segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Rei Lear (RJ)

Foto: divulgação

Versão simplificada de Rei Lear
Essa montagem de “Rei Lear” não modifica a opinião que já se tinha acerca da magnitude de William Shakespeare como autor nem de Juca de Oliveira como ator, mas infelizmente é uma desvalorosa produção do clássico original. Trata-se de um resumo adocicado e infantil da história escrita entre 1604 e 1606 pelo dramaturgo inglês cujo aniversário de 450 anos o mundo todo tem comemorado nesse ano. Dirigido por Elias Andreato, o monólogo tem adaptação assinada por Geraldo Carneiro e está em cartaz no Teatro dos Quatro no Shopping da Gávea, na zona sul do Rio de Janeiro.

Ao contrário dessa adaptação, “Rei Lear” não é sobre o ego, mas sobre a velhice, a fase da vida a que todos os que nascem estão, a princípio, condenados a viver. Enquanto, nessa versão, um rei mimado resolve dividir o seu reino em três partes para gozar dos privilégios de Rei sem ter que sofrer as responsabilidades da coroa, no original de William Shakespeare (1564-1616), um homem, que é também um país, trava a maior batalha de sua vida justamente na sua fase mais difícil. A cena inicial é simbólica: o nobre Gloucester apresenta seu filho bastardo Edmund para o nobre Kent. Desde o início, a relação entre pais e filhos e as pequenas e as grandes ambições que envolvem os laços familiares quanto às heranças dominam as cenas em várias instâncias. Inicialmente unidas, as irmãs Goneril e Regan brigarão pelo coração de Edmund, esse, por sua vez, que entrará em franca batalha com seu irmão Edgar, filho legítimo de Gloucester. Vale lembrar que a Inglaterra elisabetana (a Rainha Elizabeth havia falecido um ano antes de Shakespeare começar a escrever a história) estava repleta de filhos bastardos tanto de nobres como de homens comuns. Além disso, a velhice de Lear também simbolizava a velhice do longo reinado de Elizabeth (que durou 45 anos) que foi substituída por Jaime IV, mais idoso que a prima, que então já era Rei da Escócia havia 36 anos. Por fim, a cena final em que Lear vê Cordélia, sua filha mais amada, ser enforcada e morre tentando fazê-la reviver é muito mais forte que o desfecho superficial dessa montagem em que Lear e Cordélia terminam passeando de mãos dadas pelos campos da Bretanha. 

Elogiar Juca de Oliveira é variar no comum. Como sempre, ele diz o texto muito bem, suas pausas são nobres, suas intenções bem articuladas. Essa produção, dirigida por Andreato e assistida por André Acioli, não trouxe afinal grandes desafios a Juca de Oliveira também porque, por mais empobrecida que a história tenha ficado, sobrou-lhe um resquício de uma trama que ainda é forte e que há de agradar quem não sabe qualquer coisa sobre “Rei Lear”, ou sobre Shakespeare. Dentre todos, o desenho de luz de Wagner Freire é o elemento mais bem usado na produção que conta também com uma boa direção musical de Daniel Maia.

Abrindo a peça, a título de prólogo, a fala de “Hamlet” do terceiro ato dá instruções aos atores acerca de como eles devem atuar. Nessa montagem de “Rei Lear”, em momento algum, esquece-se que Juca de Oliveira é quem apresentando um monólogo como esse com as várias dificuldades que o enredo impõe apesar dos seus 79 anos. O desafio técnico acaba, por fim, sendo mais importante que a história em si. O homenageador aparece sendo mais importante que o homenageado, mas, pelo menos, trata-se de um grande homem de teatro como Juca de Oliveira. Ele merece.

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FICHA TÉCNICA
Texto: William Shakespeare
Tradução e Adaptação: Geraldo Carneiro
Elenco: Juca de Oliveira
Direção: Elias Andreato
Assistente de Direção: André Acioli
Figurino e Cenário: Fabio Namatame
Iluminação: Wagner Freire
Preparação Corporal: Melissa Vettore
Trilha Sonora: Daniel Maia
Fotografia: João Caldas
Logo: Elifas Andreato
Programação Visual: Vicka Suarez
Patrocínio: Itaú
Gestão de Patrocínios: AT Cultural
Administração / Lei Rouanet: Sodila Projetos Culturais
Produção Rio: Gávea Filmes – Bianca de Felippes
Produção Executiva RJ: Gabriel Bortolini
Direção de Produção: Keila Mégda Blascke
Assessoria de Imprensa: JSPontes Comunicação – João Pontes e Stella Stephany

Chacrinha, o musical (RJ)

Foto: divulgação

Stepan Nercessian interpreta o Velho Guerreiro


A volta de Chacrinha


“Chacrinha, o musical” vence o desafio somente porque aposta no certo. Com texto de Pedro Bial e de Rodrigo Nogueira, direção musical e arranjos de Delia Fischer e com direção geral de Andrucha Waddington, a nova grande produção da Aventura Entretenimento oferece ao público o esperado: a alegria caótica do “Cassino do Chacrinha”. A justaposição de sucessos da música popular, a boa imitação de Stepan Nercessian para o Velho Guerreiro, o cenário e o figurino colorido e as coreografias das 14 “Chacretes” garantem o divertimento do público que há de continuar lotando o Teatro João Caetano, no centro do Rio, até março de 2015. É um sucesso que deve ser visto e aplaudido sem preconceitos, mas que, sem dúvida, pode gerar reflexão.

Se o teatro carioca ainda não entendeu, já deveria ter entendido que o mal das dramaturgias de musicais biográficos é menos dos dramaturgos contratados e mais das autorizações das biografias. Em todos os espetáculos desse tipo, os descendentes parecem ter barrado qualquer crítica mais profunda ou suposição mais criativa acerca da vida dos homenageados. Ou seja, a falta de um conflito realmente consistente que embase a luta de forças opostas superficializa as narrativas na medida em que enche de responsabilidade o simples desenrolar linear dos fatos das vidas públicas dos homenageados. Quase não se falam em drogas nas peças sobre Elis Regina e sobre Cássia Eller. Tim Maia é vítima do alcoolismo e Cazuza da AIDS. Não há sexo nos musicais sobre Agnaldo Rayol, Clara Nunes, Emilinha e Marlene, Marlene Dietrich e sobre Clementina de Jesus e assim por diante. Em comum, todos esses roteiros são uma colagem de músicas célebres do personagem título que embalam a narração de suas vidas, começando pela infância até chegar à fase adulta, terminando com a coroação de suas carreiras. Resta aos dramaturgos, nesse formato, pouca ou nenhuma liberdade infelizmente. Quem perde é o público que, embora tenha honradamente aplaudido a vida do artista, saiu do teatro com quase nada além de entretenimento. “Chacrinha, o musical” não foge à regra.

Os dois atos da peça de Pedro Bial e de Rodrigo Nogueira são unidos pelo encontro entre o personagem real e uma aparição, mas as justificativas desses encontros não estão claras. Na primeira parte, o jovem Abelardo Barbosa, interpretado por Léo Bahia, sofre a influência de uma figura lendária representante da literatura popular de cordel, interpretada por Stepan Nercessian. É ela quem inspira Abelardo a seguir seus passos em direção à fama, mantendo intocável o destino de comunicador das massas. No segundo ato, o encontro se dá entre Chacrinha (Nercessian) e o fantasma da sua juventude (Bahia), lembrando o Velho Guerreiro de suas origens, sem deixar que ele perca o compromisso com a audiência. Assim, refletindo sobre a dramaturgia do espetáculo como um todo, de um lado, se o destino de Abelardo Barbosa estava traçado, o sucesso não é mérito seu. De outro, se a ansiedade causava em Chacrinha tanto mal à sua saúde, então o fantasma da juventude não era anjo, mas algoz. Ou seja, a dramaturgia primeiro enfraquece o personagem, pois se pauta pelo determinismo. Depois, não esclarece os efeitos do excesso de autocrítica que possivelmente levaram o personagem ao falecimento. Sem elos realmente consistentes que situem o protagonista nas cenas das quais faz parte, esse Chacrinha boia molemente em contextos em que tudo menos ele é importante.

Andrucha Waddington, que estreia na função de diretor teatral, articula com relativa fluidez os cenários grandiosos de Gringo Cardia, os figurinos vibrantes de Claudia Kopke, o medley festivo de Delia Fischer - composto por mais de 60 canções do repertório regional e pop - e as coreografias pungentes de Alonso Barros de forma a engolirem a dramaturgia cambaleante, oferecendo 150 minutos de uma explosão de alegria. “Chacrinha, o musical” representa bem o conceito caótico que aproximava sensualidade, graça e arte popular em uma fórmula que deu certo por mais de 30 anos sob a liderança do insubstituível Velho Guerreiro na televisão. O espetáculo é divertido, porque revive o palhaço Chacrinha, personagem ainda querido pelos brasileiros, e seu amor ao povo de todas as idades, faixas sociais e origens do Brasil.

Fora a habilidade bastante meritosa de Stepan Nercessian em imitar Chacrinha em detalhes mínimos, principalmente na viabilização das rimas e do tom carismático bem específico do Velho Guerreiro de falar, não há destaques no elenco composto também por Léo Bahia (Abelardo Barbosa), Saulo Rodrigues (Boni), Érika Riba (Florinda), Paula Sandroni (Mãe), Milton Filho, Mariana Gallindo, Chris Penna, Luiza Lapa, por Renan Matos entre outros. No geral, o resultado é positivo porque sem desníveis. Com vitalidade, o elenco representa bem os muitos personagens que vêm simbolizar um conjunto de épocas da cultura popular nacional no rádio e na TV, cumprindo bem o que parecem ter sido as intenções da produção quanto ao espetáculo.

“Chacrinha, o musical” tem ainda o mérito de fazer reviver várias épocas da música brasileira e um tempo em que, embora o regime militar restringisse os direitos ou ainda que o próprio costume social fosse restrito, parece que havia mais liberdade nas formas de expressão. Como as outras homenagens, essa é bem-vinda.

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Ficha técnica
Texto – Pedro Bial e Rodrigo Nogueira
Direção – Andrucha Waddington
Direção de movimento – Alonso Barros
Direção Musical e Arranjos – Delia Fischer
Direção de arte e cenografia: Gringo Cardia
Figurino – Claudia Kopke
Design de som – Carlos Esteves
Desenho de luz – Paulo César Medeiros
Casting – Marcela Altberg

Elenco – Stepan Nercessian, Leo Bahia, Stephanie Serrat, Erika Riba, Mariana Gallindo, Saulo Rodrigues, Mateus Ribeiro, Livia Dabarian, Luíza Lapa, Leilane Teles, Paula Sandroni, Paulo de Melo, Chris Penna, Laura Carolinah, Milton Filho, Diego Campagnolli, Renan Mattos, Gabriel Leone, Tadeu Freitas, Patrick Amstalden, Pedro Henrique Lopes e Beto Vandesteen.

Realização – Aventura Entretenimento

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Frida Kahlo, a Deusa Tehuana (RJ)

Rose Germano em cena
Foto: divulgação


Uma abordagem madura de Frida Kahlo


“Frida Kahlo, a Deusa Tehuana” é um espetáculo difícil, mas isso não faz dele uma peça ruim. É preciso somente estar preparado para o que ver, pois, diferente do mais comum, essa não é nem uma biografia da pintora mexicana, nem nela se verão seus quadros mais famosos. Com direção de Luiz Antonio Rocha e com interpretação de Rose Germano, nessa produção em cartaz no Teatro Glacio Gill, está disposto o pensamento da artista livremente inspirado no diário escrito por ela. Em termos de encenação, o melhor é a coragem com que a direção combate a perigosa monotonia: os tempos são longos e as imagens essencialmente fixas, de forma que as cenas deixam clara a intenção de fazer pensar por primeiro. As intenções são muito boas.

A peça começa com o contraponto de Dolores Olmedo Patiño (1908-2002), talvez uma das grandes responsáveis pela popularização da obra de Diego Rivera (1886-1957), de Frida Kahlo (1907-1954), além de outros artistas hispânicos. Dona de uma grande fortuna principalmente em objetos de arte, é de Dolores o mérito pela criação de vários museus e de muitas exposições internacionais que notabilizaram as obras e tornaram seus artistas conhecidos ao longo da segunda metade do século XX. Na juventude, porém, a modelo Dolores foi motivo de discórdia entre Diego e sua terceira mulher, Frida Kahlo. Na dramaturgia do espetáculo aqui em questão, a participação de Dolores dá início à tentativa de humanização da personagem-título, “a deusa tehuana”. O nome da peça se refere à região do istmo de Tehuantepec, o lugar no mundo em que a distância entre os oceanos Pacífico e Atlântico é menor. Coberta de lendas que alimentam a sua cultura através dos séculos, a região, ainda hoje bastante povoada por indígenas, é uma espécie de paraíso idílico muitas vezes pintado por vários artistas mexicanos. Lá ficam as Pirâmides do Sol e da Lua, dois monumentos do século II d. C. que contribuem para a manutenção de diversas lendas sobre a importância do lugar. Seus trajes típicos, característicos daquele povo, foram adotados por Frida Kahlo e são hoje constituintes de sua identidade icônica. De uma forma muito inteligente, entrar no pensamento de Frida através de Dolores é dar o primeiro passo em uma escada ascendente que pode conduzir ao topo.

Na sequência, Frida Kahlo aparece e fala em primeira pessoa. Seu pensamento versa sobre sua condição física, suas limitações, o comportamento da mulher, a visão de mundo a partir daquele início do século XX e principalmente sobre Diego Rivera. Extremamente racional, a dramaturgia impera uma encenação lenta. Os movimentos pelo palco, na direção de Norberto Presta, servem apenas como “respiro” para a reflexão proposta pela personagem protagonista. A trilha sonora de Marcio Tinoco, interpretada ao vivo por Pedro Silveira, e a inserção de um trecho de um filme da dupla o Gordo e o Magro (Stan Laurel e Olivier Hardy), populares no cinema entre os anos 20 e 40, agem também nesse sentido adequadamente. Nesse sentido, o ritmo da direção de Luiz Antonio Rocha é assumidamente lento, possibilitando um envolvimento peculiar com a obra que é raro se considerarmos a profusão de sons, músicas, coreografias e de cores dos musicais que têm dominado a programação de teatro carioca. Por isso, o espetáculo é bem vindo.

Coesa e coerente, Rose Germano apresenta suas personagens com uma tez dura, com expressões que pouco se alteram e com movimentos que aparecem com dificuldade. Em cena, a atriz está adequada à proposta do espetáculo, contribuindo para o tom reflexivo da abordagem. Em seu trabalho, o mais interessante é observar como sua interpretação evita o drama latino e o exagero que superficialmente a estética de Frida Kahlo poderia supor. Diferente da obra da pintora, esse não é um espetáculo surrealista, mas, principalmente pelo tom comedido do trabalho de Germano, uma dissertação com algumas marcas de lirismo. O desenho de luz de Aurélio de Simoni contribui belamente para a viabilização da poética.

Algumas cadeiras, uma longa mesa, muitas molduras de telas vazias e o figurino de Eduardo Albini sustentam a aridez do texto sem invadir-lhe nem lhe corromper felizmente. “Frida Kahlo, a Deusa Tehuana” não é um espetáculo popular, mas uma opção nobre dentre as que estão em cartaz no momento.

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FICHA TÉCNICA

DRAMATURGIA / Luiz Antonio Rocha e Rose Germano
ENCENAÇÃO / Luiz Antonio Rocha
IDEALIZAÇÃO / Cia Espaço Cênico
ATRIZ / Rose Germano
MÚSICO / Pedro Silveira
ILUMINAÇÃO / Aurélio de Simoni
CENÁRIO, FIGURINOS e DIREÇÃO DE ARTE / Eduardo Albini
TRILHA SONORA / Marcio Tinoco
DIREÇÃO DE MOVIMENTO / Norberto Presta
VISAGISMO: Ton Hyll
REALIZAÇÃO / Cia Espaço Cênico
FOTOS / Renato Mangolin
PROJETO GRÁFICO/ Vera Cal e Eduardo Albini (Casa Tamanduá)
DIREÇÃO DE PODUÇÃO / Luiz Antonio Rocha e Rose Germano
PRODUÇÃO EXECUTIVA / Flavia Frias
CONSULTORIA LEIS DE INCENTIVO e PRESTAÇÃO de CONTAS / Alexandre Almassy
ASSESSORIA JURÍDICA / Leo Camacho
REALIZAÇÃO / Espaço Cênico Produções Artísticas
ASSESSORIA DE IMPRENSA / JSPONTES COMUNICAÇÃO - JOÃO PONTES e STELLA STEPHANY

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Nômades (RJ)

Foto: divulgação 
Andréa Beltrão, Malu Galli e Mariana Lima


Mais simples do que parece

Nômades”, novo espetáculo dirigido por Márcio Abreu, está em cartaz no Teatro Poeira, em Botafogo, com Andréa Beltrão, Malu Galli e com Mariana Lima no elenco. Na história, escrita em processo colaborativo com Patrick Pessoa, três mulheres se despedem de uma amiga que se suicidou. A peça tematiza o quanto a falta de alguém redimensiona a importância que damos para as pessoas, para a gente mesmo e para as coisas, se apresentando como uma avaliação sobre um modo de levar a vida. Do ponto vista estético, talvez o mais interessante do espetáculo seja o jeito como ele se relaciona com o público: quanto mais “Nômades” se afasta da plateia, mais ele dela se aproxima. Eis um bom motivo para reflexão.

Não se sabe o nome de qualquer uma das três personagens, tampouco o da quarta por cuja morte elas estão de luto. São atrizes, porque estão produzindo uma peça. Idades, esferas sociais, orientação sexual, estado civil nem qualquer outra informação atravessa o palco em direção à plateia. Nesse sentido, interpretadas por Andréa Beltrão, Malu Galli e por Mariana Lima, essas figuras essencialmente fluídas, sem contornos claros nem formas definidas, se apresentam como uma metáfora do que o espetáculo, de um modo geral, defende: se aqui estamos agora, pode ser que, em breve, não estejamos mais. Então, é preciso conviver e dividir a vida pode ser melhor que vive-la. Lá pelas tantas, uma cena deixa isso claro. Sentada no chão, uma personagem pergunta às demais: “Vocês estão me vendo?” “Sim”, respondem as outras. “E agora?”, pergunta novamente depois de se movimentar alguns centímetros para trás. “Sim”, dizem reparando que a sombra já cobriu parte do corpo da amiga antes mais visível. O diálogo continua até que, de quem pergunta, reste em cena apenas a voz. Estar não é garantia de estar para sempre.

Diferente do que diz o programa, esse recheado de textos argumentativos de várias ordens, “Nômades” é mais sobre o movimento do que sobre o luto. De um modo geral, a existência de figuras não basta para a viabilização de uma narrativa, pois, fora o fato de serem amigas, não está clara a relação entre a pessoa que se suicidou e as que permaneceram vivas. A representação de tipos diferentes de luto e de reações diversas na ausência súbita ficam em segundo plano em cada nova cena, porque a amizade, a importância de uns na vida dos outros, os momentos de celebração são os sentidos que pairam em sua totalidade no quadro. “Nômades” fica bom primeiro quando o público sente que foi (e está sendo) divertido para aquelas pessoas fazerem o espetáculo, esse fechado em si, e depois melhor quando desperta a vontade de se ter amigos, de se ter alguém com quem viver o momento presente, esse sim em constante movimento.

Os números musicais (canto, dança e dublagem), de choro e de tensão, as cenas de bebedeira e os momentos mais solenes convidam o público a refletir sobre a importância de não se estar totalmente sozinho. Com direção de movimento de Marcia Rubin, as interpretações de Andréa Beltrão, Mariana Lima e de Malu Galli são positivas ao colorir esses níveis diferentes de viver cada situação, preenchendo o palco de forma vibrante, porque criativa. Em conjunto, é bom ver suas figuras atravessarem juntas campos tão diversos ao longo da encenação bem dirigida por Marcio Abreu. Os figurinos de Cao Albuquerque e de Natalia Duran exploram o preto que caracteriza o luto, mas também fazem graça nas cenas de Donna Summer, de Maria Bethânia e de Amy Winehouse positivamente. O desenho de luz de Nadja Naira, o cenário de Fernando Marés e o visagismo de Lu Moraes constroem quadros de bom gosto que não negam a aridez do tema e de sua forma de trata-lo, mas dão à produção elegância e carisma. O mesmo faz a direção musical de Felipe Storino.

“Nômades” parte de vários temas difíceis como o luto ou como o movimento e a apreensão do lugar na personalidade do indivíduo para chegar à construção de uma estrutura narrativa-dissertativa que descreve a beleza da amizade e a força vital para os seres humanos. É bem mais simples do que parece. E isso não é ruim.

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Uma peça de Marcio Abreu e Patrick Pessoa com colaboração de Andréa Beltrão, Malu Galli, Mariana Lima e de Newton Moreno

Com Andréa Beltrão, Malu Galli e Mariana Lima

Direção de Marcio Abreu

Direção de movimento: Marcia Rubin

Cenário: Fernando Marés e Marcio Abreu

Iluminação: Nadja Naira

Figurinos: Cao Albuquerque e Natália Durán

Música: Felipe Storino

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Agnaldo Rayol - A alma do Brasil (RJ)

Foto: Eduardo Alonso

Marcelo Nogueira interpreta Agnaldo Rayol

Entre o céu e a terra, o romantismo de Agnaldo Rayol


“Agnaldo Rayol – A alma do Brasil” surge honrosamente como mais um musical biográfico que homenageia um expoente da cultura nacional. Nunca é demais! Essas intenções são o que, afinal, concretizam de fato o discurso de que é preciso que o Brasil volte-se para si, reconheça-se e valorize o seu próprio tesouro. Com direção de Roberto Bomtempo e direção musical de Marcelo Alonso Neves, o espetáculo tem, no elenco, Fabrício Negri e Mona Vilardo, além de Stela Maria Rodrigues e de Marcelo Nogueira, esse último em brilhante apresentação do papel título. O texto de Fátima Valença, em delicada opção, vence um árduo desafio e merece elogios. Em cartaz no congelante teatro do Centro Cultural dos Correios, na Candelária, Rio de Janeiro, a produção fica em cartaz até o fim de dezembro. É para ver, ouvir e aplaudir!


Com extrema delicadeza, o roteiro de Fátima Valença flerta com a opção de atingir o que está por trás do cantor Agnaldo Rayol, dono de uma carreira sólida de quase 60 anos composta essencialmente por um repertório romântico. Reconhece-se o desafio. É difícil falar bem de Agnaldo Rayol porque também é impossível falar mal dele. Nesse tempo todo de dedicação à música, o cantor não acumulou um só escândalo, maledicência nem crítica que possa ofuscar a vasta coleção de troféus e de homenagens que celebram o seu trabalho. Sua vida amorosa e sexual sempre permaneceram às sombras da mídia, suas posições políticas se mantiveram discretas e sua imagem pessoal esteve praticamente inalterada ao longo das décadas. Por trás das letras de amor, o mistério continua respeitosamente não desvendado contra qualquer vulgarização. O maior mérito se vê em uma das cenas de encerramento quando o personagem finalmente é visto em sua intimidade. Como um herói romântico tal como aqueles das canções que a vida inteira interpretou, Agnaldo Rayol, meio homem, meio personagem, permanece habitando um lugar entre o céu e a terra: inacessível às mazelas humanas, mas com uma alma dilacerada demais para um anjo.

A direção de Roberto Bomtempo, estreando no gênero musical, faz a difícil opção pelas caricaturas dos personagens menores a fim de garantir o ritmo da narrativa. Com exceção positiva de Hebe Camargo, interpretada por Stela Maria Rodrigues, todas as outras aparições são meramente ilustrativas, talvez por causa da rapidez com que aparecem. A cantora Ângela Maria (Stela Maria Rodrigues), a miss Terezinha Morango (Mona Vilardo) e o apresentador Renato Côrte Real (Fabrício Negri) são exemplos disso. De uma forma interessante, a constância do ritmo, que não aponta para um ápice, concorda com o ponto de vista da abordagem de Rayol. Apesar das mudanças de roupa, o cantor é visto exatamente da mesma forma da infância até a fase atual. Sem dúvida, para o espectador mais atento, há nisso um propósito que é relevante para a constituição de níveis diferentes dessa narrativa.

Nas interpretações, Stela Maria Rodrigues protagoniza um dos melhores momentos da peça em que a notória amizade entre a apresentadora Hebe Camargo (1929-2012) e Agnaldo Rayol é representada. Fugindo do lugar comum, Rodrigues investe na construção de um personagem humano que é mais digno de Hebe felizmente. Sobretudo pelos números musicais, Mona Vilardo e Fabrício Negri fazem também boas contribuições dentro do que lhes é possível, com destaque para a cena de abertura, em que cantam “Mia Gioconda”, de Vicente Celestino. O aplauso maior é merecidamente de Marcelo Nogueira, um tenor de primeira grandeza como é Agnaldo Rayol, por viabilizar o difícil personagem título. Não só pela voz potente e firme, ou pela afinação perfeita, Nogueira enfrenta o desafio de construir o personagem e mantê-lo firme na proposta do texto e da direção que, como já se disse, mantém a figura do homenageado intocável. Sem se render a suposições tolas acerca do personagem, Nogueira consegue brilhantemente dar a ver uma crítica através de sua interpretação. É isso que garante o interesse mesmo do público que desconhece a carreira real de Rayol pela história.

Além da direção musical de Marcelo Alonso Neves, que lindamente dá unidade para as canções, tornando a peça coesa e coerente, um dos maiores méritos de “Agnaldo Rayol – A alma do Brasil” é o cenário e os figurinos de Flávio Graff. As rendas, variando em tons de rosa e de vermelho, situam a atmosfera romântica que perpassa o repertório do homenageado. O belíssimo trabalho de alfaiataria das roupas do protagonista dão-lhe a elegância que caracteriza o personagem e confere beleza à obra como um todo.

O clima de sucesso das instituições propagado sobretudo pelos Estados Unidos do lado de cá da cortina de ferro começou a se esvanecer com a Guerra do Vietnã, em que as pautas sociais ganharam seu lugar. O romantismo dos filmes em Technicolor, dos boleros, das novelas do rádio e dos discos de Richard Clayderman entrou em desuso. Mesmo assim, através das décadas, Agnaldo Rayol manteve cheia sua agenda de shows pelo Brasil afora, confirmando sua predestinação ao sucesso. Essa bonita homenagem é merecida! Aplausos.

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FICHA TÉCNICA
Texto: Fátima Valença
Direção: Roberto Bomtempo
Direção Musical: Marcelo Alonso Neves

Elenco: Marcelo Nogueira (Agnaldo Rayol), Stela Maria Rodriygues (Hebe Camargo, Angela Maria, mãe da noiva e fã), Fabrício Negri (Erasmo Carlos e Renato Corte Real) e Mona Vilardo (Wanderléa, Lana Bittencourt, noiva e fã)

Músicos: Cristina Bhering (Ensaiadora e Piano), Affonso Neto (Bateria) e Luciano Correa (Violoncello)
Cenário e Figurino: Flávio Graff
Iluminação: Felipe Lourenço
Preparadora Vocal: Glória Calvente
Direção de Movimento: Toni Rodrigues
Designer Gráfico: Guilherme Lopes Moura
Viagismo: Beto Carramanhos
Fotografia: Eduardo Alonso
Assistente de Direção: Janaína Moura
Assessoria de Imprensa: Daniella Cavalcanti
Produção Executiva: Breno Lira Gomes
Direção de Produção: Fernando do Val
Idealização e produção: Marcelo Nogueira / Arte Mestra Produções

O incansável Dom Quixote (RJ)

Foto: divulgação
Em cena, o ator Maksin Oliveira


A má contribuição do stand up comedy para Miguel de Cervantes

O espetáculo “O incansável Dom Quixote” tem como mérito o de confirmar a presença de talento e do bom uso da técnica interpretativa do ator Maksin Oliveira, mas os bons valores da produção infelizmente acabam aí. A transformação do clássico “Dom Quixote de La Mancha”, do espanhol Miguel de Cervantes (1547-1616), em stand up comedy esvazia a obra de suas principais características, reproduzindo a história, mas retirando dela todo o conteúdo. A produção cumpriu temporada no Teatro Municipal Maria Clara Machado, no Planetário da Gávea, zona sul do Rio de Janeiro.

Lançado integralmente em 1615, o romance é a obra máxima de Miguel Cervantes de Saavedra, um homem embebido pela cultura do Século de Ouro espanhol. Exilado do seu país na juventude, feito prisioneiro nele em várias ocasiões, autor de peças curtas (entremezes) de grande sucesso, foi com o romance “Dom Quixote de La Mancha”, parcialmente escrito na prisão, que o escritor se consagrou. Nessa obra, o personagem do Cavaleiro da Triste Figura concentra os elementos identitários da arte aurissecular - a religiosidade, o valor moral da honra, a defesa das instituições, a coragem e a paixão - como contorno para uma realidade ilusória, sensorial e alternativa que constituem, de forma geral, os quadros barrocos em todas as esferas artísticas desse período da arte europeia. De um lado, a Espanha colhia os frutos do recém explorado Novo Mundo. De outro, a península ibérica assumia o compromisso de universalizar as teses da Contrarreforma, herdando e promovendo a liderança artística e religiosa que, até então, pertencia apenas a Roma. Rodeado por controvérsias, o homem barroco é chamado a valorizar a alma, purgando, na vida terrena, a culpa pelas chagas de Cristo. A beleza se torna feiura e a dor passa a ser motivo de orgulho. Claro e escuro, morte e vida, divino e humano são pêndulos que balançam e podem, ainda hoje, encontrar eco se se observar o mundo a partir de sua complexidade. Nada disso está em “O incansável Dom Quixote” em cuja dramaturgia há apenas a justaposição de alguns fatos da vida narrada do personagem título.

A visão de Sancho Pança como nordestino, a do frade dominicano como um homossexual e a narração do episódio das ovelhas como um locutor esportivo, entre outras associações, informam que Maksin Oliveira sabe construir tipos cômicos. A aproximação de Dom Quixote como um policial envolvido das manifestações, no Brasil de 2013, e várias outras falas do personagem narrador que constroem relações similares com o público, que visam contemporizar o personagem, aproximam a plateia do seu enredo, mas não oferecem nada além do riso gratuito. Infelizmente, nessa adaptação, toda a poética de Cervantes permanece ausente. É uma pena.

Quanto ao uso da técnica, o espetáculo deixa ver pontos bastante positivos, nos quais menciona o sucesso "O descobrimento das Américas", de Dario Fo e com Julio Adrião. Maksin Oliveira diz bem o texto, preenche o palco vazio com habilidade e protagoniza alguns quadros bonitos dentro do conceito de direção de Reynaldo Dutra. A cena final, em que o personagem some na escuridão de um tablado sem cenário, nem coxias, é uma boa metáfora para o teatro que, enquanto arte, se estabelece do nada e nada deixa a não ser a lembrança. O figurino de Leonam Thurler, remetendo a uma época que não é o agora, mas também possibilitando interessantes alternativas cênico-narrativas, é um dos pontos altos da produção, que tem ainda simples e delicado desenho de luz de Pedro Struchiner.

As referências políticas e aos personagens do cotidiano de “O incansável Dom Quixote" sinalizam a intenção popularesca da produção, mas não a marcam em definitivo. Com toda a sua poética e sua complexidade, “Dom Quixote de La Mancha” foi um livro popular de um dramaturgo e romancista que conhecia bastante bem o povo e seus interesses. Facilitar a obra original, resumindo parte de seu enredo e desconsiderando todo o resto, é desvalorizar a capacidade do grande público de alcançar níveis mais elevados de abstração. Nada contra o stand up comedy enquanto gênero, mas aqui ele é uma má inspiração.

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FICHA TÉCNICA
Autor: Maksin Oliveira
Direção de Produção: Maksin Oliveira
Produção executiva: Juliana Marsico
Direção: Reynaldo Dutra
Elenco: Maksin Oliveira
Figurino: Leonam Thurler
Caracterização: Reynaldo Dutra
Cenário: Magnífica Trupe de Variedades
Iluminação: Pedro Struchiner
Operador de luz: Thiago Monte
Filmagem e edição: Roman Produções
Fotografias: João Julio Mello e Nicolle Longobardi
Projeto Gráfico: Miguel Carvalho
Realização: Roda Produtiva

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Os Saltimbancos Trapalhões (RJ)

Foto: divulgação
Renato Aragão em um dos momentos mais belos do espetáculo


Viva o Ceará!


“Os Saltimbancos Trapalhões” é o musical mais bonito da dupla Charles Möeller e Claudio Botelho desde “O Mágico de Oz”. No entanto, sem desmérito algum, seu maior brilho pertence a Renato Aragão, o protagonista e o homenageado. Realizador de 47 filmes, com mais de 50 anos dedicados à televisão, Didi é a alma da produção que está em cartaz na Grande Sala da Cidade das Artes, na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. Com um elenco numeroso, um cenário belíssimo e com arranjos musicais que estendem a comemoração dos 70 anos de Chico Buarque, a peça pode até pecar por um excesso de açúcar na dramaturgia e por interpretações sem tanto brilho, mas, mesmo assim, é um espetáculo que vale a pena ser visto.


Atrás da repetição do sucesso estrondoso do filme “O Trapalhão nas Minas do Rei Salomão”, lançado em 1977, Renato Aragão se uniu novamente ao diretor croata Josib Bogoslaw Tanko para a 7a produção em conjunto. Lançado em 1981, o filme “Os Saltimbancos Trapalhões”, o 18o filme do Didi, confirmou as expectativas, sendo ainda hoje a 8a maior bilheteria do cinema brasileiro.



No roteiro, a história começa com a chegada do carro de Didi, Dedé, Mussum (1941-1994) e de Zacarias (1934-1990) ao resto da equipe do Circo Bartholo, que acabou de iniciar acampamento em nova praça. Quem assiste ao filme imediatamente reconhece a penúria em que vivem esses personagens ao vê-los correndo atrás de um rebanho de ovelhas na cena de abertura. Para eles, que se rebelarão e fundarão sua própria companhia, tudo pode virar comida. Enquanto isso, o gordo Barão Bartholo (Paulo Fortes), dono do circo e pai da bailarina Karina (Lucinha Lins), se farta às custas dos seus funcionários. De um modo muito simples, o filme logo anuncia as bases de sua trama: o pobre Didi acredita que poderá conquistar o coração da bela Karina, mas ela está apaixonada pelo acrobata recém chegado Frank Severino (Mario Cardoso), o galã da história. Nesse sentido, em sua genialidade, “Os Saltimbancos Trapalhões” é uma história de amor, mas também de política. Sua origem remonta o conto “Os Músicos de Bremen”, dos Irmãos Grimm, que deu origem ao musical “Os Saltimbancos”, dos italianos Sergio Bardotti e Luis Enríquez, com versões de Chico Buarque, em que um Burro, uma Gata, um Cachorro e uma Galinha se unem em um grupo artístico, expulsam os barões e passam a viver independente dos homens.

O texto de Charles Möeller para essa montagem alarga a história. A peça “Os Saltimbancos Trapalhões” começa com uma sequência negativamente complicada em que, em uma época distante, um arqueólogo alemão encontra o conto dos Irmãos Grimm. Décadas depois, a descoberta, passando de mão em mão, chega a um cego que, enfim, entrega-a para Didi que, por sua vez, leva-o para o grupo que resolve montar, a partir do conto, um musical como parte das atrações do Circo do Barão. Esse musical dentro do circo, no entanto, faz muito sucesso e o grupo resolve se desvincular do Barão (Roberto Guilherme), contra suas injustiças. Em paralelo, há a história da falsa cartomante Zorastra (Ada Chaseliov) que obriga a neta Ana (Livian Aragão) a se vestir como um homem para que, através de um casamento promissor da/o jovem, possa sair da vida circense. Na maior parte das cenas, os diálogos são longos e explicativos, dando conta de um enredo que se tornou complicado pela má adaptação. Felizmente, os investimentos de Charles Möeller, na criação dos números de dança e de canto, são igualmente grandiosos. São por esses momentos que o público realmente espera e não há decepção ainda que possa ser apontado o substancial excesso de cores em detrimento da miséria em que vivem esses personagens. Os quadros “Hollywood”, “Todos juntos” e “Piruetas” enchem os olhos como no bom espetáculo musical americano, sendo a cena de “Meu caro barão” um dos grandes destaques.

Com 35 pessoas em cena, “Os Saltimbancos Trapalhões” conta com as contribuições um tanto quanto apagadas de Giselle Prattes (Karina), de Livian Aragão (Ana/João) e de Nicola Lama (Assis Satã), mas com os bons trabalhos de João Gabriel Vasconcellos (Frank Severino) e de Ada Chaseliov (Zorastra). Depois das participações afetivas de Roberto Guilherme, Tadeu Mello, Dedé Santana e, claro, de Renato Aragão, o grande destaque é de Adriana Garambone (Tigrana) que dá vida para várias cenas da peça em excelentes momentos de interpretação. Os artistas circenses que integram o conjunto também, em geral, ajudam a elevar os níveis de beleza dos quadros da montagem, construindo um todo vibrante que compõe a obra de forma potente e com bom ritmo principalmente na evolução das coreografias criativas e bastante meritosas de Alonso Barros.

Com direção musical de Claudio Botelho e desenho de som de Marcelo Claret, a produção apresenta altíssima qualidade musical não só no que diz respeito aos arranjos de Marcelo Castro, mas também pela afinação do elenco. Além disso, com um visual positivamente lúdico de Beto Carramanhos, o espetáculo tem um dos cenários (Rogério Falcão) mais belos da programação teatral carioca, acompanhado de um vibrante desenho de figurinos (Luciana Buarque) e de iluminação (Paulo César de Medeiros), essa última conseguindo a façanha de reduzir e de aumentar o palco da Cidade das Artes conforme se desenrola a narrativa.

Com uma carreira até aqui gloriosa, Charles Möeller e Claudio Botelho têm provado que sabem render homenagens como poucos. É bonito ver como o grande espetáculo “Os Saltimbancos Trapalhões” se suspende para respeitar o ritmo de Renato Aragão, a simplicidade de seu personagem Didi, suas piadas ingênuas e sua terna emoção. Os valores estéticos da produção como um todo são muitos, mas o público sabe que eles são apenas um brinde. Ao lado de Roberto Guilherme e de Dedé, é Didi o grande e verdadeiro espetáculo. Viva o Ceará!


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FICHA TECNICA

CHARLES MÖELLER
Texto

CHICO BUARQUE, LUIS BACALOV, SERGIO BARDOTTI
Música e Letras

MARCELO CASTRO
Arranjos e Regência

ALONSO BARROS
Coreografia

ROGÉRIO FALCÃO
Cenário

LUCIANA BUARQUE
Figurinos

MARCELO CLARET
Design de Som

PAULO CESAR MEDEIROS
Iluminação

BETO CARRAMANHOS
Visagismo

MARCELA ALTBERG
Casting

EDSON BREGOLATO
Direção de Produção

EDSON MENDONÇA/ ALESSANDRA AZEVEDO
Produção Executiva

TINA SALLES
Coordenação Artística

CLAUDIO BOTELHO
Direção Musical

CHARLES MÖELLER
Direção

ELENCO
Renato Aragão, Dedé Santana, Adriana Garambone, Giselle Prattes, Roberto Guilherme, João Gabriel Vasconcellos, Tadeu Mello, Ada Chaseliov, Nicola Lama, Livian Aragão, Nicolas Prattes, Diego Luri, Cristiana Pompeo, Marcel Octavio, Andrei Lamberg, Augusto Arcanjo, Camilla Marotti, Gabi Porto, Lais Lenci, Zago Mirabelli, Erika Henriques, Jessica Gardolin, Jonatan Karp, Kostya Biriuk, Olavo Rocha, Pauline Hachette, Rafael Abreu e Yulia Suslova.

MÚSICOS
Marcelo Castro, Anderson Pequeno, Marcio Romano, Matheus Moraes, Omar Cavalheiro, Whatson Cardozo, Zaida Valentim

sábado, 8 de novembro de 2014

Adorável Garoto (RJ)

Foto: divulgação
Isaac (Michel Blois) no centro do quadro


Um espetáculo sobre a perda da beleza

“Adorável Garoto”, com texto de Nicky Silver, é uma peça sobre a falência da sociedade em transmitir qualquer lição de moral às novas gerações. E sobre a perda da beleza que isso causa. Como quem monta um quebra-cabeças, o público vai identificando possíveis relações entre os personagens e, na medida em que o quadro vai se fechando, mais o abismo vai se abrindo. Com direção de Maria Maya, em cartaz na Sala Mezanino do Espaço Sesc Copacabana, o espetáculo está entre aquelas montagens que sugerem reflexão na mesma medida em que oferecem entretenimento de altíssimo nível. Com Michel Blois, Isabel Cavalcanti, Leonardo Franco, Raquel Rocha e com Mabel Cezar no elenco, a peça fica em cartaz até 16 de novembro. A ver! 

Mesmo autor de “Pterodátilos”, de “Criados em Cativeiros”, de “Homens gordos de saias” e de “Os Altruístas”, Nicky Silver é um autor norte-americano conhecido pelo seu humor ácido, pelos seus diálogos sofisticados e por seus temas reveladores. Para o autor de “Beautiful Child”, escrita há dez anos, beleza talvez seja justamente o que é porque é também intocável. 

Na história, o filho Isaac (Michel Blois) volta para a casa de seus pais, Harry (Leonardo Franco) e Nan (Isabel Cavalcanti). Ele já tem mais de trinta anos, é pintor e professor de arte em uma escola para crianças, mas pediu demissão. O caso envolve um garoto de oito anos, Victor, por quem Isaac se apaixonou. A peça começa com Délia (Raquel Rocha) fazendo sexo oral em Harry, mas ele lhe adverte em seguida de que não abandonará sua esposa para ficar com ela. Nan sabe das aventuras sexuais do marido, mas também não se separa dele, enterrando-se cada vez em mais no álcool e nos antidepressivos. A psiquiatra Dra. Hilton, que atendeu Isaac quando esse ainda era criança, reaparece confessando a sua contribuição relapsa na formação moral do protagonista. Com habilidade, Nicky Silver, traduzido por Roberto Bürguel e adaptado por Gustavo Klein, pergunta com quais padrões éticos e morais pode a sociedade julgar um crime como o de Isaac. 

A direção de Maria Maya, com assistência de Álvaro Chaer, não investe no humor negro célebre de Silver, mas mantém a atenção do público através do ritmo bem sustentado das cenas. Os quadros se articulam de forma bastante fluída. Há a tensão na relação entre as figuras e há a poética na viabilização das imagens, com destaque para Délia sentada no banco externo da casa de Harry, para Dra. Hilton na plateia e para a oposição final entre Isaac e os demais. Há principalmente o cuidado em apresentar o tema e o contexto em redor dele, narrando com a delicadeza que uma dramaturgia dessa complexidade requer. 

Essa montagem de “Adorável Garoto” tem ainda o mérito dos bons trabalhos de interpretação. Michel Blois dá a ver um Isaac sensível e ingênuo, mas que não é bobo. Leonardo Franco e Isabel Cavalcanti revelam um casal sem intimidade, mas que ainda se apoia. Raquel Rocha constrói Délia com o lirismo de uma Macabeia e Mabel Cezar, talvez a única figura concebida a partir de sua comicidade, reforça a frieza prática de uma terapeuta que também tem seus problemas pessoais. 

O desenho de luz de Adriana Ortiz é melhor quando aproveita o cenário de Ronald Teixeira. A casa transparente, com livre comunicação com o resto do palco, e o ciclorama contribuem mais com o quadro quando se vê o sol escaldante penetrando pelo acrílico sem cor. A direção de arte, através das oposições entre cores (o azul e verde versus o bordô e o marrom) e texturas (a madeira e o acrílico) e entre roupas de inverno e de meia estação formam um quadro bonito, mas não tão facilmente justificável. Em todos os elementos, se requer uma audiência atenta.

Com exceção dos laços sanguíneos entre o filho e seus pais, nada une esses personagens que hora vemos lado a lado. O que faz, então, com que eles se relacionem? “Adorável Garoto” pode, assim, pautar a perda beleza entre os homens, essa que ficou para trás, abandonada em suas infâncias. A peça merece ser vista pela qualidade da reflexão que sugere e pela sua altíssima qualidade estética. Aplausos. 

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FICHA TÉCNICA
Autor: Nicky Silver
Adaptação: Gustavo Klien
Tradução: Roberto Bürguel
Direção: Maria Maya

Elenco / Personagem
Isabel Cavalcanti / Nan
Leonardo Franco / Harry
Michel Blois / Isaac
Mabel Cezar / Dra. Elizabeth Hilton
Raquel Rocha / Delia

Direção de Arte, Cenários e Figurinos: Ronald Teixeira
Direção de Movimento: Vietia Zangrandi
Iluminação: Adriana Ortiz
Designer: Letícia Andrade
Gerente de Marketing: Fabia Gomes
Assistente de Direção: Álvaro Chaer
Preparação Vocal: Veronica Machado
Cenógrafos Assistentes: Eloy Machado e George Bravo
Figurinistas Sssistentes: Eloy Machado e Liza Machado
Confecção de Figurinos: Liza Machado
Cenotécnico: Humberto Silva e equipe
Diretor de Palco: James Hanson
Assistentes de Produção: Ailime Cortat e Alessa Fernandes
Visagismo: Mayco Soares
Fotos: Daniel Chiacos
Produção Executiva: Letícia Napole
Direção de Produção: Giba Ka & Maria Maya
Parceria: Espaço SESC
Assessoria de imprensa: JSPontes Comunicação - João Pontes & Stella Stephany

O que o mordomo viu (RJ)

Foto: divulgação

Arlete Salles, Ubiracy Brasil e Miguel Falabella em cena

Somente uma comédia de costumes

“O que o mordomo viu” é o primeiro espetáculo em que Miguel Falabella se esforça para não repetir o personagem Caco Antibes. Se não consegue, é porque o público não deixa infelizmente. Em cartaz no Teatro Clara Nunes, no shopping da Gávea, a comédia tem texto do britânico Joe Orton e direção de Cininha de Paula além do próprio Falabella. No elenco, Arlete Salles, Alessandra Verney e outros dão vida aos personagens de um vaudeville transgressor para a época que ainda consegue provocar algumas risadas. Os problemas maiores estão na adaptação.

O original “What the butler saw”, levado ao palco pela primeira vez em 1969, ficou ainda mais famoso porque foi o último texto de Joe Orton, jovem britânico morto a marteladas pelo namorado em 1967. Aos 34 anos, o dramaturgo havia ficado conhecido por ter adulterado mais de 80 livros de bibliotecas públicas, mudando as capas com colagens e escrevendo observações obscenas em seus interiores, crime pelo qual foi condenado e preso. Como autor, um dos seus melhores trabalhos foi “Entertaining Mr Sloane”, que estreou em 1964, ganhando elogios da crítica. “O que o mordomo viu”, assim, despertou mais a atenção do público pela comoção da morte recente de Orton do que propriamente por seus méritos próprios, embora o autor apareça discretamente junto a Harold Pinter entre aqueles que renovaram a comédia britânica.

Desde Noel Coward, o tema central da comédia britânica é menos o que as pessoas fazem e muito mais o medo delas de que outras pessoas saibam o que elas fazem. “O que mordomo viu” (What the butler saw”) parte do encontro de dois acontecimentos. De um lado, o psiquiatra Dr. Arnaldo (no original, Dr. Prentice) seduz a candidata à vaga de secretária Denise Barcca (Geraldine Barclay), pedindo que ela tire a roupa em seu consultório. De outro, sua esposa Mirta (Mrs. Prentice) tem sido chantageada pelo mensageiro Nico (Nicholas Beckett) do Station Hotel, com quem passou a noite depois de ter participado de um encontro de lésbicas. Ela promete conseguir para ele o emprego de secretário do seu marido em troca das fotos que ele tem dela nua. Ou seja, não importam as traições dele ou dela, mas, sim, a manutenção da imagem de um e de outro para os outros. O entra e sai da candidata e do mensageiro e as reviravoltas com a chegada de Dr. Ranço (Dr. Rance), Presidente do Comitê de Psiquiatria, e do detetive Matos (Sargent Match), inspetor policial, vão construindo a luta do casal Prentice em esconder suas escapadas versus a sanha dos outros personagens em conseguir empregos e atingir seus objetivos. O resultado é que, lá pelas tantas, todos se descobrem em maus lençóis, livres de quaisquer máscaras sociais, mas presos no consultório, pontuando a hipocrisia como grande crítica que Joe Orton faz à sociedade.

O pior da versão de Miguel Falabella é o apagamento das marcas de ironia. Se, em Joe Orton, há sempre dois níveis, o que é dito e o que é subentendido, aqui há apenas um: o escrachado. Toda a classe que o texto original expressa para sustentar a hipocrisia virou, nessa montagem de “O mordomo viu”, a sensualidade barata bem típica do baixo entretenimento infelizmente. Além disso, a adaptação apresenta uma série de incoerências que empobrecem ainda mais a comédia. As citações ao Lula (no texto, original há uma menção ao Winston Churchil que havia falecido recentemente), ao Levy Fidelix, ao Mais Médicos colocam a peça em um tempo (o atual) que não é o mesmo que aquele em que não havia celular e internet, em que se bebia whisky em consultórios médicos e em que tantas reviravoltas faziam sentido. Ao atualizar apenas parte da peça, as incoerências ratificam o tom comercial da produção negativamente, sem reforçar a construção do que ela quer dizer. Por fim, a palavra “mordomo” do título não é boa, pois o significado dela para nós não é o mesmo que butler quer dizer para os britânicos. 

Marcelo Picchi (Dr. Ranço) tem interpretação negativamente comprometedora. A figura do Presidente do Conselho de Psiquiatria expressa, ao longo da peça, um certo tipo crescente de loucura que deveria auxiliar na crítica ao sistema. Ao invés disso, é mais caricata do que interessante. Em personagens menores, Alessandra Verney (Denise Barcca), Ubiracy Brasil (Detetive Matos) e Magno Bandarz (Nico) têm boas participações, mas todas sem destaque. Arlete Salles (Mirta), quatorze anos mais velha que Falabella, demora a convencer como esposa, mas vence o desafio, fazendo a plateia esquecer da segunda pele por baixo da vestido. É dela o melhor trabalho dessa montagem. Durante boa parte da peça, Miguel Falabella (Dr. Arnaldo) foge do fantasma de Caco Antibes, do programa “Sai de Baixo”, optando pelo tom de voz mais grave e menos arrogante, pelo peito menos estufado e pelas pausas mais longas. O resultado é bastante positivo, apesar do público, que se diverte com o intérprete em todas as situações em que o homem alto, loiro e engravatado do Largo do Arouche parece voltar. Reconhece-se que é difícil não se render e elogia-se o esforço.

O cenário de José Dias é outro grande problema de “O que o mordomo viu”. Toda a peça se passa em um consultório médico cujas quatro portas não são justificadas. O ambiente interno onde fica a maca é desprotegido pelas janelas que vão até embaixo, de forma que são estranhas as cenas em que algum personagem permanece nu ali. A opção estética pelo branco nas paredes, nos móveis e nos objetos também é duvidosa. Apesar da utilidade da cena final, o átrio, além das portas, faz o consultório parecer a sala de uma mansão, distanciando os personagens da vida que eles próprios denunciam nos diálogos. Por outro lado, essa produção tem figurinos (Sônia Soares) bastante bons, apresentando os personagens e contribuindo bem com a narrativa. Pelos mesmos motivos, são boas também a trilha sonora de Leandro Lapagesse e a iluminação de Aurélio de Simoni.

“O que mordomo viu” deveria apresentar uma crítica à sociedade, promovendo um riso amargo a quem ri e depois nota que riu de si mesmo e de suas mazelas. A partir da direção de Cininha de Paula e de Miguel Falabella, essa montagem é apenas uma comédia de costumes e nem assim uma das melhores.

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FICHA TÉCNICA:
Texto - Joe Orton
Versão Brasileira e Direção - Miguel Falabella
Co-Direção - Cininha de Paula
Cenário - José dias
Figurino - Sônia Soares
Designer de luz - Aurélio de Simoni
Trilha Sonora - Leandro Lapagesse
Patrocínio – VIVO E PORTO SEGURO
Elenco: Miguel Falabella, Arlete Salles, Marcelo Picchi, Alessandra Verney, Ubiracy Brasil e Magno Bandarz

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Fazendo História (RJ)

Foto: divulgação 
André Arteche e Hugo Kerth em cena


Espetáculo tocante!

“Fazendo História” é um dos espetáculos mais tocantes do ano. O texto do britânico Alan Bennett, vencedor dos prêmios Laurence Olivier e Tony, foi escrito há dez anos, mas já surge parecendo clássico. A produção marca a estreia de Glaucia Rodrigues na direção, trazendo Xando Graça, Mouhamed Harfouch, Nedira Campos, Edmundo Lippi, Hugo Kerth, Rafael Canedo, André Arteche, Renato Góes entre outros no elenco. Em cartaz no teatro Eva Herz, na Cinelândia, eis aqui um espetáculo emocionante.

O texto de Alan Bennett tem muitos méritos. Na peça, uma escola sofre com o mal desempenho dos alunos nos exames de ingresso em universidades importantes da Inglaterra. Para tentar solucionar o problema, o Diretor (Edmundo Lippi) contrata o professor Irwin (Mouhamed Harfouch), almejando oferecer uma formação mais qualificada. Para tanto, o professor Hector (Xando Graça) precisará abrir mão de parte de sua carga horária, diminuindo as aulas de Cultura Geral em que os alunos adquirem repertório artístico. Com claras relações a “O Despertar da Primavera” (Frank Wedekind), “Os meninos da Rua Paulo” (Férenc Mólnar) e a “Sociedade dos Poetas Mortos” (Tom Schulman e Peter Weir), a dramaturgia apresenta bipartições, mas avança potentemente por sobre elas. Em um primeiro momento, a polarização entre Hector e Irwin é ultrapassada porque a distância entre os dois se mostra tão relevante quanto sua proximidade. Depois, o contraponto dos alunos mais bem resolvidos versus o jovem esportista e com mais dificuldades intelectuais, em que a trama flerta com o roteiro tradicional, também dá vistas a uma história mais complexa em que se pontuam a corrupção dos processos seletivos e o advento de uma juventude com menos preconceitos e mais decidida a aceitar as diferenças. Situada nos anos 80, “Fazendo História” é uma homenagem à inteligência humana, às conquistas sociais, ao convívio entre a cultura pop e a erudita e às amizades feitas nos bancos escolares e que podem durar para sempre. E principalmente é uma reverência à escola, à educação, aos professores e aos seus alunos de todos os tempos e lugares.

A encenação de Glaucia Rodrigues é excelente por dois motivos: primeiro porque abre mão de refletir qualquer pretensão, apresentando o texto de forma sólida, bem cuidada e em toda a sua delicadeza. Segundo porque todos os doze atores estão em ótimos trabalhos de interpretação, sem desníveis, mas com muitos méritos. Ao longo do avanço do tempo e da multiplicidade dos espaços desenhados no palco quase nu, o espetáculo se veste de vários tons enfrentando desafios, vencendo obstáculos, construindo ideias e emocionando. É um trabalho lindo.

No que se refere às interpretações, “Fazendo História” é uma ótima oportunidade para encontrar Xando Graça em um dos seus melhores trabalhos. A viabilização do personagem afetado e presunçoso Hector, que Graça possibilita, explica o carisma do professor entre os alunos, apesar de seu comportamento politicamente incorreto, esse uma figura viva, complexa e bastante interessante. No grupo dos alunos, têm destaque Hugo Kerth (um dos protagonistas do musical “The book of Mórmon”) e André Arteche (protagonista do filme “Houve uma vez dois verões”), principalmente pelos números de canto e de piano respectivamente (as canções "Millord" e "Bewitched" fazem parte do espetáculo), além dos qualificados trabalhos de interpretação de ambos. Além destes, Renato Góes (Dakin) apresenta com leveza o aluno sedutor. O elenco conta ainda com Rafael Canedo (Timms), Helder Agostini (Lockwood), Yuri Ribeiro (Rudge), Guilherme Ferraz (Akhar) e com Ricardo Knupp (Crowther) como alunos, e com Nedira Campos como a professora Dorothy, todos esses, como já se disse, em bons trabalhos.

Sem cenário, a peça oferece um belíssimo conjunto de figurinos concebidos por Dani Vidal e por Ney Madeira (Espetacular Produções e Artes) e com pontual desenho de iluminação de Rogério Witgen. Os dois quesitos participam com galhardia da construção dos méritos dessa montagem.

O mundo em que nunca se viu tamanha facilidade de acesso à informação parece ser identificado como também aquele em que menos se sabe. Valorizando o acúmulo de experiências de toda ordem e o uso inteligente desse saber, “Fazendo História” não dispensa o prazer sexual, o carinho entre amigos e o respeito a todos aqueles que nos ensinaram e que aprenderam conosco. Por tudo isso, esse aqui é um espetáculo essencial.

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FICHA TÉCNICA:
Tradução e adaptação – José Henrique Moreira
Direção - Gláucia Rodrigues
Cenário- José Dias
Figurinos – Ney Madeira e Dani Vidal
Iluminação – Rogério Wiltgen
Direção Musical - Edvan Moraes
Fotos - Guga Melgar
Assessoria de Imprensa – Ana Gaio
Produção Executiva - Valéria Meirelles
Realização - Júpiter Teatro Produções

ELENCO
OS PROFESSORES: XANDO GRAÇA (Hector), MOUHAMED HARFOUCH (Irwin), NEDIRA CAMPOS (Doroty) E EDMUNDO LIPPI (diretor)

ALUNOS: ANDRÉ ARTECHE (Scripps), RENATO GÓES (Dakin), HUGO KERTH (Posner), HELDER AGOSTINNI (Lockwood), RAFAEL CANEDO (Timms), YURI RIBEIRO (Rudge), RICARDO KENNUP (Crowther), GUILHERME FERRAZ (Akthar). Stand-in: Marcos Guian e Johnny Ferro