson Simonal. A banda, composta por Ananda Torres, Romulo Duarte e por Kim Pereira, está visível no palco ao longo da apresentação. O diálogo com quem assiste permanece aberto, propondo um clima que se mantém alegre principalmente para os interessados em se divertir. A direção musical, com vibrante qualidade técnica, é de Alexandre Elias.

Essencialmente pautada nas canções, essa nova peça tem seus melhores valores cênicos na atuação de Ícaro Silva e de Aline Wielwy, Ariane Souza e de Julia Gorman, essas que interpretam as “Simonetes”. O repertório delicioso, mas principalmente a técnica, a habilidade e o enorme carisma dos intérpretes garantem o sucesso do ritmo. O trio de backing vocals participa da ação, envolvendo a audiência no que parece ser as intenções da obra.

Ícaro Silva permanece apresentando aqui os mesmos ótimos valores na defesa do personagem título já apontados anteriormente, mas com mais responsabilidade e, por isso, maiores louros. Entre os vários méritos na interpretação dele, é possível que, para além proximidade conquistada com a plateia, o mais destacável seja o modo sensível como o ego do homenageado seja expresso. Na narrativa, a felicidade de Simonal em ver seu trabalho lhe rendendo atenções mundiais (e dinheiro) pode tê-lo impedido de perceber os problemas que nasciam na sua vida pessoal e profissional. E essa problemática, que é tão humana, o torna ainda mais querido para além da popularidade das canções do seu repertório. Silva expressa isso de maneira muito delicada e nobre.

Em cada sessão, há um(a) convidado(a) especial. Na que essa análise se dedica, a atriz Carla Daniel participou do show, encantando o todo.

Teatro lotado
Grande parte da equipe que assinou o espetáculo anterior está de volta em “Show em Simonal”. O cenário, também de Hélio Eichbauer, tem um telão que exibe passagens históricas da vida de Simonal. Elas, que são assinadas pelos videografistas Rico e Renato Vilarouca, colaboram para a construção do clima de show do projeto. Renato Vieira assina de novo as coreografias e a direção de movimento em um trabalho menor, mas não menos valoroso. O mesmo se pode dizer do desenho de luz de Tomás Ribas e do figurino de Marília Carneiro.

É bonito encontrar a plateia cheia e ouvir as pessoas comparando as duas montagens enquanto se divertem também nessa nova proposta. É Wilson Simonal brilhando de novo através de Ícaro Silva e de sua equipe. Sempre vale a pena!

*

FICHA TÉCNICA
Adaptação de texto e direção: Pedro Brício
Texto: Nelson Motta e Patrícia Andrade
Direção musical e arranjos: Alexandre Elias
Direção de movimento e coreografia: Renato Vieira
Cenografia: Hélio Eichbauer
Figurino: Marilia Carneiro
Designer de som: Marcelo Claret
Designer de Luz: Tomás Ribas
Direção e criação audiovisual / projeções: Rico Vilarouca e Renato Vilarouca
Fotografias: Leo Aversa
Produtora de elenco: Cibele Santa Cruz
Designer Gráfico: Márcio Oliveira
Comunicação Digital: Joana Tiso
Produção Geral: Luiz Oscar Niemeyer
Direção de Produção: Joana Motta
Coordenação de Marketing e Comunicação: Aline Santanna
Produção Executiva: Laura Storino
Diretor Assistente: Gustavo Wabner
Assistente de figurino: Michele Kisiolar
Realização: Bonus Track

Elenco: Ícaro Silva, Ariane Souza, Julia Gorman e Aline Wirley
Piano – Ananda Torres
Bateria – Kim Pereira
Baixo acústico – Romulo Duarte

EQUPE TÉCNICA:
Chefe de palco: Gilson Ferreira
Operador de som: João Gabriel Mattos
Operador de luz: Jarbas Sardinha
Operador de vídeo: Edmar da Rocha