Paulo Mathias Jr., Camilo Bevilacqua, Mario Hermetto e (no centro da foto) Edgar Amorim têm boas participações |
Desequilíbrio e monotonia
“Lima Barreto, ao terceiro dia” tem vários problemas, mas que podem ser resumidos e um só: desequilíbrio. A impressão clara é a de que a direção joga em várias frentes, mas não se estrutura bem em nenhuma delas. Do texto à construção dos personagens, do ritmo à trilha sonora, do cenário à iluminação, todos os elementos agem em separado negativamente. A única exceção é a concepção de figurino de Helena Affonso, que, bem fincada no realismo, mantém-se regular ao longo da apresentação. O espetáculo, felizmente, já saiu de cartaz no Teatro Dulcina, na Cinelândia, Rio de Janeiro.
Comecemos pelo texto de Luiz Alberto de Abreu. Há nele a intercalação de duas situações. Em uma delas, em 1919, o escritor Lima Barreto (1881-1922), passa três dias internado em um hospital psiquiátrico. É quando conhecemos o personagem escritor, seus posicionamentos diante da arte, da literatura, da política, da vida social do Rio de Janeiro recém republicano. Em outra, há a narração dramática de “Triste fim de Policarpo Quaresma”, o quinto e mais famoso romance de Barreto, publicado em 1915. Ocorre que, em uma das frentes, há uma evolução dramática (“Triste fim”), com início, meio e fim, a partir de forças que levem a história para adiante. Em outra, o espectador tem diante de si comentários e lamentos (Os três dias no hospital) do escritor sobre vários assuntos referentes a si próprio e suas dores. Em um vai e vem cênico-narrativo, tanto uma frente atrapalha a outra como a outra atrapalha uma, sem que nenhuma das duas se estruture a contento. Nas cenas finais, escritor e personagens se encontram, o que, embora manifeste uma boa intenção da dramaturgia de Abreu, não resulta em melhor resultado. Desse encontro, nada surge, pois o personagem escritor, ao terceiro dia de internação, segue sendo a mesma pessoa que era ao primeiro, apesar de mais calmo. Com a pretensão de contar a vida de Lima Barreto, sai-se do teatro com um resumo mal feito de sua obra mais conhecida e com a compreensão tola de que ele era alguém que não estava satisfeito com a sociedade em que vivia.
Com relação às interpretações, há atores, em ambas as situações, que construíram seus personagens ou de forma superficial, porque cheios de máscaras corporo-faciais, ou em uma linha mais realista, porque um pouco mais de profundidade. Nos dois casos, há bons e maus resultados. Destaca-se, positivamente, no primeiro grupo, Paulo Mathias Jr., que interpreta o paciente Felipe com delicadeza e poesia, e Camilo Bevilacqua, que interpreta Albernaz com ironia e graça. No segundo grupo, positivamente em outra construção, o mesmo Bevilacqua no papel de médico com excelente dicção e ótimas entonações, Mario Hermetto, dando vida a Gregrorinho de forma bastante humana e sensível, e Edgar Amorim, que faz Policarpo Quaresma com a pujança que o personagem merece. Em contrapartida, temos uma construção extremamente farsesca e, por isso, dissonante de Vitória (Cristiane Amorim), e participações superficiais de Livia Guerra e de Clara Neri (Adelaide e Ismênia). Nos personagens-título, Flavio Bauraqui e Nando Cunha perdem inúmeras possibilidades de dar contorno para seus Lima Barretos, mantendo uma regular e monótona oscilação entre a irritação e o desamparo.
A concepção de cenário e de trilha sonora é paupérrima. Justificar um cenário em que pilhas de livros formam os morros da rotunda, os bancos onde as pessoas se sentam e os pássaros pousados nos fios dos postes no fato do personagem protagonista ser escritor é raso demais para o teatro carioca. A interpretações de músicas ao violino por um personagem onipresente é uma paupérrima referência a “O violinista do telhado” em uma mistura mal feita com o personagem Ricardo Coração dos Outros, da obra original. O segundo, que é violonista, é uma criação de Barreto para a obra “Triste Fim” que reforça o apego de Policarpo à música nacional, essa vinda do violão e não do piano. Ou seja, um violino está longe tanto de Barreto, quanto de Policarpo.
Dado o merecido destaque à concepção de figurino, cuja manifestação é o único elemento que garante harmonia e boas articulações para estrutura como um todo, evidencia-se a fragilidade do espetáculo produzido e dirigido por Luiz Antônio Pilar. Mais longo do que deveria, o que resulta de um mal uso do ritmo, e cheio de opções injustificadas, Lima Barreto parece continuar sendo incompreendido infelizmente.
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Texto: Luiz Alberto de Abreu
Produtor / Diretor - Luiz Antonio Pilar
Ass. de Direção - Fábio Espírito Santo
Coordenadora de Produção - Mariana Campos
Produção - Patricia Freitas
Assistente de Cenografia – Alessandra Cadore
Estagiária de Cenografia – Isabella Azevedo
Iluminadora - Daniela Sanchez
Figurinista - Helena Affonso
Diretora Musical - Paula Leal
Ass. de figurino - Moema Jambeiro
Cabelo/Make - Marina Beltrão
Preparadora Corporal - Juliana Nogueira
Preparadora Vocal - Danuzza Sartori
Designer Gráfico - Maria Julia Ferreira
Contrarregra - André Luiz Silva
Coordenadora de Produção - Mariana Campos
Produção - Patricia Freitas
Assistente de Cenografia – Alessandra Cadore
Estagiária de Cenografia – Isabella Azevedo
Iluminadora - Daniela Sanchez
Figurinista - Helena Affonso
Diretora Musical - Paula Leal
Ass. de figurino - Moema Jambeiro
Cabelo/Make - Marina Beltrão
Preparadora Corporal - Juliana Nogueira
Preparadora Vocal - Danuzza Sartori
Designer Gráfico - Maria Julia Ferreira
Contrarregra - André Luiz Silva
Elenco
Flavio Bauraqui - Lima Barrteto
Paulo Mathias Jr. - Felipe
Nando Cunha - Lima Barreto Joven
Mario Hermeto - Gregorinho
Camilo Bevilacqua - Albernaz e médico
Edgar Amorim - Policarpo Quaresma
Cristiane Amorim - Vitória
Livia Guerra - Adelaide
Clara Nery - Ismênia
Izak Dahora - Lalau Marques
Até hoje a crítica é impiedosa quando se produz algum espetáculo, filme, ou coisa parecida sobre o Lima Barreto. Gostei muito da Peça "Lima Barreto, ao terceiro dia" e seria muito louvável que esta peça fosse levada aos arrabaldes da Cidade do Rio para que as pessoas pobres que o Lima retratou pudesse se ver. Como sociólogo e professor me deleitei ao ver o Dulcina repleto e aplaudindo de pé a peça sobre o imortal escritor Lima Barreto que tanto lutou contra o racismo, por uma escola popular e contra a entrega das riquezas do Brasil para os sanguessugas de sangue azul.
ResponderExcluirAté hoje a crítica é impiedosa quando se produz algum espetáculo, filme, ou coisa parecida sobre o Lima Barreto. Gostei muito da Peça "Lima Barreto, ao terceiro dia" e seria muito louvável que esta peça fosse levada aos arrabaldes da Cidade do Rio para que as pessoas pobres que o Lima retratou pudesse se ver. Como sociólogo e professor me deleitei ao ver o Dulcina repleto e aplaudindo de pé a peça sobre o imortal escritor Lima Barreto que tanto lutou contra o racismo, por uma escola popular e contra a entrega das riquezas do Brasil para os sanguessugas de sangue azul.
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