Foto: Guga Melgar
A excelência de Pinter em uma produção de alto nível
Harold
Pinter (1930-2008) levou seis semanas do ano de 1964 para escrever, é possível,
uma de suas melhores peças: “A volta ao lar” (The Homecoming). Publicada um ano
depois, ganhou o Tony Award de melhor espetáculo de 1967, e está agora na
programação teatral carioca no Teatro do Centro Cultural dos Correios. Outrora,
eu disse nesse blog que “Harold Pinter está no exato oposto de Woody Allen,
outro importante dramaturgo da segunda metade do século, que também discute as
relações sob a égide da civilidade aprisionante. A diferença é que, em Allen,
está nas palavras o jogo essencial da narrativa enquanto, em Pinter, a beleza
está no silêncio” (ver a crítica de “Traição”). Agora, considerando que este
texto faz parte da primeira fase do dramaturgo britânico, é preciso que se diga
que a peça vale por ser, além de muitas coisas, um excepcional exemplo de boa
dramaturgia sem plot, sem conflito, sem personagens bem construídos, o que põe
a terra todas as teorias costumeiras de análise do texto narrativo. Em “A volta
ao lar”, tem-se apenas a situação, essa bem ilustrada, e nada mais. No caso do
espetáculo, cuja montagem atual é dirigida por Bruce Gomlevsky, os valores do
texto ganham novos contornos na encenação, que preserva o ritmo, as pausas, os
silêncios, as entonações, a riqueza dos não-ditos tão célebres e importantes na
dramaturgia de Pinter. O sexo, a violência, o lugar da mulher na sociedade são
temas presentes nessa obra que responde elegantemente à enxurrada cafona de
peças feministas sobre Vênus, Marte, o que elas querem e o que eles fazem. É um
excelente programa para quem gosta de teatro que diverte enquanto faz pensar,
de diálogos que bem funcionam como armas, de piadas de altíssimo nível e
encenação de bom gosto.
Em
Londres, na casa, moram Max, um açougueiro aposentado; e seu irmão Sam, um
chauffer; além dos dois filhos mais novos do primeiro: Lenny, um boa vida; e
Joey, um operário de demolição que pratica boxe. A peça começa com a chegada de
Teddy, o filho mais velho de Max; e sua esposa Ruth. O casal, que mora nos
Estados Unidos há seis anos, vem de Veneza, encerrando uma viagem à Europa. A
visita tem um motivo: a família de Teddy não conhece sua esposa, como também
não sabia que o filho, um professor de filosofia, estava casado há tanto tempo.
“A volta ao lar” faz alusão à parábola do filho pródigo, porque Teddy volta
para casa depois de tanto tempo longe dela, mas também ao livro de Ruth, aquela
que deixou às raízes familiares de menina e assumiu os compromissos de mulher,
acompanhando a sua sogra ao invés de voltar a casa de seus pais quando morreu
seu marido. O nome Teddy também não é por acaso: esse é como os americanos
chamam o urso salvo por seu presidente Teddy Roosevelt, no início do século XX,
numa caçada. Ruth, possivelmente uma
ex-prostituta, substitui o lugar de Jessy, a falecida esposa de Max,
possivelmente também uma ex-prostituta. O falar acadêmico de Teddy é o similar
para a verborragia de Max e de Lenny, enquanto Joey expressa a falta de lógica
nas relações familiares e Sam a sua degradação a partir do ideal burguês de
família. O jogo consiste em um não-jogo, ou melhor, no conhecimento das regras que
separam e aproximam os jogadores.
Tonico
Pereira (Max), Jaime Leibovitch (Sam), Sergio Guizé (Joey), Bruce Gomlevsky
(Lenny), Gustavo Damasceno (Teddy) e Arieta Corrêa (Ruth) são os atores que
compõe o afinado elenco, cada um um destaque especial dentro das sugestões que
Pinter e Gomlevsky deixam para cada personagem. Entre todos, a participação de
Tonico Pereira vale um aplauso aparte pela forma absolutamente vibrante com que
o ator dá vida ao personagem do patriarca. Outra participação especial é a de
Arieta Corrêa pela forma perspicaz com que a atriz dialoga com o público,
estabelecendo uma linha crítica com a plateia, o que é excelente, sobretudo quando se trata da questão feminina. Ratifica-se, porém, o fato de que todos os atores brilham em uníssono em "A volta ao lar", espetáculo que também tem excelentes figurinos de Rita Murtinho, uma adequada escolha de trilha sonora de Gomlevsky e uma sensível iluminação de Luiz Paulo Nenen. O cenário de Bel Lobo está, de forma bastante positiva, interrelacionada à encenação. As pareces revestidas de carpete, o sofá de coro, os móveis antigos e, ao mesmo tempo, velhos dão à peça a masculinidade contida no texto e, com igual força, são marca do ranço dessa família cuja história se repete na nova geração.
"A volta ao lar" é uma produção que homenageia o teatro e o diálogo bem escrito, além de ser uma "bomba" nas discussões sobre as relações na contemporaneidade. Um excelente espetáculo!
*
Ficha técnica:
Elenco:
Arieta Corrêa
Bruce Gomlevsky
Gustavo Damasceno
Jaime Leibovitch
Sergio Guizé
e
Tonico Pereira
Texto: Harold Pinter
Direção: Bruce Gomlevsky
Tradução: Millôr Fernandes
Cenografia: Bel Lobo
Iluminação: Luiz Paulo Nenen
Figurinos: Rita Murtinho
Trilha Sonora: Bruce Gomlevsky
Projeto Gráfico: Redondo Estratégia + Design
Assessoria de Imprensa: João Pontes e Stella Stephany
Direção de Produção e Controle Financeiro: Carlos Grun
Produção Executiva: Priscila Fialho
Assistente de Direção: Glauce Guima
Assistentes de Cenário: Marina Piguet e Lila Marques
Assistente de Figurino: Vitor Saraiva
Direção de Palco e Contrarregra: Morena Buzar
Produção: BG artEntretenimento Ltda
Realização: Cia Teatro Esplendor
Muito bom!
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