Giordano Castro assina a dramaturgia da peça |
Sem consistência
“Aquilo que meu olhar deixou pra você” é um espetáculo medroso. Dividido em três partes, em um total de 40 cenas, pode-se dizer que apenas quatro delas realmente “bancam” as situações propostas por elas mesmas. Nas demais, identifica-se uma certa tentativa de investigar um tema, produzir uma sensação ou refletir sobre algum caminho, mas o processo é sempre interrompido pela intromissão de alguém do próprio elenco que parece não sentir-se à vontade com o rumo tomado. Dentro de um modelo contemporâneo de dramaturgia, há um roteiro previsto, mas que é construído pelos cinco atores em parceria com o público. Há a intenção de performance, há a utilização de símbolos do teatro pós-dramático, mas, como um todo, a estrutura aparece bastante frágil, apesar de interessante. Integrantes do Grupo Magiluth, os atores Erivaldo Oliveira, Giordano Castro, Lucas Torres, Pedro Wagner e Pedro Vilela se propõem a construir um espetáculo a partir das imagens que eles, todos vindos de fora do Rio de Janeiro, colecionaram em sua estada por aqui. Trata-se do gênero descrição, isto é, a justaposição de situações a partir de um mote e com o investimento em diversos níveis de suas potencialidades. Apesar de divertido, sobretudo em sessões em que o público realmente se sente confortável em participar, a peça, enquanto projeto, vale mais como apenas experimentação.
Vale citar duas cenas como quadros positivos em relação aos demais: a dos isqueiros e a briga corporal. Em ambas, positivamente, temos 1) a sugestão, isto é, a proposta; 2) o envolvimento dos personagens intérpretes em que cada um se posiciona; 3) o desenvolvimento da cena, com o tempo necessário para ela ser fruída e a catarse/a poética acontecer; e 4) o fechamento, em que se dá a abertura para um novo quadro. Infelizmente, esses passos não se veem na maior parte de “Aquilo que meu olhar deixou pra você”. Geralmente, a proposta não chega ao desenvolvimento de forma pura, pois, antes dela se estabelecer, alguém a corrompeu. Por exemplo, em um determinado momento, um ator está deitado no chão e, em seu texto, ele cita o Caco, personagem do programa The Muppets Show. Antes de concluir a cena, no entanto, algum outro ator ironiza o texto, ou a posição, ou a situação, oferecendo ao público uma outra imagem, puxando o foco, desvirtuando a atenção. A proposta passa a ser desinteressante e o contexto se desfaz. Nesse processo, é como se a peça ensaiasse voos, sem quase não fazê-los.
Símbolos do teatro pós-dramático, como a) atores e personagens terem o mesmo nome, de forma a construir uma marca de performance; b) projeção de vídeo; c) músicas rock/indie; d) microfone ou megafone; e etc são usados a partir de suas sugestões formais e não propriamente como parte necessária de conteúdo. A situação de jogo dramático não encontra justificativa a não ser fortalecer o carisma do grupo de atores, que já é grande. Recursos como cenário, iluminação, figurino e trilha sonora reforçam a identidade contemporânea do projeto, marcando a casualidade nas concepções. Apesar da precariedade em termos de iluminação que o palco do Espaço Furnas, onde a peça cumpriu temporada, oferece, vale dizer que o grupo fez bom uso do que teve a sua disposição.
O estranhamento do olhar estrangeiro por sobre a Cidade do Rio de Janeiro acaba ficando enquanto proposta que não se estabelece. Uma vez que a fluidez é quase elemento articulador das cenas, “Aquilo que meu olhar deixou pra você” pode terminar sendo uma metáfora para a impressão de liquidez das relações na Cidade Maravilhosa. Se sim, isto também não é defendido a contento.
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FICHA TÉCNICA
DIREÇÃO Grupo Magiluth e Luiz Fernando Marques (SP)
DRAMATURGIA Giordano Castro
ELENCO Erivaldo Oliveira, Giordano Castro, Lucas Torres, Pedro Wagner e Pedro Vilela
DIREÇÃO DE ARTE Guilherme Luigi e Thaysa Zooby
ILUMINAÇÃO Pedro Vilela
SONOPLASTIA Grupo Magiluth e Luiz Fernando Marques (SP)
DESIGNER GRÁFICO Gráfico Guilherme Luigi
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