quarta-feira, 31 de julho de 2013

Jim (RJ)

Renata Guida e Eriberto Leão em cena de "Jim"
Foto: divulgação
Uma sequência de equívocos

A peça “Jim” é uma sequências de equívocos, embora tenha excelente desenho de luz de Maneco Quinderé e brilhante interpretação da trilha sonora, cuja direção musical é de Ricco Vianna. Em cartaz no Teatro Leblon, o espetáculo comete o mesmo erro acontecido no ano passado quando houve uma produção sobre Michael Jackson. “Jim”, apesar do título, não é sobre o músico e poeta Jim Morrison (1943-1971), mas sobre um brasileiro chamado João Mota que acredita ser o cantor famoso. O texto de Walter Daguerre apresenta vários problemas que a encenação dirigida por Paulo de Moraes não resolve. As interpretações de Eriberto Leão e de Renata Guida vão pouco além do superficial infelizmente. A seguir, a análise em mais detalhes. 

Na situação escrita por Daguerre, João Mota está diante do túmulo de Jim Morrison. Se, no início, ele mostra acreditar ser a reencarnação do músico, no final, ele afirma precisar abrir o túmulo para certificar-se de que Jim realmente morreu. Ora, as duas teses são contraditórias já que, segundo o espiritismo, alguém vivo não pode reencarnar. Logo, se há dúvida de que Jim está vivo, deve haver também a dúvida de que o protagonista é sua reencarnação. No mesmo sentido, os argumentos são tão confusos quanto as teses: João Mota, o personagem, nasceu em Brasília, 49 dias após a morte de Morrison. Os monges tibetanos acreditam que esse tempo é o necessário para alma humana reencarnar. A ciência prova que é no 49o dia de gestação que aparece, no embrião, a glândula pineal (o centro do cérebro humano, a maior concentração de sangue e, por isso, onde há o maior fluxo de energia) e também se define o sexo do bebê. A questão é que o americano Morrison morreu em Paris e, 49 dias depois, nasceram milhares de meninos na França, nos Estados Unidos e no mundo inteiro. Por outro lado, João Mota é também músico, casado e pai de filhos, morador, na adultez, do Rio de Janeiro. Desde a cena inicial, ele está bebendo whisky e estabelecendo um jogo consigo e com o espírito de Jim Morrison, com quem ele acredita conversar, de roleta russa. Uma bala é posta na badeja e, de vez em vez, o gatilho é apertado. Tanto o álcool quanto o suicídio são condenados pelo espiritismo (mesmo em cerimônias como umbanda e candomblé, usa-se de álcool com moderação). O programa da peça traz outra justificativa: a esquizofrenia de que pode sofrer João Mota. Esse argumento será tratado mais adiante. 

Renata Guida interpreta uma segunda interlocutora com quem Mota conversa. Ela não tem nome, mas pode ser a esposa do protagonista, a Pamela Courson (a namorada de Jim Morrison, que estava com ele em Paris, quando ele morreu), a cantora Marianne Faithfull (que estava hospedada no mesmo hotel e pode ter sido quem vendeu heroína ao músico, numa das versões nunca comprovada) e também simplesmente uma materialização da Mãe Natureza, do Universo ou de alguma entidade qualquer. O fato é que todo o diálogo que essa personagem estabelece com João Mota é uma coleção de clichês que parecem ter sido tirados de livros de auto-ajuda, tais como: é preciso sofrer para valorizar o prazer, a culpa ou o mérito do passarinho que leva água para o incêndio na floresta, etc. No entanto, a personagem de Guida tem relevância porque é ela quem “salva” (é preciso ver a peça para saber como isso se dá) João Mota no final da história. Esse “salvamento”, porém, nada tem a ver com qualquer tipo de terapia psicológica ou psiquiátrica, de forma que o argumento da esquizofrenia é ou o reflexo de um desconhecimento dessa doença (grave) de que sofrem tantas pessoas no mundo ou o tipo de justificativa completamente falsa. 

Eriberto Leão repete o mesmo tipo de entonação, sempre começando com mais graves e terminando com mais agudos regularmente em suas falas. O volume da voz varia do sussurro ao grito e do grito de volta para o sussurro, em que os olhos estão sempre fixos, a tez sem expressão, o quadril encaixado e o peso sobre uma das pernas. Há sensualidade, mas não há carisma, de forma que sua construção de Jim Morrison não agradou nem mesmo os fãs que gritavam o nome “Jim!”, “Jim!”, “Jim!” antes da sessão começar. Não há, em Leão, marcas suficientes que ajudem o espectador a discernir quando é Morrison, quando é Mota, exercício que garantiria uma fruição mais clara além de um ótimo desafio para o intérprete. Renata Guida, em insólito desafio de dar vida a uma figura sem forma, está apagada até mesmo em seu momento mais sensual na cena. 

Sem referência com o original, o cenário de Paulo de Moraes, composto por um piano de cauda em diagonal e pelo desenho do espaço com microfones em pedestais, é belíssimo, porque simples e, ao mesmo tempo, potente. Pena que nele não haja uma boa história a perambular. A trilha sonora é executada ao vivo por José Luiz Zambianchi (teclado), Felipe Barão (guitarra), Rorato (bateria), além de Eriberto Leão (voz). O resultado é positivo. 

Costurando uma miscelânea de frases e de textos célebres das músicas e dos poemas do vocalista da banda The Doors, o texto de Daguerre não informa ao público nem sobre a história do artista, nem sobre aspectos de sua arte. Tampouco a encenação de de Morais representa a contento esse ícone da cultura contemporânea. Uma pena! 

*

FICHA TÉCNICA
Texto: Walter Daguerre
Direção: Paulo de Moraes
Elenco: Eriberto Leão e Renata Guida
Músicos: José Luiz Zambianchi (teclado), Felipe Barão (guitarra) e Rorato (bateria)
Direção musical: Ricco Vianna
Cenografia: Paulo de Moraes
Figurinos: Rita Murtinho
Iluminação: Maneco Quinderé
Programação Visual: Walter Daguerre
Fotografia: Marcelo Faustini
Produção executiva: Carolina Consani e Roberta Marinho
Produção e Assessoria de imprensa: Barata Comunicação
Equipe Barata Comunicação: Produtores: Elaine Moreira e Bruno Luzes
Financeiro: Mádia Barata
Imprensa: Priscilla Santos

terça-feira, 30 de julho de 2013

Vermelho amargo (RJ)

Diogo Liberano e Davi de Carvalho em cena
Foto: Anna Clara Carvalho

O teatro refinado da excelente literatura

A peça “Vermelho Amargo” parte do livro homônimo com elogiosa e merecida reverência. Diogo Liberano e Dominique Arantes, que assinam a adaptação do romance de Bartolomeu Campos de Queirós (1944-2012), parecem saber que, no caso desse trabalho, há pouco para o teatro fazer que não curvar-se. Escrito um ano antes de seu falecimento, o livro ratifica o pertencimento do escritor mineiro no grupo das grandes letras brasileiras, ele que é mais conhecido por suas obras infanto-juvenis. Em “Vermelho Amargo”, ao longo de sessenta páginas, o leitor tem outro tipo de literatura: trata-se de um conto alargado, cuja estrutura é vertical e bastante lírica, nas quais o narrador protagonista desvenda suas memórias em relação à mãe. Interpretado por Daniel Carvalho de Faria, por Davi de Carvalho e por Liberano, dirigidos pelo último com assistência de Arantes, a peça é uma boa viagem através das imagens, das texturas, dos sabores, dos cheiros e dos sons de Queirós, que resulta num todo harmônico, potente e bastante rico. Em cartaz na Sala Multiuso do Sesc Copacabana, na zona sul do Rio de Janeiro, o espetáculo vale a pena ser visto sobretudo por homenagear um autor bastante importante cuja obra é tão fundamental. 

O erro que normalmente acontece com adaptações de Caio Fernando Abreu e de Clarice Lispector não aconteceu aqui (como recentemente também não em uma peça a partir de um conto de Ronaldo Corrêa de Brito). Assim como é possível enxergarmos um certo “exagero de teatralidade”, que acabam por se tornar assinaturas estéticas de certos encenadores (Bob Wilson, Gabriel Villela, João Falcão, Zé Celso, por exemplo), também alguns escritores têm uma caligrafia literária muito peculiar. Em “Vermelho Amargo”, as palavras que constroem as frases são ganchos sensoriais bastante fortes: o gosto, o som, a textura das coisas se engendram construindo significados muito ricos, porque muito delicados. Ele escreve como se esculpisse detalhe por detalhe, deixando o texto exigir um tipo de leitura que deve ser atenciosa, lenta, paciente. Daí o mérito da humildade de Liberano e de Arantes em trazer para o palco essa estrutura que, na sua atualização primeira, já é pesada. Há pouco movimento, quase nenhum gesto, os tons de vozes são baixos, as entonações regulares, os olhares próximos do neutro. No palco, uma vastidão vermelha dá lugar para o branco (Bia Junqueira), enquanto o narrador veste cores escuras (Julia Marini), a trilha sonora é repetitiva ao ponto de desaparecer (Felipe Storino) e a iluminação (Daniela Sanchez) é sóbria. Positivamente, tudo se curva para a força das palavras e, nessa reverência, torna-se grande. 

O mote da narrativa é o como a madrasta do protagonista corta o tomate. Essa imagem vai se tornando cada vez maior, porque vai ganhando mais importância sobretudo quando é lembrada a forma como a mãe já falecida tratava os alimentos. Sempre que se fortalece positivamente a imagem da mãe, fortalece-se negativamente a figura da madrasta e, nesse vai e vem, o protagonista diz de si mesmo, sua visão de mundo, de suas relações com outros familiares, com o amor. Diferente da crônica, que é um recorte horizontal, o fluxo narrativo do conto é vertical. A ênfase não está nos fatos, mas na profundidade dos acontecimentos. Daí que o modo como uma mulher corta uma fruta tem tanta valorização. Na peça “Vermelho Amargo”, o fino carpete vermelho é cortado, mas felizmente o gesto não serve como ilustração. Tudo o que acontece em cena parece funcionar como respiro para as imagens que se constroem na audição do texto, como um ballet que não canta a música da melodia, tampouco a retrata, mas dá a ver algo que, porque visto, auxilia na imagem do que é ouvido. 

O movimento da narrativa é pesado, lento e interessante e exige uma plateia atenta, refinada, com ouvidos sutis. “Vermelho Amargo”, em cada parte, enobrece o teatro quando e porque coroa a literatura. 

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Equipe de Criação

Autor
Bartolomeu Campos de Queirós

Adaptação
Diogo Liberano
Dominique Arantes

Direção
Diogo Liberano

Diretora Assistente
Dominique Arantes

Elenco
Daniel Carvalho Faria
Davi de Carvalho
Diogo Liberano

Colaboração
Vera Holtz

Cenografia
Bia Junqueira

Assistente de Cenografia
Elsa Romero

Cenotécnico
Adílio Athos

Cenotécnico Assistente
Eduardo Andrade

Iluminação
Daniela Sanchez


Operador de Luz
Rodrigo Lopes

Figurinos
Júlia Marini

Confecção dos Figurinos
Ateliê Fátima Leo

Trilha Sonora
Felipe Storino

Cantora
Gabriela Geluda

Operador de Som
Philippe Baptiste

Direção de Movimento
Caroline Helena

Oficina Contato Improvisação
Cláudio Dias

Fotografia
Anna Clara Carvalho

Designer Gráfico e Ilustrador
André Coelho

Preparação Vocal
Verônica Machado

Assessoria de Imprensa
Uns Comunicação
Alan Diniz + Sidimir Sanches

Produção Executiva
Lívia Ataíde

Direção de Produção
Tamires Nascimento

Idealização
Daniel Carvalho Faria, Davi de Carvalho e Diogo Liberano

Realização
companhia abertaTravessia Produções

Bette Davis e a Máquina de Coca Cola (RJ)

Anderson Cunha, César Amorin e Carine Klimeck em cena
Foto: divulgação

Excelente comédia em cartaz

“Bette Davis e a Máquina de Coca Cola” é um alívio para quem gosta de comédia com conteúdo, isto é, que não seja só entretenimento. Escrito por Renata Mizhari, a partir do esquete homônimo de Jô Bilac, este é o sétimo espetáculo da Companhia Teatro dos Nós, fundada em 2005. Em cartaz no Teatro da Casa de Cultura Laura Alvim, em Ipanema, zona sul do Rio de Janeiro, a peça diverte a partir dos muitos tipos de síndromes vividas pelo homem moderno. Interpretadas por Anderson Cunha, Carine Klimeck e por César Amorin, as figuras sugerem o absurdo do comportamento humano diante de tantas demandas sociais e politicamente corretas. A direção de Diego Molina faz parecer indissociáveis texto e interpretação nessa comédia hilariante e, por isso, muito bem vinda de volta a cartaz. 

No filme “O que terá acontecido a Baby Jane”, dirigido por Robert Aldrich (a partir do livro de Henry Farrell), lançado em 1962, Bette Davis (1908-1989) dividia a cena com Joan Crawford (1905-1977), as duas antigas estrelas rivais respectivamente dos estúdios da Warner e da MGM. Na história, Davis interpreta o papel título, a personagem de uma mulher que foi famosa quando criança. Crawford faz a irmã de Jane, Blanche Hudson, cuja fama foi muito maior do que a da irmã até ser encerrada por um acidente que a deixou sem poder movimentar as pernas. Disposta a retomar sua suposta carreira, Jane aprisiona a irmã em situações que, durante as filmagens, foram alvo de muitos comentários por causa da rixa entre as duas grandes atrizes. O vínculo desse filme com a peça aqui em questão vem do fato conhecido acontecido nessas gravações. Crawford era viúva de Alfred Steele, maior acionista da Pepsi Cola. É provável que, por isso, Davis tenha exigido uma máquina de Cola Cola dentro do estúdio por provocação. A síndrome de Bette Davis, assim, seria a dificuldade de uma pessoa de se desvincular da infância, pois Jane Hudson, já em idade avançada, quer voltar a fazer os mesmos shows que fazia quando garota, usando os mesmos vestidos cor-de-rosa. Além dessa síndrome, há outras como, por exemplo, o Complexo de Godia (rir sem parar), a Síndrome do Papagaio (repetição de frases feitas e ditos populares), o Ápice de Kouski (cantar em momentos inapropriados) ou a Síndrome do Manifestante do Facebook, que recusa explicações. 

No elenco, Cunha e Amorin estão excelentes, mas Klimeck merece destaque sobretudo em função de um monólogo brilhantemente interpretado que acontece no meio da peça. Os três ótimos atores estão bem dirigidos por Molina de jeito que suas interpretações oferecem um jogo à cena que movimenta a narrativa, trazendo sempre e de forma crescente uma evolução que é bastante rica. Sempre há surpresas, mantendo a coerência e bem articulando o todo, que alimentam o público, esse mantido ávido por mais. O final, que vem na hora certa, demonstra uma inteligente concepção, coroando os ótimos usos de todas as opções estéticas. 

Destaca-se em “Bette Davis e a Máquina de Coca Cola” o cenário de Molina e o figurino (também direção de arte e programação visual) de Bruno Perlatto, porque ambos, com uma paleta de cores entre o bege, o verde e o vermelho, oferecem um pouco de ordem no caos já proposto pelo texto e pela encenação. Com isso, há o aponte para o que é realmente centro no espetáculo, manifestando positiva hierarquização dos sentidos. A iluminação de Anderson Ratto e a trilha sonora de Isadora Medella também são elementos tão bem articulados com a cena que positivamente desaparecem e, por tal contribuição, merecem aplausos. 

Eis aqui mais uma belíssima produção com as assinaturas de Bilac, Mizhari e de Molina que engradece a programação teatral carioca. A ser conferida!

*

FICHA TÉCNICA:
Texto: Renata Mizrahi e Jô Bilac
Colaboração: Anderson Cunha, Carine Klimeck, César Amorim e Diego Molina
Direção e Cenografia: Diego Molina
Assistência de direção: Renata Mizrahi
Elenco: Anderson Cunha, Carine Klimeck e César Amorim
Stand-in: Verônica Rocha
Figurinos, Direção de Arte e Programação Visual: Bruno Perlatto
Iluminação: Anderson Ratto
Visagismo: Sid Andrade
Direção de movimento: Juliana Medella
Trilha sonora: Isadora Medella
Assistência de Trilha Sonora: Felipe Ridolfi
Operação de luz: Felipe Coquito e Romiro Vasques
Contrarregra: Gleice Caxias
Assessoria de imprensa: Sheila Gomes
Direção de produção: Maria Alice Silvério Lima
Assistência de produção: Juliana Trimer
Produção e Realização: Companhia Teatro de Nós

segunda-feira, 29 de julho de 2013

Adágio (RJ)

As interpretações de Márcio Nascimento e Suzana Castelo
ficam em segundo plano em "Adágio"
Foto: Jackeline Nigri

Técnica pela técnica

Em “Adágio”, dois elementos chamam negativamente muito a atenção: o uso de um boneco como intérprete de um dos personagens centrais da história e a trilha sonora interpretada ao vivo em cena. Nenhum dos dois são teatrais (Teatro é quando um ator (A) interpreta um personagem ou figura (B) diante de um público (C)). Assim, durante todo o tempo da encenação, o público fica perdido a procura de um sentido que justifique narrativamente a opção pelo boneco ao invés de uma atriz para o papel da Mãe e se embevece pelas músicas tocadas, essas mais interessantes do que a história da qual fazem parte. Dirigido por Gustavo Bicalho e por Henrique Gonçalves, a peça veio a partir de um conto homônimo de Mauro Siqueira. A produção, em cartaz no CCBB do Rio de Janeiro, é da Artesanal Companhia de Teatro

No passado, a Mãe surpreendeu o Filho (Márcio Nascimento) e a Amiga (Suzana Castelo) juntos em um dos quartos da casa. Começou uma discussão que resultou em um acidente. Mãe e Filho passaram, desde então, a ser prisioneiros de uma casa em ruínas que recebe, inadvertidamente, a constante visita dessa Amiga, agora adulta. Ela ainda ama o velho amigo, embora ele a culpe por suas desgraças. A sugestão de uma história que parta desse mote não se desenvolve. A história não anda e só cresce na medida em que o passado se deixa conhecer em detalhes: ou seja, se anda, é para trás. 

Márcio Nascimento é quem articula o boneco assinado por Alexandre Guimarães e por Bruno Dante, cujos detalhes são bastante bons. O gesto é visualmente bonito, mas não se explica no contexto da narrativa. Não é, afinal, a Mãe quem manipula o filho (no caso do boneco, em cena, ser metáfora para jogo de comportamento em que um domina o outro), mas o Filho quem sucumbe a própria culpa. Cogita-se, também, a possibilidade de tudo ser uma fantasia de uma suposta loucura do Filho, mas a possibilidade também se desfaz. Nesse sentido, a cada cena, o espectador investiga a obra em busca de explicações, mas não encontra. Nascimento e Castelo, em interpretações realistas, não conseguem vencer o difícil desafio de chamar mais a atenção que um boneco em cenas que estão ao som de um violoncelo. A direção de Bicalho e de Gonçalves fracassa porque a dupla não articula os elementos de forma hierárquica, como convém ao teatro dramático proposto. 

A estética visual e sonora de “Adágio” é positiva. Os figurinos de Fernanda Sabino e de Henrique Gonçalves, bem como o cenário de Carlos Alberto Nunes e o desenho de luz de Jorginho de Carvalho, tendem ao monotom, o que é positivo porque auxilia a concentrar. A direção musical de Daniel Belquer (o violoncelo é lindamente interpretado por Márcio Malard) é uma obra a parte, um concerto que não interage com a peça, mas se impõe a ela. 

A pesquisa de linguagens a partir do uso de elementos é bem vinda no teatro experimental. Talvez esse seja o caso de “Adágio”. O público precisa, porém, ser avisado. 

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Ficha técnica:
Texto: Gustavo Bicalho e Mauro Siqueira
Elenco: Márcio Nascimento e Suzana Castelo
Violoncelo: Márcio Malard
Direção: Gustavo Bicalho e Henrique Gonçalves
Direção Musical: Daniel Belquer
Seleção Musical: Daniel Belquer e Márcio Malard
Fala Cênica: Elena Constantinovna Gaissionok
Preparação corporal: Paulo Mazzoni
Figurinos: Fernanda Sabino e Henrique Gonçalves
Boneco: Alexandre Guimarães
Assistentes: Gabi Windmüller e Alberta Barros
Escultura da cabeça: Bruno Dante
Cenografia: Carlos Alberto Nunes
Desenho de luz: Jorginho de Carvalho
Assistente: Poliana Pinheiro
Operador: Rodrigo Belay
Assessoria de imprensa: Mônica Riani
Projeto Gráfico: Maurício Grecco
Produção: Marta Paiva
Direção de Produção: Henrique Gonçalves
Projeto e Idealização: Márcio Nascimento
Realização: Artesanal Cia. de Teatro

Os sapos (RJ)

Paula Sandroni (Fabiana) e Peter Boos (Cláudio)
têm excelentes participações

Foto: divulgação

Um ótimo espetáculo sobre as prisões nossas de cada dia

“Os Sapos” é um ótimo espetáculo que cumpriu a primeira temporada no Galpão das Artes do Espaço Tom Jobim do Jardim Botânico, na zona sul do Rio de Janeiro. Com texto de Renata Mizrahi e direção dela e de Priscila Vidca, a peça trata do quão podemos ser vítimas de nossos próprios atos. Em uma casa de campo, dois casais evidenciam a prisão a que eles mesmos se submeteram, refugiando-se em suas próprias inseguranças. Com diálogos e situações cômicas, o riso vêm como respiro bem vindo ao drama realista com o qual facilmente é possível se identificar. Com ótimas interpretações, o espetáculo tem excelente trilha sonora de Marcelo Alonso Neves e cenário de Nello Marrese. 

Luciana (Gisela de Castro) é dona de uma casa de campo para onde vai com Marcelo (Ricardo Gonçalves), que não trabalha, com quem vive há anos mesmo sem nenhum compromisso claramente firmado entre eles. Nesse lugar afastado, eles são vizinhos de Cláudio (Peter Boos), um músico que faz shows quase sempre sem público em um bar local, e de Fabiana, que trabalha numa loja de roupas caras. A história começa com a chegada de Paula, amiga de infância de Marcelo, que foi convidada por ele, a quem não via há vinte anos. Enganada, ela pensava que estaria ao lado dos antigos colegas de turma, evento que lhe ajudaria a esquecer o relacionamento que ela recém terminou. A “estranha” causa reações diversas em cada um dos personagens: atração sexual, ciúmes, medo, escape. 

A partir de uma leitura superficial, é possível pensar no texto como uma postura machista diante das relações, em que os homens dominam as mulheres. Felizmente, “Os Sapos” não é mais uma peça sobre relacionamentos, porque o enfoque não está no quão ligado está alguém a outro, mas no quão vítima cada um é dos seus próprios atos, de suas escolhas, de suas omissões. Todos os personagens tiveram a oportunidade de se libertar, mas apenas um deles teve essa coragem: um casamento não acontecerá, um show também não, um livro não será publicado e o sexo continuará sem sabor. 

Enquanto montagem, talvez, a única opção estética que atrapalhe a fruição seja a inexistência de cheiros. O realismo emperra na ausência de cafés, vinhos, batatas, fogueira, batidas. Por outro lado, os sutis figurinos de Bruno Perlatto e o desenho de luz quase inaparente de Renato Machado são bastante positivos porque apontam para a trama. Nello Marrese e Marcelo Alonso Neves trazem grandes contribuições com o resultado estético em termos de cenário e de trilha sonora: há beleza, sensibilidade e conteúdo.

Peter Boos e Paula Sandroni, apesar de terem participações um pouco menores, têm grandes momentos de interpretação, com sutilezas em meio ao caos, com intenções bem postas, pausas adequadas e com gestos sutis. Verônica Reis tem ótimas expressões faciais, pontuando sua participação com a crítica que sua personagem exige e a narrativa requer. O todo tem ótimo resultado de direção de Renata Mizrahi e de Priscila Vidca com assistência de Juliana Brisson. Felizmente, a peça está para voltar a cartaz no Teatro da Casa de Cultura Laura Alvim. A ser visto! 

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FICHA TÉCNICA
Texto e concepção: Renata Mizrahi
Direção: Priscila Vidca e Renata Mizrahi
Elenco: Gisela de Castro, Paula Sandroni, Peter Boos, Ricardo Gonçalves e Verônica Reis
Stand- in: Natasha Corbelino
Assistência de direção: Juliana Brisson
Figurinos: Bruno Perlatto
Cenário: Nello Marrese
Assistente cenografia: Lorena Lima
Iluminação: Renato Machado
Trilha sonora: Marcelo Alonso Neves
Fotos: Clara Linhart
Direção de produção: Sandro Rabello,Maria Alice Silvério Lima e Neila de Lucena
Produção Administrativa: Alan Isidio
Realização: Renata Mizrahi e Diga Sim! Produções

O patrão cordial (SP)

Ney Piacentini em excelente trabalho de interpretação

Foto: divulgação

A excelência da delicadeza

Talvez a principal qualidade do belo espetáculo “O patrão cordial” seja a sua simplicidade aparente. Quanto mais simples o teatro parece, mais sabemos o quanto ele é complexo e é nisso, e não na forma, que está o ideal do teatro épico de Brecht. Dirigido por Sérgio de Carvalho, esse novo espetáculo da Companhia do Latão, de São Paulo, surge a partir de duas obras literárias: “Raízes do Brasil”, de Sérgio Buarque de Holanda; e “O Senhor Puntila e seu criado Matti”, do dramaturgo e diretor alemão Bertolt Brecht. Vale ver o quanto os recursos cênicos são poucos mostrados, o que faz com que as relações que unem os personagens através do espaço e do tempo sejam tão essenciais. Vale aplaudir também a interpretação do conjunto de atores, mas sobretudo de Ney Piacentini (Cornélio) e de Helena Albergaria (Vidinha). A peça está em cartaz até o próximo domingo (28 de julho) no CCBB do Rio de Janeiro onde estreou. 

Alguns estrados, lona verde no piso, figurinos sem grandes marcas aparentes, trilha sonora comentando as cenas sem chamar muito a atenção. Muitos silêncios, olhares fortes, pausas cheias de palavras não ditas. As relações de cordialidade e de tirania se misturam assim, construindo os personagens humanos cuja história se conta. Cornélio (Piacentini) é dono de uma fazenda com muitas cabeças de boi. Quando bebe, faz promessas, afaga os empregados, contrata pessoas. Quando sóbrio, a barbárie impera e a divisão das classes se faz ver. Quando ele é ele mesmo e quando está interpretando um personagem? Essa dúvida paira sobre estruturas muito sutis e, por isso, tão belas. Eis aí um cristal muito delicado. 

A direção de Sérgio de Carvalho pontua a cena com muita segurança e sem nenhum histrionismo. A história forte parece se contar sozinha: movimentos leves, gestos bem postos, excelente articulação entre trocas de cenário e de luz e entre evolução da trilha sonora e dos diálogos. Carlos Escher interpreta o sensível Descalcinho, Rony Koren dá delicadeza ao rústico Chalton, Renan Rovida, com muita sutileza, faz múltiplos personagens, cada um repleto de fortes características. Ricardo Monastério (Noivo), Adriana Mendonça (Criada), Rogério Bandeira (Motorista) e principalmente Helena Albergaria (Noiva) dosam bem as informações que “soltam” ao público a respeito de seus personagens, contribuindo, dessa forma, com o bom ritmo e a ideal sustentação para a narrativa. Ney Piacentini está excelente na construção de Cornélio, figura em torno da qual gira toda a história. Ele é o homem ao qual devemos amar e que também odiar, de quem temos que nos defender e o qual devemos fazer surgir. Diferente do épico literário, o épico teatral de Brecht é a manifestação da cruzada que o espectador faz diante da história a que se assiste (e não a aventura do herói na trama que se lê). E atravessar esse tortuoso caminho, porque muito cheio de contradições, é a delícia de se ver essa peça, de participar desse medo do chefe e de vibrar com esse carinho do patrão. 

Os demais elementos - trilha sonora (Martin Eikmeier), iluminação (Melissa Guimarães), elementos cenográficos e figurinos (Cássio Brasil) - são todos bem articulados justamente porque se apagam com a força das relações e se deixam ver quando é necessário respirar para um novo ato. O teatro assim se faz todo em uma só peça. Brilhante!

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FICHA TÉCNICA

Encenação e dramaturgia: Sérgio de Carvalho

Elenco:
Adriana Mendonça
Carlos Escher
Helena Albergaria
Ney Piacentini
Renan Rovida
Ricardo Monastero
Rogério Bandeira |
Rony Koren

Direção musical e composição: Martin Eikmeier
Execução musical: Alessandro Ferreira e Martin Eikmeier
Cenografia e Figurinos: Cassio Brasil
Assistência de Cenografia: Ana Rillo e Tarsila Martins Maia
Cenotecnia: Waldomiro Paes
luminação: Melissa Guimarães
Operação de iluminação: Larissa
Assistência de direção e dramaturgia: Paula Bellaguarda e Sara Mello Neiva
Produção: João Pissarra

sábado, 27 de julho de 2013

Brainstorming Anônimos (RJ)

Pedro Aquino, à direita, mostra excelente trabalho
Foto: divulgação

A honestidade de jovens atores mostrando o seu trabalho

Em “Brainstorming Anônimos”, um grupo de atores está ensaiando uma peça escrita por uma das personagens-atrizes. Há um roteiro a ser seguido, mas ele não é fixo, dando margem para momentos em que se vê o ponto de vista dos jovens por volta de 20 anos dissertando acerca da própria vida (relação com os pais, com o dinheiro e com a sexualidade) e da carreira profissional artística (o teatro, a TV, a fama, a disciplina). Dirigida por Bia Oliveira,  a peça tem dois grandes valores: o carisma do ator Pedro Aquino e a energia do conjunto do elenco que contagia a plateia. A peça está em cartaz no Teatro Clara Nunes, no Shopping  da Gávea, zona sul do Rio de Janeiro.

“Brainstorming Anônimos” não é um grande espetáculo em nenhum dos seus termos, mas é meritoso por sua honestidade em não prometer nada que realmente não oferece. Escrita pela atriz Carla Vilardi (que também interpreta o papel da atriz-dramaturga), a peça deixa de ser sobre adolescentes e seus pais e passa a ser sobre jovens e independência financeira. Depois, a relação entre meninos e meninas, a homo e a heterossexualidade, como é ser ator de teatro hoje em dia, o que cada um imagina sobre o que é ser famoso, etc, etc, etc. Nessa galeria de situações, os atores (Vilardi, Aquino, Lu Rocha, Mari Rizzo, Victor Paes Leme, Luca Pougy e Ricardo Vianna) se sucedem na interpretação dos personagens, construindo situações com as quais se identificam os jovens e faz lembrar aqueles que já passaram por isso. Mérito da direção de Oliveira, alguns momentos são bastante cômicos, embora eles assim o sejam em função da construção de tipos farsecos (um gênero de interpretação a ser respeitado), que fazem rir justamente pela sua simplicidade. (Não há grandes desafios de interpretação para o elenco, o que é adequado, considerando a pouca experiência de todos eles.) 

Pedro Aquino tem excelente carisma e é quem melhor aproveita os momentos que tem no palco. Suas falas saem com verdade, seus movimentos são alegres e vibrantes, suas construções são íntegras na medida em que se percebe boa articulação entre todos os elementos. Luca Pougy, em várias cenas, age no mesmo sentido. Com muita ênfase na construção de tipos, Victor Paes Leme é quem tem o resultado menos bom: o uso da voz é péssimo, o corpo não sai do óbvio, as intenções são racionais e, por isso, notoriamente não expontâneas. 

Cenário e figurino deixam bastante a desejar. Não há beleza visual em “Brainstorming Anônimos” infelizmente. Há vários objetos não usados, ou seja apenas ilustrativos, a opção por roupas pretas é nada criativa, o quadro, como um todo, acaba deixando para as interpretações muita responsabilidade. 

O final é aplaudido de pé, mostrando que o espetáculo agrada o público. O motivo é simples: honestidade. Em cena, vemos personagens-atores em início de carreira sendo interpretados, de fato, por atores em início de carreira. Vistas e apontadas as falhas, há que lhes aplaudir e desejar o futuro brilhante que eles anseiam para si próprios (e merecem). 

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Ficha técnica:
Texto: Carla Vilardi
Direção: Bia Oliveira
Elenco: Carla Vilardi, Luca Pougy, Lu Rocha, Mari Pizzo, Pedro Aquino, Ricardo Vianna, Victor Paes Leme Direção de Movimento: Igor Pontes
Assistente de direção: Linda Gomes
Direção Musical e Trilha: Lucas Tayt-Son
Iluminação: Fred Eça
Figurino e Cenário: Concepção Coletiva
Produção: Deborah Brasil
Fotografia: Ellen Soares
Design Gráfico: Junior Lima
Trilha Original: Bárbara Dias

sexta-feira, 19 de julho de 2013

Rain Man (SP)

Rafael Infante e Marcelo Serrado são os irmãos Babbitt
Foto: divulgação

Em versão teatral, personagens mais próximos de nós

A peça “Rain Man” é uma adaptação para teatro do filme homônimo de Barry Morrow, estrelado por Dustin Hoffman e por Tom Cruise, vencedor de quatro Oscar em 1988. O espetáculo tem texto de Dan Gordon, traduzido por Miguel Paiva e boa direção de José Wilker. Nos papéis principais, estão Marcelo Serrado e Rafael Infante em boas atuações. Além de um bom programa, a peça pode ser motivo de reflexão para as relações entre teatro e cinema. Sem dúvida, este é o seu melhor.

Christian Metz, ao analisar a linguagem cinematográfica, chama a atenção a diferença entre o acordo que o espectador faz com o cinema e com o teatro. Dialeticamente, segundo ele, justamente porque está diante de sombras, no cinema, o público aceita com mais facilidade as “verdades” da tela, porque as marcas de verossimilhança são mais bem fundamentadas. No teatro, o espectador está diante de um homem como ele, o que faz com que o acordo necessite ser constantemente refeito. Nesse sentido, o espectador da peça “Rain Man” não é o mesmo do filme de que já falou. As histórias são a mesma, mas o jeito como ela é contada assume tal relevância que a forma modifica de fato o conteúdo.

Porque vindo do cinema, e esse sendo um filme bastante premiado, o enredo é conhecido. Charlie Babbitt recebe com surpresa a notícia de que herdou apenas um carro da herança do pai, pois todo o resto da fortuna foi destinada a um fundo gerido por um médico de um hospital psiquiátrico. É então que Charlie descobre que, internado nesse hospital, está seu irmão, Raymond Babbitt, de quem quase não sabia da existência. Inicialmente motivado pela metade da quantia a que (acha que) tem direito, Charlie se aproxima de Rain Man, apelido de Raymond, mas é pego de surpresa quando se vê ligado a ele por laços mais fortes. A curva do herói, nesse drama realista, é feita por Charlie, que, na montagem brasileira, é interpretado por Rafael Infante.

Infante (Charlie) tem, de fato, a principal contribuição na montagem da peça. Conhecido por suas participações nos vídeos cômicos do coletivo “Porta dos Fundos”, seu ritmo de comédia na internet entra em choque com as exigências de uma estrutura mais profunda, mais cheia de nuances, mais sensível que o teatro lhe exige. Desafiado enquanto ator, ele vence felizmente a disputa e ainda traz para a produção os momentos de leveza que são essenciais para a respiração do drama e para a realização da catarse. 

Embora o segredo do mérito de “Rain Man” seja Infante, há que se destacar o trabalho de Serrado (Raymond). Ator famoso, colhendo ainda os louros do sucesso de sua participação na novela “Fina Estampa”, é bonito encontrá-lo em uma produção em que sua participação é formal, cuja relevância se vê apenas na construção de um tipo. Vale dizer, no entanto, que Rain Man é um tipo bastante difícil, o de um paciente com necessidades psicológicas especiais, ou seja, facilmente passível de cair na comédia rasteira e, por isso, preconceituosa. Felizmente, Serrado não permite que isso aconteça e o defende com a galhardia que se espera do intérprete (e da direção). Todos os demais personagens são simples e não exigem muito de seus intérpretes que, há que se dizer, os fazem bem. 

Na boa articulação das interpretações, descobre-se o mérito de José Wilker. assistido por Danilo Watanabe, na direção do elenco. A trilha sonora de Marcelo Alonso Neves, a iluminação de Maneco Quinderé e os figurinos de Beth Filipecki são positivos porque se apagam na medida em que reforçam o valor da história. Justamente porque não age assim, é péssimo o cenário de Marcos Flaksman: mal acabado, com motivos não justificados e com participações feias.

“Rain Man” é mais um belo projeto com patrocínio da Vivo EnCena, essa uma exemplar parceria entre o teatro brasileiro e uma empresa privada. Vale a pena ser vista sobretudo porque destaca o quão próximos de nós estão esses personagens, que não vivem, aliás, apenas no interior dos Estados Unidos, mas também na nossa rua e na nossa rede social.

*

Ficha Técnica

Texto: Dan Gordon
Tradução: Miguel Paiva
Direção: José Wilker

Elenco: Marcelo Serrado, Fernanda Paes Leme, Rafael Infante, Roberto Lobo, Jaime Leibovitch e Sara Freitas.

Produção Geral: Sandro Chaim
Gerente de Produção: Rose Dalney
Produção Executiva e Adm.: Andrea Francez, Priscila Prade e Bila Bueno
Produção Executiva Rio de Janeiro: Denise Escudero
Cenografia: Marcos Flaksman
Figurinos: Beth Filipecki
Iluminação: Maneco Quinderé
Trilha Sonora: Marcelo Neves
Direção de Movimento: Marina Salomon
Fotografias: Priscila Prade
Diretor Assistente: Danilo Watanabe
Assessoria Jurídica: Francez e Alonso Advogados
Programação Visual: Vicka Soares
Vídeo de abertura: Eduardo Chamon
Assessoria de imprensa: Barata Comunicação
Realização: Super Amigos, XYZ Live e Chaim Produções
Produzido por acordo especial com MGM ON STAGE, DARCIE DENKERT e DEAN STOLBER
Patrocínio: Vivo e Porto Seguro

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Como nossos pais (RJ)

Isio Ghelman e Pedro Neschling são pai e filho na peça
Foto: divulgação

Uma história bem contada

Talvez seja possível que o maior mérito de “Como nossos pais” seja o de vencer o desafio de não deixar o melodrama cair na comédia, no clichê, na pieguice. Não cai. As interpretações são de interessantes a boas, a história é bem escrita, os diálogos são sucintos, a direção usa positivamente de poucos recursos. Trata-se de um espetáculo sem pretensões e que agrada porque se apresenta como, além de um bom entretenimento, a sugestão de um bom tema para reflexão. Em cartaz na bela sala de espetáculos do Centro Cultural da Justiça Federal, na Cinelândia, Rio de Janeiro, a nova peça de Pedro Neschling é mais um passo em termos da consolidação desse como um bom profissional do ramo das artes cênicas.

Escrito, dirigido, produzido e protagonizado por Neschling, o espetáculo apresenta um olhar sensível para um lugar comum. O Pai (Isio Ghelman) lutou para construir um império e, no meio de sua batalha, fez um filho de quem não se aproximou. Esse Filho (Neschling) se tornou um homem e, adulto, assumiu compromissos nas empresas do pai, convivendo com ele quase como dois colegas. Então, o Filho de uma antiga Empregada (Fabrício Santiago) aparece na história, pedindo emprego. E o tem. No ponto alto de sua vida como empresário, o Pai descobre que pode ser útil na vida de alguém, mas o conflito está em esse alguém não ser seu próprio filho, mas um “qualquer”. O campo é lugar propício para a discussão sobre os preconceitos, a importância de laços familiares, a relação entre homens e negócios, o liberalismo moralista. O caminho seguido pela dramaturgia e pela direção não cai no clichê, nem emociona, fixando-se firmemente na difícil, porque muito delicada, reflexão. 

Com uma trama melodramática, a história é contada cenicamente através do neorrealismo. As interpretações mostram uma ótima condução do tempo na movimentação pelo espaço e no uso da oratória. As palavras são poucas, mas as intenções dão conta dos não ditos que enchem de valor o texto de Neschling e também ele próprio e seus atores e colegas. Ghelman, Neschling e Santiago usam bem das marcas de tensão para reforçar os diálogos de conflito. Vitória Frate, que interpretada a namorada do personagem de Neschling, oferece um bom contraponto e sugere uma possibilidade de reviravolta na narrativa de forma pontual e, por isso, positiva.

Traço marcante na produção, o cenário de Flávio Graff tem os méritos de 1) preencher o palco; e 2) deixar os personagens como que flutuando, uma vez que não vemos seus pés. Blocos de papel branco iluminados interiormente, não causam a sensação de metrópole (felizmente), mas situam essas figuras em uma espécie de lugar distante, o que é essencial na relação da peça e de sua fruição. Essa última tem meios adequados para atender, assim, o convite da primeira de fazer a catarse, purgar seus males na história alheia e levar para algo para pensar.

“Como nossos pais” é mais uma história bem contada do que propriamente uma grande história. Os aplausos vão para todos.

*

FICHA TÉCNICA
Escrito e dirigido por Pedro Neschling
Elenco (em ordem alfabética) Fabrício Santiago, Isio Ghelman, Pedro Neschling e Vitória Frate
Direção de Arte e Figurino Flávio Graff
Luz Adriana Ortiz
Diretor Assistente Paulo Mathias Jr.
Direção de Movimento Toni Rodrigues
Trilha Sonora Pedro Neschling
Projeto Gráfico Cubículo – Fábio Arruda e Rodrigo Bleque
Fotografia Marcelo Faustini
Assistente de Direção de Arte e Figurino Júlia Deccache
Direção de Produção Miçairi Guimarães
Produção Executiva Mariana Serrão
Produzido por Lucélia Santos, Pedro Neschling e Miçairi Guimarães
Realização Nesch Produções e Nhock Produções

quarta-feira, 10 de julho de 2013

Um dia qualquer (RJ)

Em uma das cenas, há a referência a
"O mágico de Oz"
Foto: divulgação

A delícia do banal e do absurdo em ótima peça teatral

A melhor coisa, entre tantas, de “Um dia qualquer” é a ironia inteligente com que Julia Spadaccini e Alexandre Mello dão a ver suas visões sobre banalidade e absurdo. Ao mesmo tempo em que o título trata de algo vulgar, banal, supérfluo, os diálogos e os personagens dão conta de uma situação que sobrevive sob a égide de uma lógica (ou de sua ausência) que é diferente da que estamos acostumados a construir. A contribuição mais sublime do teatro do absurdo, mais vivo do que nunca felizmente, é justamente essa: mostrar o quanto o cotidiano não pode ser explicado pela razão. Em cartaz, no Teatro Arena do Sesc Copacabana, aí está um dos melhores espetáculos do ano, abrindo o segundo semestre de 2013 com a dialética contemporânea do significativo e do sem sentido. 

De Qorpo Santo na Porto Alegre do século XIX a Ionesco na Paris do século XX, o teatro do absurdo aproxima peças teatrais que leem o mundo como se esse fosse um jogo jogado por Deus (?) cujas peças somos nós. Sem acesso às regras ou a qualquer tipo de estratégia, pairamos em situações sem explicação, fazemos coisas que não queremos, estamos unidos a pessoas em relacionamentos sem retorno, em lugares e em empregos com os quais não somos comprometidos, etc. O quadro resultante desse "saco"de contradições nos dá uma sensação de alívio, pois nossa consciência ganha nele margem para descansar do árduo trabalho de tanto dar sentido a tudo. Esse é o universo desta dramaturgia de Julia Spadaccini (literária) e de Alexandre Mello (cênica) cuja beleza estética e o divertimento proporcionado são garantidos.

Numa praça, encontram-se um advogado metido a herói que é perdedor (interpretado por Leandro Baumgratz), uma palhaço triste (Rogério Garcia), uma professora que não aprende com as próprias lições (Anna Sant`Ana) e uma enfermeira pouco interessada em seguir rotinas (Dida Camero). Resguardado o direito de ir e vir, os quatro estão presos a um mesmo banco comum como que “entre quadro paredes” (Sartre) em local que é aberto e público. Não se sabe na plateia o que, afinal, os prende ali, não havendo também certeza do que os trouxe, nem tampouco o que acontecerá na sequência. Estão simplesmente e, nesse estar, compõem uma metáfora para uma pequena cidade, onde um personagem descobre sua função na necessidade do outro, cuja resposta varia de tempos em tempos, gerando, além de interpretações diferentes, movimentos narrativos bastante ricos. Crianças maldosas, sorrisos falsos em fotografias, meias vermelhas, saudades inúteis: as cores dessa história partem de lugares próximos e dão pulos curtos uma vez que não há um conflito que surja no início e movimente toda a roda até o fim. Em termos de dramaturgia, há apenas uma situação que dá conta de duas ou três frases e logo já é modificada, deixando o drible do tempo como desafio que é felizmente vencido. 

O advogado construído por Leandro Baumgratz não começa bem a história, muito nervoso, com gestos para cada fala, histriônico além da conta. No entanto, com a chegada da professora interpretada por Anna Sant`Ana, o equilíbrio aumenta e a contracena se mostra melhor que a cena. Em seguida, Rogério Garcia (o palhaço) e Dida Camero (a enfermeira) completam o quadro, trazendo profundidade e energia, de forma que o todo resulta em um conjunto positivo de interpretações sem exceção. Pequenos monólogos acontecem sem chamarem para si um valor que os destaque o que é bastante positivo. Com  ótima fluência, a direção de Mello faz com que as cenas se sucedam e se antecipem engendradas a contento por falas bem ditas, situações construídas em diversos níveis e potentes. 

Bonitos são os figurinos de Ticiana Passos e o desenho de iluminação de Renato Machado, ambos oferecendo detalhes outros na medida em que os olhos do espectador se acostumam com as figuras e com os acordos que elas fazem entre si para continuarem ali. Destaque para o cenário de Daniele Geammal: com pedaços de placas espelhadas, parece haver um lago diante do banco. Nesse caso, ou os personagens andariam sobre as águas desse lago ou, na verdade, estamos todos submersos e o mundo real é aquele que está abaixo de sua superfície. Em ambas as sugestões de interpretação, e podem haver muitas outras, há a inteligência de uma concepção que amarra com galhardia a estrutura absurda do teatro que Spadaccini e Mello propõem. A trilha sonora de Baumgratz traz um certo ar poético que é positivo porque discreto. 

Os atores usam bem o tempo da comédia na viabilização das cenas, fazendo de “Um dia qualquer” um programa divertido além de muito inteligente e com alto valor estético. Profundidade e graça andam aqui de mãos dadas com o talento e a técnica bem aplicadas. Aplausos!

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Ficha técnica:
Texto: Julia Spadaccini
Direção: Alexandre Mello

Elenco:
Anna Sant`Ana
Dida Camero
Leandro Baumgratz
Rogério Garcia

Iluminação: Renato Machado
Cenário: Daniele Geammal
Figurinos: Ticiana Passos
Trilha Sonora: Leandro Baumgratz
Projeto Gráfico: Humberto Costa - Mais Programação Visual
Assessoria de Imprensa: Gabriela Motta
Preparação corporal em dança flamenca: Eliane Carvalho
Assistência de direção e Produção executiva: Paula Loffler
Direção de produção: Anna Sant`Ana e Rogério Garcia
Realização: Usina d`Arte Produções Artísticas

Conto de verão (RJ)

A ação de "Conto de Verão" se passa em 1996
Foto: divulgação

Puro e bom entretenimento

“Conto de Verão” tem o grande mérito de ser despretensiosa, de não prometer nada que não dará, de ser um espetáculo honesto e, por isso, bastante bom. É uma história de amor entre adolescentes. Quatro deles vão para uma pequena cidade do litoral, no meio dos anos 90, e, enquanto seus pais jogam baralho, eles tomam sorvete e se conhecem, vivendo primeiras experiências sexuais. Escrita por Domingos de Oliveira, a montagem é dirigida por Bia Oliveira e está em cartaz no Teatro das Artes, no Shopping da Gávea, zona sul do Rio de Janeiro. Puro entretenimento e esse é um valor nem um pouco plebeu. 

Desde a primeira cena, já sabemos o que vai acontecer, quem vai ficar com quem, qual é a questão. Ângelo (Felipe Simas) é o oposto do seu amigo Narciso (João Vithor Oliveira), pois um é bastante sensível e o outro é mais voraz. Por outro lado, também Clara (Julia Oristânio) é muito diferente de Bárbara (Ana Vitória), já que a primeira é romântica e a segunda priva pela total independência. Casais trocados no início, já sabemos como tudo terminará. O interessante é notar, no roteiro, como o tema tem a capacidade de despertar em nós, adultos, o adolescente que ainda mora dentro de nós. E é, dentro desse parâmetro, que uma peça desse tipo pode ser avaliada (por mim). (A menos que um adolescente escreva a crítica dela. E fica aqui a exortação para.) 

As cenas são rápidas, o ritmo é bem conduzido pela direção. O gênero comédia romântica lê bem a construção superficial e positivamente concebida para a construção dos personagens, todos eles completamente envolvidos em fazer a roda da narrativa girar para ápice e o fim. As características de cada personagem são manifestas de forma a deixarem claras as oposições entre eles de jeito que a fruição não perde tempo em resolver problemas, mas vê a história com avidez. Todos os trabalhos de interpretação são, sem exceção, positivos. 

Todos os elementos estão bem articulados, dos figurinos aos cenários, da movimentação ao uso da voz, da iluminação à trilha sonora. O nome disso é seriedade, comprometimento, responsabilidade e profissionalismo. Merece aplausos! 

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Ficha técnica:
Texto: Domingos Oliveira
Direção: Bia Oliveira
Elenco: Ana Vitória (substituindo Alice Wegmann), Felipe Simas, João Vithor Oliveira e Julia
Oristanio

terça-feira, 9 de julho de 2013

Submarino (RJ)

Marcius Melhem e Luciana Braga em cena
Foto: divulgação

Algo mais que uma comédia sobre relacionamentos


O que “Submarino” tem de melhor é a forma como a história avança. Ao invés de haver um ponto de conflito que irá fazer girar o desenvolver até a sua resolução no ápice, como é de costume, o texto de Miguel Falabella e de Maria Carmen Barbosa tem a interessante estrutura auto-criativa. Ou seja, há de se notar, além do fato dessa ser mais uma comédia sobre relacionamentos entre homem e mulher, o modo como a narrativa evolui: um problema surge, é resolvido rapidamente, outro surge, é resolvido também e assim por diante. Com a excelente intepretação de Marcius Melhem, há um destaque também para o cenário de Miguel Pinto Guimarães. A peça, a terceira montagem desse texto no Brasil, está em cartaz no Teatro das Artes, no Shopping da Gávea, zona sul do Rio de Janeiro. 

Na sequência regular de aparecimento do problema-resolução do problema-aparecimento de um novo problema- resolução do novo problema, a comédia abandona os caminhos tradicionais de discussão de relacionamento ou de vaudeville e parte para um universo que é mais contemporâneo, mais profundo e menos tolo. Escrito em 1990, a história de César (Melhem) e de Rita (Luciana Braga) é metáfora para as relações que não se explicam logicamente, mas que existem e duram. Nesse sentido, com bastante habilidade, a dupla de autores conseguiu, e consegue nos últimos vinte e três anos, fazer o teatro refletir o mundo sob uma ótica um pouco mais consistente do que parece fazer e do que comumente se vê em comédias, o que é positivo. 

Victor Garcia Peralta tira bons resultados de Melhem e de Braga, procurando explorar o que cada intérprete tem de melhor. Ele é um excelente comediante e sabe usar os tempos da comédia muito bem. Ela conserva em si um misto de ingenuidade e de força que expressa a contento o desejo de Rita de ir, mas também de ficar. O doce e constante César está inexplicavelmente atraído pela livre Rita de forma que um complementa o outro em suas diferenças. Próximas do real além da narrativa como convém, as interpretações são positivas porque sutis, baseadas em gestos discretos, tempos invisíveis e em entonações que ora guardam ora revelam novidades. 

Os figurinos de Rita Murtinho fazem um excelente casamento com o cenário e com a iluminação em termos de sua paleta de cores. A escolha dos trajes é positiva também porque informa sobre as características dos personagens e facilita o ritmo da encenação. Maneco Quinderé e Miguel Pinto Guimarães, mais uma vez, como em “Novecentos”, evidenciam um excelente trabalho, aqui dado o destaque em função do privilégio que os dois concedem ao público de ver bem o que está acontecendo no palco. Acompanhadas de linhas que marcam os limites do(s) quarto(s) em perspectiva, a(s) cama(s) está(ão) virada(s) para a assistência, posta(s) em diagonal ascendente, caída(s) para o proscênio. Nisso há o convite para prestar a atenção na história, essa a grande estrela do teatro dramático.

"Submarino" é uma comédia e espera-se rir de um tipo de teatro como esse. Quando, além de divertimento, é também motivo para pensar, nesse caso, é lucro total. Embora feito para afundar, esse "submarino" permanece à luz.

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FICHA TÉCNICA
Texto: Miguel Falabella e Maria Carmem Barbosa
Direção: Victor Garcia Peralta
Elenco: Luciana Braga e Marcius Melhem
Iluminação: Maneco Quinderé
Cenário: Miguel Pinto Guimarães
Figurino: Rita Murtinho
Trilha Sonora: Pablo Paleólogo
Projeto Gráfico: Maurício Grecco
Produção Executiva: Roberta Brisson
Direção de Produção: Fernando do Val e Cristiana Lara Resende
Produtores Associados: Cristiana Lara Resende e Marcius Melhem
Realização: Cris Lara Produções Artísticas Ltda
Assessoria de Imprensa: JSPontes Comunicação - João Pontes e Stella Stephany


Novecentos (RJ)

Isio Ghelman no cenário de Miguel Pinto Guimarães
Foto: divulgação

Um simples e excelente espetáculo

“Novecentos” é um belo monólogo que o teatro carioca produziu em 2011. Dirigido por Victor Garcia Peralta, a partir do texto do italiano Alessandro Baricco (1958), escrito em 1994, o ator Isio Ghelman interpreta um saxofonista de uma pequena orquestra de um navio que conta a história do seu colega pianista, o ilustre Danny Boodman T. D. Novecentos. Com poucos elementos, Ghelman constrói um teatro da melhor qualidade, narrando com excelência estética uma história forte, porque rica, múltipla e capaz de encantar. O espetáculo esteve em cartaz no Teatro Dulcina, na Cinelândia, Rio de Janeiro, dentro da programação artística da ocupação “Dulcina abre o Pano”. 

Na narrativa, Danny Boodman T. D. Novecentos é o maior pianista de todos os tempos, apesar de nunca ter saído do navio onde nasceu provavelmente filho de imigrantes da terceira classe. Encontrado no piano do salão principal, o bebê foi criado pelo então pianista tripulante, que o batizou com o seu próprio nome acrescido do ano em que a criança nasceu. Algum tempo depois, quando da morte daquele que o criou, o garoto ficou algumas semanas desaparecido em um dos esconderijos da embarcação, tendo reaparecido, depois, para a surpresa de todos, tocando piano com extrema habilidade e notório talento. Tornado homem de poucas palavras, não havia, em sua vida, nada que depusesse contra ele, sendo admirado por todos. Novecentos encantava os viajantes do navio e encanta as plateias quando sua história é tão bem contada como aqui é o caso. A cena do duelo com o “Pai do Jazz” e a cena em que o pianista ensaia uma saída primeira do navio marcam a curva ascendente que conduz para o ápice que nos tira o fôlego nesse monólogo tão simples e tão excelente. 

Isio Ghelman conta a história com precisão e com grandes outros valores. Utilizando de seu carisma, o texto chega ao espectador em doses bem pensadas em um ritmo que se altera positivamente em pausas e em diferentes velocidades e entonações. Pequenos gestos ganham significados grandes em função da estrutura bem articulada que o ator e a direção movimentam no palco. Nada é desperdiçado no falar, no olhar, no andar, no gesticular e em como tudo isso se engendra em um só quadro que começa no início e termina no final. Nenhuma palavra se perde, pois, com habilidade, Ghelman chama toda a atenção para si. 

Bem auxiliam o ator a iluminação de Maneco Quinderé, mas há que se dizer que o cenário de Miguel Pinto Guimarães vai além. As linhas horizontais, que variam em tons de cinza e em tamanho, podem significar ondas que são a única paisagem que realmente importa para Novecentos. Para nós, elas são lugares de escape, pontos de fuga difusos em que nos escondemos para fruir a história, fazer a catarse, nutrir a imaginação. As duas linhas verticais em verde e azul, que têm diferentes alturas, podem fazer analogia às teclas brancas e negras do piano, cujo conjunto de 88 peças são metáfora para o mundo que importa ao protagonista. O mérito brilhante do cenário de Guimarães é poder e não ser. Com humildade e força, a arte concreta nos convida a dar sentido, fazendo apenas a sua parte. Por isso, o casamento desse cenário com a história que é contada é tão potente, duradouro e feliz. 

Outro toque especialíssimo nessa montagem é a trilha sonora de Ary Coslov. O óbvio seria ouvirmos, durante toda a encenação, músicas interpretadas ao piano. Não é o caso. Coslov, ao participar da concepção de Peralta, situa o espectador de frente para o narrador e não para o narrado. Nas palavras do diretor: “Se Novecentos era o melhor pianista de todos os tempos, que pianista escolher para representa-lo? Cada espectador há de escolhê-lo quando assistir à peça.” Victor Garcia Peralta está certo e sua decisão é inteligente. 

Não há primeiro plano no teatro, pois, em todos os momentos da encenação, estamos diante do ator por inteiro. Quando toda a atenção se vê fisgada por sobre apenas uma parte mínima de Ghelman, vemos com facilidade e prazer que estamos diante de um excelente espetáculo. 

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Ficha Técnica
Dramaturgia: Alessandro Baricco
Tradução: Victor Garcia Peralta e Isio Ghelman
Direção: Victor Garcia Peralta
Intérprete: Isio Ghelman
Produção: Cristiana Lara Resende
Trilha sonora: Ary Coslov
Cenografia e iluminação: Maneco Quinderé e Miguel Pinto Guimarães
Direção de Movimento: Cristiana Lara Resende
Projeto Gráfico: Isio Ghelman
Produção executiva: Roberta Brisson

segunda-feira, 8 de julho de 2013

As horas entre nós (RJ)

Cris Larin, Joelson Gusson e Cristina Flores
Foto: divulgação

Nem mesmo uma homenagem à Virgínia Woolf

“As horas entre nós” parte de uma adaptação equivocada do romance “Mrs. Dalloway”, escrito por Virgínia Woolf (1882-1941) e publicado em 1925. Em função disso, toda a concepção assinada por Cristina Flores e por Joelson Gusson se manifesta de forma parcial em quase todos os elementos e em suas articulações ao longo do espetáculo com exceção do excelente figurino. Quando, afinal, a ideia está com problemas, não há como o objeto bem sobreviver. Em cartaz no Teatro Sergio Porto, um exemplo do quão fortemente estruturado precisa estar o conceito para se gerar uma obra. 

Todo o romance “Mrs. Dalloway” pode ser resumido em uma frase: é um elogio à renúncia, à desistência, ao suicídio e, sobretudo, à força e à coragem de que tudo isso precisa para acontecer. Para começar, Woolf escreve neorrealismo, isto é, um ponto além do realismo psicológico, mas com a mesma verticalidade (o leitor lê o mundo da personagem a partir dos olhos dela, com o filtro da crítica, mas sem o embaralho das emoções) que fez de Dostoievski o seu maior escritor. Todo o romance acontece em um dia em que Clarissa Dalloway prepara e realiza uma festa. As horas, então, são alargadas porque, em seus minutos e segundos, há escapes de consciência em cujo fluxo segue o leitor em busca do universo da protagonista, seu passado, seu presente, sua vida e o modo como ela reage a tudo isso. Septimus Smith, o coadjuvante mais importante entre vários do livro, é quem tem a coragem de dar cabo da própria vida, cansado que está de lutar contra as alucinações que ele vem tendo desde o fim da Primeira Guerra Mundial. Fosse romântico ou melodramático, o livro daria importância para as ações. Não o é. Tudo, até mesmo o suicídio de Septimus, são lembranças que passam na cabeça da Sra. Dalloway e que não interrompem seus planos para o dia. Clarissa, a personagem título, vive no mundo agora popularizado (no Brasil) pela série inglesa “Downton Abbey”: o entre guerras, as modificações na política britânica, as sólidas estruturas seculares começando vagorosamente a ser questionadas. Nada disso foi considerado na adaptação de Gusson, em que Septimus tenta funcionar com um espelho de Clarissa. Um erro. Em Woolf, é justamente a diferença entre ambos o que os afasta, ou seja, a coragem que ele tem e ela não são o que importa além de tantas outras coisas na relação de Dalloway e si própria. 

Gusson e Flores trouxeram “Mrs. Dalloway” para o Brasil de 1978. Se, em Woolf, as pessoas retornam pra casa com o fim da guerra, em "As horas entre nós", as pessoas retornam para o que sobrou de um país que vive ainda uma guerra bastante velada (e que, para muitos, nunca existiu). O Tratado de Versalhes marcou oficial e mundialmente o fim da Primeira Guerra. A Anistia não marcou o fim da ditadura brasileira. Septimus de Woolf lutou pela pátria contra outros países. Septimus de Gusson lutou no próprio país contra o governo militar, aliás, do qual faz parte o Sr. Dalloway, marido de Clarissa, e seu amigo de juventude. Se lá Septimus é um herói, aqui é um doente, aterrorizado pela tortura a que sobreviveu, digno de pena. Ou seja, os contextos e as regras que constroem os dois personagens homônimos são diferentes, apesar dos nomes permanecerem inadvertidamente os mesmos. Em suma, “As horas entre nós” é uma rede de argumentos que não conduzem e nem autorizam uma tese. Não há, afinal, tese aqui infelizmente e esse é o maior problema do espetáculo em questão. 

Permanecendo, agora, na análise da peça, nota-se que, principalmente depois de um monólogo de Septimus, todos os personagens, em algum momento, têm um momento de pura retórica em favor de alguma ideia a respeito da vida, das emoções, das relações, enfim. Nota-se aí um esforço em chamar para si uma importância através do verbo, falidas tenham sido as tentativas de fazê-lo cenicamente. Os diálogos se arrastam ou sem profundidade ou com uma profundidade forçada. O melhor momento, um dos únicos realmente bons, é o telefonema de Lucrécia para Clarissa no final da peça. Nele há emoção e imagetização, duas coisas que não são de Woolf, mas bem poderiam ter sido de Gusson, que é outro artista e se propôs, aliás, a algo diferente, embora sem sucesso. 

Os trabalhos de interpretação são difíceis de se analisar, considerando a fragilidade dos personagens que os atores tiveram em mãos. É possível ver bons momentos em Carolina Ferman (Elizabeth), além da já citada cena de Cristina Flores (Lucrécia), mas, de resto, sabe-se que todo o trabalho está comprometido, apesar do elenco ser composto por atores com experiência. 

Com os demais elementos não poderia deixar de ter acontecido o mesmo. A trilha sonora (Vicente Coelho e Dragão Voador) é extremamente ilustrativa e apenas isso. O cenário (Gusson) age no mesmo sentido redundante e pobre, com o desmérito de construir um ambiente próprio para conversas em uma peça em que os monólogos parecem ser bem mais valorizados. O desenho de iluminação é positivamente invisível e o figurino, composto por trajes belissimamente bem feitos, apontam para o realismo, no que fazem bem.

"As horas entre nós" anuncia-se como releitura de Virgínia Woolf, mas nem mesmo uma homenagem lhe presta. 

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FICHA TÉCNICA
Direção e Adaptação: Joelson Gusson
Concepção: Cristina Flores e Joelson Gusson
Dramaturgia: Diego de Angeli e Joelson Gusson

Elenco em ordem alfabética: Carolina Ferman, Cristina Flores, Cris Larin, Joelson Gusson, Leonardo Corajo e Lucas Gouvêa.

Participação de Anna Mullotte (em vídeo).
Diretora Assistente: Dulce Penna de Miranda
Luz: Paulo César Medeiros
Figurinos: Joana Lima Silva
Assistência de figurino: Carolina Casarin
Cenografia: Joelson Gusson
Cenotécnico: André Salles
Trilha Sonora: Vicente Coelho e Dragão Voador
Preparação Vocal: Marly Santoro
Direção de Movimento: Paula Maracajá
Visagismo: Vanessa Andrea
Fotografia: Paula Kossatz
Roteiro Vídeo Praia: Joelson Gusson e Leonardo Corajo
Programação Visual: Balão de ensaio
Assistência de Direção e Produção: Luiz Fernando Lopes
Administrador de Temporada: Marta Vieira
Administração Financeira: Aline Carrocino (Alce Produções)
Assistência de Administração Financeira: Aline Mohamad
Assessoria de Imprensa: Daniella Cavalcanti
Assistência de Assessoria de Imprensa: Fernanda Miranda
Direção de Produção: Aline Carrocino (Alce Produções)
Produção Executiva: Igor Veloso
Realização: ARSX Produções Artísticas e Dragão Voador Teatro Contemporâneo