segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Água na terra seca (RJ) (3o OFF-Rio, Multifestival de Teatro de Três Rios)

O Grupo Viola`s em sua formação anterior para
esse espetáculo
Foto: divulgação

O aplauso apesar das diversidades

“Água na terra seca” é uma adaptação de “Sonho de uma noite de verão”, de William Shakespeare, feita por Marciel Pires, do Grupo Viola`s, de Três Rios, interior do Rio de Janeiro. A peça abriu o terceiro dia de espetáculos do 3o OFF-Rio, Multifestival de Teatro de Três Rios.

Evitando os nomes originais (Hérmia, Lisandro, Demétrio, Puck...), os personagens permanecem os mesmos. Assim, temos a história de Maria que ama José, mas que é também amada por João, o noivo ideal na opinião de seu pai. Condenada a casar-se com quem não quer ou morrer pelo Juiz Henrique, ela aceita a proposta do amado de ambos fugirem através da floresta durante a madrugada. Helena, a melhor amiga de Maria, é a única a saber da fuga e promete não contar para ninguém, mas quebra o promessa, contando para João, seu amado verdadeiro. Ele parte para a floresta atrás da noiva prometida e Helena arrependida por ter delatado a amiga vai em seu encalço. Paralelo a isso, Tupã e Araci, duas divindades da mata, estão em crise conjugal em função de um filho que o deus espera de sua esposa. Para vingar-se dela, Tupã manda seu fiel ajudante Pomb enfeitiçar Araci, para que ela se apaixone por algum animal da floresta. Com pena da pobre Helena, que ama João que ama Maria, ele também pede a Pomb enfeitice João para que o amor de Helena seja correspondido. Ocorre que o “bom robin” confunde João e José, enfeitiçando o segundo que, a partir daí, deixa de estar apaixonado por Maria e passa a amar Helena, que continua apaixonada por João, que segue apaixonado por Maria, que ainda ama José. Para completar a história, um grupo de atores ensaia uma peça de teatro sobre Lampião e Maria Bonita na floresta, a fim de apresentar o espetáculo na noite do casamento do Juiz Henrique. Um dos atores é transformado em jumento por Pomb e é por ele que a rainha Araci se apaixona perdidamente devido ao feitiço. Cheio de peripécias e com uma larga evolução dramática, a comédia escrita no fim do século XV na Inglaterra dá margem para o olhar por sobre quatro gêneros narrativos: a tragédia, porque os feitiços aprisionam os personagens em sentimentos que não são seus; a farsa, vista na peça que está sendo montada pelo grupo de atores na floresta; o vaudeville francês, que dá conta de justificar o ritmo acelerado e a abertura de vários plots narrativos; e, claro, a comédia, fazendo emergir o que há de pior no ser humano, segundo o conceito aristotélico. De fato, na tese de Shakespeare, os homens ficam ridículos quando apaixonados.

O grupo, formado por alunos egressos de um curso de formação e agora amadores, apresenta bom resultado ao trazer o espetáculo para uma das praças de Três Rios numa manhã de segunda-feira. O olhar atento do público, cuja curiosidade foi desperta a ponto de enfrentar o sol e o calor para fruir a histórica quatrocentenária, é o sinal do sucesso que todos os artistas cênicos, sejam eles estudantis, amadores ou profissionais, almejam. Ainda que enrijecidos pelas marcas ainda não corporalizadas (foi a terceira apresentação da peça em largos intervalos entre uma e outra), que afoitos com relação ao espaço novo (a peça nunca fora apresentada na rua) e que corajosos em uma apresentação cheia de desafios (a ausência arbitrária do músico, as substituições no elenco, etc), o fazer teatral foi levado ao cabo com galhardia. Carecem-lhe técnica vocal, técnica corporal e organização que lhes prepare mais adequadamente para o teatro, no respeito que a arte merece e deve inspirar, mas devem ser valorizados os belos trabalhos de interpretação de Yanca Firmino, de Lavínia de Oliveira, de Marcos Mendes e, principalmente, de Valéria Bastos, de Jorge Oliveira e de Marciel Pires. Esses evidenciam, embora a inexperiência e o acesso dificultado à formação teórica e técnica, bons ritmos, dicções precisas, intenções claras, o que talvez possibilite ver um talento natural.

Os elementos outros da estrutura cênica não são bem usados. Os figurinos uniformizam o elenco em três grupos (os humanos, os atores andarilhos e os seres da floresta), mas as marcas não são suficientemente claras, sobretudo porque um mesmo ator interpreta mais de um personagem e não há tempo de trocar o figurino. As máscaras utilizadas também não têm justificativa encontrável e parecem ser mais um elemento cujo sentido não faz falta. A dramaturgia remete ao sotaque nordestino quando a história de Lampião e de Maria Bonita é contada, mas fica em um lugar televisivamente neutro, misturando língua falada e língua escrita, português pomposo com falar popular sem muita ordem, o que depõe contra a beleza. A escolha por cantar as músicas à capela devida a ausência irresponsável do músico foi um mal passo também. Tudo isso, tendo ganhado aplausos efusivos no final, faz ver o mérito do texto e de algumas interpretações, mas tanbém o quão bem o teatro se comunica com o público quando um se abre para o outro apesar das dificuldades.

O título “Água na terra seca” é uma bonita metáfora para o amor que brota no coração do Juiz Henrique, prestes a se casar, e também nos casais João e Helena, José e Maria, Tupã e Araci, esses em busca de quem amam e que lhes ame também em retorno. É sobretudo uma boa imagem para o teatro que chega na praça em uma manhã de um dia comum.

*

Ficha técnica:
Texto: Marciel Pires, baseado em “Sonho de uma noite de verão”
Direção: Marciel Pires
Elenco: Larissa Gonçalves, Ananda Almeida, Mariah Oliveira, Marcos Mendes, Jairo Paiva, Yanca Firmino, Mariana Araujo, Alexandre Oliveira, Lavínia de Oliveira, Jorge Oliveira, Marciel Pires e Valéria Bastos

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