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Rodrigo Pandolfo, Felipe de Carolis, Isaac Bernat, Silvia Buarque e Charles Friks |
“Céus” é o novo espetáculo com texto do libanês-canadense Wajdi Mouawad, o mesmo autor do premiadíssimo “Incêndios”. Esse, como o anterior, chega ao Brasil em ótima montagem idealizada por Felipe de Carolis e dirigida por Aderbal Freire-Filho. No elenco, além de Carolis, estão Isaac Bernat, Rodrigo Pandolfo, Charles Fricks e Silvia Buarque em um conjunto em que todos apresentam bons trabalhos. Há ainda excelente destaque para o desenho de som de Tato Taborda, para o cenário de Fernando Melllo da Costa e para a luz de Maneco Quinderé. Na história, um grupo de altos especialistas está investigando secretamente uma ação terrorista que precisa ser evitada. A peça fica em cartaz até 30 de outubro no Teatro Poeira, em Botafogo, zona sul do Rio de Janeiro.
Um blockbuster
No texto, há uma insólita briga de forças entre marcas de complexidade e uma estrutura de filmão de Hollywood. O segundo ganha e, do ponto de vista da estética, não há qualquer problema nisso. (Desde Walter Benjamin, sabemos que a exploração de níveis mais superficiais na arte possibilita o acesso da massa ao repertório poético.) A história se passa em uma espécie de bunker, um organismo mundial antiterrorismo composto por pessoas que compartilham o mesmo idioma. Ele é chamado de “célula francófona” muito provavelmente porque o texto foi escrito em francês, língua falada pelos personagens no original. Não há qualquer referência ao lugar exato no mundo onde a narrativa acontece. Quatro agentes secretos, a elite desse núcleo da operação, estão reunidos ao receber a notícia do falecimento de um quinto. Valéry Masson (interpretado por Aderbal Freire-Filho, que aparece apenas através de vídeo) suicidou-se sem motivos conhecidos, mas esses provavelmente têm a ver com os rumos da investigação que o grupo inteiro empreende.
Blaise Centier (Isaac Bernat) é o coordenador da célula quando a peça começa. Em sua equipe, estão o especialista em comunicação Charlie Eliot Johns (Charles Fricks), a tradutora Dolorosa Haché (Silvia Buarque) e o hacker Vicent Chef-Chef (Rodrigo Pandolfo). Para substituir Masson, o criptógrafo Clément Szymanowski (Felipe de Carolis) é enviado. Ele tem a missão primeira de descobrir a senha do laptop do oficial falecido em busca de pistas sobre os motivos de sua morte. O tempo está passando. De um lado, os membros do grupo estão exaustos do claustro onde se encontram. De outro, há uma perigosíssima organização terrorista em ação e é preciso descobrir seus projetos antes que eles se realizem.
Em um misto de Robert Langon (de “O código Da Vinci”) com Jack Bauer (de “24 Houras”), Szymanowski age decodificando pistas, solucionando mistérios, avançando na investigação. De algum modo inexplicável, ele chega à conclusão (entre as zilhões de possibilidades) de que, pronunciando os nomes dos membros da equipe como senha, ele poderá abrir o computador de Masson sem destruí-lo. O resultado disso é que, para cada nome pronunciado, há um poema diferente (bingo!) em resposta. A união desses poemas faz Szymanowski chegar a um texto. Através de operações próprias da criptografia (muito ao estilo Dan Brown), o primeiro segredo da peça se revela.
Há outros. Um deles diz respeito à tela “A anunciação”, pintura do maneirista italiano Tintoretto (1518-1594), pintada entre 1583 e 1587. De alguma forma, Szymanowski vê uma relação entre o quadro e os mapas de grandes cidades do mundo. Nos anos em que não cai na Semana Santa, a festa da Anunciação, quando a Igreja Católica celebra a encarnação de Jesus no ventre de Nossa Senhora, acontece no dia 25 de março. Na narrativa de “Céus”, essa data está próxima de acontecer, mobilizando o grupo contra a iminência do ataque. O fato do Anjo Gabriel ser personagem unânime entre judeus, cristãos e muçulmanos justifica (?) o argumento.
Na superfície da estrutura narrativa, está a oposição entre o sensível Clément Szymanowski (o mocinho) e o mordaz Vicent Chef-Chef (o vilão). Um age pelo coração, pelo sentimento. O outro pelo impulso, pela vontade de vencer e de ir embora. Desde sempre, sabe-se quem vai ganhar. Nos níveis mais inferiores, estão os demais personagens. Centier traz a maturidade; Johns, cujo filho ainda garoto está fazendo um trabalho sobre história da arte para a escola, traz o futuro; Haché, cujos filhos morreram, traz o passado. No final da peça, Johns e Haché irão se inverter em suas funções na melhor parte de toda a narrativa.
“Céus” (“Ciels”, no original) estreou em 2009 no Festival de Avignon, no sul da França, um dos mais importantes eventos teatrais no mundo. A peça, o penúltimo texto escrito até agora por Mouawad, encerra a tetralogia “Sangue das Promessas”, estando ao lado de “Litoral” (1999), “Incêndios” (2003) e “Florestas” (2006). Com esforço, se comparada a “Incêndios”, nessa pode-se identificar trato com temas como memória, filiação, identidade e como guerra sobretudo pela aproximação entre Valéry Masson com Nawal Marwan. Mas será, com o perdão da palavra, uma “big forçação de barra”.
Os enormes méritos da encenação
Aderbal Freire-Filho, assistido por Fernando Philbert, faz uma elogiosa força em valorizar os méritos da ação dos personagens e seus universos particulares em oposição aos seus argumentos pseudocientíficos. As cenas são defendidas através de marcações contidas em quase todos os momentos, os intérpretes correm com o texto nas partes mais sensíveis e investem de emoção as melhores oportunidades. Diferente da montagem original, o quadro é mais humano e menos asséptico como se a peça quisesse se desfazer o máximo possível de tom de ficção científica (que poderia lembrar “Solaris” de Tarkovski e de Soderbergh) e se aproximar mais do universo trágico de “Incêndios”. Não consegue sempre, pois a questão da identidade (relação entre pais e filhos, natureza, destino e descendência), que domina a peça anterior, aqui é só uma parte integrante. No entanto, a tentativa deve ser elogiada.
O conjunto de interpretações é excelente. Um grande ator como Isaac Bernat confere ao apagado Blaise Centier uma identidade capaz de atrair luzes sobre o pesonagem. Rodrigo Pandolfo investe com coragem no vilão hollywoodiano standart e consegue enormes méritos naquilo que poderia ser um óbvio fracasso. Charles Fricks, Silvia Buarque e principalmente Felipe de Carolis guardam o melhor de seus Charlie Eliot Johns, Dolorosa Haché e Clément Szymanowski para as cenas finais, protagonizando os melhores momentos da peça enquanto dramaturgia e também como encenação. Aderbal Freire-Filho (Valery Masson) e Antonio Rabelo (Viktor Eliot John) fazem ótimas participações através do vídeo também. No todo, vê-se aqui um qualificado envolvimento de cada parte, oferecendo o seu melhor para a elevação dos níveis estéticos da obra.
“Céus” tem ainda o mérito de abrigar seus personagens em panorama visual e sonoramente de altíssimo bom gosto. Os figurinos de Antônio Medeiros (com visagismo de Érica Monteiro) deixam os personagens à vontade nesse tipo de prisão em que eles se encontram e da qual estão fartos (mesmo que reconheçam os seus méritos). O cenário de Fernando Mello da Costa deixa a tecnologia para o texto, equilibrando o quadro com um ponto de vista mais cordial, menos frio, mais humano. A luz de Maneco Quinderé aquece a ação, agindo em coerência com o cenário e com os figurinos positivamente. A música e o desenho sonoro de Tato Taborda valorizam o desenvolver da narrativa, oferecendo elos que distanciam o público dela em alguns momentos e, em outros, conseguem unir a dureza da tecnologia com o calor da arte e da religião.
Um ótimo espetáculo!
Se o público brasileiro não se sente próximo do tema “terrorismo”, infelizmente esse é um problema nosso que expressa o quanto estamos suscetíveis a tais acontecimentos hediondos que vêm se repetindo mundo afora. A montagem brasileira de “Céus” se esforça em dizer isso, chamando a atenção para a valorização do homem através sobretudo do respeito à ciência, à arte e à religião. Um ótimo espetáculo!
*
Ficha técnica:
De Wajdi Mouawad
Direção: Aderbal Freire-Filho
Com: Charles Fricks, Isaac Bernat, Felipe de Carolis, Rodrigo Pandolfo e Silvia Buarque
Diretor assistente: Fernando Philbert
Cenografia: Fernando Mello da Costa
Iluminação: Maneco Quinderé
Figurinos: Antonio Medeiros
Direção Musical: Tato Taborda
Vídeos e projeto gráfico: Radiográfico
Visagismo: Erica Monteiro
Direção de produção: Amanda Menezes
Produção executiva: Juliana Cabral
Coordenação geral: Maria Angela Menezes
Produção: Tema Eventos Culturais e E-MERGE
De Wajdi Mouawad
Direção: Aderbal Freire-Filho
Com: Charles Fricks, Isaac Bernat, Felipe de Carolis, Rodrigo Pandolfo e Silvia Buarque
Diretor assistente: Fernando Philbert
Cenografia: Fernando Mello da Costa
Iluminação: Maneco Quinderé
Figurinos: Antonio Medeiros
Direção Musical: Tato Taborda
Vídeos e projeto gráfico: Radiográfico
Visagismo: Erica Monteiro
Direção de produção: Amanda Menezes
Produção executiva: Juliana Cabral
Coordenação geral: Maria Angela Menezes
Produção: Tema Eventos Culturais e E-MERGE
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