Foto: divulgação
É bom quando é Caio F.
A
peça “Homens”, dirigida por Delson Antunes, é baseada em quatro contos e um
diálogo dramático curto, todos textos escritos pelo gaúcho Caio Fernando Abreu
(1948-1996), um dos contistas mais celebrados da literatura brasileira do
século XX, além de grande dramaturgo e romancista. Ao longo de sua vida enquanto
jornalista e escritor, Caio F. marca a importância da referência imagética na
literatura contemporânea. Cinema, música, visões lisérgicas, referências ao
pop, da própria literatura, da filosofia oriental e, sobretudo, da cultura
homossexual são as características mais superficiais. Nos seus textos, a ação
quase nunca tem tanto valor quanto a descrição e é por isso, ou melhor, por
tudo isso que todo aquele que encara o desafio de traduzir Caio F. para teatro tem
em mãos um objetivo difícil de alcançar a contento. São poucos aqueles que conseguiram,
como Beckett, apagar a ação e fazer ver o diálogo em sua multiplicidade de
cores e de profundezas, pela evolução das sílabas, justaposição dos sons,
musicalidade das palavras. O normal é inventar ações que deixem o texto “menos
chato” (ele não é), estabelecer jograis para mudar a voz do narrador ou usar de
marcas do teatro contemporâneo para promover identificação do público ao texto.
Felizmente, Delson Antunes foge dessas correntes normais em grande parte do seu
trabalho na direção de “Homens”, atingindo, quando assim, o seu complicado objetivo
parcialmente. Pelo belo feito, sem dúvida, merece aplausos.
A
montagem em cartaz no Teatro Leblon tem um belo cenário construído por Teca
Fichinski. Oito portas em madeira proporcionam pensar sobre oito casas, armários,
lugares de guardados ou, talvez, de segredos. Separadas ao meio, as portas,
quando abertas apenas embaixo ou em cima ou alternadas, conferem jogo e ritmo
para a narrativa na evolução dos quadros, o que é um recurso positivo e bem
usado. Os oito atores, Danilo Sacramento, Thiago Chagas, Carlo Porto, Yuri
Gofman (substituído por Breno Nina), Vinicius Cristóvão, Igor Vogas, Hilton
Vasconcellos e Iuri Saraiva, se alternam na tradução dos contos: “Pela Noite”; “Sargento Garcia”; “Linda, uma história triste”; e “Vênus”; além do “Diálogo” (“Meu
companheiro”). É no desenvolvimento da narrativa que se encontram os bons
trabalhos o elenco e a boa direção.
No
início e no fim, Antunes parece não conseguir ser original. A cena de abertura
com alguém escrevendo em uma máquina de escrever e a ciranda de atores em grupo
ou individualmente dizendo os parágrafos iniciais dos contos são frustradas
tentativas de tornar os textos de Caio F. interessantes como se eles já não o
fossem. Impera aí o medo da monotonia, a negação do simples gesto de um ator
dizendo um texto sem nada além. Mas não há monotonia em Caio F e tampouco depressão
como gosta-se tanto de parecer haver e isso porque, nos textos do autor, há uma
visão vertical dos personagens (como se ele abrisse a cabeça e, a partir dela,
visse o corpo inteiro nas suas profundezas) em meio a uma visão horizontal da
vida (os encontros não são definitivos como também não os são os desfechos,
pois não há relação de causa e efeito). As dores pelas quais passam os
personagens não os diferenciam dos demais seres do mundo. Se fossem, então,
sim, poder-se-ia dizer que Caio é depressivo, negativo, pesado. As dores, as
memórias, os vícios, as incapacidades são tudo aquilo que tornam essas figuras
humanas, pessoas como qualquer leitor ou plateia. Logo após as cenas de
abertura, começa a pairar o silêncio na encenação proposta por Antunes. É
quando os sons das palavras bem ditas pelo bom grupo de atores começam a soar
com mais calma e tranqüilidade e, consequentemente, com maior importância. Aí
elas não concorrem com movimentos, com trocas de cenário, com trilha sonora. Aí
elas são únicas e vibrantes e a peça se torna digna do seu grande autor.
Thiago
Chagas, na interpretação de Pérsio e de Isadora; Breno Nina (apaixonado por
Beatriz) e Iuri Saraiva (o Filho) se destacam positivamente no elenco pelo bom
aproveitamento das oportunidades que têm de construir com poucas marcas os
grandes personagens. Nesses, sentem-se a vibração das figuras expostas nas duas
dimensões já citadas, a reverência aos personagens que aparecem mais do que os
atores. É positiva pela simplicidade a criação dos figurinos de Nello Marrese,
pois oferecem características específicas, sem concorrer no olhar do
espectador.
Apesar
da construção complicada que a estrutura, a cena final oferece uma situação forte
e uma imagem bela ao texto de Caio. Eis aí um exemplo dos bons momentos em que
o trabalho de Antunes é bom por não ser outra coisa que não seta que aponta
para Caio. Vale a pena ver!
*
Ficha técnica:
Dramaturgia e direção: DELSON
ANTUNES
Direção de movimento: ANA
BEVILAQUA
Elenco: Danilo Sacramento; Thiago
Chagas; Carlo Porto; Yuri Gofman (ou Breno Nina); Vinicius Cristovão; Igor Vogas; Hilton
Vasconcellos; Iuri Saraiva.
Cenário: TECA FICHINSKI
Iluminação LUIZ PAULO NENEM
Figurino NELLO MARRESE
Direção musical PEDRO VERÍSSIMO
Assessoria de imprensa ANA CLARA
MACHADO
Direção de produção THIAGO CHAGAS
Supervisão de produção CLAUDIA
CHARMILLOT
Produção executiva GISA
GONSIOROSKI
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