terça-feira, 18 de outubro de 2016

Amor em dois atos (RJ)

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Foto: Elisa Mendes

Otto Jr. e Julia Lund

Julia Lund brilha em “Encerramento do amor”

Com dramaturgia do francês Pascal Rambert, “Amor em dois atos” é o segundo espetáculo com direção assinada por Luiz Felipe Reis, que, no ano passado, assinou a direção do seu próprio texto “Estamos indo embora”. A atual montagem é composta, na verdade, por duas peças distintas: “Encerramento do amor”, escrita em 2011, e “O começo do A.”, em 2000. Pela ordem em que esses dois espetáculos aparecem na grade de programação da Sala Mezanino, do Espaço SESC Copacabana, o espectador pode assistir, no mesmo dia, primeiro ao mais novo e, logo sem seguida, ao mais antigo. Essa justaposição causa bonito efeito na construção do sentido de ambos. A dramaturgia, um belíssimo exercício de linguagem, revela zonas distintas do amor: a beleza do se apaixonar e o efeito destrutivo do fim de uma relação. No elenco, ao lado de Otto Jr., Julia Lund apresenta magnífico trabalho de interpretação. Os dois espetáculos também têm elogiável figurino de Antônio Guedes, luz de Tomás Ribas e trilha sonora de Thiago Vivas e do diretor. As peças ficam em cartaz até o próximo domingo, dia 23 de outubro. 

Os dois textos de Pascal Rambert
“Encerramento do amor” (“Clôture de l’amour”) é dividido em dois longos monólogos. No primeiro, Stan (Otto Jr.) declara à sua esposa Audrey (Julia Lund) que seu amor por ela terminou e que, por isso, ele vai embora. Os nomes dos personagens, uma provável homenagem de Pascal Rambert aos atores Stanislas Nordey e Audrey Boney, que interpretaram os papeis na montagem original do Festival de Avignon, em 2011, nunca são ditos. Ao longo do texto, tampouco se narram acontecimentos recentes que antecederam a decisão do marido e também a dela, que aparece, sobretudo, como uma resposta ao que ele diz e ao modo como o faz. Ao contrário, quase sem pontos e sem letras maiúsculas, há uma exaustiva descrição de sensações (ou de imagens sensoriais) que revelam um complexo repertório cultural (científico e artístico) dos personagens (e obviamente o do seu criador).

Desde sua estreia, a peça recebeu inúmeras montagens mundiais e prêmios importantes. Acredita-se que esses foram merecidos, considerado o belíssimo elogio que essa dramaturgia faz, em primeiro lugar, ao exercício da linguagem verbal. Palavras e expressões complicadas, orações complexas e construções literárias (na tradução brasileira assinada por Marcus Vinicius Borja) dominam a extensão dos dois monólogos distanciados da realidade em que a poética brilha lindamente. Em segundo lugar, mas não menos importante, está o mérito de Pascal em construir um extenso discurso sem qualquer narrativa. Não há delimitação nem transformação do tempo ou do espaço, quase qualquer informação acerca dos personagens (profissionalmente, eles são atores e juntos têm dois filhos. No original, a peça “Berenice” (1670), de Racine (1639-1699), é citada como um trabalho em que eles se envolveram) nem tampouco da situação que os envolve. Em seu lugar, há um constante descrever de um sentimento com vistas à destruição do outro ou, no melhor aspecto da abordagem, do que resta de amor dentro do falante.

Porque uma resposta dela ao texto dele, o segundo monólogo pode facilmente ser considerado mais interessante que o primeiro. A personagem, que, como o público, ouviu durante quase cinquenta minutos a exposição do outro, responde a ele a altura com, talvez ainda mais, elegância, elevando os méritos do texto. Ao final, qualquer pessoa que valorize um idioma bem usado terá se deleitado. Chamada de “Término do amor”, uma montagem paulista produzida no primeiro semestre desse ano, dirigida por Janaína Suaudenau, com Clara Carvalho e Gabriel Miziara no elenco, foi a primeira encenação de Rambert no Brasil.

Em “O começo do A.” (“Début de l.’A.”), que no palco dura a metade de “Encerramento do amor”, se ouvem dois amantes descrevendo a paixão que sentem ao longo dos primeiros momentos em que nasce o sentimento. Diferente da dramaturgia acima analisada, aqui sabe-se que os dois personagens moram um em Paris e outro em Nova Iorque, além de alguns detalhes extras sobre o modo como se conheceram e como foram (ou estão sendo) os primeiros encontros. Justaposta à peça anterior, essa é capaz de provocar um alívio na alma, equilibrando com beleza tudo aquilo que foi destruído no texto anterior. Aqueles que só assistirem a essa, encontrar-se-ão com um açucaradíssimo elogio ao amor, melhorado, em termos de sua encenação, pelo figurino, pela luz e principalmente pela trilha sonora. O texto foi escrito por Pascal Rambert em 2000, mas encenado pela primeira vez cinco anos depois na Comédie-Française.

O brilho de Julia Lund
Em “Encerramento do amor”, o maior mérito da direção de Luiz Felipe Reis, que também assina a adaptação de “Amor em dois atos”, sua concepção sonora e visual, está no modo como se equilibra a relação proxêmica dos dois intérpretes. Quando fala, Otto Jr. mantém, ao longo de quase todo o seu monólogo, o braço esquerdo levantado com a mão aberta em direção à sua interlocutora, essa posicionada em diagonal e relativamente imóvel. Quando responde, Julia Lund sustenta o braço direito em mesma posição virada para seu interlocutor, esse no lugar onde antes ela se encontrava. Por isso, e também pelo modo como os dois intérpretes se aproximam e se distanciam um do outro e exibem interessantíssimo desenho sonoro ao longo de suas falas, eis um bom trabalho de Reis.

Assistida por Marcelo Grabowsky, a direção fica muito valorosa em “O começo do A.”, quando se veem movimentações mais amplas e sobretudo mais responsáveis pelos méritos do todo. Há nobres desenhos de cena que, ao lado do texto, oxigenam o discurso oral, auxiliados pelos excelentes figurinos de Antônio Guedes e pela luz de Tomás Ribas, em fundo branco no cenário de José Dias, e pela trilha sonora de Reis e de Thiago Rivas. O quadro, nesse segundo espetáculo, revela potente investigação da potencialidades cênicas da obra, trazendo excelente resultado que, na primeira peça, foi quase que inteiramente defendida pelo texto e pelas interpretações. A direção de movimento é de Lu Brites.

Otto Jr. apresenta bom trabalho de interpretação assim avaliado sobretudo se se souber identificar o enorme desafio desses textos de Pascal Rambert. No entanto, sem desvalor de sua contribuição, em “Amor em dois atos”, Julia Lund brilha em magnífica interpretação. O uso do corpo é excelente na disposição às energias das falas, mas principalmente o desenho de entonações apresentado ao longo delas, sobretudo na primeira peça, merece aplausos. Com habilidade na viabilização das marcas mais sensíveis, Lund dá identidade para “Encerramento do amor”, auxiliando de modo ímpar na aproximação do texto do público positivamente. Eis uma grande interpretação aqui.

Ao longo de todo “O amor em dois atos”, se vê ótimo jogo de cores, de formas e de sonoridades colaborando com o texto mundialmente elogiado e aqui em brilhante tradução. É um espetáculo que se destaca na programação carioca nesse ano. A ver!

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EQUIPE DE CRIAÇÃO.

Direção, adaptação e concepção sonora e visual
Luiz Felipe Reis

Textos originais
Pascal Rambert

Tradução dos originais
Marcus Vinicius Borja

Atuação
Julia Lund
Otto Jr.

Diretor assistente e direção de vídeo
Marcelo Grabowsky

Cenário
José Dias

Iluminação
Tomás Ribas

Figurino
Antônio Guedes

Direção de movimento
Lu Brites

Trilha sonora
Luiz Felipe Reis e Thiago Vivas

Gravação de off
Pedro Sodré

Fotos e direção de fotografia do vídeo
Elisa Mendes

Concepção de ensaio fotográfico
Daniel de Jesus e Elisa Mendes

Design gráfico
Daniel de Jesus

Hair stylist
Gabi Balan e Neandro Ferreira

Make
Gabriel Ramos

Assistente de cenografia
Beatriz Magno

Assessoria de imprensa
Pedro Neves e Vanessa Cardoso (Factoria Comunicação)

Direção de prodrução
Sérgio Saboya (Galharufa Produções)

Produção executiva
Nathália Pinho

Idealização, coprodução e realização
Julia Lund e Luiz Felipe Reis (Polifônica Cia.)

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