terça-feira, 26 de março de 2013

Caminos Invisibles (SP)

Elenco é formado por atores de origem andina
Foto: divulgação

Peça ajuda a "limpar nossas lentes" para olharmos melhor para nossas origens

A questão mais problemática da peça “Caminos Invisibles” é o fato dela se apresentar como um melodrama clássico, apesar de constar no release ser um "documentário cênico/performance multimídia". Há mocinhos, há bandidos, corrupção, esperança e fé, longas viagens, muitas dificuldades,  clímax e redenção. Num país que presencia, em pleno século XXI, o trabalho escravo (e a CPI para tratar desse assunto acabou sendo encerrada sem nenhum relatório, o que favorece os ruralistas escravocratas), o tema é de fundamental importância. No entanto, devido à forma como se dá a narrativa (o gênero como melhor se dá a ver a peça), o assunto perde a sua força, superficializa-se e se arrasta, transformando infelizmente uma hora em sessenta longos minutos. Protagonizado pela autora e diretora Carina Cassuscelli, a peça é a nova montagem da Companhia Nova de Teatro, que reúne no elenco atores oriundos do Brasil e de outros países da América Latina. 

A partir de uma bela cena de ritual xamã, o espetáculo começa quando é anunciado à protagonista Maria que ela tem dois caminhos a seguir: um visível, em que o trabalho será seguido de dinheiro, mas também de muitas dificuldades; e um invisível, em que o trabalho trará a ela outras recompensas, menos materiais e mais duradouras. Ela opta pelo primeiro e parte, junto de outras conterrâneas, para o Brasil, onde lhe é oferecido trabalho, alimentação e moradia. Quase aos moldes tradicionais de Glória Perez, Maria é encarcerada em uma fábrica clandestina que produz peças de roupa para lojas a varejo. O setor, que alimenta a classe média ascendente no país, se farta da exploração do trabalho dos imigrantes ilegais sob pena de extradição. Um movimento político nasce em meio às personagens operárias e, em seguida, vem o desfecho da história. Interrompido por altos discursos ideológicos, que, por vezes, são bastante cansativos (ainda que valorosos do ponto de vista político), o melodrama, que emocionaria a plateia brasileira nos anos sessenta, hoje, atinge apenas aos telespectadores da Televisa e poucos além. 

O elenco, composto em sua maioria por pessoas estrangeiras, faz brilhar no palco as feições que raramente são vistas nos palcos daqui. O material humano, assim, usado para narrar a história parece ser fonte profunda para o “teatro da memória”, estudado pelo argentino Jorge Dubatti e, no Brasil, pesquisado sobretudo pelo grupo paulista Teatro da Vertigem, cujas marcas de lugar são pontos de partida para a narrativa sobre o lugar. Em cena, no palco da Sala Multiuso do Sesc Copacabana, estão pessoas que têm uma história para contar, e uma história muito mais profunda que o melodrama poderia viabilizar. Acaba-se, por fim, identificando trabalhos de interpretações vazios, inexpressivos, superficiais, sem qualquer ponto positivo nesse campo infelizmente. O potencial permanece, mas não foi bem usado. 

Em compensação, o trabalho estético (a direção artística é de Lenerson Polonini) é excelente: os figurinos da diretora são excelentes (sobretudo aqueles que remetem às origens dos personagens), a presença das máquinas de costura é forte, a sonoridade das músicas, da manutenção do idioma andino em solo brasileiro e do significado de cada gesto compõe, no todo do quadro visível, um belo trabalho que merece aplausos. A música ao vivo é igualmente outro fator positivo que equilibra as negativas (porque redundantes) inserções em vídeo.

O Brasil tem o péssimo comportamento de se voltar muito mais rapidamente para os Estados Unidos e para a Europa do que para seus vizinhos da América do Sul. O maior país e o único a falar português no continente ainda insiste em negar a sua raiz latina, valorizando olhos azuis e peles claras e se esquecendo de sua origem indígena. “Caminos Invisibles”, que ganhou na Itália o prêmio Teresa Pomodoro de Teatro da Inclusão, é uma obra que, apesar de suas dificuldades, ajuda a “limpar as lentes” do nosso olhar por sobre nós mesmos. É, por isso, um trabalho que merece ser visto. 

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Ficha técnica:
Direção e dramaturgia: Carina Casuscelli.
Direção artística e iluminação: Lenerson Polonini
Atores performers: Carina Casuscelli, Rosa Freitas, Cléo Moraes, Camila dos Anjos, Juan Cusicanki e Giuliano Pallos.
Músicos: Javier Aquino, Élio Flores, Oscar Astilla e Freddy Wara.
Figurinos: Carina Casuscelli
Vídeos e documentação audiovisual: Cristian Cancino
Câmera performer: Giuliano Conti
Participação especial: Conjunto Autoctono “Jach'a Sicuris de Italaque”
Direção musical: Wilson Sukorski
Fotos: Acauã Fonseca e Henrique Oda.
Concepção espacial e produção: Carina Casuscelli e Lenerson Polonini
Realização: Companhia Nova de Teatro

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