Foto: divulgação
Quando a cortina não se fecha
“Bibi
– Histórias e Canções”, dirigido por João Falcão, inaugura o Theatro Net Rio em
grande estilo. O repertório, um resumo de alguns dos momentos mais marcantes de
sua carreira como “Minha querida lady” (adaptação de 1962 do musical “My fair
lady”), “Alô, Dolly” (de 1965, adaptação de “Hello, Dolly”), “Gota d´água”
(1975), “Piaf, a vida de uma estrela da canção" (1983) e “Bibi Ferreira viveAmália Rodrigues” (2001), é interpretado unicamente por Bibi acompanhada de uma
orquestra de 27 músicos regidos pelo maestro Flávio Mendes. Além do que o
Brasil já viu, no programa, constam números inéditos: interpretações de canções
brasileiras de compositores como Chico Buarque, Noel Rosa, Tom Jobim, Vinícius
de Moraes, além de brincadeiras com óperas clássicas e textos nacionais. A
grande atriz e cantora conversa com o público, dialoga com o maestro, faz o
show com a plateia.
O
tempo é um dos fatores mais importantes na observação da arte. É porque vinte e
quatro quadros passados na velocidade de um segundo dão a sensação de unidade e
movimento que o cinema existe. É porque não se consegue ler Dostoievski em duas
horas, mas uma boa crônica se consome em alguns minutos que os gêneros literários
têm o seu lugar. Um quadro ou uma escultura só adquire valor quando permanece
bela através da passagem dos séculos. Música e tempo são sinônimos e a dança é
um jeito da música ser vista além de ouvida. O teatro nasce e morre nos
intervalos de tempo e sua beleza está no seu renascer constante. Os personagens
duram apenas o tempo da apresentação e, quando a peça acaba, um escritório e
uma prisão são apenas canos, um mar é apenas um jogo de luzes, uma sala é
apenas um sofá. Bibi Ferreira faz 90 anos e a emoção de assisti-la vem, dentre
vários motivos, da graça que é contemplar alguém que dribla o tempo com doçura
e com coragem, com talento e com técnica, com amizade e reconhecimento. O tempo
faz reverência para Bibi Ferreira.
Quando
nos anos 20 do século passado, Abigail Ferreira substituiu uma boneca e entrou
em cena pela primeira vez, Bibi era ainda um bebê. Trocadilho à parte, o
brinquedo ainda está em cena, passando de mão em mão e chorando na hora certa.
Viagens ao Chile e apresentações no Teatro Municipal do Rio de Janeiro nos anos
30, a própria
companhia teatral veio nos anos 40. Bibi é a história do teatro brasileiro, sendo
o próprio teatro brasileiro. Recanta hoje canções apresentadas em musicais dos
anos sessenta, setenta, oitenta e dois mil. Vestindo elegantemente um vestido longo
preto, ela olha para o público sem os famosos óculos escuros que marcaram a sua
imagem na televisão desde a sua inauguração nos anos cinqüenta até hoje. O público
vê os olhos de uma diva e encontra nele o mesmo brilho que tantos públicos ao
redor do mundo encontraram ao longo desses noventa anos. E aplaude, quem diria,
o teatro que não consegue se terminar hoje para se recomeçar amanhã, mas permanece
ali de pé, afinado e forte ao longo de quase um século com as cortinas sempre
abertas.
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