segunda-feira, 1 de julho de 2013

O banqueiro anarquista (RJ)

José Karini e Peter Boos em espetáculo concebido por
Fernando Lopes Lima
Foto: Diego Molina 

Tudo é excelente!

Justamente porque é verdade que não há signos teatrais, mas apenas signos tornados teatrais, é que podemos dizer que tudo pode virar teatro. A questão está, assim, em quais mãos esse tudo pode se tornar teatral. No caso de “O banqueiro anarquista”, as mãos são de Fernando Lopes Lima, que aqui oferece um excelente trabalho de direção no espetáculo em cartaz no Teatro Serrador até a próxima quarta-feira. Sem um drama que embase de forma mais específica os dois personagens que dialogam nesse texto criado a partir do conto homônimo de Fernando Pessoa, tem-se apenas o conflito e, em seu desenvolver, a retórica. As excelentes interpretações de José Karini e de Peter Boos garantem o ótimo resultado, que é ainda melhor considerando o grande desafio da equipe. Eis aí uma peça que está longe de ser entretenimento, mas nem por isso menos divertida. Uma discussão bem desenvolvida, afinal, pode ser tão boa quanto uma gargalhada. 

Em cena, dois homens jantam em algum lugar da primeira metade do século XX, muito provavelmente em Lisboa, em 1922, ano em que o conto foi escrito. A conversa nasce de um paradoxo: um deles, que é banqueiro, afirma ser mais anarquista que os anarquistas que estão, nesse momento, nas ruas protestando contra o sistema. Como um banqueiro, sublime representante do capitalismo, pode ser um anarquista? E mais ainda o melhor deles? Sem que saibamos seus nomes e nem tenhamos muitas informações a respeito desses personagens, a peça se passa em tempo real, isto é, a conversa a que assistimos dura exatamente o tempo da conversa, sem elipses. Não há trocas de cenário ou de figurino, as movimentações de luz e dos atores pelo palco são discretas, a carpintaria é positivamente simples: tudo aponta a atenção do público para a retórica, para o argumento, para o texto. E esse é esplendidamente bem dito: excelente dicção, pausas nobres, intenções claras, entonações variantes, ritmo pulsante. O diálogo é vivo, apesar de árido, difícil, complexo. 

No Brasil, nunca se discutiu tanto política. Com a internet, dos refinados sociólogos às pessoas de formação mais humilde, a porcentagem dos que têm voz, embora pequena, é tão expressiva como nunca dantes o fora. Ao construir um texto em que os meandros argumentativos chegam a valer mais do que seus efeitos, Fernando Pessoa convida a pensar com elegância, refinamento e seriedade. Fernando Lopes Lima, por sua vez, reforça o convite fazendo o teatro agregar ao debate a voz humana que as palavras literárias não têm. O todo é potente, porque delicada e inteligentemente bem posto e, sem dúvidas, flerta declaradamente com a situação atual em que o nosso país vive.

Com excelente ritmo, em que, por vezes, o discurso verbal dá lugar para a pausa e para a reflexão, o espetáculo tem bom uso de cenário (Marcos Saboya), figurino (Kassandra Speltri), iluminação (Aurélio de Simoni) e de trilha sonora (Leonardo de Castro), todos esses elementos que servem ao espetáculo de forma positiva porque concentram ao invés de dispersar. A cena final, em que uma crítica direta aparentemente destoa do todo até ali, garante um bom ápice dramático do qual nem mesmo uma boa retórica consegue se afastar. Tudo é excelente! 

*

Ficha técnica:
Textos de Fernando Pessoa
Dramaturgia, Direção e Produção de Fernando Lopes Lima
Atuação de José Karini, Peter Boos e de Rafael Manheimer
Iluminação de Aurelio de Simoni
Cenografia do artista plástico Marcos Saboya
Figurinos de Kassandra Speltri
Direção musical de Leonardo de Castro

Um comentário:

  1. que orgulho do meu amigo Peter. :) queria estar no Rio e poder vê-lo. Espero que outros aproveitem por mim.

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