domingo, 29 de maio de 2016

O camareiro (SP)

Curta nossa página no Facebook: www.facebook.com/criticateatral
Siga-nos no Instagram: @criticateatral

Foto: divulgação

Tarcísio Meira e Kiko Mascarenhas

Ulysses Cruz, Tarcísio Meira e Kiko Mascarenhas apresentam no Rio um dos melhores espetáculos em cartaz

“O camareiro”, em cartaz até o próximo dia 12 de junho, no Teatro Sesc Ginástico no centro do Rio de Janeiro, é excelente sob todos os aspectos. Escrito pelo sul-africano Ronald Harwood em 1980, o texto narra o colapso vivenciado por uma companhia shakespeariana de teatro com a debilidade mental de seu maior astro. Em questão, está uma sociedade ameaçada pelo avanço do totalitarismo nazista e a implacável chegada da velhice: os novos e os velhos sistemas se enfrentando e exigindo que tudo seja reavaliado. Dirigido brilhantemente por Ulysses Cruz, eis uma oportunidade de se reencontrar com Tarcísio Meira, comemorando 60 anos de carreira e 80 de idade, no palco, lugar de onde ele esteve afastado por duas décadas. Ao seu lado, está Kiko Mascarenhas, o idealizador do projeto, em um dos seus trabalhos de interpretação mais vibrantes: o papel título. Junto deles, Lara Cárdulla, Karen Coelho, Silvio Matos, Ravel Cabral e Analu Prestes em ótimas colaborações também. O cenário de Andre Cortez e o figurino de Beth Filipeck e de Renaldo Machado são outros dois grandes destaques da montagem que eleva em muitos níveis a qualidade da programação teatral carioca nessa temporada.

Texto brilhante Ronald Harwood
A peça se passa em 1942, quando a Inglaterra corria sério risco de ser invadida por Hitler como vários outros países da Europa já o tinham sido no meio da Segunda Guerra Mundial. Alarmes militares, sobrevoos aéreos, tanques e soldados marchando pelas ruas lembravam os ingleses, além do rádio, dos jornais e do cinema, do perigo iminente. A narrativa começa quando Sir (Tarcísio Meira), o ator líder da companhia shakespeariana, está sumido, o que põe em risco a sessão de “Rei Lear” marcada para a noite. Manter um espetáculo de teatro em cartaz naquele clima geral de apreensão é definitivamente posto em cheque dadas também as circunstâncias de saúde em que o protagonista dela se encontra. Manter a tradição inglesa da pontualidade e da correção, sustentar Shakespeare como bastião do mundo ocidental ainda não vencido pelos nazistas e sobreviver mesmo com o escasso dinheiro que aquele trabalho proporciona estão de um lado. Do outro, o isolamento em casa contra o pânico, a fome e o frio das ruas. Há uma escolha a ser feita e, com certeza para o público de “O camareiro”, fica claro que é Norman (Kiko Mascarenhas) aquele que lidera a todos no caminho a ser seguido.

Ronald Harwood escreveu o texto baseado em suas lembranças de juventude. Entre 1953 e 1958, recém chegado à Inglaterra, ele foi camareiro do famoso ator britânico Donald Wolfit (1902-1968). A dramaturgia foi levada à cena pela primeira vez no ano em que foi escrita em West End, em Londres, tendo recebido indicação ao Lawrence Olivier de Melhor Espetáculo de 1980. Dois anos depois, a montagem americana concorreu aos Tony de Melhor Ator (Tom Courtenay) e de Melhor Espetáculo. Em 1984, a versão cinematográfica dirigida por Peter Yates ganhou, entre outros prêmios, cinco indicações ao Oscar: Melhor Ator (Tom Courtenay e Albert Finney), Melhor Direção, Roteiro e Melhor Filme. Em 2015, dois meses depois dessa versão brasileira ter estreado em São Paulo, foi ao ar pela BBC a última versão fílmica da obra, essa protagonizada por Ian McKellen e por Anthony Hopkins.

“Rei Lear”, a peça dentro de “O camareiro”, foi escrita entre 1604 e 1606 por William Shakespeare (1564-1616). Ela fala sobre a velhice e está no contexto do fim do longo reinado da Rainha Elizabeth e do início do de Jaime IV, mais velho que ela. A relação entre pais e filhos, os laços de sangue e as filiações bastardas são pano de fundo para a continuidade da descendência, dos sonhos da juventude e dos planos de vida. Nos personagens de Ronald Harwood, que chegaram ao Brasil através da brilhante tradução de Diego Teza, paira uma certa ansiedade acerca dos últimos traços de uma Inglaterra que nunca mais foi a mesma. Depois do fim da Segunda Guerra, o mundo já não comportou a abnegação da criadagem nas estruturas sociais tão fixas nem tampouco a relação entre trabalho e emprego permaneceu intacta naquele país.

Direção e interpretações exultantes!
A direção de Ulysses Cruz, com delicadeza e sensibilidade, preserva todo esse contexto de transformação de valores presentes na Inglaterra do início do século XVII e dos anos 40 do século XX. Do velho e nobre ator Sir (Meira) ao jovem dramaturgo Oxenby (Ravel Cabral) até chegar à Milady (Lara Córdulla) e ao ator Geoffrey (Silvio Matos), há um abismo. Em uma ponta, marcas diversas que valorizam a arte. Em outra, a mediocridade da vida simples e das necessidades básicas. Norman (Kiko Mascarenhas), o camareiro, é, nessa versão de Cruz, espelho em que as realidades se refletem, são avaliadas e rendidas. Com maestria, o ritmo se mantém ileso, em um crescente cada vez mais profundo e cuidadoso na encenação. Ele revela a complexidade do homem e da época retratada além de aproximar o público brasileiro daquele da narrativa pelos seus aspectos mais humanos. De alguma maneira, também nós somos testemunhas de um mundo em transformação.

Todos os trabalhos de interpretação são excelentes. Em papeis menores, Analu Prestes (a assistente de direção Madge), Ravel Cabral e Silvio Matos (os atores Oxenby e Geoffrey) bem como Karen Coelho e Lara Córdulla (as atrizes Irene e Milady) deixam ver, nas menores oportunidades, a força possível que dá sustentação ao todo. Tarcísio Meira, cujo último trabalho em teatro tinha sido “E continua... Tudo bem” (texto de Bernard Slade com direção de Marco Nanini, em 1996), exibe trabalho majestoso que já bem foi reconhecido com o Prêmio Shell de Melhor Ator em 2015. Há, em sua atuação, enorme força, absoluto cuidado, grande domínio de palco e vibrantes colaborações na defesa das intenções.

Kiko Mascarenhas, um dos maiores atores brasileiros da sua geração, apresenta aqui um dos melhores momentos de sua carreira. Sua performance é exultante. A versão brasileira de Norman viabiliza o personagem através de um misto de excelentes usos do ritmo nas alternantes movimentações gestuais e corporais. As expressões faciais dão profundidade para cada pequeno detalhe da dramaturgia, suas intenções geram jogo que organiza toda a trama, seu magnífico colorido vocal emoldura toda a peça. O personagem tem sua humanidade aflorada pela apresentação de suas fraquezas e, ao mesmo tempo, a determinação dele se vê nos embates com os atores menores da companhia. Um trabalho magnífico!

Aplausos sonoros!
“O camareiro” tem, como todos os principais trabalhos assinados por Ulysses Cruz, excelente direção de arte. Os figurinos de Beth Filipeck e de Renaldo Machado (com visagismo de Emi Sato e de Rose Verçosa) - também vencedores do Prêmio Shell -, o cenário de André Cortez (com produção de arte de Luiz Rossi) , o desenho de luz de Domingos Quintiliano e a trilha sonora original de Rafael Langoni elevam as qualidades já enormes do texto e da interpretação. Em todos os âmbitos, dos mais estruturais aos mais da superfície do espetáculo, se veem habilidade no uso do idioma teatral, bom gosto nas escolhas estéticas e inteligência na articulação do conteúdo.

Lá pelas tantas, Sir diz a Nornam que tem pena dos críticos de teatro. Se o personagem soubesse como é bom não só assistir a espetáculos como “O camareiro”, mas também refletir sobre eles, teria inveja de nós. Aplausos!

*

Ficha Técnica:
Texto: Ronald Harwood
Tradutor: Diego Teza
Diretor: Ulysses Cruz
Diretor Assistente: Ravel Cabral
Elenco: Tarcísio Meira, Kiko Mascarenhas, Lara Córdula, Karen Coelho, Silvio Matos, Ravel Cabral e Analu Prestes
Coach Texto: Ana Luiza Folly
Cenografia: Andre Cortez
Figurinos: Beth Filipecki / Renaldo Machado
Produtor de arte: Luis Rossi
Designer de Luz: Domingos Quintiliano
Trilha Original: Rafael Langoni
Designer de Som: Laércio Sales
Fotos Divulgação: Priscila Prade e Juliana Hilal
Designer Gráfico: Victor Hugo
Visagismo: Emi Sato/Rose Verçosa
Assistente de Visagismo: Rodrigo Reinoso
Diretor de Palco: Angelo Máximo
Assistente de Palco: Alessandro Dourado
Camareira: Sabrina Rafaele
Assistente de Camareira: Priscila Romio
Produtoras Executivas: Carmem Oliveira / Viviane Procópio
Administradora: Carmem Oliveira
Assistente de Produção RJ: Marcela Araújo
Assistente de Produção SP: Igor Dib
Diretor de Produção: Radamés Bruno
Diretor Financeiro: Andre Mello
Produção: BR Produtora
Administração Geral: Ricca Produções
Patrocínio: Porto Seguro Seguros
Produtores Associados: Tarcísio Meira / Kiko Mascarenhas / André Mello
Realização: Lei Federal de Incentivo à Cultura, Ricca Produções, KM Produções, Ministério da Cultura, Governo Federal – Brasil Pátria Educadora

quarta-feira, 25 de maio de 2016

Chuva (RJ)

Curta nossa página no Facebook: www.facebook.com/criticateatral
Siga-nos no Instagram: @criticateatral

Foto: divulgação

Carlos Emílio Jacuá
Contos de Luiz Vilela inspiram bom espetáculo em cartaz

O ótimo “Chuva” é o primeiro espetáculo, no Rio de Janeiro, a partir de contos do mineiro Luiz Vilela. A montagem, produzida pelo grupo Tábula Rasa, é dirigida por Felipe Vasconcelos com o próprio no elenco, além de Ana Gawryszewski, Beatriz Castier e Carlos Emílio Jacuá, esse último em excelente trabalho de atuação. As cinco histórias tratam do intervalo entre o homem e o próximo, apresentando versões sobre o tema das relações humanas de modo muito interessante. A peça está em cartaz no Teatro Cândido Mendes, em Ipanema, na zona sul, até dia 9 de junho.

Direção meritosa!
Cinco contos de Luiz Vilela participam da dramaturgia do espetáculo. Em “Com seus próprios olhos”, um diretor de escola chama um aluno em sua sala a fim de checar se o segundo testemunhou o primeiro em atos libidinosos com outra criança. “Mosca morta” apresenta dois homens que se reencontram em um bar depois de muito tempo e que têm a oportunidade de resolver uma questão do passado. Em “Vazio”, espantada por ver o marido chegar do trabalho muito antes do horário normal, procura saber o que há com ele. No conto “Solidão”, a chuva impediu que uma mulher fosse ao cinema e, por isso, ela aparece inesperadamente na casa de um casal de vizinhos, fazendo com que suas frustrações venham à tona. Em “Chuva”, um homem vê em um cachorro de rua uma ótima companhia para uma noite solitária.

O trabalho de adaptação feito pelo diretor Felipe Vasconcelos, de modo brilhante, propicia à literatura ótima versão para o palco. Com potente economia, excelente articulação de frases, equilibrada evolução de tons e força, a dramaturgia parece ter nascido como teatro. Em cada cena, de modo complexo, há o trato com questões relevantes ao universo humano de maneira sensível, delicada e potente. E a direção de Vasconcelos traz à cada quadro e ao todo panorama bem desenvolvido. A concepção é defendida com coragem em ótimos usos do tempo e das possibilidades expressivas dos intérpretes.

Carlos Emílio Jacuá em excelente interpretação
No elenco, estão Ana Gawryszewski, Beatriz Castier e o diretor, mas Carlos Emílio Jacuá se destaca como a melhor atuação do grupo. Nele, mais no do que nos demais, é fácil de perceber o corpo e a voz se transformando na expressão de diferentes cargas dramáticas de cada história. Há excelente uso da voz, gestos mínimos e elogiosa alternância entre força e sensibilidade na defesa de cada personagem. Um trabalho vibrante!

“Chuva” tem ainda ótimas colaborações do cenário de Aurora dos Campos e da iluminação de Tomas Ribas. Com pequenas participações, os dois atuam na apresentação de um quadro cheio de potência visual que faz muito bem à obra como um todo e em cada parte.

Eis uma boa surpresa na programação teatral carioca.

*

FICHA TÉCNICA
Texto: Luiz Vilela
Direção e Adaptação: Felipe Vasconcelos
Elenco: Beatriz Castier, Ana Gawryszewski, Carlos Emílio Jacuá e Felipe Vasconcelos
Iluminação: Tomás Ribas
Cenografia: Aurora dos Campos
Figurino: Tábula Rasa
Operação de Luz: Pedro Paulo Thimoteo
Programação Visual: Ana Gawryszewski
Assessoria de Comunicação: Rachel Almeida
Direção de Produção: Ana Gawryszewski
Assistência de Produção: Carlos Marapodi e Sabrine Muller
Realização: Tábula Rasa
Correalização: Associação Imaginário Digital

Memórias de Adriano (SP)

Curta nossa página no Facebook: www.facebook.com/criticateatral
Siga-nos no Instagram: @criticateatral

Foto: Renato Mangolin

Luciano Chirolli
Com 30 anos de célebre carreira, Luciano Chirolli atua em seu primeiro monólogo

“Memórias de Adriano” é, no Brasil, a primeira versão para teatro do célebre romance da belga Marguerite Yourcenar (1903-1987) publicado em 1951. Interpretado por Luciano Chirolli, o monólogo teve sua dramaturgia adaptada por Tereza Falcão e direção assinada por Inez Viana. Na narrativa, há uma carta ficcional escrita por Públio Elio Trajano Adriano (76 – 138 d. C.) que foi imperador de Roma a partir de 117 d. C. até sua morte. Nela ele relembra sua vida, expõe reflexões e prepara o seu testamento político para o futuro imperador Marco Aurélio. Tendo ficado em cartaz até o último dia 15 de maio, na Sala Multiuso do Espaço SESC Copacabana, a montagem enfrentou o duelo entre uma dramaturgia mais intimista e uma encenação expressiva, obtendo alguns bons momentos, mas menos do que se esperava.

Problemas na concepção de direção de Inez Viana
Quem lê o romance entra na intimidade do célebre imperador romano, um dos homens mais importantes do mundo em seu tempo. Ouve sua voz, conhece seus sonhos, suas frustrações, seus desejos, seus pensamentos enquanto reconhece as esferas do poder no mundo antigo. Na adaptação da literatura para teatro, Tereza Falcão colocou as palavras na boca de um ator, redesenhando alguns traçados, mas mantendo as imagens mais significativas. Há, nesse trabalho, a positiva preservação da natureza dessa comunicação: Adriano escreve para Marco Aurélio, mas o público inadvertidamente invade a fala do primeiro. E, nesse gesto, é voyeur de uma narrativa que tem o poder de fazer mudar sua percepção de mundo.

Na direção de Inez Viana, assistida por Marta Paret, esse quadro está comprometido. Em vários momentos, a interpretação de Luciano Chirolli permite pensar que seu Adriano sabe que suas palavras estão sendo ouvidas por um grande número de pessoas. É como se a cena se reconhecesse monótona e criasse meios de alternar o ritmo em um esforço de deixá-lo mais envolvente. Há movimentos, variações nas expressões, alternância de tons que esvaziam as palavras, artificializam o texto em um negativo excesso de teatralidade em vários momentos.

Nesse contexto, Chirolli perde oportunidades de dar a ver um Adriano mais humano, mais íntimo, que teria mais possibilidade de se destacar. Em seu primeiro monólogo em uma linda carreira que já acontece há mais de três décadas, o intérprete diz bem o texto e viabiliza ampla variedade de expressões. Mesmo estando a serviço de uma concepção que prejudica o trabalho, essas habilidades precisam ser elogiadas até porque, junto ao texto, elas fazem desse espetáculo algo interessante sob vários aspectos.

Felipe Lima: idealizador de ótimos projetos
“Memórias de Adriano” tem excelentes colaborações da direção musical de João Callado e de Marcello H., com esse último visivelmente em cena, oferecendo à narrativa carga sonora que aprofunda a possibilidades semânticas do quadro. No mesmo sentido, age a cenografia de Aurora dos Campos, com um painel de raio-X que colabora com a expressão do interior do personagem e das relações que ele mantém. O figurino de Juliana Nicolay e a iluminação de Tomás Ribas, em participações mais discretas, também têm bom resultado sem tanto destaque.

Felipe Lima é o idealizador do projeto, ele que também viabilizou espetáculos ótimos como “R&J de Shakespeare – Juventude Interrompida”, “Mas por quê – A história de Elvis” e “Cock – Briga de galo”. “Memórias de Adriano”, apesar das questões acima levantadas, foi um bom espetáculo e que merece ser visto em próximas temporadas.

*

FICHA TÉCNICA
Idealização: Felipe Lima

Adaptação Dramatúrgica: Thereza Falcão
Direção: Inez Viana
Diretora Assistente: Marta Paret

Elenco: Luciano Chirolli

Músico: Marcello H
Direção de Produção: Mariana Serrão
Cenografia: Aurora dos Campos
Iluminação: Tomás Ribas
Trilha Sonora: João Callado e Marcello H
Figurino: Juliana Nicolay
Arte Gráfica: Flavio Albino
Fotos: Daryan Dornelles
Preparação Corporal: Márcia Rubin

Assessoria de Imprensa: Bianca Senna e Paula Catunda
Consultoria Histórica: Claudia Beltrão
Produção Executiva: Arilson Lucas
Assistência de Produção: Carlos Darzé
Assistência de Figurino: Camila Cunha
Estagiária de Produção: Luiza Martinez
Gestão das Leis de Incentivo: Natália Simonete
Realização: Sevenx Produções Artísticas e A Coisa Toda Produções

segunda-feira, 23 de maio de 2016

Mercedes (RJ)

Curta nossa página no Facebook: www.facebook.com/criticateatral
Siga-nos no Instagram: @criticateatral

Foto: Marcelo Magalhães


Grupo Emú em cena

Ariane Hime volta a brilhar em peça sobre Mercedes Baptista

“Mercedes” é o primeiro espetáculo assinado pelo do Grupo Emú. Concebido e idealizado por Sol Miranda, a peça celebra a vida e a obra da bailarina e coreógrafa Mercedes Baptista (1921-2014). Ela é conhecida por ter sido a primeira mulher negra a integrar o corpo de baile do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, mas sua importância para a cultura brasileira vai muito além disso. Suas pesquisas em torno da dança de matrizes afro, sua participação na criação de alas coreografadas nos desfiles de carnaval das escolas de samba e sobretudo seu lugar definitivo na formação de profissionais da dança moderna alçam seu nome para lugar de muito mais prestigioso destaque. As excelentes intenções da produção, no entanto, não são o bastante. Dirigido por Juracy de Oliveira e por Thiago Catarino, o espetáculo carece principalmente de bons trabalhos de interpretação apesar do ótimo destaque à Ariane Hime. A produção está em cartaz até o dia 29 de maio no Teatro de Arena do Espaço SESC Copacabana.

Dramaturgia perde oportunidades
Assinada por Cássio Duque e Sol Miranda, a dramaturgia parte de uma personagem-título atormentada pela culpa de algo feito no passado. Quando a peça começa, uma Mercedes (Iléa Ferraz) já com mais idade se encontra com outra mais jovem (Sol Miranda) e as duas avaliam sua trajetória. A questão é que a primeira sente que a segunda talvez não devesse ter sido tão rígida com seus alunos. Na análise da dramaturgia, porém, não se veem elementos que de fato embasem essa problemática apesar de uma única cena em que a personagem reproduz, na aula que leciona, a rigidez que presenciou quando era aluna de Eros Volúsia (1914-2004) (Ariane Hime). Em outras palavras, o grande conflito do texto, na verdade, quase inexiste e, a partir daí, apenas se alternam aspectos mais cronológicos e outros mais celebrativos da homenageada, o que é monótono. Nesse sentido, o espetáculo “Mercedes” depende em demasia da figura a qual se refere, oferecendo a ela pouco enquanto narrativa para quem não a conhece.

A dramaturgia perde ainda a chance de combater a maior fama de Mercedes Ignácia da Silva, que é a de ter sido, em 1947, a primeira bailarina negra do Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Não há dúvidas de que esse feito tenha trazido a ela enorme honra, mas esse processo tem muito mais complexidade do que o exposto. Por que demorou cinquenta anos desde a abolição da escravatura para haver uma bailarina negra no Municipal? Se se trata de um espaço público, por que ele era tão fechado à parcela tão significativa da população? Em torno dessas questões, há, na história, a permissão para artistas negros cursarem aulas de dança no Serviço Nacional de Teatro, a proibição deles de entrarem no Copacabana Palace e há a atuação do Teatro Experimental do Negro. E tudo isso nos anos de 1940: época de popularização do American Way of Life, da política de boa vizinhança entre Brasil e Estados Unidos - com Carmen Miranda (1909-1955) indo para lá e Orson Welles (1915-1985) e Katherine Dunham (1909-2006) vindo para cá -, e o governo populista de Getúlio Vargas. Não se sabe exatamente se o preconceito racial foi o motivo, ao mesmo tempo, pelo qual Mercedes Baptista foi aceita no corpo de baile do Municipal e depois pouquíssimas vezes chamada a integrar o elenco de suas produções. Ela era de fato uma boa bailarina clássica? Essa pergunta, como todas as demais, são desconsideradas na dramaturgia de “Mercedes”.

Por outro lado, as grandes contribuições de Mercedes Baptista para a cultura brasileira sofrem de pouca importância no espetáculo que lhe homenageia. O modo como ela modificou o curso da dança moderna no Brasil, trazendo notoriedade aos ritmos afros até então somente atribuídos ao Candomblé, é pouco lembrado. A defesa do seu Minueto em pleno desfile da Salgueiro em 1963 é meramente citado apesar de, no âmbito da dança, ter alçado o samba para além da apenas festa. E finalmente as menções à participação de Mercedes na formação de dezenas de profissionais que, nas últimas décadas, são parte relevante da história da dança moderna brasileira são muito raras infelizmente. Tudo isso retrata as oportunidades que o texto perdeu de fazer dessa uma grande narrativa.

Ariane Hime volta a brilhar
Quanto à encenação, a montagem carece de boas interpretações. Os atores-bailarinos Canela Monteiro, Evandro Machado, Priscila Lúcia e Renata Araújo apresentam um belíssimo trabalho e fazem das coreografias um dos aspectos mais bem avaliados do espetáculo. No entanto, a peça cai toda vez que as cenas tomam o lugar da dança. Iléa Ferraz (Mercedes), com um único bom momento de exceção, sustenta sua protagonista no grito em um tom regular e monótono. Drayson Menezes (Abdias do Nascimento) não traz qualquer força, sucumbindo ao exagero nesse aspecto dos colegas com quem contracena.

Sol Miranda (Mercedes), que interpreta também a personagem-título, tem gestos flácidos e movimentos soltos que depõem contra a defesa de uma bailarina (principalmente clássica do Municipal). Sua pouca expressividade facial também regulariza sua atuação nas cenas sem coreografia. Núbia Pimentel (Mãe) e Tuany Zanini (Repórter) fazem boas participações, mas muito pequenas. Raphael Rodrigues apresenta um excelente trabalho como bailarino e tem algum destaque como intérprete ao lado de Ariane Hime (Eros Volúsia e Katherine Dunham), essa sim a melhor atuação da noite. Com movimentos claros, expressões limpas, complexidade nas modulações de voz e de tom, a atriz já elogiada em “Salina (a última vértebra)”, peça do Grupo Amok Teatro, volta a brilhar no palco do Teatro de Arena.

Viva Mercedes Baptista!
A direção musical de Sergio Pererê, com belas composições dele e de Kadú Monteiro interpretadas ao vivo, é outro aspecto positivo da produção que merece ser destacado. Já elogiadas, as coreografias de Fábio Batista garantem a atenção do público. Há ainda a iluminação de Paulo Cesar de Medeiros e de Hebert Said, tornando o quadro mais valoroso.

“Mercedes” tem a feliz intenção principal de celebrar a história de personagem tão importante para a cultura brasileira. De fato, ela merece mais atenção.

*

Ficha Técnica
Concepção e idealização: Sol Miranda
Direção: Juracy de Oliveira e Thiago Catarino
Texto: Cássio Duque e Sol Miranda
Dramaturgia: Grupo Emú
Supervisão de direção e de dramaturgia: Fabiano de Freitas
Elenco: Ariane Hime, Iléa Ferraz, Núbia Pimentel, Raphael Rodrigues, Drayson Menezes, Tuany Zanini e Sol Miranda
Participação especial: João Paulo Alves e Reinaldo Junior
Coreografia e Direção de Movimento: Fábio Batista
Preparação Corporal: Charles Nelson, Elton Sacramento e Fábio Batista
Bailarinos: Renata Araújo, Canela Monteiro, Evandro Machado e Priscila Lúcia
Preparação para Ponta: Yara Barbosa
Direção Musical: Sérgio Pererê
Composição Musical: Kadú Monteiro e Sérgio Pererê
Piano: Richard Neves
Violino: Frida Maurine
Violoncelo: Raquel Terra
Percussão: Kaio Ventura
Preparação Vocal: Priscilla Lacerda
Iluminação: Paulo Cesar Medeiros
Iluminador de cena: Hebert Said
Figurino: Lucas Pereira
Concepção de Cenário: Juracy de Oliveira e Adriano Farias
Cenografia: Bambuê Arquitetura Viva & Mundo Livres
Fotografia Artística: Daniel Barboza e Felipe Alencar
Designer Gráfico: Leo Dallone
Ilustração Artística: Iléa Ferraz
Assessoria de formação de plateia: Ébano Produções Artísticas
Produção audiovisual: Helena Bielinski
Assessoria de Imprensa: Duetto Comunicação
Produção: Emú Produções Artísticas
Produção Geral: Sol Miranda
Administração: Tuany Zanini
Parceiro: Terreiro Contemporâneo
Coprodução: Alquimia Cultural
Gerência de produção: Saulo Rocha
Coordenação de produção: Roberta Leão

Estamira – Beira do Mundo (RJ)

Curta nossa página no Facebook: www.facebook.com/criticateatral
Siga-nos no Instagram: @criticateatral

Crítica originalmente publicada nesse blog em 3 de dezembro de 2011.

Foto: divulgação


Dani Barros


Para ver muitas vezes e aplaudir sempre!

“Estamira – Beira do Mundo”, que foi a sensação do teatro carioca entre 2011 e 2012, está de novo em cartaz para a beleza da programação da cidade. A montagem foi inspirada no filme documentário “Estamira”, de 2005, dirigido por Marcos Prado e vencedor de mais de trinta prêmios nacionais e internacionais. Interpretado por Dani Barros, o monólogo foi ganhador dos prêmios Questão de Crítica, Shell, APTR e APCA na categoria “Melhor Atriz” entre várias outras importantes indicações. Depois de rodar o país e de ter se apresentado em Portugal e na Espanha, esse excelente espetáculo pode ser visto no Teatro Poeira, em Botafogo, até o dia 29 de maio. A direção e a dramaturgia são de Beatriz Sayad. É para ver muitas vezes e aplaudir sempre.

Elogiadíssimo desde sempre
A versão para teatro é diferente do filme. No segundo, a câmera acompanha a catadora de lixo Estamira Gomes de Souza (1941-2011), que sofria de problemas mentais, e o seu universo: o aterro Jardim Gramacho, na Baixada Fluminense; sua casa; sua família. Na peça, a personagem título divide espaço com mais duas personagens: a própria Dani Barros e sua mãe, Maria Helena, falecida em 2003. O jogo entre essas três figuras - nem uma delas fictícia - marca a proximidade do espetáculo em relação ao público.

O discurso caótico de Estamira, no filme e na peça, ganhou, na edição cinematográfica e na dramaturgia, uma lógica avassaladora. Suas reflexões sobre Deus, pecado, humanidade, ciência e sobre sociedade têm força o bastante para atravessar o espectador para muito além da experiência estética. No palco, o ponto de vista da intérprete e a relação que esse oferece entre sua mãe e Estamira são combustíveis que incendeiam todos os lugares em que o teatro é menos realista que o cinema. Além disso, ele relembra o espectador da vocação da cena de obrigar o ser humano a ficar em frente a outro de sua espécie.

Os movimentos da dramaturgia e principalmente o modo como a direção de Beatriz Sayad propõe, apresenta e defende o jogo entre as personagens e o público são vibrantes. O espetáculo vai do lúdico e do poético ao trágico e ao reflexivo. A peça diverte e emociona, mas também convoca para o pensamento e propõe um caminho, retrata, motiva e critica. “Estamira – Beira do Mundo”, elogiadíssimo desde sempre, é um marco na história contemporânea do teatro brasileiro pelo conjunto de seus méritos, que vão da sua proposta à sua realização.

Magnífico trabalho de Dani Barros
A interpretação de Dani Barros é fulgurante. Ela está atenta à entrada do público, suas ações, ao modo como se envolve. Não se distancia de si em favor de sua personagem e nem da personagem em favor de si, fazendo explodir o teatro enquanto preenche a cena de níveis diferentes de fruição. A atriz, cuja preparação corporal é assinada por Georgette Fadel e vocal por Luciana Oliveira e Marina Considera, faz dos menores detalhes os pontos de maior força. E dos grandes momentos de enorme delicadeza. Eis um magnífico trabalho sob todos os aspectos.

O figurino de Juliana Nicolay sobrepõe uma capa de sacola plástica por cima de uma camiseta cheia de objetos. A peça mantém a curiosidade, prende a atenção e enriquece o trabalho já tão rico. O cenário de Aurora dos Campos situa a personagem em um banco cujo estofamento é em tom terra. Em volta, centenas de sacolas plásticas de várias cores preenchem a cena. Sua leveza, sons naturais e texturas ampliam o universo de possibilidades significativas, oferecendo uma belíssima cena final. A iluminação de Tomás Ribas é delicada, eficiente e pontual.

A direção musical de Fabiano Krieger e de Lucas Marcier age no mesmo sentido, auxiliando na convergência, mas oferecendo outros pontos de ancoragem para possíveis níveis mais aprofundados de leitura. Um dos grandes momentos da peça é quando a personagem ouve uma canção, um fado brilhantemente interpretado por Soraya Ravenle. Cheio de poesia, de sensibilidade e de força, o trecho se destaca positivamente.

Viva!!
“Estamira – Beira do Mundo” serve, na programação teatral carioca, como base para a reflexão sobre o homem. “A minha missão, além d’eu ser Estamira, é revelar.” – diz a personagem. Cabe a nós, deixar que essa missão se cumpra, aplaudindo várias vezes. Viva Dani Barros!

*

Ficha técnica:

Direção e Dramaturgia: Beatriz Sayad
Atuação, Dramaturgia e Idealização: Dani Barros
Luz: Tomás Ribas
Cenário: Aurora dos Campos (Col.: Beatriz Sayad e Dani Barros)
Figurino: Juliana Nicolay
Direção Musical: Fabiano Krieger e Lucas Marcier
Assistente de Direção e Operação de Som: Marina Provenzano
Preparação de Ator: Georgette Fadel
Preparação Vocal: Luciana Oliveira (Fonoaudióloga) e Marina Considera (Canto)
Condicionamento Corporal: Cristina Wenzen
Voz do Fado: Soraya Ravenle
Preparador Vocal – Soraya Ravenle: Felipe Abreu
Assistente de Luz e Operador de Luz: Sandro Lima
Assistente de Cenografia: Camila Cristina
Costureira: Cleide Moreira
Produção: Ana Kutner
Produção Executiva: Gabriela Rocha
Coordenação Geral do Projeto: Dani Barros
Realização: Momoenddas Produções Artísticas

quinta-feira, 12 de maio de 2016

A milésima crítica: A cuíca do Laurindo (RJ)

Curta nossa página no Facebook: www.facebook.com/criticateatral
Siga-nos no Instagram: @criticateatral

Foto: divulgação



Alexandre Rosa Moreno

Excelente musical brasileiro

O excelente “A cuíca do Laurindo” termina sua primeira temporada no próximo domingo, dia 15 de maio. A peça, idealizada e escrita por Rodrigo Alzuguir e dirigida por Sidnei Cruz, está em cartaz no Teatro I do Centro Cultural do Banco do Brasil, na zona central do Rio de Janeiro. Trata-se de um musical feito a partir do personagem fictício Laurindo. Ele é recorrente em vários sambas compostos, principalmente entre 1935 e 1945, por Noel Rosa, Herivelto Martins, Wilson Baptista, Haroldo Lobo e por vários outros. O elenco do espetáculo é composto por Alexandre Rosa Moreno, Claudia Ventura, Marcos Sacramento, Nina Wirtti, Rodrigo Alzuguir, Vilma Melo e por Hugo Germano, com glorioso destaque para esse último. Todos apresentam ótimo trabalho tanto no que diz respeito às atuações, como nas coreografias e na defesa das canções. Mais de quarenta títulos fazem parte da trilha sonora. Ela é apresentada ao vivo por uma banda composta por cinco músicos. Eis o primeiro grande e ótimo musical produzido em 2016, celebrando o centenário do samba enquanto gênero da música popular brasileira. Imperdível!

Beleza de dramaturgia
No samba “Triste cuíca”, de Noel Rosa (1910-1937), o personagem Laurindo apareceu pela primeira vez. Uma intensa e nobre pesquisa de Rodrigo Alzuguir o reencontrou em outras composições que vieram em seguida, compostas por outros autores. É disso que surgiu a dramaturgia de “A cuíca de Laurindo”. Na história, escrita pelo pesquisador com base nas letras dessas canções, o protagonista (Alexandre Rosa Moreno) é um músico carioca, morador do Morro da Mangueira. Ele é casado com a ex-vedete da Praça Tiradentes Zizica Tupynambá (Vilma Melo), mas tem um caso secreto de amor com Conceição (Claudia Ventura). Essa tem o coração ainda disputado por Tião (Hugo Germano) e por Zé (Rodrigo Alzuguir). Logo no início da peça, o primeiro vende um samba para o segundo, que acaba fazendo fama sobre a criação que não é sua. Todos eles fazem parte da Escola de Samba Lira do Amor, cujo vice-presidente é Dodô (Marcos Sacramento). A agremiação, na ocasião histórica do fim do carnaval na Praça Onze, desponta como uma das mais importantes do carnaval carioca. Guiomar Wendhausen (Nina Wirtti) é uma repórter da revista O Cruzeiro que divulga o dia a dia dessa comunidade. 

Aos poucos, a narrativa viabiliza um retrato da sociedade carioca: o morro e o abaixo dele, o carnaval nas pequenas escolas e nos desfiles, a autoria do samba, a criminalidade e o preconceito, o amor, a honra, os códigos sociais. Cenas de amor, brigas, morte, investigação, luto e de festa são momentos em torno dos quais o texto se estrutura. E tudo isso está em cena ao som de belos sambas pouco conhecidos de compositores famosos de nossa história em arranjos elaborados e muito bem defendidos. Ao longo de cento e quarenta minutos, em um ato só, “A cuíca do Laurindo” é uma pérola no teatro carioca nesse outono. Luis Barcelos, Rafael Mallmith, Yuri Villar, Marcus Thadeu e Magno Julio estão na banda que interpreta as canções ao vivo. A direção musical e os arranjos são do primeiro.

O enorme brilho de Hugo Germano
Todos os trabalhos de interpretação são positivos porque, no conjunto, se vê uma profícua alternância entre força e sensibilidade bem como entre leveza e cuidado. Cada cena se estrutura em torno de um eixo que gira e faz a narrativa evoluir, avançando por um colorido cênico e musical de enorme potência. A direção de Sidnei Cruz, assistida por Patrícia Zampiroli, oferece panorama cheio de movimentos claros, intenções precisas e desenvolvimento equilibrado em sua ascendência.

Nina Wirtti, Claudia Ventura, Rodrigo Alzuguir e Hugo Germano
Alexandre Rosa Moreno (Laurindo), Claudia Ventura (Conceição), Vilma Melo (Zizica), Rodrigo Alzuguir (Zé), além de meritosa afinação e de excelente carisma, fazem o espetáculo brilhar dos menores detalhes aos maiores trechos. Nina Wirtti (Guiomar) e Marcos Sacramento (Dodô), para quem os arranjos musicais parecem mais elaborados, enfrentam os desafios e apresentam belo trabalho igualmente. No entanto, os ótimos trabalhos do elenco não impedem Hugo Germano (Tião e Cabaretier) de se destacar positivamente. Com uma performance que remete elogiosamente àquelas pelas quais Grande Otelo (1915-1993) recebeu muitos aplausos, o ator eleva as qualidades estéticas de “A cuíca de Laurindo” e faz da peça, em termos de atuação, um espetáculo. Sua presença é viva, seus gestos são absolutamente claros, sua movimentação é precisa. Trata-se de uma estrela em sua geração!

A milésima crítica publicada e os meus aplausos
O cenário de José Dias oferece níveis à encenação, colaborando com o ritmo da narrativa de modo a fazer, da estética da ambientação, uma base a mais para a composição dos quadros. Os figurinos de Flavio Souza, com ótimas variações de rosa, dão unidade para o todo positivamente. A iluminação de Aurélio de Simoni confere profundidade e movimento para a narrativa no âmbito de sua evolução.

Essa é a milésima crítica que eu escrevo. 224 estão publicadas emwww.teatropoa.blogspot.com e as outras 775 estão nesse blog ao lado dessa análise de “A cuíca de Laurindo”. Refletir sobre todos esses espetáculos, de 2008 pra cá, tem sido uma honra enorme para mim e, em várias vezes como nessa, uma experiência divertida também. Cabe a mim agradecer por todas essas oportunidades. E, inclusive aqui, aplaudir! Obrigado!

*

FICHA TÉCNICA:
Idealização e texto: Rodrigo Alzuguir
Direção: Sidnei Cruz
Cenário: José Dias
Figurinos: Flavio Souza
Iluminação: Aurélio de Simoni
Direção musical: Luis Barcelos
Direção de movimento e Preparação Corporal: Ana Paula Bouzas
Preparação Vocal: Marcelo Rodolfo
Elenco: Alexandre Moreno, Vilma Melo, Claudia Ventura, Marcos Sacramento, Rodrigo Alzuguir, Hugo Germano e Nina Wirtti
Músicos: Yuri Villar, Luis Barcelos, Magno Julio, Marcus Thadeu e Rafael Mallmith
Assistente de direção: Patrícia Zampiroli
Coordenação de Projeto: Carol Miranda
Direção de Produção: Ana Lelis e Marcelo Mucida
Produção Executiva: Joana D’Aguiar – Sopro Escritório de Cultura
Assistente de Produção: Renata Celidônio
Realização: Marraio Cultural

O que restou do sagrado (RJ)

Curta nossa página no Facebook: www.facebook.com/criticateatral
Siga-nos no Instagram: @criticateatral

Foto: divulgação


Carolina Godinho, Monique Vaillé, Fábio Guará, Elio de Oliveira, Lucas Tapioca, Diogo de Andrade Medeiros e Ana Carolina Dessandre
Uma visão simplória da humanidade

“O que restou do sagrado” é a nova montagem da peça de Mario Bortolotto. Ela fica em cartaz no Rio de Janeiro, no Castelinho do Flamengo, até hoje à noite. Escrito em 2004, o texto foi produzido pela primeira vez naquele ano pelo grupo Cemitério de Automóveis. Dessa vez, ele foi dirigido por Nirley Lacerda e produzido conjuntamente pelos grupos Fragmento e Tartufaria de Atores. Com bons trabalhos nas atuações de Elio de Oliveira, Daniel Bouzas, Carolina Godinho e principalmente de Monique Vaillé, o espetáculo tem muitos e enormes problemas que vão da dramaturgia à encenação. Ana Carolina Dessandre, Fábio Guará e Lucas Tapioca também estão no elenco. O ingresso é gratuito.

Uma visão simplória da humanidade
A narrativa se passa no interior de uma igreja para onde seis pessoas foram estranhamente trazidas ao encontro de um padre (Elio de Oliveira). Ele revela que a humanidade será destruída se os sete não se arrependerem de seus pecados. A situação é ponto de partida para uma série de reflexões sobre a relação entre deus e os homens: os pecados, a fé, as práticas religiosas, etc. Aí começa o maior problema desse texto de Mario Bortolotto.

“O que restou do sagrado” é um texto menor desse grande dramaturgo. Diferente da complexidade tantas vezes elogiada em suas outras obras, nessa as questões levantadas revelam um ponto de vista muito raso. Consta que o mote surgiu da tese “O problema do mal”, de Santo Agostinho (354-430 a.C.). Se sim, foi muito pouco desenvolvida. Nela, o bispo de Hipona reagia ao maniqueísmo, vertente filosófica não-cristã segundo a qual existia um deus para o bem e outro para o mal. Em um resumo de sua resposta, aparece que só há um único Deus e que o mal nada mais é que a ausência do bem, ou seja, não existe em substância. Todo esse desdobramento filosófico ecoa, entre outros campos, no comportamento religioso: do conceito de livre arbítrio ao tema da salvação, passando pelo pecado original à existência do homem na Terra. Nenhum desses aspectos é contemplado em profundidade nesse texto de Bortolotto.

Ao longo da peça, em quase todas as falas, há uma infantil tentativa de humanização de deus. Em outras palavras, todos os personagens tentam compreender o que chamam de ações divinas a partir do comportamento humano. Assim, afastando-se enormemente de Santo Agostinho sem tampouco levar em consideração qualquer das reflexões elaboradas nos mais de quinze séculos que vieram depois, o texto submerge em sua superficialidade.

A divulgação avança no pior ao comparar essa dramaturgia com “Entre quatro paredes”, escrito em 1944, pelo francês Jean-Paul Sartre (1905-1980). Além de vários outros aspectos, em Bortolotto, a existência de deus é rejeitada enquanto, em Sartre, ela é negada assim como a do inferno. Ou seja, se, em Santo Agostinho, Deus acredita no homem a ponto de permitir que ele alcance a sua salvação através de sua conversão, e se, no dramaturgo francês, o homem é seu próprio deus e seu próprio demônio, em “O que restou do sagrado”, paira uma humanidade nem boa, nem má, mas meramente simplória.

Inúmeros problemas na encenação
A direção de Nirley Lacerda não só deixa de resolver os problemas do texto como também traz novos entraves para a encenação. O espetáculo é apresentado em uma sala muito pequena para um público de vinte pessoas espremidas junto aos atores. Mesmo assim, todo o elenco tem gestos largos, expressões marcadíssimas, vozes em volume alto e movimentação brusca. Falta equilíbrio, nuance, detalhe assim como ironia, delicadeza, ardilosidade. Completamente diferente de todo o ideário estético de Mario Bortolotto, a saber com os dois pés muito firmes no realismo (principalmente aquele de verve naturalista), a montagem faz do excesso de teatralidade o seu principal defeito.

Empenhadíssimos negativamente na caricatura, Ana Carolina Dessandre (Cibele, a escritora), Fábio Guará (Roby, o mauricinho) e Lucas Tapioca (Charles, o pedófilo) têm atuações patéticas. Elio de Oliveira (o padre), Daniel Bouzas (Val, o homofóbico) e Carolina Godinho (Secretária, a necrófila) têm alguns bons momentos sobretudo quando as oportunidades de maior força protegem seus trabalhos contra os níveis mais delicados. A única realmente boa participação é a de Monique Vaillé (Lilís, a atriz), que, confiando na expressividade de seu figurino, oferece uma interpretação mais comedida e, portanto, meritosamente equilibrada.

Os figurinos de Patrícia Muniz redundam o texto, reduzindo sua importância e pesando a narrativa cênica. Nada é pior do que a batina do Padre. O desenho de luz de Paulo César de Medeiros não faz da criatividade uma qualidade, mantendo a luz fria monotonamente acesa durante toda a encenação. As contribuições de Diogo de Andrade Medeiros ao cenário são tão óbvias quanto pobres.

Concurso de pior pecado
Logo depois da peça ter começado, o espectador percebe que as reflexões sobre o comportamento religioso deram lugar para um concurso de qual dos personagens cometeu pior pecado. Esse texto de Mario Bortolotto, bem como essa encenação dele, sobrou em sua vastíssima obra infelizmente.

*

FICHA TÉCNICA
Texto: Mário Bortolotto
Direção: Nirley Lacerda
Elenco: Ana Carolina Dessandre, Carolina Godinho, Daniel Bouzas, Fábio Guará, Elio de Oliveira, Lucas Tapioca e Monique Vaillé
Direção de Movimento: Priscila Vidca
Iluminação: Paulo César Medeiros
Figurino: Patrícia Muniz
Cenário: Diogo de Andrade Medeiros
Trilha Sonora: Nirley Lacerda
Assessoria de Imprensa: Minas de Ideias
Direção de Produção: Monique Vaillé
Design: Elio de Oliveira
Fotos: Roberto Rossi
Realização: Grupo Fragmento e Tartufaria de Atores

Estudo para missa para Clarice (RJ)

Curta nossa página no Facebook: www.facebook.com/criticateatral
Siga-nos no Instagram: @criticateatral

Foto: divulgação

Eduardo Wotzyk

Uma versão limitada de Clarice Lispector

“Estudo para missa para Clarice – um espetáculo sobre o homem e seu deus” terminou sua terceira temporada no Rio de Janeiro no início de maio. A peça, escrita, dirigida e protagonizada por Eduardo Wotzik, estava em cartaz no Teatro Glaucio Gill, em Copacabana. O texto surgiu de uma edição de trechos retirados da literatura de Clarice Lispector (1920-1977) que versam sobre vários aspectos e não apenas sobre deus. O contexto de que parte a ideia é interessante, mas o resultado submerge devido a várias questões da ordem da natureza da encenação. As tentativas de conferir teatralidade a essa literatura, que, no seu original, é tão potente, acabam por fazer o teatro parecer inadequado. E a ficcional celebração religiosa nele muito mais. Monótono!

Problemas na construção dramatúrgica
O mergulho profundo que os personagens da literatura de Clarice Lispector fazem pelo interior de si próprios acaba por fazê-los flertar com a imagem que eles têm de deus. No entanto, é consenso entre os maiores estudiosos de sua obra que o aspecto místico aparece no âmbito das experiências individuais deles e não nas da autora sobretudo porque essa questão não é dominante em livro algum dela. No romance “A paixão segundo G. H.”, publicado em 1964, para citar o melhor exemplo disso, o contato entre a personagem narradora e a barata dá à primeira a oportunidade de refletir sobre a vida de um modo geral para muito além da apenas humana. A transformação que isso promove na protagonista, porém, diz respeito a uma mudança no olhar do homem pelo homem. E não no contato dessa com deus.

O maior problema de “Estudo para missa para Clarice” é a força que o espetáculo faz em tornar teatral as palavras de Clarice Lispector. O empenho da encenação marca a tentativa de criar uma situação limitada para algo que celebremente funciona muito bem na liberdade. Em outras palavras, escrito para ser lido individualmente, na intimidade, em ritmo particular e silencioso, o texto literário é forçado a acontecer em cerimônia ritualística comunitária, codificada e pré-estabelecida nessa encenação. Nesse sentido, as dificuldades usuais em transformar essa literatura em teatro não são vencidas aqui a contento.

Ao entrar, o espectador recebe um “missal”: um folheto com leituras para reflexão e orações (e a ficha técnica do espetáculo). Duas Beatas Claricianas (interpretadas por Cristina Rudolph e por Natally do Ó) dão início ao ritual que é presidido por um Arauto (Eduardo Wotzyk). Ele tem expressão corporal e facial regularmente piedosa, sua roupa é escura e sem muitos detalhes. Há uma mesa à esquerda onde um grande livro está posto. Há poucas luzes e a trilha sonora facilmente relaciona o momento a um serviço religioso. O quadro propõe, dessa maneira, reflexões interessantes entre a experiência religiosa e a teatral para quem é público. E, pensando nessas possíveis relações, a atenção foge de Clarice e o ritmo, já cambaleante, cai vertiginosamente.

Uma missa católica é dividida em quatro partes: ritos iniciais, liturgia da palavra, liturgia eucarística e ritos finais. Na primeira parte, os fieis são saudados, há o momento de penitência e o de glorificação e a oração das ofertas. Depois, vêm as leituras, o homilia (o sermão), as preces comunitárias e individuais e as ofertas. No terceiro momento, há a consagração das hóstias e do vinho, a ceia e a ação de graças. Ao final, a benção e a despedida. Fica-se sentado em momento de reflexão, em pé em sinal de ação e de joelhos na hora da devoção. Há trechos para serem ouvidos, outros para serem ditos com a assembleia e outros para se ficar em silêncio. Durante toda o ritual, cada mínimo detalhe é codificado e diz respeito a um símbolo que foi estruturado através dos séculos desde os ritos pagãos da antiguidade até o Concílio Vaticano II, nos anos 60, quando o modelo contemporâneo se popularizou.

Em “Estudo para Missa para Clarice”, os momentos em que o público se levanta e lê os trechos do “Missal” em voz alta não têm relações com a dramaturgia, mas apenas com a encenação. A impressão é de que eles servem para dar movimento para a assistência, acordá-la. No mesmo sentido, alguns trechos mais cômicos que invadem o discurso e principalmente aqueles em que a plateia bate palmas ou martela os pés no chão. Antes que se pense que análise considera a literatura de Clarice Lispector monótona, vale dizer que se reconhece que o tempo da literatura não é o mesmo tempo do teatro. E que as melhores peças entre as várias que adaptaram a obra da autora para os palcos entenderam que a cena precisava corajosamente se curvar ao ritmo do texto escrito e não fugir dele com medo do insucesso como aqui infelizmente acontece.

Atmosfera mística
Vistos os problemas centrais da estrutura do espetáculo, cabem os elogios às interpretações de Eduardo Wotzkyk (Arauto), de Cristina Rudolph e de Natally do Ó. Dentro da proposta, eles parecem ter atingido o objetivo, estabelecendo com êxito uma atmosfera mística. Dadas as devidas oportunidades, cada intérprete atingiu a contento os desafios no âmbito das expressões e dos movimentos, o que é bastante positivo.

A peça, cuja direção de arte é assinada por Analu Prestes, tem ainda elogiosas participações do cenário e do figurino, bem como da trilha sonora de Gorécki e da iluminação de Fernanda e de Tiago Mantovani. Na contrapartida do esforço em parecer uma missa que se analisou na concepção da dramaturgia, os demais elementos estéticos vão em outra direção. Vê-se o privilégio ao homem, aos seus mistérios, às suas realidades, problemáticas e complexidades. Em conjunto, são a melhor parte do espetáculo.

No limiar entre deus e homem, “Estudo para Missa para Clarice” peca em atribuir um sentido religioso para a literatura de Clarice Lispector. A divulgação por Eduardo Wotzyk dessa leitura particular limita a liberdade tão cara do leitor de definir sua própria relação com a obra. E a empobrece.

*

Ficha técnica da missa:
Da obra de Clarice Lispector
Edição e Texto final: Eduardo Wotzyk
Direção de arte: Analu Prestes
Elenco: Cristina Rudolph, Natally do Ó e Eduardo Wotzyk
Iluminação: Irmãos Fernanda e Tiago Mantovani
Música: Gorécki
Dramaturg: Vittorio Provenza
Diretores Assistentes: Carla Ribas, Daniel Belmonte e Alexandre Varella
Operadores de Luz e de Som: Juh Galdino e Ayrton Miguel
Direção de Produção: Michele Fontaine e Jessica Leite
Direção Geral e Concepção: Eduardo Wotzyk

sexta-feira, 6 de maio de 2016

O como e o porquê (RJ)

Curta nossa página no Facebook: www.facebook.com/criticateatral
Siga-nos no Instagram: @criticateatral

Foto: Fabiano Cafure

Suzana Faini e Alice Steinbruck

Suzana Faini faz 50 anos de carreira em espetáculo imperdível!

“O como e o porquê” abrilhantou a programação carioca durante o mês de abril no Teatro Sesc Ginástico, no centro do Rio de Janeiro. A peça, escrita pela roteirista americana Susan Treem, é dirigida por Paulo de Moraes em belíssimo trabalho. No elenco, em ótimas atuações, Alice Steinbruck e Suzana Faini, que comemora, em 2016, cinquenta anos de carreira. Na história, uma renomada cientista recebe a visita de sua filha biológica quando descobre que essa está seguindo seus passos na vida profissional. Questões intelectuais e laços afetivos se alternam nesse excelente espetáculo cuja segunda temporada começa no próximo dia 13 de maio no Teatro Fashion Mall, na Barra da Tijuca. Imperdível!

Um texto inteligente e emocionante!
“O como e o porquê” (“The how and the why”) foi escrito em 2011 por Susan Treem, dramaturga mais conhecida por seus trabalhos como roteirista da TV americana, entre os quais, dois episódios de “House of cards”, do Netflix. A inspiração para o texto surgiu durante a leitura de “Mulher: uma geografia íntima”, de Natalie Angier, recentemente publicado no Brasil pela editora Rocco. A peça tem ainda relação com a teoria de Kristen Hawkes, antropóloga da Universidade de Utah, nos Estados Unidos, sobre a importância das avós na criação dos filhos. Produzida duas vezes nos Estados Unidos, nenhuma delas apresentada na Broadway, a peça ganha sua primeira versão na América Latina com a montagem da Diga Sim Produções que aqui se analisa. 

A narrativa é densa como complexo é seu tema. A primeira das duas cenas da peça se passa no gabinete da Dra. Zelda Mildred Kahn (Suzana Faini), pesquisadora famosa por uma teoria acerca da menopausa sobre a qual tem se dedicado nos últimos trinta anos. Ela recebe a visita da jovem Rachel Hardeman (Alice Steinbruck), sua filha biológica com quem aparentemente não teve quase qualquer contato até então. É o laço de sangue entre elas, revelado muito discretamente, que justifica a manutenção do encontro entre alguém célebre e uma iniciante, apesar desse começar com as iniciais grosserias da segunda. Então, Zelda descobre que Rachel está seguindo seus passos na vida acadêmica. Recém doutora, ela elaborou uma tese sobre a menstruação, defendendo que essa é uma ação natural de defesa do organismo feminino contra os elementos patogênicos do espermatozoide. Seu artigo, no entanto, foi reprovado por um comitê científico do qual Zelda faz parte. Em busca de explicações, a filha viaja até a cidade da mãe, que desconhecia qualquer detalhe entre Hardeman e o referido estudo e sua avaliação. 

Com a habilidade, a narrativa se estrutura a partir de uma complexa teia de relações. De um lado, uma pesquisa sobre menstruação. De outro, uma sobre menopausa. Aqui, uma bióloga com longa e célebre carreira. Lá, uma outra dando seus primeiros nobres passos na pesquisa científica. Uma filha abandonada pela mãe, uma teoria sobre as avós. A maternidade, o sangue, os laços. Pouco a pouco, o texto vai abandonando o palavrório científico e deixando ver duas mulheres com medo da solidão talvez, mas certamente envolvidas nos laços que inegavelmente as une. Um texto inteligente, emocionante, delicado e forte!

50 anos de carreira de Suzana Faini
A direção de Paulo de Moraes, que de modo brilhante recentemente assinou “Inútil a chuva”, mais uma vez estrutura espaço ideal para acontecerem a grande dramaturgia e a excelente interpretação. Nos pequenos detalhes, a conversa da primeira, mas sobretudo da segunda cena, que tem lugar em um bar, são as marcas de aprofundamento das questões da narrativa. É partir deles que o jogo vira, se transforma e que o ritmo se mantém positivamente em ascensão. Assinado por ele, o cenário é composto por várias cadeiras diferentes. As atrizes mudam de lugar ao longo da peça como uma forma do espetáculo oferecer ao público a oportunidade de suas impressões e reflexões também assentarem. O espetáculo flui!

Alice Steinbruck (Rachel) perde algumas boas oportunidades de variar o modo como sua personagem fala, preferindo uma linha regular e um tanto monótona. Sobram-lhe gritos e faltam-lhe delicadezas que poderiam conferir, através da ironia, algum colorido maior para sua atuação. Vale a pena elogiar, no entanto, o modo como essa atriz investe no nervosismo, na sensibilidade aflorada e na determinação da jovem pesquisadora que, com audácia, investe contra sua interlocutora.

Suzana Faini, recém elogiadíssima em “Silêncio!” e em “Família Lyons”,  está mais uma vez em trabalho brilhante! Cada palavra é contextualizada em um todo de sensações que dá profundidade ao discurso de modo excelente. Há emoção, equilíbrio, foco. Há clareza em todos os seus momentos. Eis aqui outra bela atuação de sua carreira que começou em 1966 também no palco do Teatro Ginástico. Na ocasião, ela apareceu em um pequeno papel na peça “Oh, que delícia de guerra”, o segundo espetáculo do grupo paulista Teatro de Esquina, dirigido por Ademar Guerra. A montagem, que unia teatro e dança, era uma adaptação de “Oh, what a lovely war”, de Charles Chilton, a partir de improvisações inspiradas no Theatre Workshop dirigido pela inglesa Joan Littlewood. Irina Grecco, Stênio Garcia, Paulo Goulart e Cacilda Lanuza, entre outros, estavam com ela.

Para ser aplaudido em pé!
“O como e o porquê”, com figurinos de Desirée Bastos, tem nobres participações da iluminação de Maneco Quinderé e da trilha sonora original de Bianca Gismonti, agregando méritos ao todo de maneira bela, potente e inteligente. Eis um espetáculo que merece ser visto e aplaudido em pé!

*

Ficha técnica:
Texto: Sarah Treem
Tradução: Alice Steinbruck
Direção e Cenografia: Paulo de Moraes
Elenco: Suzana Faini e Alice Steinbruck
lluminação: Manéco Quinderé
Trilha sonora original: Bianca Gismonti
Figurinos: Desirée Bastos
Fotos e Desenho Gráfico Fabiano Cafure
Coach Alice Steinbruck: Zé Wendel Soares
Coach Suzana Faini: Rogério Freitas
Assessoria de Imprensa: Minas de Ideias
Marketing Cultural: Gheu Tibério
Assistente de Marketing Cultural: Andréa Tonia
Produção Executiva: Carin Louro
Direção de Produção: Sandro Rabello

quinta-feira, 5 de maio de 2016

Se eu fosse Iracema (RJ)

Curta nossa página no Facebook: www.facebook.com/criticateatral
Siga-nos no Instagram: @criticateatral

Foto: divulgação

Adassa Martins

Adassa Martins brilha em belíssimo monólogo

O excelente “Se eu fosse Iracema” é o primeiro espetáculo do Coletivo 1COMUM que terminou sua primeira temporada no último dia 1º de maio no Sesc Tijuca, na zona norte do Rio de Janeiro. O monólogo interpretado brilhantemente por Adassa Martins foi escrito por Fernando Marques e dirigido por Fernando Nicolau. O texto articula discursos de toda ordem sobre a questão indígena, revelando aspectos diferentes sobre o tema, mas sempre convocando o público a uma reflexão. Eis um espetáculo que deve ser visto e aplaudido pelo mérito da proposta e por seus altíssimos resultados estéticos. A produção reestreia no próximo dia 14 de maio, no Espaço Cultural Sérgio Porto, no Humaitá, na zona sul da capital carioca.

Excelente dramaturgia
A dramaturgia une depoimentos dos índios, discursos e relatos deles, narrativas adaptadas do cinema e da literatura, entrevistas de políticos e a Constituição Federal de 1988. Ela evolui de um contexto a outro, sempre aprofundando a questão positivamente. Sozinha em cena, Adassa Martins dá corpo e voz para esses materiais, se alternando na interpretação de índios e de brancos através da história brasileira nos últimos quinhentos anos. O trabalho confirma o seu enorme talento e sua técnica apurada, mas tem o nobilíssimo mérito de apontar para a importância da causa indígena.

Em questão, em “Se eu fosse Iracema”, está a perpetuação da linha divisória que parece se manter em nossa cultura atualmente entre nós e os índios. A demarcação de terras, em processo de diminuição constante, precisa também ser uma exclusão social? Assim, de modo às vezes delicado, outras vezes assertivo, a peça providencia a interrogação, promove a reflexão e se esforça meritosamente em abrir os olhos de quem assiste para os níveis desse debate. Um trabalho belíssimo!

Adassa Martins se movimenta de maneira vibrante no âmbito de cada um de seus muitos personagens nesse espetáculo. Em todos eles, os detalhes expressivos dão conta da situação, da dramaturgia e da interpretação das figuras de modo que o espectador apreende a proposta e a frui com fluência. Da ironia da ministra Kátia Abreu à profundidade vocal do pajé, “Se eu fosse Iracema” é uma belíssima oportunidade que a atriz ganha de renovar os elogios que ela merecidamente tem recebido. Dividindo com ela os méritos, a direção de Fernando Nicolau, sobretudo pelo modo como distribui os signos, equilibra a viabilização do ritmo e confere harmonia ao todo.

Luz, cenário e figurino colaboram para os méritos do espetáculo
O desenho de luz de Licurgo Caseira participa ativamente da apresentação dos quadros, abrindo e fechando o espaço de acordo com as intenções da proposta e com a natureza de cada momento. O cenário assinado também por ele age no mesmo sentido positivamente. Em cena, um tronco de árvore cortado por uma lâmina de vidro anuncia a personagem como alguém que fala de dentro, que tem propriedade e que sobretudo está viva apesar das intempéries. É brilhante! O figurino de Luiza Fradin é outro ponto alto. Uma longa saia feita de látex e de borracha é o caule da árvore, é a terra da qual todos nós fazemos parte, é o tom da natureza. Seu peso, sua textura e sua forma colaboram para esse panorama semântico de primeiríssima grandeza. A trilha sonora de João Schmid ajuda a espalhar os níveis da narrativa sem tirar dela a unidade, no que também é excelente.

O único ponto negativo de “Se eu fosse Iracema” diz respeito a um aspecto de fora da obra artística, mas essencialmente participante dela: o ar condicionado. O frio cortante que impera durante a sessão alonga a narrativa, retrai o envolvimento da audiência, agride o público. Esse é um problema comum no teatro carioca que precisa merecer mais atenção das produções. Não deve ser difícil olhar para a plateia e identificar nela a busca por casacos, o estalar de dedos e o enrijecimento corporal. A confortabilidade é, afinal de contas, um aspecto que, de um modo geral, ajuda no sucesso de um espetáculo. E poderia ter sido bem mais presente aqui.

Vida longa à “Se eu fosse Iracema” e às reflexões que essa peça suscita.

*

FICHA TÉCNICA
Dramaturgia: Fernando Marques
Direção: Fernando Nicolau
Elenco: Adassa Martins
Iluminação e cenografia: Licurgo Caseira
Figurino e caracterização: Luiza Fradin
Trilha sonora original e desenho de som: João Schmid
Assistência de direção: LuCa Ayres
Direção de arte e projeto gráfico: Fernando Nicolau
Escultura do busto: Bruno Dante
Caracterização: Luiza Fardin
Fotografia: João Julio Mello (Imatra)
Direção de produção e produção executiva: Clarissa Menezes
Realização e produção: 1COMUM
Idealização: Fernando Nicolau e Fernando Marques

Enterro dos ossos (RJ)

Curta nossa página no Facebook: www.facebook.com/criticateatral
Siga-nos no Instagram: @criticateatral

Foto: divulgação

Pierre Baitelli

Jô Bilac perdeu a mão?

“Enterro dos ossos” é a 23ª peça cujo texto é assinado por Jô Bilac. Tudo indica que, em breve, esse já premiado jovem dramaturgo estará ao lado de Dias Gomes (1922-1999), de João Bethencourt (1924-2006) e de Mario Bortolotto entre outros escritores para teatro cuja obra é numerosa no país. Trata-se porém de um de seus textos menos teatrais: sem narrativas, sem personagens, sem bases mínimas para uma relação dramática. No espetáculo dirigido por Camila Gama e por Sandro Pamponet, veem-se os atores se esforçando muito para oferecer algum sentido para a verborragia filosófica e pouco consistente das falas. Em trabalho elogiável, o elenco é composto por Erom Cordeiro, Hugo Bonemer, Julia Marini, Lidiane Ribeiro e por Pierre Baitelli. O desenho de luz de Renato Machado é o ponto alto da produção que saiu de cartaz, no último dia 1º de maio, no Teatro de Arena do Espaço SESC Copacabana.

Para ser lido, não encenado
A peça se organiza – nem parte de, nem chega a – a partir de um campo semântico vasto e consequentemente pouco claro. Nele estão o choque de dois buracos negros e a possível destruição da Terra, os movimentos de colonização de outros planetas, o fim da vida humana e/ou questões da ordem da sobrevivência, relações entre deus(es) e homens, pecado, ética, valores morais, sociedade... Uma sucessão de monólogos (há apenas um resquício de diálogo) expõe reflexões de Jô Bilac sobre esses temas que nem aprofundam um debate sobre eles, nem estabelecem uma situação onde o espectador é confrontado de alguma maneira. Perdida na busca por reconhecer o que está vendo, a audiência mais esforçada paira em um desconforto gratuito e egoico. A menos dorme na monotonia.

Nesse contexto, há a luta homérica de Camila Gama e de Sandro Pamponet em impregnar o texto de teatralidade a fim de sua encenação fazer algum sentido. É um trabalho bravo! Erom Cordeiro, Hugo Bonemer, Julia Marini, Lidiane Ribeiro e Pierre Baitelli capricham na exploração de modos diversos de dizer o texto, alternando ritmos, tons, expressões faciais e gestuais. Eles visivelmente tentam defender alguma lógica na estrutura dos monólogos, mas infelizmente, como um todo, “Enterro dos ossos” não oferece marcas de teatro do absurdo que lhes ampare nesse intento. Nem de pós-dramático! Trata-se de um texto para ser lido, não encenado - e não há nenhuma vergonha em ser posto ao lado dos diálogos de Platão, dos textos de Sêneca, de “La Celestina” ou de “La Dorotea”, para citar alguns casos célebres.

Renato Machado no esforço em dar a ver belas imagens 
O desenho de luz de Renato Machado colabora na construção de belas imagens que, ao lado da interpretação dos atores, são algum alento. O figurino de Camila Gama e o cenário de Sandro Pamponet também investem positivamente nas qualidades estéticas do visual do espetáculo. São boas tentativas de conexão entre o palco e a plateia que merecem ser valorizados embora o empenho faleça em meio à aridez.

Encantado pelas imagens que a palavra revela, Jô Bilac investe aqui em um modo de escrita que já modestamente apareceu nos seus “Infância, tiros e plumas” e “Fluxograma”. Pouco a pouco, ele se distancia de “Savana Glacial”, “Rebu”, “Matador de Santas”, “Conselho de Classe”, “Cucaracha”, “Beije minha lápide” e outros trabalhos que lhe trouxeram notoriedade. Para quem gosta de teatro e admira uma boa dramaturgia, dá pena! Será que ele está perdendo a mão?

*

Ficha técnica

Texto: Jô Bilac
Direção: Camila Gama e Sandro Pamponet
Elenco: Erom Cordeiro, Hugo Bonemer, Julia Marini, Lidiane Ribeiro e Pierre Baitelli
Figurino: Camila Gama
Cenário: Sandro Pamponet
Luz: Renato Machado.
Direção de Produção: Camila Gama
Produção executiva: Bruno Fagotti e Nana Martins
Classificação 12 anos

quarta-feira, 4 de maio de 2016

França Antártica (RJ)

Curta nossa página no Facebook: www.facebook.com/criticateatral
Siga-nos no Instragram: @criticateatral

Foto: divulgação

Dalmo Cordeiro, Amora Pêra, Leonardo Miranda, Mariana Mac Niven e Alberto Magalhães

Superficial

O espetáculo “França Antártica” terminou sua primeira temporada no Centro Cultural do Banco do Brasil, no centro do Rio de Janeiro, no último dia 1º de maio. Trata-se de uma comédia idealizada pelos Irmãos Brothers Band, com dramaturgia de Alberto Magalhães e de Cláudio Mendes e direção do segundo. Seu tema versa sobre a França Antártica, projeto francês de colonização do Brasil no século XVI. Não foi boa. A enorme preocupação da montagem em constituir quadros cheios de estética teatral faz a peça se distanciar do foco. Lúdico demais, tudo fica muito superficial, bobo, sem substância. O único trabalho de interpretação relevante é o de Amora Pêra em alguns momentos. Além dela, Marianna Mac Niven, Leonardo Miranda, Dalmo Cordeiro e Alberto Magalhães estão em cena apresentando certa habilidade com instrumentos musicais, mas nada além disso. Foi um programa dispensável na grade teatral carioca.

A França Antártica
A França Antártica foi uma passagem na nossa história muito mais séria do que o espetáculo revela. A história começa em 1550 por ocasião de uma “Festa Brasileira” realizada em Rouen, na Normandia, em homenagem ao rei francês Henrique II. O evento era uma organização dos investidores locais a fim de chamar a atenção do Delfim para a potencialidade comercial do Brasil. Desde o início do século, a França requisitava sua participação no Tratado de Tordesilhas por meio de visitas regulares ao Novo Mundo, de batalhas com os portugueses e espanhóis e de assaltos aos navios mercantes. Na época, 60kg de pau brasil custavam seis ducados, o equivalente hoje a 13 mil reais. Com o mesmo valor, se comprava um papagaio brasileiro que falasse francês, por exemplo. O rei ficou maravilhado com o que viu: exemplares da fauna e da flora brasileira, encenações teatrais, apresentação de mapas e o encontro com índios tupinambás. Assim, o vice-almirante Nicolas Durand de Villegagnon (1510-1571) foi chamado para entrar na história.

Villegagnon era pessoa de confiança da monarquia francesa. Desde os tempos de Francisco I, ele atuava como oficial e diplomata em nome da França em missões contra os inimigos. A condecoração de Vice-Almirante, por exemplo, veio pelo sequestro da pequena rainha escocesa (católica) Mary Stuart, que depois se casou com o Rei Francisco II, filho de Henrique II, antes de voltar para Escócia e acabar morrendo na prisão da inglesa (anglicana) Elizabeth I. Em 1554, ele veio ao Brasil (a Cabo Frio) pela primeira vez e confirmou ao Delfim a urgência da exploração francesa no Novo Mundo. Dois anos antes, o governador geral do Brasil, o português Tomé de Souza, já havia tratado sobre o Rio de Janeiro com a coroa portuguesa. No entanto, Portugal conseguia manter muito modestamente Salvador e a recém fundada São Paulo de maneira que, em se tratando de Lisboa, o Brasil não oferecia aparentes dificuldades à suposta dominação França.

A grande questão do projeto França Antártica, porém, não era nem economia, nem cultura, mas religião. Essa era a bandeira principal das inúmeras batalhas que se travavam por lá desde o fim da Idade Média. Unida inicialmente pela expulsão dos muçulmanos, a Europa Católica Romana se dividiu. Houve a Reforma Protestante em 1517 na Alemanha, a Inglaterra rompeu com o Vaticano em 1534 e, na Suíça, aconteceu, em 1536, a publicação do livro “Instituição da Religião Cristã”, de João Calvino. Em 1545, Portugal e Espanha se uniram à Itália na defesa da Contrarreforma. No Leste Europeu, tinha os Otomanos. No norte da África, os muçulmanos e, por toda a parte, judeus, ciganos e pagãos que secretamente ainda desafiavam a Inquisição, mantendo suas práticas religiosas. Foi, nesse contexto, que Villegagnon chegou ao Brasil e se encontrou com índios: nus, sem práticas religiosas claras e (alguns) antropófagos.

Relativamente isolados na Ilha Serigipe (ou das Palmeiras), atual Ilha de Villegagnon, hoje colada no Aeroporto Santos Dumont, os franceses viveram aqui entre 1555 e 1560. Eles construíram um forte, estabeleceram boas relações com os índios Tamoios, mas nada além disso. Em meio a disputas internas, muitas delas por causa de questões religiosas das quais os europeus não se viam livres mesmo aqui, a França Antártica sucumbiu. Em 1560, liderada pelo Governador Mem de Sá, uma enorme frota portuguesa destruiu o forte de Villegagnon. Cinco anos depois, um tratado de paz entre portugueses e índios foi firmado e, em março de 1565, o Rio de Janeiro foi fundado por Estácio de Sá. Em 1567, os últimos franceses foram expulsos.

Dramaturgia superficial
A dramaturgia de “França Antártica” cobre essencialmente o período entre 1555 e 1560, utilizando interessantes relatos da época, reflexões contemporâneas e algumas músicas de lá e de cá. Não faz, porém, qualquer reflexão. No início da peça, a hipótese de que, por pouco, o Brasil não teve ascendência francesa não sofre qualquer revisão ao longo da encenação. Em primeiro lugar, o Portugal que chegou aqui em 1500 e a Espanha que mais andou através de nossos rios ao longo do século XVI eram grandes e poderosas nações intercontinentais das quais todos tinham medo.

Em segundo lugar, se com Napoleão a França teve militarmente algum destaque no início do século XIX, na época de Villegagnon, era uma nação dizimada por suas próximas questões internas. A França Antártica não foi, ainda por cima, um projeto social, mas se restringiu à construção de um forte militar. Por fim, não havia contexto possível para a viabilização da utopia da liberdade de culto cristão aqui, lembrando ainda de que Villegagnon não era menos colonizador que os portugueses e espanhois.

Em seu desenvolvimento, o texto de “França Antártica”, assinado por Alberto Magalhães e Cláudio Mendes, colore algumas passagens, mas se exime de oferecer algo mais relevante ao contexto de aniversário de 450 anos do Rio de Janeiro.

Problemas na encenação
A encenação dirigida por Cláudio Mendes se esforça em promover quadros estéticos interessantes, mas tem responsabilidade nos desméritos do espetáculo. Amora Pêra, Marianna Mac Niven, Leonardo Miranda, Dalmo Cordeiro e Alberto Magalhães interpretam figuras neutras que assumem diferentes personagens em cada novo quadro. Logo no início, a peça deixa de ser sobre a França Antártica e passa a ser sobre como os muitos elementos cenográficos (além de figurinos e adereços) vão se envolver com a dramaturgia. De um modo geral, as ações repetem o texto: a encenação ilustra o que está sendo dito redundantemente. O ritmo, assim, se alonga cansativamente.

No âmbito das interpretações, o resultado é ainda mais problemático. Não estão visíveis trabalhos de voz e de corpo e, como o texto não se aprofunda, as atuações ganham maior responsabilidade. No elenco, se vê habilidade no uso de instrumentos musicais, mas pouco além de boas intenções e algum carisma. A única exceção positiva é Amora Pêra em cujas participações se reconhecem ações mais claras, expressões mais pontuais e possíveis níveis semânticos melhor sugeridos.

Uma pena!
“França Antártica” tem cenários e figurinos de Carlos Alberto Nunes, iluminação de Aurélio de Simoni e direção musical de Marcelo Caldi sem destaques relevantes O jogo entre canções contemporâneas com referências ao idioma francês e tupi colabora negativamente com a superficialidade da obra, mas, dentro da proposta, o resultado é bem apresentado.

Talvez melhor recebida no universo do teatro para crianças ou do teatro de rua, dois gêneros específicos e igualmente respeitáveis, a produção surgiu prejudicada pelos desafios que ela mesma não enfrentou. Uma pena!

*

FICHA TÉCNICA
Idealização: Irmãos Brothers Band
Dramaturgia: Alberto Magalhães e Claudio Mendes
Direção: Claudio Mendes
Argumento e Pesquisa: Alberto Magalhães
Elenco / Personagens:
Amora Pêra / Tupinambá, Índia Guerreira, Ministro Du Pont, Português
Mariana Mac Niven / Tupinambá, João Cointa, Evangélico, Artesão, Francês
Alberto Magalhães / Tupinambá, Villegagnon, Índio Velho, Intérprete, Português
Dalmo Cordeiro / Tupinambá, Villegagnon, Emissário de Genebra, Ministro Cartier, Francês
Leonardo Miranda / Tupinambá, Villegagnon, Ministro Richier, Manobreiro, Juiz
Direção Musical: Marcelo Caldi
Cenário e Figurinos: Carlos Alberto Nunes
Iluminação: Aurélio de Simoni
Fotos: Claudia Ribeiro
Programação Visual: Gio Vaz
Direção de Produção: Pagu Produções Culturais – Equipe: Carolina Bellardi e Juliana Soares.
Assistente de Direção Musical: Roberto Kauffmann
Assistência Cenário e Figurinos: Arlete Rua
Patrocínio: Banco do Brasil
Projeto: Dalmo Cordeiro
Realização: Centro Cultural Banco do Brasil
Assessoria de Imprensa: JSPontes Comunicação – João Pontes e Stella Stephany