quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Alice mandou um beijo (RJ)

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Foto: divulgação


Tairone Vale e Suzana Nascimento

Nova versão de “Alice mandou um beijo” é excelente!

“Alice mandou um beijo”, terceiro espetáculo da Cia Cortejo, volta a cartaz no Rio de Janeiro em nova estrutura. Escrita e dirigida por Rodrigo Portella, a peça se apresentou na capital fluminense no primeiro semestre desse ano, mas manteve, de lá para cá, viva a chama transformadora que faz o teatro ser teatro e se modificou. Os já elogiados atores José Eduardo Arcuri, Luan Vieira, Tairone Vale e Vivian Sobrino agora estão ao lado de Suzana Nascimento, que interpreta o papel protagonista com notória exuberância. Quem viu a versão anterior, deve conferir essa outra abordagem. Quem não viu deve assistir à produção que está, até a próxima segunda, dia 17 de outubro, no Teatro Glaucio Gill, em Copacabana.

A nova direção de Rodrigo Portella
Na história, Jandira (Suzana Nascimento) é uma jovem mulher que, até então, entregou sua vida ao cuidado dos outros, apagando-se cada vez mais. O recente falecimento de sua irmã Alice pode ser o convite para ela redescobrir a si mesma, mas talvez ela não saiba disso ainda. Na casa em que mora, sobraram personagens que, de um modo geral, vivem cada vez mais isolados em seus mundos particulares. Eles são: Sr. Araújo (José Eduardo Arcuri), o pai; Robério (Luan Vieira), o filho; Oneide (Vivian Sobrinho), a irmã; e Osvaldo (Tairone Vale), o cunhado viúvo. Quando a peça começa, logo depois do enterro, a impressão que se tem é de que a falecida era o sol em torno do qual todos ali giravam. Sua ausência, agora definitiva, começa a ser encarada aos poucos por eles.

Na dramaturgia de Rodrigo Portella, marcas temporais muito sutis dão conta de fazer a plateia saber que o tempo está passando. De repente, no meio de uma frase, algum personagem situa que Alice morreu há dois meses, por exemplo, e é assim que se percebe o distanciamento em relação ao fato motivador. Enquanto isso, surgem suas músicas favoritas, lembranças de seu comportamento, uma mala de roupas usadas por ela, suas “joias”, etc., de modo que sua presença vai se estendendo para além de sua presença na memória dos personagens que ficaram. O mais bonito, nessa montagem, é ver como Jandira vai alçando-se ao lugar talvez outrora ocupado por Alice. E, através disso, o espectador sente que, para a protagonista, pode ser possível alçar-se para o seu próprio lugar depois disso. E torce para que ela consiga.

Nessa nova versão da peça, a direção de Rodrigo Portella parece ter reestruturado a hierarquia dos sentidos com vistas ao protagonismo de Jandira. Em relação à montagem anterior, “Alice mandou um beijo” está mais limpa, menos interessada em belas imagens e em frases de efeito e mais na relação entre os personagens e a deles consigo próprios. Araújo, Robério e Osvaldo continuam olhando exclusivamente para si próprios, incapazes de lidar com o além disso. Quanto à Oneide, sua tendência ao escape, que antes foi observada como uma habilidade em se abrir, agora parece também apenas mais uma forma diferente de permanecer fechada. Se, de início, a tomada de partido de Jandira pelo outro é um modo de fugir de si mesma, no meio da peça, esse se torna um ato capaz de lhe fazer encontrar-se consigo em nova forma. Em outras palavras, quando muda, nessa narrativa, o olhar do outro por sobre ela, ela também muda o seu próprio olhar por sobre si.

Por isso, nessa nova estrutura, “Alice mandou um beijo” abandonou o pessimismo que era forte na versão anterior por uma narrativa através da qual seja possível perceber o homem como capaz de muitas coisas inclusive de se reinventar. 

Suzana Nascimento brilha em uma das melhores atuações do ano
Permanece a nova montagem com excelentes trabalhos de interpretação, mas eles são melhor vistos agora devido à redução de elementos que preenchem a cena. Como se apontou anteriormente, José Eduardo Arcuri, Luan Vieira, Tairone Vale e Vivian Sobrino apresentam ótimas defesas, oferecendo segundos e terceiros níveis para os mais óbvios. Vieira, no papel de um jovem com problemas motores e cognitivos, chama a atenção por sua sensibilidade e força em manter-se presente em personagem tão difícil ao logo de quase toda a encenação. Sobrino faz brilhante contraponto com os outros personagens, sustentando o conflito com afiada ironia.

Suzana Nascimento brilha como Jandira do início ao fim da peça, mas sobretudo nas cenas de encerramento. Sua interpretação, sem dúvida uma das melhores atuações do ano no Rio de Janeiro, é cheia de força nos detalhes e ainda melhor nos momentos de êxtase. Capaz de fazer chorar, mas mantendo viva a reflexão, a intérprete se serve da nova estrutura do espetáculo ao seu favor, elevando a excelentes níveis a qualidade do todo. Eis aqui um belíssimo trabalho!

O palco está limpo nessa nova versão da peça, expondo os personagens com muito mais força. Como dito anteriormente, agora o apego às imagens é bem menor, o que garante a maior força do texto e das interpretações. Ainda há balões, água e zebra, mas esses elementos aprofundam os níveis propostos ao invés de diretamente propô-los como acontecia anteriormente. Em outras palavras, permanecem os elogios à trilha sonora do diretor e de Leo Marvet, à luz de Renato Machado, ao cenário de Raymundo Pesine e ao figurino de Danielle Geammal, mas agora esses se devem por sua contribuição à obra e não por sua responsabilidade.

O apego à cristalização das formas estranhamente é grande entre os diretores de teatro. Depois de estreada as peças, é como se houvesse, no Brasil, muita resistência em alterá-las naquilo que poderia ter sido melhor. A Cia. Cortejo, cônscia de seus enormes talentos, está de parabéns por corajosamente abrir-se ao público que lhe quer bem. Quem não gosta de aplaudir coisa boa? Vida longa a “Alice mandou um beijo”!

*

Ficha técnica
Autor e diretor: Rodrigo Portella
Codireção e Trilha Sonora: Leo Marvet
Elenco: Suzana Nascimento, Jose Eduardo Arcuri, Luan Vieira, Tairone
Vale e Vivian Sobrino
Iluminação: Renato Machado
Figurinos: Daniele Geammal
Cenografia: Raymundo Pesine
Projeto Gráfico: Raul Taborda
Fotos de Divulgação: Renato Mangolin
Produção: Cia Cortejo
Realização: Sesc Rio

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