sábado, 29 de outubro de 2016

Nem que eu morra por isso (RJ)

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Foto: Julio Ricardo da Silva


Sandro Arieta e Bruno Quaresma



Em primeira peça do Grupo Teatro Arpor, Bruno Quaresma brilha mais uma vez

“Nem que eu morra por isso”, primeiro espetáculo do Grupo Teatro Arpor, traz de novo ao palco o excelente trabalho de atuação de Bruno Quaresma e também um belíssimo cenário de Gaia Catta e Lia Maia e figurino de Lilian Meireles. Essa última assina a direção do texto que é de Rômulo Pacheco. No elenco, além de Quaresma, estão Lorena Medeiros, Rosa Iranzo e Sandro Arieta. Na história, quatro personagens diferentes se abrigam em um café contra um mundo totalmente destruído do lado de fora. Um deles, um poeta, está atrás do último verso de um poema seu. A peça fica em cartaz até o próximo domingo, 30 de outubro, no Teatro II do SESC Tijuca.

Conflitos na dramaturgia
A dramaturgia de Rômulo Pacheco apresenta boas doses de lirismo que infelizmente são raras na programação teatral carioca. Com coragem, o autor investe em jogos de palavras, articula imagens e enfrenta o estilhaçamento do tempo e da estrutura dialógica contra uma narrativa em uma boa experiência. Isso merece ser elogiado. No entanto, falta resistência, pois esses impulsos iniciais, ao longo da peça, acabam por desaparecer com a força do drama.

Toda a narrativa se passa no interior de um café perdido no meio de um mundo em ruínas. Lá fora, sem oxigênio nem água, as pessoas se matam umas às outras. Elifas (Bruno Quaresma) é o dono do estabelecimento e também o senhorio de Gia (Lorena Medeiros), que mora dentro de uma geladeira e nunca cruzou a porta. A história começa com a entrada abrupta de Zene (Rosa Iranzo), cuja aparência não se identifica nem com homem, nem com mulher, mas com ambos. Por algum motivo não muito claro, talvez piedade, eles deixam ele/ela ficar. Então, entra o quarto e mais importante personagem do texto, o poeta Sajan (Sandro Arieta).

Sajan compôs um poema, mas perdeu o último verso e, desde então, sai pelo mundo em busca dele. Sua presença doce intriga os outros personagens, todos embrutecidos com o caos do mundo. As palavras que ele diz entretêm os demais, ajudando-lhes, talvez, a lidar com a existência.

Para além da exposição dos fatos que compõem a narrativa de “Nem que eu morra por isso”, é preciso analisar sua estrutura formal, com a qual a primeira entra em choque. Quando a peça começa, o modo como os personagens falam (e também a encenação em que eles se dão a ver de que mais adiante se tratará) cheira fortemente a Samuel Beckett. O texto do programa da peça reforça isso, citando esse dramaturgo irlandês. No entanto, são contextos completamente diversos.

Os personagens de Beckett não sentem tédio e nem procuram vencer o vazio existencial embora essas duas questões estejam imanentes em suas peças como um todo e definem a relação do público com elas. Didi, Gogo, Hamm, Clov, Winnie e Krapp e os demais não tiveram vidas preenchidas para que possam eles comparar o hoje com o ontem. O estilhaçamento do tempo pelo lirismo, em contexto em que passado e presente se confundem, une Beckett ao romeno Ionesco no rótulo “teatro do absurdo” de Martin Esslin antecipado cinco anos antes por Peter Szondi. Assim, não há um antes e um depois, mas só um agora abismal cujo perigo nós, plateia, vemos, mas eles não.

Assim, a referência de Rômulo Pacheco só se dá em aparência, em superficialidade. Seu texto tem imagens bonitas, construções frasais poéticas e, em vários momentos, faz das repetições um jogo interessante. Mas, ainda que prenuncie algo mais complexo, não resiste ao drama. Sua história, apesar do tom das falas, tem início, meio e fim, curva dramática e análise do passado pelo presente. Os problemas de clarificação dos limites entre as partes, essas mal construídas, são da ordem da forma e não do conteúdo. O melhor conflito de “Nem que eu morra por isso” se dá, por tudo isso, no desejo de Pacheco de fazer uma coisa, fazendo outra.

Beleza no uso dos outros elementos
A direção de Lilian Meireles, assistida por Bruno Quaresma, usando os recursos da encenação, dá a ver no palco os mesmos valores e desméritos do texto. Nutre o cenário, a luz, os figurinos, a trilha e as interpretações, um panorama não-realista em que imagens se repetem (a enorme presença de ventiladores entre outras) e metáforas (a menina que mora em uma geladeira vermelha, por exemplo) constroem algum lirismo. Tudo isso é muito bonito e interessante. No entanto, nos quatro trabalhos de interpretação, as expressões das emoções estão organizadas dentro de um sistema de causa e de efeito que vai apontando as evoluções do drama em cada parte. Ou seja, Meireles não resolve os problemas do texto, mas os ratifica como também seus aspectos positivos.

Rosa Iranzo e Lorena Medeiros
Sandro Arieta (Sajan) e Rosa Iranzo (Zene) têm ambos desafios bem difíceis, o que lhes ressalta o mérito. Quanto ao personagem do primeiro, é ele quem define o conflito da ação, pois é o único que busca algo (Zene foge de algo, Elifas e Gia se protegem de algo). No entanto, o grande objeto de sua existência na narrativa lhe surge de modo fácil, estranho, esquisito de modo que seu fim não se equilibra com as partes anteriores. Quanto à personagem Zene, a possibilidade dela de aproximar a peça de uma questão social – o preconceito contra identidade de gênero – não é suficiente para atribuir valor à sua participação no contexto. Em outras palavras, fica mais parecendo uma “cota política” do espetáculo do que propriamente uma opção estética de modo que a atriz que a interpreta não parece ter tido muito com o que trabalhar.

A regularidade das expressões de Lorena Medeiros (Gia) deixa ver, na colaboração da intérprete, um dos aspectos que melhor relaciona a peça ao teatro do absurdo. Suas respostas pouco variam, quase não há gestos, a alegria e a tristeza parecem ser duas variações do mesmo sentimento. Isso é muito positivo. Bruno Quaresma (Elifas), em exato oposto, varia repetidamente de intenções, inclusive dentro das frases, acabando por produzir o mesmo efeito. De modo positivo, o ator, como já ressaltado em seu trabalho em outras peças, aqui também oferece uma deliciosa investigação de tons, exibindo largo repertório de expressões que é muito destacável.

“Nem que eu morra por isso”, se se conseguir observar os méritos visuais e sonoros dos elementos que não sejam texto e interpretação, apresenta belíssimo resultado estético. A trilha sonora de Sandro Arieta (Federico Puppi foi o músico convidado), o cenário de Gaia Catta e de Lia Maia, o figurino de Lilian Meireles e a iluminação de João Gioia elevam os níveis da obra como um todo mesmo que enfrentando problemas com a concepção da direção e com os entraves já apontados da dramaturgia. É um quadro muito bonito.

Constituído em 2015 pela união de artistas realizadores provenientes de outros coletivos, o Grupo Teatro Arpor começa bem sua história. Que ela tenha vida longa e ainda mais meritosa. Evoé!

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Ficha Técnica

Texto: Rômulo Pacheco

Direção: Lilian Meireles

Elenco: Bruno Quaresma, Lorena Medeiros, Rosa Iranzo e Sandro Arieta

Direção de produção: Paula Loffler

Trilha: Sandro Arieta

Músico convidado: Federico Puppi

Cenário: Gaia Catta e Lia Maia

Iluminação: João Gioia

Figurino: Lilian Meireles

Assistência de direção: Bruno Quaresma

Adereços: Rosa Iranzo

Produção: Rosa Iranzo

Assistência de Produção: Alexandre Paz

Programação visual: Fausto Hagen

Operação de luz: Sonia Margarita

Operação de som: Alexandre Paz

Realização: Sesc e Teatro Arpor

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