segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Academia do coração (RJ)

Cristina Pereira, Arlindo Lopes,
Ernani Moraes e Sandro Christopher em cena
Foto: divulgação

Menor

Ninguém discorda de que os livros de autoajuda são um tipo de literatura menor, como também não sobre o artesanato em relação às artes plásticas. O motivo é claro: o preço estético na produção de um objeto que seja vendável (sendo artístico também) é muito alto. "Academia do coração" é uma comédia (?) de autoajuda e, por isso, representante de um teatro menor. Na história mal escrita pelo célebre dramaturgo Flávio Marinho, o jovem Lucas, após receber um novo coração via transplante, passa a frequentar uma clínica de medicina esportiva, onde é colega de um ex-cantor lírico (Sandro Christopher), de uma artista plástica que gostaria de ser bailarina (Cristina Pereira) e de um dançarino de sapateado (Ernani Moraes), todos eles também em tratamento. Como um "anjo de perfeição", em que absolutamente nenhuma fala não seja um “emendar de pílulas de sabedoria”, esse protagonista há de transformar a vida daqueles que com ele convivem. Ao final de um ano, com a chegada do natal, Lucas ganhará alta da doutora Ângela (Bia Nunes), que também sentirá falta do paciente ao lado do professor de educação física Uóxinton (Renato Reston). É quando a ficha de Lucas não será encontrada e todos vão duvidar do fato dele ter realmente existido. Ou seja, ao longo de noventa minutos, uma sucessão de clichês mal articulados entedia tanto aqueles que vão ao teatro em busca de um pouco mais de profundidade sobre qualquer assunto quanto aqueles que querem apenas se divertir. O elenco experiente, há que se dizer, tenta, mas não consegue fazer dessa produção algo merecedor de outra avaliação que não seja “teatro menor”. A peça, que tem direção do seu autor, está em cartaz no Teatro Maison de France.

Em dois terços da narrativa, todas as falas do diálogos são voltadas para a apresentação dos personagens. Liz (Cristina Pereira) produz obras visuais a partir da maconha plantada em sua própria casa e, talvez por isso, elas não são aceitas em nenhuma galeria há cinco anos. Petrus (Sandro Christopher), um colunista social aposentado, já não tem mais fôlego para cantar as árias que cantava outrora e preocupa-se, agora, com a manutenção de sua vida sexual. Duda (Ernani Morais) ainda amarga a viuvez e a saudade que tem dos netos, que moram nos Estados Unidos, além de sofrer o fechamento da escola de dança em que fazia aulas de sapateado. Dra. Ângela (Bia Nunes) tenta segurar “as pontas” do financeiro da clínica recentemente aberta, enquanto se envolve em relacionamentos amorosos cada vez mais difíceis (um especialista em calefação no nordeste, um surfista mineiro, um gaúcho vegetariano, um motorista de Teresina, entre outros). Uóxinton (Renato Reston) corre de um emprego para outro de bicicleta até que ela é furtada na porta de um supermercado. Com a chegada de Lucas (Arlindo Lopes), Liz voltará a dançar, Petrus voltará a cantar, Duda voltará a dançar, Ângela conseguirá terminar o namoro e uma nova bicicleta será comprada para o esforçado professor. Concretizando um tipo de “fada madrinha”, o personagem torna todos os desafios fáceis de transpor, esvaziando a trama e superficializando a narrativa. Como base, os três pacientes (Liz, Petrus e Duda) são sessentões com seus próprios vícios: um fuma maconha, outro cigarro e outro gosta de comer. No entanto, a base se desfaz, pois, logicamente, com um herói tão poderoso, não há causa invencível.

Em todas as cenas, os convites ao choro ou ao riso são claros demais constragedoramente. Cristina Pereira, em sua performance, usa todo o seu repertório que fez dela uma grande atriz comediante para tirar algum proveito dessa situação caótica. Arlindo Lopes, em contrapartida, repete o que já fez em “Ensina-me a viver” e em “Jardim Secreto”, trazendo novamente a candura angelical treinada com os personagens problemáticos, mas de bom coração, das dramaturgias melhores em que esteve envolvido. Em uma cena, após propor “uma vaquinha” para comprarem uma nova bicicleta para Uóxinton, o personagem de Arlindo pára no centro da clínica com a mão espalmada para baixo e, um a um, todos o seguem, colocando as palmas umas por cima das outras e selando o pacto. O momento açucarado em excesso parece obrigar o espectador a se emocionar e, por isso, está longe de conseguir. Esses para citar dois exemplos.

Quanto aos elementos outros, é elogioso o cenário de Edward Monteiro, por construir um lugar cheio de pequenos ambientes, mantendo em nível alto o clima geralmente cafona de uma academia esportiva e seus múltiplos aparelhos (esteiras, bicicletas ergométricas, alteres, etc). É positivo também o figurino da Espetacular! Produções & Artes por criar detalhes significativos na presença dos personagens (o lenço no pescoço de Petrus, a bolsa de Duda, os vestidos de Liz, por exemplo).

É preciso dizer, antes de concluir, que “Academia do Coração” tem um momento que faz valer a pena ter ido ao teatro. Em uma cena, Sandro Christopher interpreta à capela a canção “Ol’ Man River”, do musical Show Boat, de 1927. Por ser difícil e de extrema beleza, é raríssimo encontrar alguém que consiga tal façanha com tamanha galhardia. O feito é, de fato, aplaudidíssimo e merece sê-lo mais.

Com ares de politicamente correto, mas voltado única e exclusivamente ao consumo e, por isso, menor, “Academia do coração” não representa o valor artístico dos seus realizadores, Flávio Marinho e elenco principalmente. Felizmente, outros espetáculos por eles assinados virão. 

*

FICHA TÉCNICA
Texto e Direção: Flavio Marinho
Assistente de Direção: Andrea Dantas

Elenco / Personagens:
Cristina Pereira / Liz
Ernani Moraes / Duda
Bia Nunnes / Dra. Ângela
Sandro Christopher / Petrus
Arlindo Lopes / Lucas
Renato Reston / Uóxinton

Cenógrafo: Edward Monteiro
Figurinista: Ney Madeira, Dani Vidal e Pati Faedo (Espetacular! Produções & Artes)
Iluminação: Paulo César Medeiros
Trilha Sonora: Flavio Marinho
Coreografia: Mabel Tude
Preparação Vocal: Angela de Castro
Personal Trainer: Rafael de Oliveira Martins
Visagismo: Marcelo Dias
Fotos: Beti Niemeyer
Programação Visual: Gamba Junior
Texto do Programa: Luiz Fernando Vianna
Cenotécnico: André Salles
Costureira: Odília Lúcia de Almeida
Produção Executiva: Christiane Régis
Assistente de Produção: Marcus Vinícius de Moraes
Direção de Produção e Administração: Fábio Oliveira
Realização: F.M.O. Produções Artísticas Ltda
Assessoria de Imprensa: JSPontes Comunicação - João Pontes e Stella Stephany

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