quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Da Carta ao pai – Ou tudo aquilo que eu queria te dizer (RJ)

Jean Machado e Rodrigo Turazzi em cena
Foto: divulgação

Bom!

Da Carta ao pai – Ou tudo aquilo que eu queria te dizer”, em cartaz na Casa da Gávea até o dia 08 de julho, é um espetáculo que parece ser resultado de um processo que ainda não terminou. De forma interessante, o título da peça expressa as fontes das quais parte: o livro “Carta ao Pai”, de Franz Kafka (1883-1924) e relações pessoais, talvez memórias coletadas pelo grupo, de relações entre pais e filhos. A produção é modesta e positivamente dirigida a um público íntimo, com olhar sensível e disposto a refletir. Com direção e dramaturgia de Alessandra Gelio em processo colaborativo com os atores Igor Angelkorte e Jean Machado, a peça tem como atores o segundo e Rodrigo Turazzi ao lado do músico Jean Machado. É uma boa sugestão na zona sul do Rio de Janeiro. 

Entre muitas obras ficcionais, a maioria delas com grandes referências (e sendo depois referenciais) do expressionismo, Kafka teve, após a sua morte, publicada uma carta a seu pai escrita quatro anos antes. O texto, que foi corrigido muitas vezes pelo autor (não vamos esquecer de que se trata de um escritor), não é declaradamente ficcional, mas bastante íntimo. Nesse sentido, há duas questões estéticas que são relevantes para o olhar por sobre a peça “Da Carta ao pai – Ou tudo aquilo que eu queria te dizer”: a) a relação entre Frantz e Hermann é uma relação íntima, única, não generalizável; b) o olhar expressionista de Kafka, que se vê em suas obras ficcionais, assim o é considerado porque nele está refletido o mundo a partir de filtros que contorcem a realidade, a entortam, a enfeiam, mudam seus tamanhos porque são muito influenciadas pela emoção. Assim, mesmo sendo teoricamente não ficcional, é impossível considera-la como um documentário “fiel à realidade”. Feito isso, passa-se a análise da peça em questão. 

O espectador de “Da Carta ao pai – Ou tudo aquilo que eu queria te dizer” gasta um tempo precioso, tentando identificar sobre o que é a peça: se sobre a relação entre pais e filhos ou se sobre dois atores tentando construir um espetáculo sobre a relação entre eles e seus pais. Em determinado momento, chega-se a conclusão de que os dois assuntos podem ser um só, mas essa ideia esbarra na tese de que nem todas as relações entre pais e filhos são iguais a que Kafka (ou os outros personagens da peça: Pedro (o filho, o ator Jean) e Alberto (o pai)) teve com seu pai. O caminho da fruição muda de direção, isto é, deixa de ser o de identificar o que está vendo e passa a ser comparar o que está vendo consigo próprio, as relações de distância e de proximidade entre sua própria vida e a dos personagens das cenas. Talvez seja por isso que a peça enterneça, mas não propriamente toque. Quando o dedo toca na ferida, ela já parou de sangrar. 

São boas as interpretações de Rodrigo Turazzi e de Jean Machado, se alternando em vários papeis, alguns deles figuras que podem ser confundir com os próprios autores. A situação em que eles nascem, assim, na cena, é bem vinda em um espaço pequeno, com o público bastante próximo, visível e auto-visível, praticamente dentro da história e não distante dela, à escuridão. Os papéis jogados no chão, colados nas paredes, repetem-se no figurino dos atores, criando uma estrutura sólida de imanência. O café servido no início, a trilha sonora interpretada ao vivo por um violonista e a iluminação quente de abajures reforçam uma atmosfera cálida, cordial, sensível. Ou seja, apesar da dramaturgia, os elementos se articulam de forma justa, que amparam bem a peça como um todo, agradando o público que sai do teatro pensativo positivamente. 

“Da Carta ao pai – Ou tudo aquilo que eu queria te dizer” é o tipo de produção que faz bem ao teatro carioca porque delimita um território de pesquisa, que não é propriamente comercial, mas também não  é blazé e tampouco pseudo-intelectual. Repito: eis aqui uma boa sugestão! 

*

Ficha técnica:
Dramaturgia: Alessanra Gelio
em processo colaborativo com os atores Igor Angelkorte e Jean Machado
Direção: Alessandra Gelio
Elenco: Jean Machado e Rodrigo Turazzi
Participação especial do músico Pedro Nêgo (substituído por Rodrigo Andrade na sessão acima analisada)
Composições musicais de Dani Black
Iluminação: Rodrigo Turazzi
Operação de Luz:  Sabrine Wolfart
Cenário: Alessandra Gelio, Igor Angelkorte e Jean Machado com a colaboração de Lucas Romano
Figurino: Tiago Ribeiro, Alessandra Gelio, Jean Machado e Lucas Romano
Direção de produção e idealização: Jean Machado
Assistência de produção: Fabio Cardoso
Fotografias: Lucas Campêlo, Paula Guimarães e Thatiana Bione

Um comentário:

  1. Olá. Vocês já conhecem a “Carta ao Filho”, de Sylvio Massa??? É a resposta de Herrmann Kafka para seu filho Franz Kakfa, construída pelo auto, através da redescoberta da personalidade de Franz. A relação com o pai ganha um olhar que ajuda a compreender muito da personalidade de um dos autores mais controversos da literatura moderna. É fascinantemente imperdível!!!
    Quem tiver interesse em conhecer melhor o livro ou adquirir um exemplar, pode entrar em contato através do email: editoraaltadena@altadena.com.br

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