segunda-feira, 4 de março de 2013

Realismo (RJ)

Um dos melhores espetáculos do verão carioca de 2013
Foto: divulgação

João Velho em um dos seus melhores momentos

“Realismo” é um dos melhores espetáculos em cartaz no final do verão carioca de 2013. Escrito em 2006, o texto do escocês Anthony Neilson é nada menos que excelente e a direção de Tato Consorti em tudo organiza os elementos de forma a mostrar uma estrutura sólida que é plena em todos os seus aspectos. Interpretações, movimentações, signos meramente visuais ou sonoros, diálogos: tudo está conectado, produzindo uma obra única e singular que faz sorrir, gargalhar e emocionar, além de oferecer ótimo entretenimento e vasto material para refletir. Com bastantes marcas de contemporaneidade, o espectador precisa saber que estará diante de uma peça cuja dramaturgia (tanto a literária quanto a cênica) é bisneta dos três planos de “Vestido de Noiva” (Nelson Rodrigues, 1943), isto é, em “Realismo”, a convivência paralela de vários planos é apenas um dos muitos detalhes de sua (ótima) forma. Apresentado no Centro Cultural da Justiça Federal, o espetáculo haverá de ser um dos trabalhos mais marcantes da carreira do ator João Velho. 

Disposto a passar o sábado em casa, o personagem “João Velho” resolve passar o dia sozinho, esperando que sua ex-namorada retorne o contato. Enquanto isso, ele reflete sobre as perdas que acumulou ao longo de sua vida, os antigos relacionamentos, a infância, as amizades, as convivências, enfim, sua bagagem emocional que foi lhe tornando como ele é agora. As recordações surgem sem organização, as reflexões trazem mais perguntas que respostas, o passado parece não ser o indicativo do presente que, talvez, devesse ser. O dia passa pela janela enquanto a espera se alonga. As cenas se sucedem naturalmente, cheias de delicadeza nos diálogos de Neilson (tradução de Felipe Vidal) e com elogiosa sutileza na direção de Consorti. Abusando do clima leve da comédia, “Realismo” vai mostrando, aos poucos, que “realidade” não é sinônimo do que está acessível aos nossos sentidos e, muito menos, de verdade. E é nesse ponto que o espetáculo encontra forma e conteúdo na interlocução com a contemporaneidade. Como a "Winnie" de “Happy Days” (Samuel Beckett), "João Velho" está enterrado em seu buraco a espera de um "Godot" que lhe dê sentido. O tempo do relógio se esvai na medida em que a distância entre o que é causa e o que é feito deixa de ter lógica e existência. O sonho, a verdade e a lembrança passam a se misturar e o resultado são nós por vezes engraçados, por vezes reflexivos, mas sempre bastante fáceis de o homem contemporâneo se identificar. 

De um modo geral, o elenco apresenta trabalhos muito bons, exibindo uma direção bastante firme de Tato Consorti. Destaca-se, no entanto, o trabalho de João Velho (interpretando um personagem homônimo, o que dialoga com a construção de sentido do título da peça), cheio de doçura, carisma e integridade. Perdido em si mesmo, o personagem se dá a ver através de excelentes pausas, adequadas entonações e bom gestual. O personagem contempla os acontecimentos que se reavivam e/ou que acontecem consigo nesse sábado em casa, não se esforçando para controla-los. A opção confirma a trágica contemporaneidade que amarra a peça como um só todo. 

Aurora dos Campos, Antônio Guedes e Tomás Ribas (cenário, figurino e iluminação) têm, assim como Velho, em “Realismo”, um dos seus melhores trabalhos. Na cena da morte, por exemplo, em que Ribas cria um foco sobre um banco caído, há o exemplo de uma possibilidade de metáfora nascida pelo desenho inteligente de luz, criando uma gostosa piada. Na mesma direção, a máquina de lavar ou a presença do Gato, para citar também Campos e Guedes em bons momentos que não devem ser perdidos pelo espectador atento. 

Identificar obras teatrais inteligentes e, ao mesmo tempo, não pretensiosas é um prazer imenso. “Realismo” merece vida longa! 

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FICHA TÉCNICA

Texto: Anthony Neilson
Tradução: Felipe Vidal
Direção: Tato Consorti

Elenco: João Velho (João Velho); Adriano Saboya (Mullet/Pai); Paula Braun(Ângela/Apresentadora); Daniela Galli (Mãe/Política de Esquerda); Átila Calache (Átila Calache/Político Independente); Beatriz Bertu (Laura/Política de Direita); Christian Landi(Simão/Autoridade); Participação Especial (Gato)

Cenário: Aurora dos Campos
Figurino: Antônio Guedes
Iluminação: Tomás Ribas
Direção de Movimento: Marcelle Sampaio
Fotografia: Dalton Valério
Programação Visual: Luciano Cian
Direção de Produção: Tárik Puggina
Assistente de Direção de Produção: Carla Torres de Azevedo
Produção Executiva: Luísa Barros
Idealização: Imprecisa Companhia
Realização: Nevaxca Produções e Saboia Produções

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