segunda-feira, 11 de março de 2013

Edukators (RJ)

João Fonseca dirige a primeira montagem teatral
do filme de Hans Weingartner no mundo
Foto: divulgação

Montagem é motivo de orgulho para o Brasil

Dirigido por João Fonseca, o espetáculo “Edukators” é motivo de orgulho para os brasileiros por vários motivos. Lançado em 2004, o filme homônimo roteirizado e dirigido pelo alemão Hans Weingartner foi indicado  à Palma de Ouro daquele ano em Cannes e nunca até agora tinha ganho uma versão teatral autorizada. Com excelente dramaturgia de Rafael Gomes, a atualização para o teatro, além de ser um privilégio para os cariocas, é sinal da confiança de Weingartner na respeitabilidade de nossos artistas. Em segundo lugar, a produção ocupa um lugar corajoso no momento de hoje. Numa época em que protestos acontecem aos montes na rede virtual e que, contraditoriamente, passeatas estão longe de alcançar o mesmo número de participantes, tratar de um tema profundamente político e ideológico em termos práticos corre o risco de parecer mofado, cafona ou, ao menos, inconveniente. “Edukators”, no entando, aceita e vence o desafio, sendo uma peça inteligente e ágil, tão viva quanto o teatro pode ser (o que justamente o cinema não é). Por fim, em termos estéticos, em cartaz no teatro OiFlamengo, a estrutura como um todo é o resultado da união de excelentes trabalhos de interpretação, direção, figurino, cenário, iluminação e trilha sonora. 

O roteiro de Weingartner é bom, mas em destaque está a versão de Rafael Gomes. Aproximando os dois lados de cada “moeda”, a sucessão das cenas e a repetição de diálogos permitem a cada personagem experimentar, por um tempo, o lugar do outro. Nesse sentido, as falas, enquanto manifestação do conteúdo, são eco da narrativa, a expressão da forma. Dois amigos, Jan (Fabrício Belsoff) e Peter (Pablo Sanábio), invadem mansões, mudam móveis de lugar, não roubam nada e deixam um recado para os proprietários milionários, como “Vocês têm dinheiro demais!” ou “Seus dias de fartura estão contados!”. Os “Educadores” passam, assim, a serem conhecidos como uma quadrilha perseguida pela polícia por invasão de domicílio, que assusta, com seus métodos nada convencionais, os ricos da cidade. O primeiro ponto de virada da situação inicial é o aparecimento de Julie, a namorada de Peter (Natália Lage), que, numa noite de intimidade a sós com o amigo Jan, conta a ele as dificuldades de sua vida. Anos atrás, a caminho da faculdade, ela bateu com seu carro numa Mercedes e, por isso, contraiu uma dívida imensa que, considerando seu salário como garçonete, levará uns trinta anos para ser paga. Nessa noite, a dupla resolve invadir a casa do dono da Mercedes, mas o plano, feito às pressas, não acaba como o previsto. Os diálogos com Hardenberg, o rico empresário (Edmilson Barros), são as primeiras oportunidades de trocas de personagens, em que, pobres de um lado e ricos de outro, conhecem-se mais profundamente. A beleza da dramaturgia vai além quando faz o mesmo entre o grupo “revolucionário”, em que o amigo e o namorado de Julie também trocam de lugar, destacando Julie como a força propulsora de toda a história. O segredo de “Edukators” é a revitalização do discurso socialista do século XX em uma época diferente e que lhe exige e lhe oferece mais profundidade. Inteligente, a trama faz refletir, clamando por respostas que só poderiam vir do homem contemporâneo. 

Toda a maturidade da narrativa iria por água abaixo sem boas interpretações em uma excelente direção. João Fonseca dá ritmo para as cenas, finca marcas de realismo, aproximando sempre que possível as entonações e as movimentações do real além da narrativa. Fabrício Belsoff, um dos melhores atores de sua geração, e Pablo Sanábio apresentam excelentes trabalhos, cheios de profundidade, força, detalhes bem marcados, bom uso dos tempos. Natália Lage e Edmilson Barros, cujos personagens estão nos extremos lados opostos da narrativa, trazem interpretações um pouco mais monocordes, sendo boas bases para o embate entre Jan e Peter, os centroavantes. 

Nello Marrese ratifica o seu estilo neorrealista e cria um cenário que valoriza as cenas, mas sobretudo, o ritmo de suas passagens. Em cada ambiente, há foco e beleza, além de proporcionar diversos níveis de fruição. Dentro do realismo, Bruno Perlatto e Luiz Paulo Nenen oferecem figurinos e um desenho de iluminação que caracterizam sem destaque, valorizando positivamente, assim, os diálogos, os personagens, a história. Rodrigo Penna e Paola Barreto têm ambos excelentes participações na escolha da trilha sonora e na concepção dos vídeos. Além de contextualizar a peça como um todo e em suas partes, ambos ajudam a amarrar a estrutura que se torna, por isso, cada vez mais sólida e potente. 

Considerando os movimentos sociais que se inflamam no Brasil e no Mundo por mais justiça, menos corrupção e imediata revisão de valores, o projeto “Edukators”, idealizado por Pablo Sanábio, também fez intervenções na cidade com coordenação do arquiteto e designer Thomaz Velho. O espetáculo aparece, assim, contextualizado e ansioso por contribuir no processo atual, deixando de ser um DVD na estante ou um arquivo em HD, mas tomando o palco por bandeira. Que as montagens futuras sejam tão meritosas quanto é essa carioca. Aplausos! 

*

Ficha técnica:

Direção: João Fonseca
Elenco: Natália Lage, Pablo Sanábio, Fabrício Belsoff, Edmilson Barros
Tradução/Adaptação: Rafael Gomes
Direção de produção: Maria Siman
Cenografia: Nello Marrese
Figurinos: Bruno Perlatto
Vídeos: Paola Barreto
Iluminação: Luiz Paulo Nenen
Trilha Sonora: Rodrigo Penna
Preparação Corporal: Rafaela Amado
Idealização: Pablo Sanábio

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