domingo, 3 de junho de 2012

Autopeças 2 - Peças de encaixar (RJ)


Foto: divulgação

O direito de significar versus o dever de entender

“Autopeças 2 – Peças de encaixar” é a segunda versão de uma primeira que estreou em maio do ano passado. O espetáculo é fruto de uma das oficinas de dramaturgia realizadas pela Cia. Dos Atores, tendo como colaboradores Jô Bilac, Pedro Brício e Vadim Nikitim. Dirigido por César Augusto e por Susana Ribeiro, o projeto reúne sete textos encenados por Ana Abbott, João Rodrigo Ostrower, Jonas Gadelha, Mariana Nunes, Suzana Nascimento, Tracy Segal, Raquel Alvarenga, Eduardo Almeida, Átila Calache e Alex Pinheiro. Em cartaz no teatro da Caixa Cultural, centro do Rio de Janeiro, eis aí uma peça que apresenta boas interpretações, textos criativos e uma dramaturgia interativa, aos moldes pós-dramáticos, em que é o espectador quem deve dar sentido, coerência e coesão ao que se vê em cena.
O cenário de Bia Junqueira é composto por placas de papelão que se estendem para além do espaço cênico, invadindo a plateia. Dobrando e descobrando algumas peças, subsolos coloridos vêm à luz, auxiliando na construção de imagens interessantes. Os objetos de cena, quase todos eles, são feitos de papelão também. Afora o fato de que os materiais são “encaixados” e o nome do espetáculo ser “Peças de encaixe”, como também constar no release de divulgação a proposta de que os textos foram “encaixotados”, cenário e encenação pouco têm a ver. Usando três lados dos quatro existentes na arena do espaço teatral, a produção deixa ver uma plateia vazia. Essa opção estética pode apresentar, pelos argumentos a seguir, indicações de certos vínculos mais claros com a encenação.
            Os textos encenados são: “Papo de mineiro” (autoras: Suzana Nascimento e Raquel Alvarenga), “Tem um fantasma atrás de mim” (Suzana Nascimento), “Marcel e Marceau” (Diogo Liberano), “Tatu” (Monica Sólon), “Primeiro eu” (João Rodrigo Ostrower), “Aquilo que fica” (Alexandre Rudáh) e “Ponto de escuta” (Alexandre Pinheiro e José Caminha). Todos eles funcionam separadamente, mas, uma vez justapostos, o espectador pode, se quiser, descobrir o que motivou a sua ordem. Divergentes, os signos teatrais sugerem outro tipo de dramaturgia cênica, outro tipo de fruição. Em “Autopeças 2”, há cenas cômicas e mais dramáticas, momentos em que o texto privilegia o cenário ou o figurino de Patrícia Muniz, esse bastante pontual, discreto e, por isso, adequado a um tipo de encenação que pode ser o que o espectador quiser. Nas interpretações, todos os atores, em algum momento, se destacam positivamente, de forma que, no todo, o grupo é responsável por uma obra meritosa. César Augusto e Susana Ribeiro assinam o ritmo uniforme, as movimentações bem dosadas e o todo não coeso disponível, deixando, assim, nas mãos de quem vê a peça, completar os textos ou encerrar o encaixotamento das histórias da forma que bem quiser. É um convite.
            Uma história traz um uma receita que terminará quando a comida estiver pronta. Há um homem-bomba que explode, um relacionamento que termina e recomeça, uma mãe que morre, uma atriz que abandona uma peça, pessoas que querem ser atores. Há quem, morto, telefone do além e há quem recebe essa ligação. E há uma escalada até as nuvens. Pensar que “Autopeças 2” fala sobre a vontade do homem em marcar sua existência para além do fim da sua vida, estender sua passagem, avançar os umbrais do tempo é um direito de quem assiste. O mérito do gênero aqui atualizado é não ser um dever. O teatro, que se esvai com o tempo e só fica na lembrança das pessoas, pode ser uma relação entre a plateia vazia e a peça a que se assiste. Pode não ser.

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Ficha técnica:
Textos - Oficina de dramaturgia
Elenco - Ana Abbott, João Rodrigo Ostrower, Jonas Gadelha, Mariana Nunes, Suzana Nascimento, Tracy Segal, Raquel Alvarenga, Eduardo Almeida, Átila Calache, Alex Pinheiro
Direção - Cesar Augusto e Susana Ribeiro
Codireção - Diogo Liberano
Dramaturgia - Bel Garcia
Cenário - Bia Junqueira
Figurino - Patricia Muniz
Iluminação - Paulo César Medeiros
Trilha sonora - Rodrigo Marçal
Programação visual - Radiográfico
Assessoria de imprensa - RPM Comunicação
Realização - Cia dos Atores
Assistente de Produção - Leo Freire
Produtor Executivo - Yuri Chamusca
Direção de Produção - Felipe Argollo
Produção - Sapo Produções Artísticas e Culturais Ltda

Peças:
"Papo de Mineiro" - Texto de Suzana Nascimento e Raquel Alvarenga
"Tem um fantasma atrás de mim" - Texto de Suzana Nascimento
"Marcel e Marceau" - Texto de Diogo Liberano
"Tatu" - Texto de Monica Solon e Jaderson Fialho
"Primeiro eu" - Texto de João Rodrigo Ostrower
"Aquilo que fica" - Texto de Alexandre Rudáh
"BIZIU: Eu quase te amei de verdade" - Texto de José Caminha “BIZIU: eu quase te amei de verdade” é de José Caminha.


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