domingo, 10 de novembro de 2013

Espia Só! (SC) (3o OFF-Rio, Multifestival de Teatro de Três Rios)

Sandra Knoll, Laércio Amaral, ReNata Batista e Jô Fornari
à espera do público
Foto: divulgação

Puro deleite!

“Espia Só!” faz vir à tona o que há de melhor no ser humano. Estabelecendo concreta e narrativamente um intervalo no mundo urbano e impessoal, o espetáculo viabiliza uma possibilidade de deslocarmo-nos para um outro ponto de vista sobre as velhas paisagens. A singeleza das caixas de Lambe-lambe, a pequenice das histórias contadas em três minutos, a delicadeza de um espetáculo acontecido para uma pessoa de cada vez são Davi diante do gigante. Como na história bíblica, Davi vence e se torna rei. Produzido pela Cia Andante Produções Artísticas, a peça acontece com a chegada de quatro ciganos na praça da cidade, três deles munidos com uma caixa que lembra as velhas máquinas fotográficas dos tempos do daguerreótipo. Dentro delas, pequenos bonecos são manipulados pelos atores enquanto o público (uma só pessoa) “espia” através de um buraco e ouve uma música advinda de um par de fones de ouvido. O momento, por demais especial, aconteceu no primeiro dia de atividades do 3o OFF-Rio, Multifestival de Teatro de Três Rios.

Dirigido por Marcelo F. de Souza, “Espia Só” atualiza o gênero teatro de Lambe-lambe, bastante difundido no sul do Brasil, mas infelizmente nem tanto nas outras regiões. O tom confessional de uma pessoa (o público) e outra (o ator) trocando uma história situa a arte teatral em um lugar de sublime destaque: eis aí um momento especialíssimo, porque íntimo, de poesia cênica. O pano que é jogado por sobre a cabeça do espectador, além de evitar a luminosidade exterior da praça, valorizando a luz que vem de dentro da caixa, é um muro protetor que permite ao homem sonhar. O boneco, seja feito de tecido, de lã ou de papel, é desculpa bem aceita por esse mesmo homem para não pensar, naqueles três minutos, em si, mas dedicar-se a ouvir uma história. As mãos aparentes do manipulador segurando dentro da caixa os pequenos bonecos são um convite a quem frui de fazer a sua parte: há que se contribuir para o acordo acontecer, fazendo esquecer o fato de que se trata de um boneco sem vida e, assim, emprestar-lhe vida e história na imaginação. O resultado é um pacto único, pessoal, instransponível e que acaba por ser inesquecível também.

A história contada em cada caixa é uma peça dentro de uma peça maior. “Espia Só!” já é espetáculo antes do público sentar diante do manipulador. Jô Fornari, Láercio Amaral, ReNata Batista e Sandra Knoll estão caracterizados como ciganos, possibilitando pensar na fruidez do momento que está por vir e na importância de aproveitá-lo em sua potência. Além disso, suas roupas e sua tenda deixam ver as costuras por cima dos tecidos, evidenciando que tudo foi feito à mão e, portanto, não é industrial, em série, mas único, particular, individual. A elogiosa riqueza de detalhes dos cenários e dos bonecos dentro das caixas, auxiliada pelos efeitos de iluminação e de trilha sonora, além, claro, da delicadeza dos movimentos do manipulador, fazem ver o rigor estético que a produção reclamou para si. O todo não nos dá outra alternativa a não ser aplaudir.

Em um mundo cada vez mais cheio de grandes atos, submersos em populações cada vez maiores e contatos cada vez mais emergentes, a profundidade merece destaque. “Espia Só!” é puro deleite.

*

Ficha técnica:
Texto: Cia Andante
Direção: Marcelo F. de Souza
Elenco: Jô Fornari, Laércio Amaral, ReNata Batista e Sandra Knoll

Um comentário:

  1. Que coisa mais linda essa crítica! Muito especial, como você! abraços nossos

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