sábado, 14 de julho de 2012

Quase Normal (RJ)


Foto: divulgação

Para pensar e sentir

Quando a Diana de Vanessa Gerbelli diz a sua primeira fala cantando, o público já sabe que “Quase Normal” é um musical moderno (e moderno aqui não quer dizer contemporâneo), ou seja, por um lado, o texto não vai ser sobre uma professora inglesa que vai à Índia dar aulas de inglês ao sultão ou uma noviça que sai do convento para ser babá de sete crianças, tampouco de uma menina que se perde em uma cidade maravilhosa cheia de estradas de tijolos amarelos. O tema será algo da nossa realidade, um assunto palpável, discutível, polêmico. Por outro lado, em se tratando de músicas, não haverá canções, mas a peça inteira será cantada, do início ao fim, sem pausas. Stephen Soudheim foi quem popularizou o gênero nos Estados Unidos, trazendo assuntos fortes aos palcos da Broadway e afastando o melodrama com o seu próprio veneno: a volta da operetta. "Company", "Jesus Christ Superstar", "Hair" e "Little Night Music" são alguns clássicos desse gênero ao qual podemos facilmente ler “Quase Normal”, cuja direção geral (e versão brasileira) é de Tadeu Aguiar e produção de Eduardo Bakr e Norma Thiré.
Prêmio Pulitzer em 2010, o resultado final da dramaturgia é sinal de que Tom Kitt venceu grandes desafios. “Quase Normal” fala de doença, trata de uma mulher, uma mãe de família, que não conseguiu superar dores do passado e arrastou-se, durante quase vinte anos, de psiquiatra em psiquiatra, de remédios tarjas pretas e terapias, sem sucesso, trazendo sua família nessa problemática. Lá pelas tantas, (como também acontece na série americana “United States of Tara”), há a avaliação do tratamento. Se o resultado fosse positivo, a produção poderia ser lida como uma propaganda desse recurso. Se o sinal fosse negativo, a peça poderia ser interpretada como uma contra-propaganda. Para qual final correrá essa história? Uma vez que doenças são coisas mais sérias que sapatos vermelhos e fonética, é preciso ter responsabilidade para escrever uma peça como essa. Kitt teve e o resultado, no palco do Teatro Clara Nunes no Shopping da Gávea, convida o público a perceber essa delicadeza do texto, esse cuidado ao falar da cena com uma plateia incontável de pessoas usuárias de remédios tarjas pretas, amigos ou parentes, ou mesmo pessoas que, como os personagens, precisam saber lidar com as próprias dores e seguir adiante.
Com vários pontos a elogiar, os problemas de “Quase Normal” são da ordem da encenação. Como se disse, o texto faz força para fugir do idealismo, da alienação, do lugar perfeito e bonito. Tadeu Aguiar, no entanto, erra quando vai na contracorrente. Os figurinos de Ney Madeira, Dani Vidal e Paty Faedo são elegantes e alinhados, combinando e negativamente prenunciando cenas (Quando vemos o Doutor com gravata vermelha, sabemos que o vestido de Diana será vermelho. Quando vemos Diana de lilás, sabemos que Dan, o marido, aparecerá com uma camisa da mesma cor.). O cenário é uma sofisticada casa de um arquiteto, onde os móveis brilham e há requinte e bom gosto. As interpretações vão no mesmo sentido: Vanessa Gerbelli (Diana) cruza as pernas e deita as mãos com muita elegância do início ao fim da peça sem nenhuma curva dramática, como se esperaria após todas desventuras de sua personagem. Olavo Cavalheiro, loiro e de olhos azuis, exibe um corpo perfeito em roupas sempre muito limpas. Em resumo, em “Quase Normais” carece de feiúras, de sujeiras, de imperfeições, de símbolos estéticos que presentifiquem as dores pelas quais passam essa família, que ofereçam ao público marcas de verdade para que ele possa realmente acreditar na história que está assistindo ser contada.
Com direção musical e regência de Liliana Secco, todos os atores cantam bem as belas músicas. Cristiano Gualda (Dan, o pai) e Carol Futuro (a filha) são os pontos altos do elenco, de um modo geral, valoroso. Futuro interpreta a difícil Natalie, sem cor, sem vida, sem graça com muita generosidade, o que é bastante positivo. Gualda dá vida ao marido apaixonado pela esposa e pela família e que, também, como ela, precisa aprender a ter coragem para solucionar os problemas ao invés de simplesmente esquece-los. Victor Maia dá vida a Henry, o namorado de Natalie, que representa de forma alegre e jovial o suspiro que oxigena essa história positivamente. O ponto mais negativo do elenco é André Dias, cuja performance é dura e fria.
“Quase Normal” é uma produção que merece ser vista pelo tema sensível que a peça propõe, permitindo à assistência sair do espetáculo discutindo o que viu, pensando sobre a história, refletindo sobre os personagens. Com um elenco coberto de bons valores, apesar de alguns desacertos, e uma interpretação de trilha sonora magistral, eis aí um espetáculo digno de aplausos que há orgulhar os cariocas, sobretudo os mais sensíveis.

*

Ficha técnica:
Elenco:
Vanessa Gerbelli, Cristano Gualda, Olavo Cavalheiro, Carol Futuro, Victor Maia e André Dias.

Texto: Tom Kitt  
Música e Letra: Brian Yorkey
Direção Musical e regência: Liliane Secco     
Versão brasileira e Direção geral: Tadeu Aguiar
Diretora assistente e Coreógrafa: Flavia Rinaldi
Figurinistas: Ney Madeira, Dani Vidal e Pati Faedo          
Cenógrafo: Edward Monteiro
Designer de luz: Rogério Wiltgen
Designer de som: Fernando Fortes
Preparação vocal: Mirna Rubin
Coordenação de produção: Norma Thiré
Idealização, coordenação do projeto e produção geral: Eduardo Bakr & Tadeu Aguiar - Estamos Aqui Produções Artísticas.

4 comentários:

  1. Ótima crítica!!! "Quase Normal" é um grande espetáculo que ainda dará muito o que falar.
    Mas, só uma correção: o ator Olavo Cavalheiro não é loiro.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Como o ator Olavo Cavalheiro não é loiro?

      Excluir
  2. Ótima crítica, mas o personagem do Olavo Cavalheiro é uma idealização da mãe, logo a crítica à sua "perfeição" me parece equivocada.

    ResponderExcluir
  3. Fraco. Peça muito fraca.Salvam-se os atores/cantores. A versão não transferiu a emoção do original.

    ResponderExcluir

Bem-vindo!