domingo, 23 de outubro de 2011

A mulher que escreveu a bíblia (RJ)


Foto: divulgação

Fazer o que tem que ser feito

Estratégia: às vezes, as coisas precisam de certa organização para darem o seu melhor. Qualquer um que entenda de administração sabe que um bem amarrado plano de metas, em que as alternativas se movimentam a fim do alcance do objetivo, é a melhor maneira de atingir a plenitude.

Mas que grande chatice!

Como é bom quando o objetivo é atingido sem que nada tenhamos feito ou, pelo menos, não de forma consciente, sem que seja preciso DRs, mapas, projetos, milhões de trocas de mensagens e algumas doses de antidepressivos. Um dia você caminha pela praia e sente que tudo o que hoje está assim, amanhã será assado. Mas lembra que depois de amanhã, estará assim novamente, como um elevador em que há chamadas do décimo primeiro, do sétimo e do térreo. Há sempre um prazer e um desprazer em cada andar. E estar aberto a isso, às vezes, é contradizer, ou não cumprir, o tal de plano de metas.

Inez Viana, com seu diretor Guilherme Piva, traçou um plano muito bem articulado de movimentos dispostos a despertar sensações. Com a real cara de espontaneidade, é visto que nada foi distribuído sem que um objetivo tenha sido considerado. A concepção e sua execução, assim, é chata no que diz respeito à rigidez das formas, mas leve e saborosa na sua ocupação do espaço-tempo do palco e da assistência.

A história de Moacyr Scliar, cujo mérito é reconhecido, acontece em nossa frente na medida em que vários recursos lingüísticos do teatro são recuperados. Não há nada em cena que não seja tornado teatral e a chatice valeu a pena. A pedra vira trono, vira caverna, vira outro personagem. Espaços recortados pelo excelente desenho de luz (Maneco Quinderé) tornam-se paredes, personagens, closes. O figurino feito de trapos e brilhos, ora nos faz ver os trapos, ora nos faz ver os brilhos. As piadas atuais e o falar cheio de próclises, mesóclises e ênclises se encaixa na história da analfabeta feia de doer dos tempos de Salomão. Nada é desperdiçado, mas, ao mesmo tempo, tudo é aproveitado. E, embora pareça, isso não é um pleonasmo.

Inez Viana, em “A mulher que escreveu a bíblia”, é uma atriz a contar a sua história. O teatro está lotado. Há um tempo a cumprir e um espaço a utilizar. Trilha, luz, cenário, figurino e movimentos foram previamente ensaiados. O público não. As reações podem ter sido previstas, mas só são, de fato, vistas naquele momento. E nunca mais. Hábil, a atriz se utiliza disso. Sua personagem é a reencarnação da “mulher que escreveu a bíblia”. Seu espetáculo é a reencarnação do plano do ensaio.

E, com isso, aprendemos que, ao fazer o que tem que ser feito, temos a chance de reencarnar no ato o que estava em pensamento.

Quanto ao sentimento, isso não se planeja.

*

Ficha técnica:

Autor: Moacyr Scliar
Adaptação: Thereza Falcão
Concepção e direção: Guilherme Piva
Performance: Inez Viana
Música original e direção musical: Marcelo Alonso Neves
Cenário: Sérgio Marimba
Iluminação: Maneco Quinderé
Figurino: Rui Cortez
Preparação corporal: Isabel Themudo

*Texto escrito em setembro de 2009 por ocasião do 16º Porto Alegre em Cena 

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