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Cirillo Luna, Julia Tavares, Michel Blois e Arthur Brandão |
“The Pride” é o novo espetáculo dirigido por Victor Garcia Peralta em cartaz no Rio de Janeiro. A peça é escrita por Alexi Kaye Campbell, jovem dramaturgo grego radicado na Inglaterra. No elenco, Arthur Brandão, Julia Tavares, Cirillo Luna e Michel Blois, com positivo destaque para o trabalho dos dois primeiros, interpretam personagens que vivem em 1958 e em 2008. Nas duas histórias, pairam questões relativas ao modo como as sociedades regulam as expressões da sexualidade sobretudo em orientações homoafetivas. Nessa montagem, os problemas de adaptação e de direção não impediram que ela situasse a contribuição do movimento LGBT para um contexto em que as diferenças sejam mais respeitadas hoje que outrora. Vale, por isso, assistir à produção que fica em cartaz até o próximo domingo, 16 de outubro, no Teatro de Arena da Caixa Cultural.
Problemas na adaptação e na direção
A impressão mais nítida é de que essa montagem não chegou ao melhor do texto “The Pride”. Se as referências à parada gay, ao movimento LGBT e as novas abordagens da ciência e da psicologia nesse sentido são fortes, no texto, há muito mais do que isso. Em português, “the pride” significa “o orgulho” e não “a parada” como, em um determinado momento, um dos personagens traduz. Essa questão é essencial na justificativa da análise que aqui se faz do espetáculo com tradução e adaptação assinados por Ricardo Ventura e com direção por Victor Garcia Peralta.
Ao longo de toda a narrativa, alternam-se dois lugares temporais: 1958 e 2008. Em ambos, os nomes dos personagens centrais se repetem. No primeiro, Philip (Arthur Brandão) é um vendedor de imóveis que é casado com Sylvia (Julia Tavares). Ela trabalha em uma editora chefiada por Oliver (Michel Blois), que é escritor de livros infantis e de viagens. No seu interior, Philip esconde uma atração por homens que poderá vir à tona ao longo da peça e se tornar seu maior problema. Na história de cinquenta anos depois, Oliver (Michel Blois) é um jornalista que acabou de ser abandonado mais uma vez pelo namorado Philip (Arthur Brandão), que é fotógrafo. Aquele é viciado em sexo anônimo, tendo relações com todo tipo de desconhecidos em qualquer lugar ou hora, comportamento que esse não tolera. Aqui Sylvia (Julia Tavares), uma ferrenha militante da causa gay, apesar de ser heterossexual, é amiga de ambos.
Há, no ponto de vista dessa análise, um espelhamento na dramaturgia da questão que providencia ao quadro um debate interessante a todo tipo de público. Trata-se do orgulho próprio. Na primeira situação, há um homem que não se entrega e, quando o faz, é terrivelmente massacrado pela culpa. Na outra ponta, há um homem que se entrega muito facilmente, gesto perigoso que lhe causa dissabores em suas relações afetivas. Nessa peça de Alexi Kaye Campbell, o entregar-se demais e o de menos são posturas marcadas pelos limites da identidade. Em 1958, os personagens estão envolvidos por uma sociedade que os obriga a retraírem-se. Em 2008, ela os estimula a colocar o prazer em primeiro lugar, mesmo que esse seja, além de perigoso, imediato. Nesse diálogo do de fora com o de dentro, os homens de um tempo e de outro foram se construindo à revelia de seus impulsos naturais. Tanto Philip de 1958 quanto Oliver de 2008 são castigados por eles.
Filho de pai grego e de mãe inglesa, Alexi Kaye Campbell, atualmente autor de seis peças, ganhou muitos prêmios com “The Pride” (2008), seu segundo trabalho profissional. Nessa sua dramaturgia, os diálogos, como em todo bom texto britânico, conservam um duelo imanente entre o que cada personagem sabe do seu interlocutor. Nesse jogo de poder, segredos são objetos de barganha. Com muito cuidado, cada figura revela o mínimo de si ao mesmo tempo que parte com fúria para saber o máximo do outro. E é nessa profundidade que quase todas as peças se estruturam. “The Pride” não é diferente, mas, nessa montagem de Ricardo Ventura e de Victor Garcia Peralta, esses valores parecem ter sido desconsiderados infelizmente.
Na direção de Peralta, há um visível (e valoroso) empenho em contar a história através da evolução das situações que envolvem os personagens. As falas são ditas em ritmos vivos, as marcações possibilitam oposições que lhes dão sentido, a articulação das cenas acontece de modo equilibrado e elegante. O que falta é construção de personagem no geral, observação cuja reponsabilidade se deita sobre a direção dada sua amplitude na obra. Se “The Pride” avança no horizonte, ela fica parada em termos de verticalidade. E isso lhe é muito prejudicial.
Cirillo Luna (Michê, Editor e Doutor) apresenta ótimo trabalho, seu melhor em sua jovem carreira até aqui. No âmbito dessa dramaturgia, seus personagens são periféricos, isto é, colaboram com as cenas, mas são oportunidades para que os protagonistas Oliver de 2008 e Philip de 1958 sejam vistos. Mesmo assim, há que se valorizar o empenho do intérprete em tirar aqui o melhor proveito das chances que tem com vistas à elevação dos méritos do espetáculo. Julia Tavares (Sylvia) também faz belíssima participação que fica ainda melhor se se perceber o tamanho de seu desafio. Através dessa personagem, Campbell pontua suas ideologias, avaliando os protagonistas e também os cenários morais em que eles se encontram. A qualidade da atuação de Tavares deve ser analisada pelo modo como a atriz dá naturalidade e graça para suas falas tão duras.
Michel Blois (Oliver), em construções racionais demais, não oferece marcas de envolvimento de seus personagens em qualquer das duas histórias. Todas as falas são ditas do mesmo modo, variando alguns tons em uma limitadíssima cartela de cores que nem de longe aproveita a riqueza das possibilidades oferecidas pelo texto. É um trabalho muito negativo de interpretação.
Arthur Brandão (Philip) é a melhor surpresa do espetáculo pelos méritos na história de 1958 e pela relação dessa com a de 2008. É como se, mais do que em Luna e em Tavares, fossem dois atores diferentes, o que é muito interessante para o todo. A profundidade da sua interpretação no primeiro Philip situa o drama de todo o conjunto, esse que fica ainda mais qualificado pelo comedimento das expressões, pela sensibilidade nas menores marcas e pelo excelente uso dos tempos. Quanto ao segundo, talvez motivado pelos limites da contracena, não se veem os mesmos numerosos valores.
Os méritos sociais dessa montagem
Em “The Pride”, há positivas colaborações no figurino de Carol Lobato, na luz de Tomás Ribas, no cenário de Dina Salem Levy e no videografismo de Vitor Leobons. Lobato brilha no guarda-roupa dos atores Cirillo Luna e Julia Tavares em cena. Quanto aos outros, ela vence os desafios impostos pelo ritmo das entradas e saídas de Blois e de Brandão, que visivelmente limitam as possibilidades de seus figurinos. O banco de Levy tem méritos na articulação das cenas ao longo da encenação e do ritmo do espetáculo como um todo. A luz de Ribas, com maior responsabilidade na situação das cenas, cumpre bem seu papel. Não há grandes destaques em qualquer um desses elementos.
A peça termina de modo otimista, pontuando, apesar das críticas, certo alcance de níveis mais humanos no hoje em relação a cinquenta anos atrás. Na opinião de Campbell, o homem busca ainda melhor equilíbrio no seu contato consigo próprio e com os demais sobretudo no que se refere à sexualidade. Essa primeira montagem brasileira de “The Pride”, se deixou de ser melhor em vários aspectos, tem o mérito de pautar a emergência de uma sociedade livre do preconceito contra orientação sexual. E isso é algo a que se deve aplaudir sonoramente.
Ficha Técnica:
Texto: Alexi Kaye Campbell
Tradução e adaptação: Ricardo Ventura
Direção: Victor Garcia Peralta
Elenco: Arthur Brandão, Cirillo Luna, Julia Tavares e Michel Blois
Cenografia: Dina Salem Levy
Figurino: Carol Lobato
Iluminação: Tomás Ribas
Videografismo: Victor Leobons
Designer gráfico: Marcelo Mendonça
Produção: Luiz Prado e Mariana Machado
Idealização: C.I.C. – Clube de Investigação Cênica
Realização: A Távola Produções
Patrocínio: Caixa Econômica Federal e Governo Federal
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