Foto: divulgação
As imagens de Rimbaud: um ótimo espetáculo
“Eu
é um outro”, com direção de Isabel Cavalcanti e dramaturgia de Pedro Brício, é
um espetáculo baseado na obra do poeta francês Arthur Rimbaud (1854-1891). Não
muito longe de ser mais uma peça biográfica (e o Rio de Janeiro está cheio
delas), o ponto alto da produção é não dispensar o que de melhor tem o artista:
a sua arte. Assim, detalhes da vida de Rimbaud interessam pouco ao trabalho
encenado, mas a sua poesia vale muito. Cavalcanti e Brício, eis o maior mérito
da dupla, não têm medo de poesia. As palavras continuam sendo palavras, e
palavras lidas, o que é melhor. Foge-se de tentativas sempre frustradas de dar
ação às palavras dos outros, mas encara-se a celebração dos textos desse outro,
um dos mais comemorados poetas simbolistas, com galhardia.
A
obra de Rimbaud encontra nessas últimas décadas o seu lugar. Nunca a imagem fez
tanto sentido para a humanidade: o cinema, a internet, celulares com câmeras, ônibus
com anúncios de propaganda, álbuns de fotos compartilhados em redes sociais,
avatares. No momento em que esse aspecto é pego pela produção para tratar do
poeta, o que ele escreveu na França na segunda metade do século XIX dialoga
como o homem de hoje de igual para igual. Duas outras histórias são contadas em
paralelo a de Rimbaud: numa delas, no Rio de Janeiro de 1972, o livro “Uma
estadia no inferno” é censurado. Na outra, em Paris de 2005, um professor é
assaltado por um ex-aluno, convidando-lhe para fazer parte em uma encenação. Se,
na primeira, a imagem fica impossibilitada de ser vista, na segunda, ela
precisa causar impacto. Se nós somos uma parte do outro que não é o outro, então,
até mesmo a imagem é fluída, pois ela também se mostra em parte a uma parte de
nós mesmos. Rimbaud está nesse caminho, nesse processo de fazer ver que os cenários
que se parecem com a nossa realidade são, na verdade, apenas passagem. É nesse
princípio que se encontra o argumento da produção tão bem vinda no teatro carioca.
Eis a liberdade e o amor de Rimbaud.
Alcemar
Vieira e Lorena da Silva lideram positivamente o elenco também composto por João
Velho, Ana Abbott e André Marinho. De um modo geral, todos oferecem um belo
trabalho de interpretação, dosando com complexidade a ironia, as emoções, as
passagens mais leves e aquilo que é mais delicado. Na interpretação de Rimbaud,
João Velho oferece ao personagem a inconstância de que ele precisa, parecendo
jovial e irresponsável, mas não menos comprometido consigo próprio e com suas
visões. Fernando Mello da Costa, Rui Cortez, Tomás Ribas e Tato Taborda assinam
cenário, figurino, iluminação e direção musical como se fossem apenas uma só
pessoa no projeto de direção de arte da obra. Em todos os elementos, e nisso
resssaltam-se as participações das perigosas, mas bem feitas, projeções de
Paola Barreto e Lucas Canavarro, “Eu é um outro” se apresenta como um espetáculo
cuidadoso e nobre, inteligente, profícuo e, por tudo isso, bastante
interessante. O ritmo, que se dá através das quebras entre os diversos momentos
da dramaturgia, não cai em nenhum momento, mas deixa, para o final, um de seus
melhores ganhos. É a hora de voltarmos à questão inicial: por que Rimbaud
largou a literatura e foi se aventurar no interior da África?
“Eu
é um outro” é um espetáculo sobre imagens: há quem as valorize a ponto de não
querer se desfazer delas, a quem as valorize a ponto de ir em busca de novas,
mas não há, sobretudo hoje, quem viva sem elas.
*
Ficha técnica:
Direção: Isabel Cavalcanti
Dramaturgia: Pedro Brício
Elenco:
Alcemar Vieira
Alcemar Vieira
Ana Abbott
André Marinho
João Velho
Lorena da Silva
Cenografia: Fernando Mello da
Costa
Figurino: Rui Cortez
Iluminação: Tomás Ribas
Direção Musical: Tato Taborda
Direção de Movimento: Cristina
Moura
Projeções: Paola Barreto e Lucas
Canavarro
Preparação Vocal: Letícia
Carvalho
Design Gráfico: Sônia Barreto
Assistente de direção: Érika Riba
Assistente de figurino: Rodrigo
Abreu
Operador de Luz: Wallace Furtado
Operador de Som e contrarregra: Bárbara
Montes Claros
Operador de Imagem: Rodrigo Lopes
Gerente de Projeto: Rodrigo
Gerstner
Produção Executiva: Bárbara
Montes Claros
Direção de Produção: Celso Lemos
e Lílian Bertin
Idealização: André Marinho e Christiane
Braga
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