sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

O Processo (RJ)


Foto: divulgação

Mateus Solano


Joseph K. em nossa sociedade

O maior mérito de “O Processo” é o modo como Leandro Romano e Luiz Antônio Ribeiro atualizam o romance do tcheco Franz Kafka (1883-1924) para o teatro. Publicado depois da morte do seu autor, o livro é resultado de uma edição dos originais feita por Max Brod, amigo e incentivador de Kakfa. Na versão da Companhia Teatro Voador Não Identificado, o grande valor está na forma como é escalado o ator que, por uma única vez, interpretará Joseph K., o protagonista que sofre processo por um crime que ele não sabe qual foi (e nunca chegará a saber). Sem ter ensaiado, nem tido qualquer instrução sobre o que vai acontecer em cena, o intérprete convidado para esse desafio é outro em cada sessão. Assim, para o público, o desconforto do ator é também o desconforto da plateia que frui a história em um contexto bastante próximo do universo kafkiano. Tendo feito temporadas na Sede das Companhias e no Teatro Ipanema, na sessão analisada, Mateus Solano interpretou o papel principal de forma perfeitamente colaborativa com os ideais do projeto. A experiência foi bastante positiva!

Está no espetáculo o mais importante do livro: o desconforto frente a uma situação tão absurda quanto burocrática. Na manhã do seu aniversário, Joseph K. é surpreendido, no quarto da pensão onde mora, por dois investigadores que vêm comunicar que ele está sendo processado juridicamente. O protagonista começa então uma via crucis por tribunais, audiências, por entrevistas com advogados em um roteiro claustrofóbico principalmente porque sem sentido aparente. Não há pistas sobre qual crime foi cometido e é possível duvidar se realmente houve algum. Durante todo o romance, o leitor está junto a Joseph K. perplexo diante do modo como as estruturas de poder podem ser terríveis mesmo no período democrático. As propinas, as barganhas, o jogo de favorecimentos e de influências são peças na narrativa que Kafka assina, construindo uma metáfora surrealista na forma, mas bastante real - e contemporânea - no conteúdo.

Leandro Romano e Luiz Antônio Ribeiro reproduzem, no teatro, uma experiência de fruição bastante paralela a que o leitor pode ter com a obra literária em questão. Sem saber o que vai acontecer, o ator convidado recebe junto com o público as marcas para vivenciar a história de maneira que as surpresas para o intérprete são também as surpresas da audiência. Ambos ficam desconfortáveis, os dois reagem com estranheza à única alternativa possível: conformar-se ao sistema. Pelos méritos dessa adaptação, “O Processo” se torna, nos palcos, tão essencial como é a obra na literatura para entender a sociedade contemporânea. Antes de Mateus Solano, Eduardo Moscovis, Armando Babaioff, Rafael Infante, Julio Adrião, entre outros, também participaram do projeto, interpretando Joseph K..

Matheus Solano colaborou para o sucesso do espetáculo aqui avaliado através da sessão a que essa análise se refere. O grande carisma que esse também talentoso ator tem fez a diferença na viabilização de um bom ritmo para essa narrativa difícil. Com reações aparentemente espontâneas e inicialmente em tom engraçado, substituídas depois por impressões mais contundentes sobre o universo absurdo da história, Solano – como Anthony Perkins na versão para o cinema dirigida por Orson Welles – ajudou a aproximar o enredo daqueles que reconhecem a realidade, mas querem se abster dela quando na plateia de um teatro. Sobre os demais do elenco, apenas Julia Bernat tem algum positivo destaque, contracenando com o protagonista seguramente, dando a ver figuras interessantes. Em péssimo uso de suas vozes, no âmbito do volume, da dicção e das entonações, simplesmente não se ouviu o que Alonso Zerbinato, Amanda Grimaldi, Cirillo Luna, Daniel Passi e Pedro Müller disseram em cena. A bela trilha sonora original de Felipe Ventura e de Gabriel Vaz merecem cuidadosa atenção.

Nos muitos caminhos da burocracia jurídica, “O Processo” dá conta de ser metáfora para uma realidade em que o jogo de poder vence terrivelmente o homem, nos vence terrivelmente. Em nossa sociedade, todos temos um pouco de Joseph K.. Por pautar essa visão da realidade, a Companhia Teatro Voador Não Identificado, aqui em seu melhor trabalho, está de parabéns. Vida longa ao projeto!

*

Ficha técnica:
Concepção: LEANDRO ROMANO e LUIZ ANTONIO RIBEIRO
Direção: LEANDRO ROMANO
Dramaturgia: LUIZ ANTONIO RIBEIRO (baseado na obra de FRANZ KAFKA)
Elenco: ALONSO ZERBINATO, AMANDA GRIMALDI, CIRILLO LUNA, DANIEL PASSI, LARISSA SIQUEIRA DA CUNHA e PEDRO MÜLLER
Cenografia: ELSA ROMERO
Figurino e iluminação: GAIA CATTA e LIA MAIA
Trilha sonora original: FELIPE VENTURA e GABRIEL VAZ
Assistência de direção: JULIA BERNAT
Assistência de cenografia, figurino e iluminação: FERNANDO KLIPEL
Stand-in: FERNANDO KLIPEL e JULIA BERNAT
Consultoria teórica: DANRLEI DE FREITAS
Casting: RENATA MAGALHÃES
Filmagem e fotografia: CLARISSA APPELT, FELIPE XAVIER e ISABEL STEIN
Direção de produção: LEANDRO ROMANO
Produção executiva: RENATA GIARDINI e RENATA MAGALHÃES
Apoio institucional: PROJETO ENTRE e UNIRIO
Realização: TEATRO VOADOR NÃO IDENTIFICADO

Eu não dava praquilo (SP)


Foto: João Caldas



Cássio Scapin em cena

Myrian Muniz e o homem comum

“Eu não dava praquilo” chega no Rio ao seu último final de semana depois de uma temporada de sucesso na capital fluminense. O monólogo, em que a célebre atriz paulistana Myrian Muniz (1931-2004) narra a própria vida e seus pontos de vista sobre o trabalho do ator, estreou em julho de 2013 em São Paulo. Dirigido por Elias Andreato, em seu melhor trabalho nos últimos anos, Cássio Scapin recebeu, por esse papel, os prêmios APCA (2013) e Shell (2014). O texto é assinado por ele e por Cássio Junqueira. A peça está em cartaz no Teatro I do Centro Cultural do Banco do Brasil e vale a pena ser vista.

É bonito ver que essa história, com enorme sucesso de público, não interessa só para a classe artística, mas, mais bonito ainda é refletir sobre o modo como ela atinge o homem que trabalha em todas as profissões. Nesse sentido, o melhor de “Eu não dava praquilo” é que a peça, partindo da vida de Myrian Muniz e de aspectos da profissão do ator, alcança positivamente o público em geral. A atriz e diretora homenageada não foi, afinal de contas, uma atriz de expressão popular, talvez porque tenha tido ralas experiências no cinema e na televisão apesar de considerável carreira no teatro paulista. Por outro lado, na dramaturgia de Junqueira e de Scapin, estão lá o desacerto inicial das escolhas profissionais de Myrian quando na época de sua juventude. Também o modo como ela se encontrou na interpretação e na direção teatral. Acima de tudo, estão no texto a importância do acreditar-se em si, do esforçar-se por fazer o melhor e da dedicação ao estudo, à formação e à excelência no trabalho. E são esses os motivos que podem ter aproximado a peça das grandes plateias que a produção vem recebendo. Seja ele qual for, o trabalho é uma questão que perpassa todos os seres humanos (honestos).

Há outros motivos que podem justificar o aplauso. Cássio Scapin, já com talento reconhecido nacionalmente, renova aqui seus méritos como intérprete de valor. A voz bem articulada, com dicção e entonações claras e vivas, o ritmo dos movimentos e das expressões, os detalhes do trabalho de interpretação como um todo deixam ver a personagem não como uma imitação superficial e estereotipada, mas como uma metáfora para um ser humano cheio de complexidade. A direção de Andreato, aproveitando-se da aparente intenção da dramaturgia em fugir da enumeração wikipédica dos pontos relevantes do currículo de Myrian, situa a personagem sempre diante de novos desafios. À guisa de sua importância nacional para o teatro brasileiro, a peça retrata uma profissional que não se conforma e, como todo mundo, “mata um leão por dia”.

A belíssima luz de Wagner Freire deixa ver uma possível profundidade no palco talvez como se retratasse o lugar do homem dentro de si próprio. O figurino de Fábio Namatame e a trilha sonora de Jonatan Harold perdem a oportunidade de colaborar de forma mais interessantes ao quadro infelizmente.

Lá pelas tantas, em uma cena, o público é convidado a respirar fundo, a lembrar-se de que está ali, vivendo aquele momento que nunca mais se repetirá. Coberto de segundas intenções, esse trecho, como também vários outros, oferecem à programação de teatro carioca um motivo para o homem refletir sobre si próprio. Nesse caso, a homenagem à Myrian Muniz está vibrantemente em segundo lugar. Aplausos.

*

Ficha técnica:
Roteiro: CÁSSIO JUNQUEIRA e CASSIO SCAPIN
Elenco: CASSIO SCAPIN
Direção: ELIAS ANDREATO
Figurino e Cenário: FABIO NAMATAME
Iluminação: WAGNER FREIRE
Trilha Sonora: JONATAN HAROLD
Assistente de Direção: ANDRÉ ACIOLI
Produção Executiva: ANGELA DÓRIA
Fotos: JOÃO CALDAS
Programação Visual: DENISE BACELLAR
Produção Local: RUBIM PRODUÇÕES
Direção de Produção: FERNANDA SIGNORINI
Assessoria de Imprensa: DANIELLA CAVALCANTI
Patrocínio: BANCO DO BRASIL
Realização: CENTRO CULTURAL BANCO DO BRASIL

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

"S'imbora, o musical" (RJ)

Foto: divulgação

Ícaro Silva

O melhor musical biográfico
“S’imbora, o musical – A história de Wilson Simonal” é o melhor musical biográfico de todas essas produções do gênero realizadas nos últimos anos no Rio de Janeiro. Escrito por Nelson Motta e por Patrícia Andrade, o texto apresenta um personagem, celebrando fatos reais como méritos de uma história que é bem contada. A direção de Pedro Brício articula de forma coesa o quadro em que a narrativa se dá, atravessando o tempo com ótimo ritmo. Brilhantemente interpretado por Ícaro Silva, Wilson Simonal (1938-2000), cuja trajetória é um dos melhores momentos da música popular brasileira, merece os vastos elogios que essa produção, em cartaz no Teatro Carlos Gomes, tem lhe oferecido. 

         A história começa com dois investigadores (Paulo Trajano e Kadu Veiga) dos porões da ditatura aguardando notícias sobre a procura de Wilson Simonal (Ícaro Silva). Segundo consta, abalado pelo desarranjo em suas finanças, o cantor brasileiro mais famoso naquele começo dos anos 70, havia mandado torturar seu contador. Dessa cena inicial tensa e obscura, surge o colorido vibrante de Carlos Imperial (Thelmo Fernandes) quando a história de Simonal tem um dos seus inícios. Os autores Nelson Motta e Patrícia Andrade, com bastante sensibilidade, estruturam brilhantemente a subida do personagem negro, pobre, muito talentoso e dono de um carisma arrebatador que foi considerado o maior astro da música popular brasileira. O protagonista se apresenta na narrativa ao lado das referências do mundo real, mas sem depender delas. Na primeira parte, o público está diante de um Simonal relativamente linear cujo sorriso ilumina as dificuldades de seu caminho para a fama, alçando sonhos improváveis para um garoto do subúrbio carioca. Eis que, já no segundo ato, vem a primeira quebra. E, depois, um golpe derradeiro, quando a cena da ditadura tem seu fim. Simonal perde o sorriso e o gosto amargo ainda paira na boca quando vem a cena final, essa de extremo bom gosto, seguida do epílogo que traz de volta a apoteose que o público deve ao cantor. Envolvemente, tem-se aqui uma belíssima narrativa!

         Thelmo Fernandes narra a história através da interpretação do personagem Carlos Imperial, uma figura célebre da cultura carioca contemporânea. É ele quem, com muita graça, conduz a narrativa, aproximando a plateia do palco deliciosamente. Victor Maia, principalmente como Eduardo Araújo, faz ótimas participações ao longo do espetáculo, com êxito nas interpretações além das de canto e dança pelos quais ele já é bem conhecido. Paulo Trajano, Kadu Veiga, Gabriela Carneiro da Cunha (Tereza Pugliese) e principalmente Ariane Souza (Imperialete) garantem destaques positivos em um conjunto de trabalhos sem aspectos negativos, no que o mérito da direção de Pedro Brício, assistido por Gustavo Wabner, é bastante visível. No entanto, dentre todos, é do protagonista o maior aplauso. Ícaro Silva interpreta Simonal de forma excelente. Além de dar o seu tom para as marcas do personagem, nesse trabalho, o ator também contextualiza a figura na narrativa, apresentando o protagonista com toda a alegria possível na primeira parte para, em seguida, dar a ver mais terrivelmente a consequência visual da sua queda. Tendo já assinado ótimas participações em musicais como “Rock’n’Rio” e “Elis”, Ícaro Silva brilha.

          “S’imbora”, produzido por Luiz Oscar Niemeyer, traz ao Brasil o gostinho de Broadway. A produção evidencia positivo empenho nos grandes cenários (Helio Eichbauer) que entram e saem na hora certa, nos figurinos (Marilia Carneiro) com detalhes bem cuidados, no desenho de luz (Tomás Ribas) complexo e com operação pontual, nas coreografias (Renato Vieira) relativamente desenhadas e principalmente na orquestra que dá a ver arranjos (Alexandre Elias) coesos e coerentes. Participa do espetáculo um repertório popular facilmente identificável que é interpretado de forma original. Viva!

         Nelson Motta, Patrícia Andrade e Pedro Brício se utilizam das mazelas de Wilson Simonal para trazê-lo para mais próximo do público ao invés de sacralizar o homenageado como infelizmente tem acontecido nas biografias musicais. Talvez seja porque os autores e o diretor entendam que a grande produção não é sinônimo de sucesso se não trouxer em si também a boa narrativa de uma boa história. Ou porque sabem que o público não investirá sua atenção em uma boa história se não se encontrar nela. E esse grande Wilson Simonal, tão grandemente visto através do talentoso Ícaro Silva, é também cada um de nós em nossos erros e em nossos sonhos. Trabalhou, trabalhou!


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 FICHA TÉCNICA
Texto de Nelson Motta e Patrícia Andrade
Direção Geral: Pedro Brício
Direção Musical: Alexandre Elias
Cenário: Hélio Eichbauer
Figurino: Marília Carneiro
Coreografias: Renato Vieira
Produção Geral: Luiz Oscar Niemeyer
Direção de Produção: Joana Motta
Patrocínio: Cielo
Apoio Cultural: Bolt e Taesa
Realização: Planmusic

 Elenco:
Ícaro Silva (Simonal)
Thelmo Fernandes (Carlos Imperial)
Gabriela Carneiro da Cunha (Tereza)
Gabriel Staufer (Miele/Walter Clark/ Guinsburg)
Kadu Veiga (Marcos Moran/Boscoli)
Victor Maia (Roberto Carlos/ Eduardo Araujo/ Cesar Camargo)
Marino Rocha (Jô/Boni)
Marina Palha (Elis/Jane Burkin)
Jorge Neto (Pelé/Simoninha/Zé Ary/ Jair)
Paulo Trajano (Delegado/Zagallo/ Flavio Cavalcanti)
Cássia Raquel (Sarah Vaughan)
Dennis Pinheiro (Sabá e Carlos Alberto Torres)
Lívia Guerra ( Marly Tavares / imperialete)
Natasha Jascalevich (Brigite Bardot/ Laurinha Figueiredo)
Kotoe Karasawa (apresentadora da Record)
Ariane Souza (imperialete)
e JP Rufino e JD d´Aleluia (Simonal criança)

 Banda:
Alexandre Elias: guitarra
Kim Pereira: bateria
Denize Rodrigues: sax
Romulo Duarte: baixo
Vinicius Lugon: trompete
Antonio Neves: trombone
Reginaldo Vargas: percussão
Fernanda Torres: pianista

sábado, 7 de fevereiro de 2015

Para os que estão em casa (RJ)

Foto: Julia Ronai
Ana Abott, Leandro Livera, Cirillo Luna, Adassa Martins,
Isabel Lobo e (de costas) João Velho em cena


Vale a pena assistir!

“Para os que estão em casa”, espetáculo escrito e dirigido por Leonardo Netto, é melhor que o filme em que a peça livremente se inspirou, “Denise está chamando” (Denise calls up, 1996) do americano Hal Salwen. Não só pelas interpretações, também não apenas pela atualidade do tema, mas esta montagem é principalmente melhor porque parece que o teatro teve muito mais a contribuir com a obra do que a arte cinematográfica. Em cartaz no Teatro de Arena, do Espaço Sesc Copacabana, a produção sugere uma excelente reflexão sobre como é fácil nos acostumarmos com a solidão nesses tempos repletos de contatos unicamente virtuais.

A história começa com Vera (Ana Abott) telefonando para Lídia (Adassa Martins) para saber como foi sua festa da noite anterior e para se desculpar por não ter podido ir. Então, Lídia relata que, embora tenham sido muitos os convidados, ninguém apareceu. Chateada, Vera se frustra também porque havia planejado um encontro às cegas entre sua amiga Guida (Isabel Lobo) e Jorge (Renato Livera), amigo de Fred (Cirillo Luna), seu ex-namorado. Em outro ponto da história, Claudio (João Velho), amigo de Jorge, recebe o telefonema de uma estranha, dizendo que será mãe de um filho seu. Há um ano, ele havia doado espermatozoides seus para uma clínica de fertilização. Alice (Beatriz Bertu), a receptora, conseguiu o contato do doador e agora lhe dá a notícia. Assim por diante, os sete personagens entram em contato uns com os outros e com outros mais sempre virtualmente. Diferente do filme, a encenação de Leonardo Netto propõe que seis entre as sete principais figuras sempre estejam sendo vistas no palco, o que proporciona uma imagem muito mais ampla sobre o universo de de cada um.

Bastante comparáveis a Woody Allen, o tom dos diálogos de “Denise está chamando” foi mantido positivamente em “Para os que estão em casa”, mas a presença física e real dos atores diante da audiência faz com que os personagens sejam contemplados através de seu abandono. Sem nunca terem se visto, dois personagens se conhecem, se apaixonam, mentem e também discutem a relação. Sem jamais ter havido qualquer encontro real entre os pais, uma família se forma com o nascimento de um bebê. Um personagem morre em um trágico acidente de carro enquanto falava ao telefone de forma que o aparelho celular acaba sendo enterrado no crânio dessa vítima. Essas e as outras imagens dão a ver o modo como, na esfera virtual, a hierarquia das importâncias pode ser diferente da dos encontros reais. O mais bonito talvez seja perceber o quanto essas figuras se acostumaram com a imagem que criaram para si a ponto de não mais conseguirem lidar consigo próprias, enfrentarem-se e porem-se diante do outro de verdade quando a oportunidade enfim surge. Durante todas as quase duas horas de espetáculo, os atores nem mesmo se olham nos olhos. É aterrador!

Leonardo Netto tem o mérito de impor a monotonia como conteúdo nesse trabalho. Ao longo da peça, quatro grandes momentos são sucedidos por longos quadros em que quase nada acontece. É interessante, de um lado, identificar o quanto a direção consegue resgatar a atenção do público e pô-lo novamente em estado de alerta. Por outro turno, é vibrante o modo como a peça se apresenta como metáfora da vida real em que, pincelada por atos mais narrativos, nosso dia a dia é coberto de horas mortas. Pela grande sensibilidade, Netto é digno dos aplausos.

Na medida em que os intérpretes, dando conta de seus quadros com vivacidade, manifestam habilidade em estar constantemente ativos em cena, mas sem puxar o foco. O conjunto de personagens tão heterogêneos é igualmente carismático. Por seus méritos, “Para os que estão em casa” se comunica bastante bem com todo o público apesar das diferenças de idade que poderiam resultar em recepções diversas pelo uso diversificado da internet e dos meios virtuais de comunicação. Impossível destacar qualquer trabalho em um conjunto tão coeso de boas contribuições.

A assinatura de José Dias no cenário é uma grata surpresa. Ultimamente autor de espaços cênico-narrativos tão enrijecidos em suas formas, eis aqui uma ambientação fluída, feita com poucos mas pontuais elementos significativos que é positiva. Já elogiado muitas vezes, mas também aqui, Aurélio de Simoni faz nobre contribuição com o desenho de luz e Marcelo Olinto apresenta discretamente os personagens enquanto os aproxima do público com um figurino bem realista.

Há algum tempo, os conceitos de virtual e de real pairam na cabeça de muitos filósofos da contemporaneidade. Para muitos deles, o virtual é aquilo que só se realiza no atual, deixando de ser quando acontece. Porque, diferente do filme, o teatro é sempre um acontecimento atual, “Para os que estão em casa” talvez consiga dizer melhor o que “Denise está chamando” outrora tentou atualizar. Vale a pena assistir, isto é, estar lá.


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FICHA TÉCNICA
Texto: Leonardo Netto
Concepção e Direção: Leonardo Netto
Elenco: Adassa Martins, Ana Abbott, Beatriz Bertu, Cirillo Luna, Isabel Lobo, João Velho e Renato Livera
Participação em vídeo: Andréa Dantas e Santiago Karro Trémouroux
Cenário: José Dias
Iluminação: Aurélio de Simoni
Figurinos: Marcelo Olinto
Vídeos: Leonardo Netto e Renato Livera
Trilha Sonora: Leonardo Netto
Design Gráfico: Lê Mascarenhas
Fotografia: Vicente de Mello
Assistência de Direção: Júlia Rónai
Direção de Produção: Luísa Barros
Produção Executiva: Carol Kern
Realização: Fulminante Prod. Culturais e Capitão Comunicação e Cultura
Parceria: SESC

Cazuza - Pro dia nascer feliz (RJ)

Foto: divulgação

No centro, Osmar Silveira.

Viva Cazuza

“Cazuza – Pro dia nascer feliz, o musical” está novamente em cartaz, mas com novidades no elenco. Tendo estreado em outubro de 2013, o espetáculo dirigido por João Fonseca substituiu em sucesso “Tim Maia – Vale tudo”, esse um dos marcos da produção teatral carioca na última década. Assistida por mais de 200 mil espectadores em doze cidades brasileiras, indicada e vencedora de alguns prêmios importantes, a peça celebra a vida e a obra do cantor e compositor Agenor de Miranda Araújo Neto (1958-1990), o Cazuza, um ícone da música brasileira contemporânea. Escrita por Aloísio de Abreu, a dramaturgia teve contribuição fundamental de depoimentos de Lucinha Araújo, mãe do homenageado. Ainda interpretado pelo elogiadíssimo Emílio Dantas, nessa nova temporada, o personagem principal tem sido alternado com Osmar Silveira, dono de um trabalho bastante valoroso que a análise abaixo quer destacar dentre outros pontos relevantes. A produção ocupa o palco do Theatro Net Rio - Sala Tereza Rachel, em Copacabana, Rio de Janeiro.


A primeira impressão que surge é a de que toda história será contada pelo olhar de Lucinha (Stella Maria Rodrigues), através das sensações, das inspirações e dos valores dela. Recorrentes, suas participações chamam a atenção para o personagem. No entanto, ao longo do espetáculo, essa sensação inicial se esvanece. Há outros personagens que também contam a história de forma que a narrativa em primeira pessoa dá lugar ao vulcão chamado Cazuza (Osmar Silveira). Bastante carismático, Cazuza é um personagem que brilha: é lindo, é sensual, é livre, apesar de sua imagem também permitir as críticas de que era mimado, elitista e irresponsável. A dramaturgia de Aloísio de Abreu é cronológica, isto é, os fatos se desenrolam na peça na mesma ordem em que são descritos nas biografias do cantor. A volta ao Brasil, a vontade de cantar e as primeiras apresentações, a constituição da banda Barão Vermelho, os discos iniciais e as turnês pelo país, as festas particulares, o uso de drogas, os encontros afetivos-sexuais, a apresentação célebre no Rock In Rio de 1985, o exame de HIV e o diagnóstico. Como uma explosão de cor e de vida, o primeiro ato explora as canções mais alegres e aquelas sobre amor, as coreografias de Alex Neoral usam melhor o cenário de Nello Marrese, a iluminação de Daniela Sanchez e de Paulo Neném é mais exultante, a direção assina cenas mais rápidas e com articulações mais ágeis. No segundo ato, porém, tudo isso dá lugar a uma outra abordagem com Cazuza e seus pais apresentados em leitos hospitalares em Boston, nos Estados Unidos. “Tocado pela AIDS” (a expressão é linda!) no meio dos anos 80, o personagem, a partir daí, é visto sob uma dimensão muito mais humana. Apesar de uma coreografia de extremo mal gosto na abertura da segunda parte, seguida por outra também de gosto duvidoso, a direção de João Fonseca acerta em optar pelo maior intimismo. Há mais focos fechados, há menos usos dos diversos níveis, as canções são mais políticas, mais ácidas, mais poéticas. De tudo, o mais bonito é ver como aquele personagem brilhante retratado por seu ego muito bem desenvolvido agora parece enfrentar-se a si mesmo e aceitar o fato de que, como todos, precisa lutar pela vida. É nesse ponto que “Cazuza – Pro dia nascer feliz” deixa de ser apenas uma peça sobre um cantor famoso e ganha o direito de ser uma peça sobre todos nós. E é aí que o palco deixa de ser um show e se convida a ser um espelho cuja imagem poderá trazer alguma modificação a quem o vê.


A interpretação de personagens icônicos serve unicamente para fazer o ritmo da narrativa aumentar. A imitação das figuras originais atende a princípios claros: o público precisa identificar de forma rápida o personagem para situar o contexto da cena e para fruir a história que precisa andar agilmente. Nesse sentido, ou os intérpretes imitam bem ou fracassam terrivelmente. “Cazuza – Pro dia nascer feliz” tem más interpretações no elenco secundário, sobretudo em Carlos Leça (que alterna o personagem Ney Matogrosso com Fabiano Medeiros), Dezo Mota (Caetano Veloso) e em Brenda Nadler (Bebel Gilberto), cujos trejeitos superficializam os personagens, tentando tirar proveito de estereótipos grosseiros. Por outro lado, o elenco principal apresenta trabalhos de primeira grandeza. João Fonseca (que alterna o personagem Ezequiel com André Dias), Stela Maria Rodrigues (Lucinha) e principalmente Osmar Silveira (Cazuza) brilham, deixando ver vários níveis em suas apresentações: críticas por trás de seus personagens, ironias e segundas intenções que oferecem várias camadas de percepção. Além disso, com eles, as cenas soam positivamente pulsantes e o jogo, seja no primeiro ou no segundo ato, se estabelece em vasta potência. Isto sem falar na qualidade das vozes de Stela e de Osmar que atendem ao espetáculo com grande beleza. Arthur lenzura (Frejat), André Viéri (Guto), Oscar Fabião (Serginho), Sheila Mattos (Tereza) e Philipe Carneiro (Zeca Camargo), deixando para o texto a maior responsabilidade pela identificação de seus personagens, ajudam a equilibrar elenco tão díspare positivamente.

De acordo com o release, a intenção do cenógrafo Nello Marrese foi a de representar o píer de Ipanema e a areia da praia do Arpoador. Talvez porque a história aconteça quase nunca na praia, ou porque o mar da zona sul carioca e o sol escaldante não sejam vistos de forma mais clara em cena, ou ainda porque os caimentos dos praticáveis são em diagonais e nas bases estejam impressas frases datilografadas de Cazuza, a ideia não se concretizou. Ficou apenas o mérito da possibilidade do palco ser usado em vários níveis de altura, o que, numa produção sem entradas e saídas de ambientes, foi a mínima contribuição da cenografia para o ritmo da narrativa. Os figurinos de Carol Lobato identificam bem os personagens e a época, cumprindo sua função. Os diretores musicais Daniel Rocha e Carlos Bauzys têm ótima parte nos valores do espetáculo, adaptando as canções para a realidade do palco, mantendo firme seus conceitos originais.

“Cazuza – Pro dia nascer feliz” tem parcela de sua renda destinada à Sociedade Viva Cazuza (Fone: 21.25515368), que, aberta por Lucinha Araújo logo depois do falecimento do filho, dá assistência a crianças e a adolescentes carentes portadores do vírus da AIDS. Nesse sentido, assistir à peça não é apenas um modo de divertimento ou um motivo para a reflexão, mas um meio de ajudar a entidade que vive de contribuições espontâneas, fazendo um trabalho de valor inestimável há vinte e cinco anos. À sociedade e, principalmente aqui, ao espetáculo, parabéns.



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FICHA TÉCNICA
Texto: Aloísio de Abreu
Direção Geral: João Fonseca
Produção Geral: Sandro Chaim

Direção Musical: Daniel Rocha
Supervisão Musical: Carlos Bauzys
Preparador Vocal: Felipe Habib
Coreografias: Alex Neoral
Cenário: Nello Marrese
Figurino: Carol Lobato
Visagismo: Juliana Mendes
Design de luz: Daniela Sanches e Paulo Nenem
Design de som: Gabriel D´Angelo
Realização: Miniatura 9, Chaim XYZ Produções

Elenco:
Osmar Silveira (Cazuza, dividido com Emílio Dantas)
Stela Rodrigues (Lucinha Araújo)
Marcelo Várzea (João Araújo)
João Fonseca (Ezequiel Neves, dividido com André Dias)
Carlos Leça (Ney Matogrosso, dividido com Fabiano Medeiros)
Brenda Nadler (Bebel Gilberto)
Arthur lenzura (Frejat)
Igor Miranda(Maurício Barros)
Oscar Fabião (Serginho)
André Viéri (Guto Goffi)
Marcelo Ferrari (Dé Palmeira)
Dezo Mota (Caetano Veloso)
Carol Dezani (Yara Neiva)
Sheila Mattos (Tereza)
Philipe Carneiro (Zeca Camargo)

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Hora Amarela (RJ)

Foto: André Wanderley

Deborah Evelyn e Emílio de Mello

Um filme ruim


“Hora amarela”, nova peça dirigida por Monique Gardenberg, é tão monótona quanto um filme enlatado americano. Escrita pelo dramaturgo estadunidense Adam Rapp, a peça estreou em 2012 em Nova Iorque sem chamar qualquer atenção do grande público, recebendo críticas negativas e apenas uma indicação de Melhor Desenho de Som ao Drama Desk Award de 2013. A versão brasileira, protagonizada por Deborah Evelyn e com Emílio de Mello no elenco, entre outros, tem trabalhos de interpretação bastante ruins, mas traz boas contribuições da equipe técnica no desenho de cenário, figurino, iluminação e de trilha sonora. A peça está em cartaz no Teatro II do Centro Cultural do Banco do Brasil.

Na historia, em algum lugar do futuro, a cidade de Nova Iorque foi invadida por extremistas islâmicos que espalharam bactérias capazes de destruir a saúde dos habitantes. Além disso, homens e mulheres foram presos, mutilados e mortos em um banho de sangue presente em toda a parte. Quando a peça começa, já faz cinquenta e dois dias que a enfermeira Ellen (Deborah Evelyn) está sozinha, auto-encarcerada no porão de sua casa. O local é invadido por um Homem Sírio (Daniel Infantini) que não fala inglês e, por isso, não é compreendido, sendo morto por Ellen, desesperada nessa situação em que se encontra. Dias depois, ela abre a porta de sua casa para Maude, uma mulher (Isabel Wilker) que surge trazendo sua filha para vender em troca de drogas. Há ainda o professor Hakim (Emílio de Mello), também desconhecido, que diz trazer notícias sobre seu marido até então desaparecido. Por fim, meses depois mas na mesma situação, três novos personagens se encontram com Ellen já emocionalmente debilitada. Um Médico (Emílio de Mello) examina minuciosamente a bebê de Maude, acompanhado de uma Assistente (Daniele do Rosário). Quando eles saem, fica em seu lugar um Jovem Negro (Darlan Cunha) que até então vivera com eles em uma colônia dirigida por homens brancos que pretendem purificar a raça humana, coexistindo (não se sabe como) ao horror estabelecido pelos extremistas islâmicos. O título “Hora Amarela” diz respeito à trégua que parece haver naquele mundo ficcional na hora da tarde em que os seguidores de Alá deitam suas armas para o momento de oração. Completamente presa a uma cultura do pânico, motivada por ataques terroristas, mas beneficiada pelos bilhões de dólares investidos em assuntos relacionados à guerra, essa peça de Adam Rapp, traduzida por Isabel Wilker, reproduz uma visão superficial de mundo que atende a interesses comerciais específicos infelizmente.

A direção de Monique Gardenberg estabelece - e defende - a existência de uma firme “quarta parede” que protege (?) o elenco do público. Com um desenho de interpretações realistas, no cenário também realista de Daniela Thomas, os personagens apresentam e lidam com seus problemas sem qualquer intenção de aproximar a peça do público. Se o clima nos Estados Unidos em relação aos seus inimigos é esse, no Brasil a história é outra. Sem crítica alguma, com um enlatamento de um contexto cultural que pouco se aproxima do nosso, a versão brasileira de “Hora Amarela” mais parece um filme de TV aberta disposto a meramente entreter.

Não há bons trabalhos de interpretação no elenco. A emoção exagerada e a inércia dividem a narrativa em uma alternância cambaleante. Há bons momentos nos trabalhos de Emílio de Mello e de Daniele do Rosário, representando, nas pausas, a frieza que está também expressa nos figurinos, mas há também as péssimas contribuições de Darlan Cunha e de Isabel Wilker, cujas interpretações parecem esconder, na apatia, um desapego fora do contexto. Deborah Evelyn traz uma construção exaustivamente linear que deixa apenas para o texto a responsabilidade de fazer movimentar a história pelo tempo e transformar o significado do espaço.

Os únicos méritos de “Hora Amarela” dizem respeito ao cenário, ao figurino, à iluminação e à trilha sonora. Daniela Thomas e Camila Schmidt deixam ver o porão como um depósito em que o acesso fica na parte superior, por onde se chega caminhando por sobre móveis justapostos. No fundo, à esquerda, a dupla de cenógrafas situou a banheira que os personagens usam para tomar banho. Ainda que dividido em pequenos espaços heterogêneos, o ambiente se equilibra evidenciando ainda o caos do mundo ficcional que entra em colapso lá fora. Os figurinos de Cassio Brasil agem no mesmo sentido, apresentando os personagens e as situações em que eles se encontram as quais deveriam apenas ser ponto de partida para a dramaturgia e para a encenação e não o todo de cada uma. Maneco Quinderé, como também Lourenço Rebetez e Zé Godoy, auxiliam na criação de certa complexidade através do desenho de luz e da trilha sonora original, esses que operam na tentativa de marcar com nuances os quadros existentes.

Com mais de cem minutos, a versão brasileira de “Hora Amarela” sustenta a pergunta sobre o que essa peça, sem relevância em seu país de origem, tem a nos dizer. Possivelmente a resposta será tão tola quanto os filmes ruins que televisão aberta não se cansa de reproduzir.



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Ficha técnica:

Texto: Adam Rapp

Tradução: Isabel Wilker

Direção: Monique Gardenberg

Elenco: Deborah Evelyn, Isabel Wilker, Emílio de Mello, Darlan Cunha, Daniel Infantini e Daniele do Rosario

Cenografia: Daniela Thomas e Camila Schmid

Figurinos: Cassio Brasi

Iluminação: Maneco Quinder

Trilha Sonora Original: Lourenço Rebetez e Zé Godo

Assistente de direção: Mila Portela

Assistente de iluminação: Felício Mafra e Orlando Schaider

Assistente de produção: Lis Maia

Diretor de cena: Geison Brito

Design Gráfico: Ana Carolina Montenegro e Rita Sepulveda

Direção de Produção: Dadá Maia

Realização: Calligaris Produções Literárias e Artísticas e Mônica Torres

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Um de nós (RJ)

Foto: divulgação

Zé Wendell, Lucas Oradovschi, Pedro Monteiro, Jorge Neves e Gabriela Estevão

Teatro e judô permanecem distantes

O melhor de “Um de nós” é a direção de Joana Lebreiro que, mais uma vez, oferece, à programação de teatro carioca, seu olhar sensível e criativo como encenadora. No geral, o resultado da peça não é bom, ainda que haja algumas boas contribuições no cenário de Natalia Lana e no trabalho de interpretação do elenco, principalmente o de Zé Wendell. Vale destacar positivamente a preciosa trilha sonora de Marcelo Alonso Neves, outro artista especial entre os grandes nomes do Rio de Janeiro. Idealizada por Pedro Monteiro, a peça está em cartaz no Teatro Maria Clara Machado, no Planetário da Gávea, com o mérito de tentar aproximar o judô das artes cênicas.


A dramaturgia do espetáculo, escrita por Pedro Monteiro, Joana Lebreiro e por Marcus Galiña, apresenta dois problemas mais graves. Na história, um homem (Monteiro) assiste à TV durante a madrugada. Em um programa qualquer, conhece Arash (também interpretado por Pedro Monteiro), um lutador de judô iraniano que passa mal antes de entrar no tatame dos Jogos Pan-Americanos de 2007. Ele representaria a Guatemala, buscando uma classificação para os Jogos Olímpicos de Pequim. Não é, no entanto, o fato de um iraniano poder representar a Guatemala que chama a atenção do personagem insone, mas a história por trás dessa derrota na carreira de Arash. Voltando no tempo, a dramaturgia narra como o judô entrou na vida de Arash e no como ele ficou impossibilitado de disputar as Olimpíadas de 1980 (Moscou) e todas as outras até 2004 (Atenas). O primeiro problema de “Um de nós” está na quebra da matemática realista. O espectador faz as contas e sabe que um lutador de judô capaz de representar seu país em 1980 não terá 39 anos em 2007. E, enquanto se perde em pensamentos testando seu raciocínio, se perde também na narrativa. A segunda questão diz respeito à relevância da história. As derrotas de Arash na programação noturna na televisão entretêm um homem insone que não tem nome, nem identidade na narrativa de forma que não há por onde o público experimentar o espetáculo mais sensivelmente. No quê essa história é relevante para esse homem-narrador?

Joana Lebreiro, que assinou recentemente a direção de belos espetáculos como “Meu caro amigo”, “Coisas que a gente não vê” e “Jumbo”, desenha bem o desenrolar das cenas no palco do Teatro Maria Clara Machado. Além de quadros repletos de complexidade e de beleza, a peça tem ótima articulação de cenas que se apresentam em ótimo ritmo. “Um de nós” tem ainda evolução positiva pela beleza da composição de Marcelo Alonso Neves e pela direção de movimento de Nathália Mello. 

Ainda que haja maior destaque positivo na interpretação de Zé Wendell, pela forma como o intérprete esconde as marcas e aproxima o público do jogo teatral, há bom resultado no trabalho de Jorge Neves também pelo jeito como esse ator usa o recurso vocal e expressa suas intenções. Enrijecidas, as interpretações de Lucas Oradovschi e de Gabriela Estevão limitam-se ao mínimo narrativo enquanto a de Pedro Monteiro deixa a desejar pela gestualidade pouco mobilizável, pela dicção problemática e pela inexpressão facial.

Natalia Lana tem elogiável contribuição pela forma cuidadosa com que o cenário se apresenta ao público. O chão emborrachado tem laterais em corte reto, fazendo boa dupla com os quimonos pendurados à rotunda. No centro, a imagem do Mestre Jigoro Kano (1860-1938) faz bonita composição em quadro cênico iluminado de forma pontual por Daniela Sanchez.

Ao apresentar a história do lutador de judô Arash contada por um personagem sem face, “Um de nós” perde a oportunidade de estabelecer uma ponte mais firme que relacione o esporte ao teatro. Ainda que sejam reconhecidos os méritos artísticos da montagem, incluindo suas potencialidades, a percepção final é a de que os interessados continuarão interessados, mas os não iniciados permanecerão como estão. Uma pena!

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FICHA TÉCNICA:
Uma história de Pedro Monteio
Texto: Marcus Galiña, Joana Lebreiro e Pedro Monteiro
Direção: Joana Lebreiro
Elenco: Gabriela Estevão, Jorge Neves, Lucas Oradovschi, Pedro Monteiro e Zé Wendell
Direção de Movimento: Nathália Mello
Diretora assistente: Brunna Napoleão
Música original e Direção musical: Marcelo Alonso Neves
Iluminação: Daniela Sanchez
Figurino: Roberta Pozzato
Cenário: Natalia Lana
Design gráfico: Lívia Paupério
Produção: Marcella Tobelem e SP2 Brazil
Realização: Pedro Monteiro

Bonitinha, mas ordinária (RJ)

Foto: divulgação

Ana Moura, Laura de Castro e Julia Schaeffer em cena

Asséptico
Falta sexo nessa “Bonitinha, mas ordinária”, assinada pela Cia. Teatro Portátil. Escrita por Nelson Rodrigues (1912-1980), a peça tem, nessa montagem dirigida por Alexandre Boccanera, interpretações que valorizam o uso da voz, mas quase nenhuma marca de sensualidade, ficando relativamente longe do humor velado que geralmente brota das tragédias rodrigueanas. Com Marcello Escorel, Elisa Pinheiro, Anderson Cunha, entre outros, no elenco, a produção está em cartaz no Teatro III do Centro Cultural do Banco do Brasil no Rio de Janeiro.

Escrito em 1962, o texto “Otto Lara Resende ou Bonitinha, mas ordinária” conta a história de Edgard (Guilherme Pinheiro) que, sempre muito pobre, vê enfim uma chance de subir na vida quando Peixoto (Anderson Cunha) lhe oferece a mão de sua cunhada Maria Cecília (Julia Schaeffer). O motivo é simples: o pai milionário, Dr. Werneck (Marcello Escorel), sabe que sua filha não terá melhores opções, após ter sido “currada por cinco negros quando sozinha em um carro enguiçado na estrada para a Barra da Tijuca. O problema é que o coração de Edgard bate por outra pessoa, a vizinha Ritinha (Elisa Pinheiro), professora em um colégio de freiras na Tijuca, que sustenta a mãe e as três irmãs mais novas (Laura de Castro, Ana Moura e Julia Schaeffer). É o cronista mineiro Otto Lara Resende (1922-1992) quem “ajuda” o protagonista. A frase de sua alcunha (ele nega a autoria!) “Mineiro só é solidário no câncer” inspira Edgard a casar-se sem amor, mas pelo dinheiro uma vez que, nesse mundo em que os personagens vivem, ninguém é por nós além de nós mesmos. Dentre os vários méritos dessa dramaturgia, está a forma como Nelson Rodrigues solta as verdades dos personagens: a vida secreta de Ritinha, os detalhes da “curra” de Maria Cecília, os vícios de Dr. Werneck, a culpa de Pacheco, etc. Além disso, há o modo como Nelson, o maior dramaturgo brasileiro, situa as ações ao longo da peça: o cemitério do Caju, a Avenida Niemeyer, o interior dos carros, a praia, etc... Há ainda os significados por trás do título. Com uma personalidade completamente oposta a do dramaturgo, Otto Lara Resende, que nunca assistiu à peça cujo título o homenageava, era católico praticante e, segundo consta, fidelíssimo a sua esposa e filhos. A atriz Tereza Rachel, que completará 80 anos em agosto de 2015, viveu a primeira Ritinha, na montagem dirigida por Martim Gonçalves e que estreou em novembro de 1962.

Nessa montagem dirigida por Alexandre Boccanera,  com co-direção de Duda Maia, esses assistidos por Marcio Freitas, a graça vem como forma e não como conteúdo. Espalhados pelo espaço cênico, sempre sentados no meio do público, com o palco sem coxias, mas coberto por um carpete vermelho e com degraus iluminados com lâmpadas incandescentes, os atores nunca desaparecem. Puxando as atenções para si, ao invés de para o texto, a direção assina uma visão leve e um tanto superficial que é bastante asséptica. Não há o submundo, não há os moralismos que escondem os vícios e que tornam cômicas as situações. Ao invés de se revelarem engraçadas, as personagens já são engraçadas antes de aparecerem, sobretudo em um momento em que todas as luzes se acendem e é como se um show acontecesse. Distante do que parece ter sido o olhar de Boccanera, não é pela fama que Edgard aceita se casar, mas porque reconhece a tragédia do homem sempre sozinho diante das responsabilidades por si. Fria, essa encenação não tem destaques no trabalho do elenco, embora ninguém chegue a defender mal os deliciosos personagens desse texto.

O figurino de Patrícia Muniz talvez tenha a boa intenção de dizer ao público que, independente da classe social ou do bairro onde mora, todo mundo é igual. Essa, no entanto, é outra marca de superficialidade da montagem, pois facilita uma conclusão que poderia ser de todo mérito da audiência. Vestindo todos os personagens de bege (e branco), com detalhes em vermelho a combinar com o carpete, Muniz contribui negativamente para chapamento dessa visão da obra. Já analisado, o cenário tem sua concepção assinada por Mina Quental. O desenho de luz de Aurélio de Simoni tenta criar alguma profundidade na encenação com algum sucesso. Ainda que com algum valor estético, criadas por Beatriz Carvalho e por Diogo Nii Cavalcanti, as animações que ilustram o espetáculo ratificam a avaliação negativa aqui exposta.

Com o centenário do nascimento de Nelson Rodrigues celebrado em 2012, muitas montagens foram feitas a partir de suas obras. Por sua profundidade, complexidade e virtuosismo, nunca é demais bem revisitá-lo. Infelizmente, esse não foi o caso.

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FICHA TÉCNICA:
Texto: Nelson Rodrigues
Direção: Alexandre Boccanera

Elenco: Ana Moura, Anderson Cunha, Cláudio Gardin, Elisa Pinheiro, Guilherme Miranda, Julia Schaeffer, Laura de Castro, Marcello Escorel, Márcio Freitas e Morena Cattoni.

Co-direção: Duda Maia
Direção Musical e Trilha Sonora: Guilherme Miranda
Cenografia: Mina Quental
Figurino: Patricia Muniz
Filmes de Animação: Beatriz Carvalho e Diogo Nii Cavalcanti
Iluminação: Aurélio de Simoni
Preparação Corporal e Direção de Movimento: Joana Ribeiro e Marito Olsson-Forsberg
Preparação Vocal: Ana Frota
Assistente de Direção: Márcio Freitas
Realização: Cia Teatro Portátil
Produção: Boccanera Produções Artísticas
Produção Executiva: Alessandra Azevedo

domingo, 1 de fevereiro de 2015

Sim! Eu aceito! (RJ)

Foto: Gulga Melgar

Diogo Vilela e Sylvia Massari em cena


Um bonito musical sobre o tempo

“Sim! Eu aceito! – O Musical do Casamento” é dirigido por Claudio Figueira, com Diogo Vilela e Sylvia Massari no elenco na versão brasileira que é assinada por Flávio Marinho. De um jeito ingênuo, a peça conta uma história de amor em que o casal se ama do princípio ao fim, em que os filhos vêm para confirmar sua união, em que o sucesso profissional dele e a colaboração dela são motivos para que o casamento chegue às bodas de ouro e passe disso. Originalmente escrita sem grandes curvas narrativas e desprovida de tramas complexas, a peça de Tom Jones com músicas de Harvey Schmidt pode frustrar quem espera por reviravoltas tradicionais, mas encanta quem é sensível o suficiente para perceber que seus protagonistas não são nem Michael, nem Agnes, mas o tempo que não para de correr. Bonito!

“I do! I do” estreou em 5 de dezembro de 1966 na Broadway com Mary Martin (seu último musical) e Robert Preston no elenco, cumprindo uma relativa temporada de sucesso. A produção recebeu sete indicações ao Tony Award, com Preston vencendo a de Melhor Ator. Carol Burnett e Rock Hudson também desempenharam os papéis. (Em 1969, Julie Andrews e Dick Van Dyke foram cotados para uma versão cinematográfica do musical que acabou nunca acontecendo infelizmente) A peça foi a terceira produção da dupla de americanos Harvey Schmidt e Tom Jones, mais conhecida no Brasil por “The Fantasticks” (“Os Fantástikos”, na versão brasileira de 1996, dirigida por Elias Andreatto, com Claudio Botelho e Kiara Sasso no elenco). Ainda em cartaz no Teatro das Artes, no Shopping da Gávea, a estreia no Rio de Janeiro de “Sim! Eu aceito” aconteceu em 5 de dezembro de 2014, data em que se comemorou o aniversário de 48 anos do lançamento.

A história se passa entre 1895 e 1945, começando com a noite de núpcias do casal Agnes e Michael Snow. A cena de abertura, em que os personagens cantam “All the dearly beloved”, já define o tom: trata-se de uma história feliz em que o marido ama a esposa e a esposa ama o marido sem grandes conflitos. A evolução das cenas confirma a impressão inicial de que os acontecimentos são sinais de que o tempo está passando: o nascimento do filho e da filha, o sucesso profissional, a crise dos 15 anos, a chegada da velhice, o casamento dos filhos, etc.

Na versão brasileira, Diogo Vilela interpreta Michael, o marido apaixonado que é um escritor em ascensão no início da narrativa e com sucesso no meio e no fim dela. Sylvia Massari é Agnes, a esposa apaixonada, virgem na abertura da narrativa, mãe de dois filhos e avó cuidadosa do meio para o fim. Com alguns defeitos que possam aproximar os personagens da realidade, o casal permanece sendo modelo na versão de Claudio Figueira positivamente nesses dois bons trabalhos de interpretação. Vilela e Massari cantam bem e estabelecem bom jogo entre si e com a audiência, movendo a história em dois atos em evolução bem articulada de cenas que acontecem sempre no mesmo espaço.

Sem mudanças significativas no cenário, a peça inteira acontece  no quarto conjugal de Michael e de Agnes. Escrito como adaptação da peça “The Fourposter” (“A cama de dossel”), do holandês Jan de Hartog (1914-2002), escrita em 1951 e vencedora do Tony Award de melhor espetáculo na Broadway em 1952, ao lado do musical “O Rei e Eu”, “Sim! Eu Aceito!” também é metáfora para os vários prazeres, sonhos e adversidades que um casal divide em sua cama. Nesse sentido, o cenário e os figurinos assinados por Clívia Cohen retratam coerentemente com o original o universo dos personagens e suas transformações através dos tempos. Os melhores momentos do cenário são aqueles em que as cenas tratam dos nascimentos do filho e da filha. Com o modesto auxílio da iluminação de Marco Cardi, a direção de arte como um todo tem o mérito de proteger a história dentro do romantismo, sendo a estética bem responsável pela criação da idealidade de que a narrativa parte. Liliane Secco atravessou bem o desafio de transformar todas as canções do espetáculo em partituras apenas para o piano. O som do instrumento tocado simultaneamente por Priscilla Azevedo e por Marcelo Farias acabou por condizer adequadamente ao conceito possa estar por trás do que é visto em cena.

O espaço para o contínuo sucesso dessa história dos anos 50 para cá ainda é pleno. O tempo que corre para os personagens Michael e Agnes também corre para o público e talvez esse seja o principal elo de ligação entre “Sim! Eu aceito!” e as diferentes plateias que têm recebido suas produções. Em todas as gerações, o sonho de passar a vida ao lado da pessoa amada ainda é compartilhado.


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FICHA TÉCNICA

Com: Diogo Vilela e Sylvia Massari
Texto e Letras: Tom Jones
Músicas: Harvey Schmidt
Direção e Coreografia: Cláudio Figueira
Direção Musical e Preparação Vocal: Liliane Secco
Versão: Flávio Marinho
Direção de Produção: Cláudio Figueira
Cenografia e Figurino: Clívia Cohen
Figurinos de noiva e vestido de noite: Carol Hungria
Caracterização: Sergio Azevedo
Figurinista Assistente: Clara Cohen
Assistente de coreografia: Elisa Firpo
Iluminação: Marco Cardi
Técnico de Som: Luiz Everando
Programação Visual: Luiz Pimenta
Alfaiate: Macedo Leal e Equipe
Costura: Atelier das Meninas /Paulo Silva
Cenotécnico e Pintura de Arte: Máximo Esposito
Assistente de Cenotécnico: Willian Marcelo
Serralheiro/ Aramista: Junior Alexandre
Adereços e Maquete Virtual: José Cohen
Fotografia: Miguel Sá
Produção:
Carmen Figueira - Só de Sapato Produções
Renata Borges - Fábula Entretenimento 

Bilac vê estrelas (RJ)

Foto: divulgação

Na frente, Alice Borges, Gustavo Klein, André Dias, Izabella Bicalho e Reiner Tenente


As estrelas que fazem ver Bilac

“Bilac vê estrelas” é o novo ótimo musical com a assinatura de João Fonseca. Escrito a partir do livro homônimo de Ruy Castro, publicado no ano 2000, o texto é uma bem sucedida adaptação de Heloisa Seixas e de Julia Romeu. Na história, personagens reais como Olavo Bilac e José do Patrocínio são vítimas das tramoias planejadas pelos fictícios Padre Maximiliano e pela espiã portuguesa Eduarda Bandeira. Os vilões tentam roubar os projetos de construção do primeiro balão dirigível a ser produzido no Brasil na narrativa situada no início do século XX. É da trilha sonora originalmente composta por Nei Lopes o maior mérito dessa produção em cartaz no Teatro Sesc Ginástico, no centro do Rio. É vibrante perceber o quanto a plateia acolhe as canções totalmente desconhecidas, garantindo reflexões essenciais sobre a importância das produções de teatro musical que invistam em novas histórias, novas músicas além do talento das interpretações e das partes técnicas. Eis aqui uma ótima sugestão na programação de teatro carioca.

A peça se passa em 1903 no Rio de Janeiro, em plena Belle Époque brasileira. Entre os personagens, as diversas figuras ficcionais convivem com personalidades importantes da história do Brasil em que se destaca o poeta Olavo Bilac (1865-1918), o mais famoso poeta daquele momento, cujos sonetos eram celebremente decorados e lidos, além de seus artigos nos jornais serem bastante respeitados. Nos breves quadros de apresentação, o caráter de Bilac surge tratado a partir de sua fidelidade aos amigos, dentre eles, o jornalista e político José do Patrocínio (1853-1905). Desde os últimos anos do século XIX, esteve Patrocínio envolvido na construção de um balão dirigível. Na ficção de Ruy Castro, o projeto chamou a atenção da espiã portuguesa Eduarda Bandeira, enviada ao Brasil pelos irmãos Wilbur e Orville Wright, que, na vida real, ainda disputam com Santos Dumont acerca da criação do primeiro avião. Unida ao Padre Maximiliano, outro personagem fictício, grande inimigo de Bilac, Eduarda chega ao hangar no bairro Santa Cruz, onde Patrocínio mora e projeta seu balão. O ponto alto da peça se dá no dia da chegada ao Brasil de Santos Dumont, que vem da França especialmente para conhecer o projeto. Mocinhos contra bandidos, “Bilac vê estrelas”, partindo de uma narrativa com fundo lírico, fixa-se soberbamente na ótima comédia, envolvendo o público de todas as idades e de diferentes repertórios culturais.

Dirigida por João Fonseca, essa comédia tem excelente ritmo na medida em que articula bastante bem a estruturação e modificação dos quadros. Uma cena resulta na outra de forma que, nem a entrada das canções faz o texto parecer um trampolim para as músicas, nem a economia nos cenários revele uma limitação da ordem da produção. São os personagens que dizem as rubricas, situando o público nos locais onde a narrativa se dá. A quebra da “quarta parede”, nesse sentido, é causa e consequência da ótima conversa entre palco e audiência. Além disso, todos os trabalhos de interpretação são positivos, apesar de haver alguns melhores destaques, o que deixa ver que houve um ótimo trabalho de João Fonseca.

“Bilac vê estrelas” tem um ótimo conjunto de interpretações como as de Izabella Bicalho (Eduarda), Reiner Tenente (Guimarães Passos), Gustavo Klein (Coelho Neto), Saulo Segreto (Santos Dumont) e de Sérgio Menezes (José do Patrocínio). No entanto, merecem destaque os trabalhos de Tadeu Aguiar (Padre Maximiliano) e o de Alice Borges (Madame Labiche) pela forma como os excelentes usos de suas experiências, técnica e talento geram resultados positivos ao espetáculo. Suas construções são carismáticas, vivas e a falta de complexidade que o gênero dramatúrgico poderia impor resulta em méritos incontáveis para a apresentação da comédia planejada. Por fim, o melhor trabalho da montagem é o de André Dias na interpretação de Olavo Bilac. Nos quadros em que a difícil poesia parnasiana ganha voz (por exemplo, o duelo de sonetos), nas cenas em que a comédia tem lugar (Eduarda invadindo seu quarto na calada da noite) ou nos momentos de ápice da narrativa, sempre a excelente dicção, as intenções bem dispostas e a movimentação bem expressa são possíveis de ser encontradas. Um trabalho de primeira grandeza!

A peça precisa ainda ter valorizada sua parte visual. O cenário com poucos elementos de Nello Marrese, as coreografias menos rebuscadas de Sueli Guerra e o desenho de luz menos expressivo de Dani Sanches abrem espaço para o ritmo rápido da narrativa dramatúrgica e para as belas interpretações, para o figurino vistoso Carol Lobato em Mme. Labiche e principalmente para os lundus, valsas, xotes, maxixes e outros ritmos que se espalham pela vibrante composição musical de Nei Lopes. A falta de um leitmotiv, que geralmente se impõe como grande desafio para a coesão do espetáculo musical, aqui faz a peça parecer uma grande festa para um personagem brasileiro que não ficou famoso por romances, mas por suas poesias em versos alexandrinos. Excelente!

O advento do Modernismo tentou expulsar a obra de Olavo Bilac do interesse intelectual ao longo do último século. Ruy Castro, João Fonseca e Nei Lopes, com esse elenco e ficha técnica, enfim reconduzem o “Príncipe dos Poetas” para o seu lugar de destaque. As estrelas que ele viu e fez ver ainda brilham. Aplausos.

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FICHA TÉCNICA

Baseado no livro ‘Bilac Vê Estrelas’, de Ruy Castro

Autoras: Heloisa Seixas e Julia Romeu

Música e letras de Nei Lopes

Diretor: João Fonseca

Diretor musical: Luís Filipe de Lima

Elenco: André Dias, Izabella Bicalho, Tadeu Aguiar, Alice Borges (atriz convidada), Sergio Menezes, Reiner Tenente, Jefferson Almeida, Saulo Segreto e Gustavo Klein

Músicos: Daniel Sanches, Oscar Bolão

Cenógrafo: Nello Marrese

Figurinista: Carol Lobato

Coreógrafa: Sueli Guerra

Iluminadora: Daniela Sanchez

Sound Designer: Carlos Esteves

Projeto Gráfico: Radiográfico

Assistentes de produção: Luiza Toré e Isabela Reis

Produtora Executiva: Juliana Cabral

Diretora de produção: Amanda Menezes

Coordenação geral: Maria Angela Menezes



Produção: Tema Eventos Culturais