domingo, 1 de julho de 2012

O outro Van Gogh (RJ)

Foto: divulgação


Um espetáculo sobre o outro

                “O outro Van Gogh” é um espetáculo baseado nas cartas trocadas entre o pintor impressionista Vicent Van Gogh (1853-1890) e o seu irmão, o marchand Theo Van Gogh (1857-1891) entre 1872 e 1890. Com uma dramaturgia difícil de Maurício Arruda Mendonça, o espetáculo tem uma excelente direção de Paulo de Moraes na sensível interpretação de Fernando Eiras. A peça se passa logo após a morte de Vicent, quando Theo é internado em Ultrecht, em um sanatório, vítima de neurossífilis. No monólogo, o personagem repassa por acontecimentos importantes na vida entre os dois irmãos desde a infância, a relação com os pais, a comunidade religiosa em que viviam esses “filhos do Pastor Van Gogh”, as mulheres e, sobretudo, a falta de dinheiro que responsabilizava Theo pelo sustento de toda a família até a sua morte. Vicent se suicidou com um tiro no peito numa manhã de domingo de sol em um campo de trigo. Dias antes, o irmão lhe escrevia sobre a necessidade de reduzir gastos, considerando o aumento das despesas que ele tinha com a doença do próprio filho, além dos cuidados com os pais. A dor da culpa ao lado da incrível admiração pelo trabalho do irmão são as bases desse personagem que a bela produção dá o público carioca a conhecer.
                A dificuldade da dramaturgia vem das raras marcas que auxiliam ao espectador saber quem fala e quem ouve o que é dito em cena. Eiras, em um delicado e significativo uso de suas diversas e potentes variações de tom e de voz, contribui para a fruição, mas nem isso é suficiente muitas vezes. O espectador perde tempo no jogo de adivinhar quem está falando e quem está ouvindo e, nesse processo, perde boa parte das belezas que o texto contém e que são melhores vistas numa segunda tentativa de assistir ao espetáculo. Afora isso, ficam os movimentos sutis do ator que acaricia o palco e olha o público como quem interpreta uma alma cansada, magoada, derrotada por querer fazer muito mais pelo seu talentoso irmão, mas não pode mais fazê-lo. Eis nesse encontro, uma história de amor incomensurável entre irmãos, mas, sobretudo, entre os dois e a arte.
                “O outro Van Gogh” oferece ao público a espetacular iluminação de Maneco Quinderé. Mais uma vez, o iluminador vai além de ilustrar, vai além de marcar o ritmo e propor contornos ambientais na narrativa, vai além de ser um personagem em cena. Aqui, Quinderé é a opinião do outro, esse outro que às vezes fala, que às vezes ouve, que às vezes perigosamente apenas pensa e talvez critique. Vicent deixou mais de 900 telas, mas apenas uma foi vendida quando o pintor ainda estava vivo. Theo era um marchand de sucesso em Paris e vendia telas de pintores famosos a preços consideráveis. Nesse movimento de contradição, que existe por cima do amor que unia essas duas figuras, pairam o olhar dos pais que, muito religiosos, criticavam a vida dos dois filhos, mas deles necessitavam para viver. Paira o olhar do espectador que não entende como um pintor tão espetacular como Van Gogh pode ter tido uma vida tão paupérrima. É nessa dicotomia que está Quinderé, situando-se, assim como Theo e Vicent, ao lado da trilha sonora de Ricco Viana e de Toninho Van Ahn. Como mérito positivo da direção, estão as operações certeiras de iluminação (Ana Luiza de Simoni) e de som e projeções (Joyce Santiago), que acontecem no instante em que devem conhecer sem falhas, sem intervalos, sem quebras, garantindo o excelente ritmo com que a narrativa se constrói.
                Somos uma parte do outro que nem o outro e nem ninguém é. Em meio a nós, encontram-se, então, muitos outros, enquanto nós mesmos nos encontramos, em parte, em muitos outros. Nesse espetáculo, que merece ser visto, há um olhar profundo e cuidadoso sobre a intersecção entre duas pessoas, dois irmãos fundamentais na história da arte, na caminhada do mundo em olhar-se para si próprio através da cor e do traço. Quem for não pense que assistirá a uma história triste. A tristeza é apenas, afinal, uma parte das histórias de amor.

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Ficha técnica:

Texto: Maurício Arruda Mendonça
Direção e Cenografia: Paulo de Moraes
Iluminação: Maneco Quinderé
Figurino: Rita Murtinho
Videografia: Rico Vilarouca e Renato Vilarouca
Música: Ricco Viana e Toninho Van Ahn
Preparação Corporal: Patrícia Selonk
Idealização: Maria Lucia Lima e Maria Amélia Mello
Direção de Produção: Andréa Alves e Claudia Marques
Assistente de Direção: Lisa E. Fávero
Assistente de cenografia: Ricardo de Castro
Assistente de Iluminação: Russinho
Cenotécnicos: Maranhão e Djavan
Fotógrafo: Mauro Kury
Projeto Gráfico: Alexandre de Castro
Assessoria de Imprensa: Daniella Cavalcanti
Assistente de Assessoria de Imprensa: Bruna Amorim
Narração – voz Vicent Van Gogh: Celso Frateski
Produção Executiva: Lara Schuler e Janaína Santos
Estagiária de Produção: Jéssica Santiago
Equipe de Planejamento da Sarau Agência: Clarissa Verdial e Mariana Sacramento
Auxiliar de Produção: Thiago Katona
Direção de Cena: Jayro Botelho
Operação de Luz: Ana Luiza de Simoni
Operação de Som e Projeção: Joyce Santiago
Co-produção: Fábrica de Eventos e Sarau Agência de Cultura Brasileira

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