quarta-feira, 31 de julho de 2013

Jim (RJ)

Renata Guida e Eriberto Leão em cena de "Jim"
Foto: divulgação
Uma sequência de equívocos

A peça “Jim” é uma sequências de equívocos, embora tenha excelente desenho de luz de Maneco Quinderé e brilhante interpretação da trilha sonora, cuja direção musical é de Ricco Vianna. Em cartaz no Teatro Leblon, o espetáculo comete o mesmo erro acontecido no ano passado quando houve uma produção sobre Michael Jackson. “Jim”, apesar do título, não é sobre o músico e poeta Jim Morrison (1943-1971), mas sobre um brasileiro chamado João Mota que acredita ser o cantor famoso. O texto de Walter Daguerre apresenta vários problemas que a encenação dirigida por Paulo de Moraes não resolve. As interpretações de Eriberto Leão e de Renata Guida vão pouco além do superficial infelizmente. A seguir, a análise em mais detalhes. 

Na situação escrita por Daguerre, João Mota está diante do túmulo de Jim Morrison. Se, no início, ele mostra acreditar ser a reencarnação do músico, no final, ele afirma precisar abrir o túmulo para certificar-se de que Jim realmente morreu. Ora, as duas teses são contraditórias já que, segundo o espiritismo, alguém vivo não pode reencarnar. Logo, se há dúvida de que Jim está vivo, deve haver também a dúvida de que o protagonista é sua reencarnação. No mesmo sentido, os argumentos são tão confusos quanto as teses: João Mota, o personagem, nasceu em Brasília, 49 dias após a morte de Morrison. Os monges tibetanos acreditam que esse tempo é o necessário para alma humana reencarnar. A ciência prova que é no 49o dia de gestação que aparece, no embrião, a glândula pineal (o centro do cérebro humano, a maior concentração de sangue e, por isso, onde há o maior fluxo de energia) e também se define o sexo do bebê. A questão é que o americano Morrison morreu em Paris e, 49 dias depois, nasceram milhares de meninos na França, nos Estados Unidos e no mundo inteiro. Por outro lado, João Mota é também músico, casado e pai de filhos, morador, na adultez, do Rio de Janeiro. Desde a cena inicial, ele está bebendo whisky e estabelecendo um jogo consigo e com o espírito de Jim Morrison, com quem ele acredita conversar, de roleta russa. Uma bala é posta na badeja e, de vez em vez, o gatilho é apertado. Tanto o álcool quanto o suicídio são condenados pelo espiritismo (mesmo em cerimônias como umbanda e candomblé, usa-se de álcool com moderação). O programa da peça traz outra justificativa: a esquizofrenia de que pode sofrer João Mota. Esse argumento será tratado mais adiante. 

Renata Guida interpreta uma segunda interlocutora com quem Mota conversa. Ela não tem nome, mas pode ser a esposa do protagonista, a Pamela Courson (a namorada de Jim Morrison, que estava com ele em Paris, quando ele morreu), a cantora Marianne Faithfull (que estava hospedada no mesmo hotel e pode ter sido quem vendeu heroína ao músico, numa das versões nunca comprovada) e também simplesmente uma materialização da Mãe Natureza, do Universo ou de alguma entidade qualquer. O fato é que todo o diálogo que essa personagem estabelece com João Mota é uma coleção de clichês que parecem ter sido tirados de livros de auto-ajuda, tais como: é preciso sofrer para valorizar o prazer, a culpa ou o mérito do passarinho que leva água para o incêndio na floresta, etc. No entanto, a personagem de Guida tem relevância porque é ela quem “salva” (é preciso ver a peça para saber como isso se dá) João Mota no final da história. Esse “salvamento”, porém, nada tem a ver com qualquer tipo de terapia psicológica ou psiquiátrica, de forma que o argumento da esquizofrenia é ou o reflexo de um desconhecimento dessa doença (grave) de que sofrem tantas pessoas no mundo ou o tipo de justificativa completamente falsa. 

Eriberto Leão repete o mesmo tipo de entonação, sempre começando com mais graves e terminando com mais agudos regularmente em suas falas. O volume da voz varia do sussurro ao grito e do grito de volta para o sussurro, em que os olhos estão sempre fixos, a tez sem expressão, o quadril encaixado e o peso sobre uma das pernas. Há sensualidade, mas não há carisma, de forma que sua construção de Jim Morrison não agradou nem mesmo os fãs que gritavam o nome “Jim!”, “Jim!”, “Jim!” antes da sessão começar. Não há, em Leão, marcas suficientes que ajudem o espectador a discernir quando é Morrison, quando é Mota, exercício que garantiria uma fruição mais clara além de um ótimo desafio para o intérprete. Renata Guida, em insólito desafio de dar vida a uma figura sem forma, está apagada até mesmo em seu momento mais sensual na cena. 

Sem referência com o original, o cenário de Paulo de Moraes, composto por um piano de cauda em diagonal e pelo desenho do espaço com microfones em pedestais, é belíssimo, porque simples e, ao mesmo tempo, potente. Pena que nele não haja uma boa história a perambular. A trilha sonora é executada ao vivo por José Luiz Zambianchi (teclado), Felipe Barão (guitarra), Rorato (bateria), além de Eriberto Leão (voz). O resultado é positivo. 

Costurando uma miscelânea de frases e de textos célebres das músicas e dos poemas do vocalista da banda The Doors, o texto de Daguerre não informa ao público nem sobre a história do artista, nem sobre aspectos de sua arte. Tampouco a encenação de de Morais representa a contento esse ícone da cultura contemporânea. Uma pena! 

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FICHA TÉCNICA
Texto: Walter Daguerre
Direção: Paulo de Moraes
Elenco: Eriberto Leão e Renata Guida
Músicos: José Luiz Zambianchi (teclado), Felipe Barão (guitarra) e Rorato (bateria)
Direção musical: Ricco Vianna
Cenografia: Paulo de Moraes
Figurinos: Rita Murtinho
Iluminação: Maneco Quinderé
Programação Visual: Walter Daguerre
Fotografia: Marcelo Faustini
Produção executiva: Carolina Consani e Roberta Marinho
Produção e Assessoria de imprensa: Barata Comunicação
Equipe Barata Comunicação: Produtores: Elaine Moreira e Bruno Luzes
Financeiro: Mádia Barata
Imprensa: Priscilla Santos

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