quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Facínora (RJ)

Bruno Caldeira e Gustavo Rizzotti em cena
Foto: divulgação

Quando não se sabe como reagir ao texto

“Facínora” perde a oportunidade de investir em seu melhor. Reconhece-se o esforço e a criatividade da direção, mas a carência de boa dramaturgia é muito grande nesse espetáculo de forma que os defeitos dominam a sua estrutura essencial. Em um apartamento, Facínora e Porfírio (ela falando e ele ouvindo) conversam sobre a vida particular de todos a sua volta: vizinhos, família, amigos. O tom extremamente ácido e preconceituoso, bem aos moldes de “Caco Antibes” e de “Senhora dos Absurdos”, de tão constrangedor, acaba sendo muito engraçado e esse é o ganho maior da peça. No entanto, em vários momentos, duvida-se das intenções do artista, pois ora Bruno Caldeira, que assina o texto, brinca com o exagero no politicamente incorreto, ora expõe verdades que realmente precisam ser consideradas na convivência contemporânea. Assim, em dúvida sobre quais os momentos em que o espetáculo é “sério” e quais aqueles em que ele é “debochado”, o espectador se prende em pensamentos e desvia a atenção. Tendo estado em cartaz na Casa da Gávea, o resultado foi negativo, mas a peça ofereceu motivos interessantes para pensar sobre arte e sobre sociedade.

O problema de “Facínora” é mesmo o texto. A mesma personagem que fala mal da velhice, dos negros, dos homossexuais, da feiura e da pobreza fala, por exemplo, sobre não jogar lixo no chão, sobre economizar dinheiro e sobre higiene, de forma que difícil reconhecer, como já se disse, quando é puro deboche e quando o assunto é sério. E, nesse trabalho de reconhecer o lugar de cada fala e aí, sim, posicionar-se rindo ou refletindo, o público perde facilmente o ritmo das muitas histórias contadas e o foco por sobre o todo. De um modo geral, infelizmente, o todo acaba por ser monótono.

Os dois atores, Bruno Caldeira e Gustavo Rizzotti, têm bons trabalhos de interpretação, embora reconheça-se que falta técnica a Caldeira para interpretar um personagem tão duro como Facínora. É visível o esforço feito na viabilização da voz e o cansaço do intérprete ao fim da peça. O aparato vocal é usado em larga amplitude os movimentos vistos são notoriamente resultado de profunda pesquisa, o que é positivo. A participação de Rizzotti é bastante positiva, sobretudo porque opõe a total discrição com um momento bem histriônico, sem dúvida, um dos melhores da peça. Na direção de Caldeira e de Rizzotti, os personagens têm movimentos rigidamente partiturarizados, distendendo e estendendo as tensões da fala a partir do controle rígido das pausas tanto no verbo, como no gestual, o que também expressa significado.

A peça está ambientada em uma sala que mais parece de um castelo medieval – com candelabros, espelhos em molduras pesadas, móveis frios e cheios de detalhes, tudo em dourado – apesar de estarmos diegeticamente dentro de um apartamento comum no início do século XXI. A oposição entre esse ambiente e do seu exterior é fator relevante para entendermos essas figuras que ali moram e seus posicionamentos antiquados, uma diferença que significa e é por isso bem vinda à produção. A personagem Facínora (Caldeira) usa vestidos longos, chapéus chamativos e um tapa-olho marcante. Todo o vestuário dela é preto e, depois, branco, enfrentando o público visualmente. Primeiramente nu, Porfírio (Rizzotti) veste, em seguida, bermuda, camisa e colete, todo banhado em dourado, desaparecendo coerentemente em meio aos móveis. Seu papel ali é mesmo apenas escutar a verborragia trash de sua esposa e não opinar, submisso ou sucumbido, aos seus disparates. Portanto, o seu desaparecimento é também positivamente significativo. Apesar do visível durex que une a unha postiça à mão de Facínora, o resultado estético do espetáculo atende bem às expectativas, pois o realismo fantástico é bem usado: há profundidade, há marcas de realidade (cabide), há surpresas (o telefone). Os figurinos estão impecáveis , os movimentos de luz atendem à concepção gótica-barroca do cenário, a trilha sonora informa, sem marcar-se positivamente.

“Facínora” fez uma passagem interessante na programação do Rio apesar de seus percalços. O ar corrosivo de boa parte do texto, integrado aos elementos outros da encenação, mérito para a direção de XX, forneceu uma alternativa rara ao que há para ser visto no teatro carioca. 

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Ficha técnica:
Texto: Bruno Caldeira
Direção e Elenco: Bruno Caldeira (Facínora) e Gustavo Rizzotti (Porfírio)
Iluminação: Gustavo Rizzotti
Cenário, Figurino e Trilha Sonora: Bruno Caldeira
Coordenação de produção: Frederico Magella

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