terça-feira, 19 de março de 2013

Também queria te dizer (RJ)

Emílio Orciollo Netto celebra 23 anos de carreira com
texto de Martha Medeiros
Foto: divulgação

Quando a conversa toma o lugar da solidão

Interpretada por Emílio Orciollo Netto, a questão problemática de “Também queria te dizer” é a concepção. Assim como o monólogo interpretado por Ana Beatriz Nogueira, a peça que agora está em cartaz no Centro Cultural Midrash, no bairro Leblon, é uma adaptação para o palco do livro “Tudo o que queria te dizer”, de Martha Medeiros. As duas produções têm direção de Victor Garcia Peralta, mas o conceito das montagens é diferente. Enquanto lá o interlocutor é ausente e o personagem se aproveita do momento de solidão da escrita da carta para deixar seus pensamentos e emoções fluírem, aqui, ao longo das seis cenas, Orciollo Netto “fala” com alguém que está próximo a ele. Mesmo sozinho em cena, há marcas de uma relação proxêmica (proximidades e distâncias de um ator em relação a outro na cena teatral), de forma que os personagens podem agredir e serem agredidos, perguntar e responder com trocas imediatas de sensações. A solidão, que humaniza os personagens na construção de Nogueira, é inexistente no caso de Orciollo ou, ao menos, mais difícil de ser apreendida. 

São seis cartas, todas elas escritas por homens em diferentes situações: um paciente em um hospital, um adolescente arrependido, um artista plástico, um padre já falecido, um profissional que pede demissão e um marido que vai embora (não nessa ordem). O conflito fica claro aos poucos para o público, uma vez que só quem escreve e a quem se dirige a carta sabem qual é o assunto em questão. A plateia, então, que deveria agir apenas como voyer, assistindo a um contexto da qual ela não faz parte, é requisitada como participante do discurso. O monólogo, assim, revela não o ser humano, mas a história que liga duas pessoas ou mais, pois os personagens de Orciollo se dirigem ao público diretamente como interlocutores e não apenas como ouvintes, testemunhas ou como meros comparsas no crime de “se abrir”. 

Emílio Orciollo Netto, dentro desta concepção, está bem. O ator usa de seu corpo e de várias ferramentas acumuladas ao longo de sua carreira (movimentos de olhar, pausas, gestos, tonos musculares, etc) para dialogar. Nesse sentido, suas construções interrogam, julgam, xingam, afirmam, seduzem, declaram decisões, confessam crimes, expõem segredos nunca dantes revelados e, nesse quadro, vem à superfície, na evolução das cartas, menos a pessoa do ator e mais as idiossincrasias de cada personagem. O jogo de pretensões, de quem parece querer mostrar mais os artifícios de que se usa para se transmutar, do que realmente contar uma história, acaba por, infelizmente, esfriar a plateia, talvez, mais disposta à narrativa do que ao narrador. 

A concepção, positivamente nesse caso, também se dá a ver na integração dos demais elementos do espetáculo. Enquanto a peça interpretada por Nogueira usa de um fundo escuro e nada mais, a de Orciollo explora o espaço realista de um dos personagens: uma oficina de trabalho de um artista plástico. O cenário de Miguel Pinto Guimarães, um dos arquitetos mais importantes do país, mostra a sua inteligência quando, não por qualquer motivo, posiciona estrategicamente um catálogo de obras de E. Hopper, um dos pintores realistas norte-americanos conhecidos pelo trato do tema da solidão. Na parede, há a alusão ao quadro expressionista “O Grito”, de E. Munch, deixando claro que os interlocutores não são apenas os próprios, mas os mesmos vistos do ponto de vista dos autores das cartas em suas deformações emocionais. De forma também positiva, a iluminação de Luciano Xavier compõe ambientes enquanto a trilha sonora de Plínio Profeta ratifica situações nesse ambiente realista-expressionista. 

Produzido sem patrocínios para comemorar os 23 anos de carreira artística de Orciollo Netto, “Também queria te dizer”, além de ser um espetáculo interessante, é ponto de partida para uma boa reflexão sobre arte, discurso e sobre narrativa. Sendo, nas palavras do ator, que escreve também, ele próprio, uma carta ao seu público, um presente, acaba por, de fato, merecer a presença do público que deve lhe aplaudir. 

*

FICHA TÉCNICA:
Texto: Martha Medeiros
Ator: Emilio Orciollo Netto
Direção: Victor Garcia Peralta
Direção de Produção: Maria Siman
Assistente de direção: Leo Paes Leme
Trilha sonora: Plínio Profeta
Cenário: Miguel Pinto Guimarães
Figurino: Emilio Orciollo Netto e Victor Garcia Peralta
Iluminação: Luciano Xavier
Assessoria de Imprensa: Lu Nabuco Assessoria em Comunicação
Produção executiva: Joana D´Aguiar
Realização: Orciollo Netto Produções e Primeira Página Produções

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