Priscila Fantin e Herson Capri em espetáculo dirigido por Susana Garcia |
Boa dissertação teatral sobre a verdade
“A Entrevista” surpreende positivamente. A história de um jornalista político (Herson Capri) que é designado para entrevistar uma atriz de novelas (Priscila Fantin) pode não cheirar bem a narizes preconceituosos, corações fechados e a mentes bitoladas. Fazendo votos de que essa seja uma raça em extinção, em cartaz no Teatro das Artes do Shopping da Gávea, eis uma peça interessante, com um roteiro corajoso, bem dirigida, bem interpretada e sobretudo bastante bem produzida (Sandro Chaim). Com direção de Susana Garcia, o enredo oferece possibilidades de aprofundamento a quem não quer ficar apenas na superficialidade do elenco mais conhecido por seus trabalhos na televisão, promovendo um debate interessante acerca das marcas de verdade e de realidade que podem estar propositalmente escondidas quando duas pessoas desconhecidas trocam uma conversa.
Baseado no filme homônimo dirigido por Theo Van Gogh (1957-2004, bisneto do irmão do famoso pintor) e lançado em 2003, o texto narra o encontro de Pedro Pierre com Mariah. Ele, um cinquentão bem apessoado, é um correspondente de guerra que não é interessado no mundo das celebridades e ela, ainda dentro dos vinte anos, é responsável por 67 pontos no ibope da atual novela do horário nobre da principal emissora do país. Ou seja, enquanto o encontro é uma obrigação para ele, para ela é mero passatempo, não ficando claro, a princípio, o porquê dela, uma verdadeira estrela, aceitar o mau humor dele. É quando, a partir dessas perguntas sem respostas, o público age no sentido de dar sentido para o que está vendo e, disposto, começa a desvelar (tirar os véus) dos acordos discursivos que ambos parecem fazer.
A disposição vem da boa interpretação de Capri e de Fantin. Ambos trabalhos não oferecem grandes desafios aos intérpretes e é mérito da direção de Garcia não permitir que nenhum dos dois faça além do que lhes é requerido. Trata-se de um drama realista (é excelente encontrar encenadores sem medo do realismo hoje em dia!) e que, por isso, para funcionar, precisa estar com toda a sua estrutura voltada única e exclusivamente para a narração, sem interpretações histriônicas ou cenários/desenhos de luz/trilha sonora ou figurinos que apareçam mais que o necessário. Mariah, a personagem de Fantin, depende, para sobreviver, de ganhar jogos que ela estabelece com seus fãs. Seu ego está, pois, nessas pequenas vitórias diárias. Nesse sentido, o encontro com o jornalista Pedro Pierre é desafiador para ela, porque ele não é seu fã. Diante das contradições que a estrela apresenta naturalmente, o entrevistador encontra-se refletido na busca sedenta por algo que lhe dê sentido para continuar vivendo. Segredos são revelados, uma batalha se estabelece. E o melhor do texto de Holman, brilhantemente traduzido e adaptado por Euclydes Marinho, está em corajosamente anunciar, no final, um vencedor.
Como já se disse, o cenário (Flávio Graff), o figurino (Kika Lopes), a trilha sonora original (Alexandre Elias) e a iluminação (Paulo César Medeiros) cumprem muito bem os seus papéis, mantendo-se discretos e, com isso, apontando a atenção do espectador para a narrativa, sem desviar o foco. Apenas, em se tratando da relação palco e plateia do Teatro das Artes, o posicionamento de um travelling cenográfico no proscênio prejudica a visão do público em vários momentos.
Herson Capri, mas sobretudo Priscila Fantin demonstram bom jogo de cena, uso de vários níveis na entonação, na relação proxêmica (relação entre um ator e outro) e na movimentação pelo espaço. Bem articulados, todos os elementos que narram “A Entrevista” constituem o mérito dessa produção participante meritosamente do projeto Vivo EnCena. Fica, até quando é possível, a dúvida sobre o que é verdade e o que não é. Para alguns, a interrogação vai além do espetáculo, depois dos aplausos. Por isso, parabéns!
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