domingo, 23 de outubro de 2011

O dragão (RJ)

Foto: divulgação

Realidade


É Christian Metz quem diz, lá pelas tantas da sua teoria da linguagem cinematográfica, que o teatro, de tão real, acaba sendo menos real que o cinema. Segundo ele, tendo a sua frente nada além de sombras, o público se sente mais livre para conviver com sua própria realidade do que no teatro, quando tem, bem próximo de si, seres humanos a representar.

“O dragão”, minha penúltima peça desta edição do Porto Alegre em Cena, é constrangedoramente real. Como também é verossímil dizer que é teatro da melhor qualidade. Há quem diga que é pesado. Que é triste. Que é trágico. Que é frágil ou mesmo parcial politicamente falando. Mas, seja o que acharmos do tema, não há como não encontrar nessa produção maus usos de tudo aquilo que o teatro oferece.

As interpretações de Stephane Brodt e de Fabianna de Mello e Souza calam fundo na construção de suas personagens. O texto é dito de forma realista, exibindo uma pesquisa de sotaques e ritmos digna dos muitos prêmios que ambos já receberam em suas carreiras. Usam de grande técnica e disponibilizam para a assistência uma imagem de si que demora para sair de nossas mentes. Há pouco movimento em suas performances, aumentando com isso a importância do gesto e do olhar. Sem medo, a direção explora o talento e a experiência nos presenteando com tão profundas personagens bem contadas.

Todo o resto é e torna-se teatro pela importância que recebe das histórias narradas pelos personagens. São quatro monólogos que não necessitam de nada, mas ganham cores e profundidades que, nos intervalos entre um e outro, ocupam nossa fruição enquanto “engolimos” as emoções expostas. A trilha sonora, executada ao vivo, corresponde ao trabalho de sonoridades das intenções do texto. Tanto os instrumentos como as melodias ratificam a seriedade com que o Grupo Amok de Teatro encarou essa produção dirigida por Ana Teixeira, cujo currículo é invejável. O mesmo se diz dos tecidos com que se compõem os figurinos e as pontuações de luz afinadamente colocadas no espaço cênico.

Longe de discutir gosto e ideologia, podemos nos surpreender atentos ao que é feito em nossa frente por seres humanos reais como nós, profissionais de alta qualidade e artistas de valor reconhecido. As histórias que nos são contadas nesse espetáculo, a parte o que contam, chamam a atenção pela forma como são expostas. Se pelo quê agradeço, o como eu enalteço.

Falar de seres humanos é o tema mundial a que recorre todos os artistas da história. Falar de forma a ser ouvida com dedicação é mérito de bons falantes. Ouvir me faz honrado.

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Ficha técnica:
Direção: Ana Teixeira
Montagem do texto: Ana Teixiera e Stephane Brodt
Elenco: Fabianna de Mello e Souza, Stephane Brodt, Kely Brito e Thiago Guerrante
Música: Carlos Bernardo
Instrumentos em cena: Alaúde, Darbuka (percussão), Bodhran (tambor paquistanês), viola de gambá
Assistente de direção: Kely Brito
Iluminação: Renato Machado, em colaboração com o Amok Teatro
Figurino: Stephane Brodt
Cenário: Ana Teixeira
Produção: Sérgio Saboya e Silvio Batistella

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Texto escrito em setembro de 2009 por ocasião do 16º Porto Alegre em Cena

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